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Casos práticos de uma delegacia de polícia: roubo x princípio da insignificância

06/12/2012 às 17:15
Leia nesta página:

O dono de um mercado entra numa salinha e é trancado por Tício. Aproveitando da redução da defesa da vítima, Mévio pegou uma peça de carne. Após, ambos saíram correndo pelas ruas, mas acabaram sendo detidos pela Polícia Militar.

Introdução

O princípio da insignificância foi introduzido no sistema penal por Claus Roxin e, desde então, só vem ganhando força dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se, em última análise, de uma sólida argumentação técnico-jurídica que tem o objetivo de afastar a tipicidade de algumas condutas sempre que a lesão causada ao bem jurídico tutelado seja ínfima.

Roxin defende a idéia de que mínimas ofensas aos bens jurídicos não merecem a intervenção do Direito Penal, sendo que este se mostra desproporcional à lesão efetivamente causada.

Luiz Flávio Gomes nos dá o conceito de crime insignificante:

“infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância. Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.).”[1]

Não podemos olvidar, contudo, que o princípio da insignificância é alvo de algumas críticas por parte da doutrina, especialmente devido ao fato de que tal princípio não encontraria um amparo legal. Data máxima vênia, não podemos concordar com isso. De acordo com o nosso entendimento, o princípio da insignificância pode ser extraído do artigo 209, §6°, do Código Penal Militar e do artigo 282, inciso II do Código de Processo Penal, senão vejamos:

Art. 209, §6° do CPM: No caso de lesões levíssimas, o Juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Art. 282 do CPP: As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (grifos nossos).

Com essas considerações, fica demonstrado que o princípio da insignificância possui, sim, amparo legal. Ademais, lembramos que o próprio Supremo Tribunal Federal nos fornece alguns vetores para a sua aplicação, quais sejam: ausência de periculosidade social da ação; mínima ofensividade da conduta do agente; inexpressividade da lesão jurídica causada; e a falta de reprovabilidade da conduta.

Frente ao exposto, tendo em vista que o Direito Penal deve se preocupar apenas com as lesões mais graves, cometidas contra os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, com subsídio no princípio da intervenção mínima, no postulado da proporcionalidade e no valor supremo da dignidade da pessoa humana, defendemos, com veemência, a aplicação do princípio da insignificância por todos os operadores do Direito.


Caso Prático

Em uma cidade pequena do interior, Tício e Mévio entraram em um mercadinho que acabara de abrir. Como estava muito cedo, o movimento no mencionado estabelecimento comercial ainda era pequeno e, devido a este fato, apenas o seu proprietário estava no local.

Ocorre que, em determinado momento, o proprietário entrou em uma salinha reservada aos funcionários do mercado, oportunidade em que Tício o trancou nesse compartimento. Aproveitando que a possibilidade de defesa da vítima foi reduzida, Mévio se apoderou de uma peça de carne no valor de vinte reais. Após, ambos saíram correndo pelas ruas, mas acabaram sendo detidos pela Polícia Militar.


Enquadramento Típico

Com base na doutrina, nós podemos dividir o crime de roubo em duas espécies ou modalidades: roubo próprio (previsto no artigo 157, caput); e roubo impróprio (previsto no §1° do mesmo dispositivo legal).

Esta última modalidade se caracteriza quando o agente, após o prévio apoderamento do objeto material do delito, emprega violência física ou grave ameaça contra a vítima, com o desiderato de garantir a posse da coisa roubada ou assegurar a impunidade do crime.

No roubo próprio, por outro lado, o agente, mediante violência física, grave ameaça ou qualquer outro meio que impossibilite a defesa da vítima, subtrai coisa alheia móvel. Percebam, caros leitores, que o legislador penal nos fornece dois exemplos de como o agente pode praticar o roubo (violência ou grave ameaça) e, após, ele se vale de uma cláusula genérica (qualquer outro meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima) para tipificar a conduta. De acordo com a doutrina, nesse último caso o sujeito ativo do crime faz uso de uma violência imprópria.

Dito isso, lembramos que a aplicação do princípio da insignificância  ao crime de roubo é repudiada pela maioria da doutrina e jurisprudência, especialmente devido ao fato de o tipo penal em análise proteger, além da propriedade, a integridade física da vítima, afinal, uma conduta que coloque em risco a vida de uma pessoa não pode nunca ser insignificante!

Entretanto, em se tratando de um crime de roubo praticado mediante violência imprópria – como é o caso do nosso exemplo – a integridade física da vítima não é ameaçada em momento algum.

Desse modo, considerando que Tício e Mévio não possuíam antecedentes criminais, tendo em vista a ausência de periculosidade social da ação, a mínima ofensividade da conduta dos agentes, a inexpressividade da lesão jurídica causada e a falta de reprovabilidade das condutas, com base nos artigos 209, §6°, do Código Penal Militar e 282, inciso II, do Código de Processo Penal, seria perfeitamente possível a aplicação do princípio da insignificância nessa situação.

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Ora, analisando friamente essa questão, Tício e Mévio responderiam pelo crime de roubo circunstanciado ou majorado, uma vez que agiram em concurso de pessoas (artigo 157, caput, parte final, §2°, inciso II, do CP). Assim, eles estariam sujeitos a uma pena de até quinze anos de prisão. Com todo respeito às opiniões em sentido contrário, a imposição de uma pena dessas não nos parece proporcional à gravidade dos fatos.

Frente ao exposto, defendemos ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de roubo, desde que se trate de violência imprópria. Tendo em vista que o Direito Penal deve ser utilizado apenas em último caso (princípio da intervenção mínima), é um pouco temerário afastar a aplicação de qualquer tipo de norma de forma abstrata, sendo que cada caso deve ser analisado de acordo com as suas especificidades.


Bibliografia

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Volume 1. Ed. Revista dos Tribunais. 2009.


Notas

[1] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. p.15

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Sobre o autor
Francisco Sannini Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado com especialização em Direito Público. Professor Concursado da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Professor da Pós-Graduação em Segurança Pública do Curso Supremo. Professor do Damásio Educacional. Professor do QConcursos. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANNINI NETO, Francisco Sannini Neto. Casos práticos de uma delegacia de polícia: roubo x princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3445, 6 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23182. Acesso em: 19 nov. 2024.

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