3 PUNITIVE DAMAGES OU INDENIZAÇÃO PUNITIVA
3.1 Conceito
Para compreender o instituto da indenização punitiva, é mister analisar a definição trazida pela doutrina. De início, pode-se afirmar que indenização punitiva, também conhecida como exemplar, seria a atribuição de um acréscimo ao valor da compensação do dano com a finalidade de punir o ofensor pelas lesões por ele causadas e retirar da sociedade o desejo de repetir a atitude repreendida pela condenação. (PROSSER; SCHWARTZ apud VENTURI, 2006)
Neste mesmo sentido Martins-Costa e Pargendler (2005, p. 16), as quais entendem que indenização punitiva:
Consiste na soma em dinheiro conferida ao autor de uma ação indenizatória em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano, tendo em vista a dupla finalidade de punição (punishment) e prevenção pela exemplaridade da punição (deterrence) opondo-se – nesse aspecto funcional – aos compesatory damages, que consistem no montante indenizatório compatível ou equivalente ao dano causado, atribuído com o objetivo de ressarcir o prejuízo.
Tratando da aplicação da indenização punitiva, Azevedo (2004, p. 216) entende que a mesma seria cabível nos casos em que estivessem presentes os danos sociais, os quais seriam: “lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida”.
Em suma, pode-se afirmar que a indenização punitiva implicaria em um aumento da condenação destinado tanto à efetiva punição do agente causador dos danos, quanto ao desestímulo da sociedade ao não cometimento da mesma atitude realizada pelo ofensor. Além disso, é possível concluir que, enquanto a função compensatória busca a compensação das lesões e a satisfação do ofendido, a feição punitiva tem foco distinto, atuando na direção do ofensor e da sociedade.
3.2 Principais precedentes históricos
No estudo das indenizações punitivas, torna-se essencial a compreensão de suas origens, observando as peculiaridades ocorridas durante seu histórico. Inicialmente, a função punitiva nas indenizações por dano moral foi desenvolvida nos países com base jurídica no Direito Comum (common law), que seria:
Um sistema jurídico em que uma das fontes primárias do Direito é a decisão ou precedente judicial (precedent). O conjunto dessas decisões (caselaw), vinculadoras do julgamento de casos futuros, constitui o ‘Direito comum’, aplicável preferencialmente em relação às normas estabelecidas abstratamente em leis ou outros diplomas emanados de órgãos com competência legislativa. (ANDRADE, 2009, p. 169, grifo do autor)
Nos países do Common Law, os punitive damages advém de tempos antigos, quando o indivíduo causador de danos era condenado a suportar uma reparação correspondente a múltiplas vezes a extensão das lesões. A esta prática denominava-se indenização múltipla. (VAZ, 2009)
Foi na Inglaterra que a função punitiva das indenizações ganhou destaque, principalmente a partir do julgamento do caso Huckle v. Money, quando os termos punitive damages foram utilizados pelos julgadores para justificar a indenização recebida por uma pessoa que permaneceu encarcerada indevidamente durante 6 horas. (VAZ, 2009)
Outro caso foi o Wilkes v. Wood, o qual tratava do seguinte fato:
O nº 45 do jornal semanal The Noth Briton publicara artigo anônimo de conteúdo alegadamente ofensivo à reputação do rei George III e de seus ministros. Em consequência, Lord Halifax, secretário de Estado do rei determinou a expedição de mandado genérico (general warrant), autorizando a prisão dos suspeitos de envolvimento na publicação do artigo, sem identificá-los nominalmente. Foram presas 49 pessoas, dentre as quais o autor do artigo, John Wilkes, inflamado membro da oposição no Parlamento. Mensageiros do rei invadiram e reviraram a casa de Wilkes, forçando gavetas e apreendendo livros e papéis privados, sem inventariá-los. Wilkes, então, ajuizou uma action for trespass [ação de transgressão] contra Mr. Wood, subsecretário de Estado, que havia pessoalmente supervisionado a execução do mandado. Demandou exemplary damages [indenização exemplar], ao argumento de que uma indenização de reduzido valor não seria suficiente para impedir a prática de condutas semelhante. O júri estabeleceu a soma, considerável para a época, de £1000 (mil libras) a título de punitive damages. (ANDRADE, 2009, p. 179, grifo do autor)
Com o tempo, os punitive damages passaram a perder progressivamente seu destaque na Inglaterra, fato que teve cume na metade do Século XX, quando ficou limitado a três casos, quais sejam, violação de direitos fundamentais pela administração pública; enriquecimento derivado de uma conduta culposa; e nos casos previstos em lei. Em sentido oposto, foi a partir da segunda metade do mencionado século que o instituto ganhou forças nos Estados Unidos, principalmente nas indenizações relacionadas ao direito do consumidor. (MORAES, 2009)
Pode-se afirmar que foi nos Estados Unidos que a indenização punitiva desenvolveu-se aos moldes atuais, pois, segundo Vaz (2009, p. 45):
Foi na segunda metade do século XX que houve efetiva disciplina da responsabilidade civil como um ramo autônomo do Direito nos Estados Unidos. Isso porque, com o crescimento da população e, principalmente, da industrialização, novos e maiores problemas surgiram do convívio social e daí a urgência de um aprimoramento jurídico para dirimir os conflitos que passavam a se acumular.
Assim como no direito brasileiro, o ordenamento norte-americano tem uma divisão entre responsabilidade civil contratual e extracontratual. Enquanto a contratual (Contract Law) restringe-se a situações decorrentes de negócio jurídico, a extracontratual (Tort Law) tem como meta resguardar os interesses da sociedade, buscando eliminar as lesões percebidas por alguém. Esta atuação é realizada mediante a tentativa de restauração do estado existente antes das lesões, punindo o agente causador dos danos e, consequentemente, desestimulando a sociedade ao cometimento da atitude lesiva. (VAZ, 2009)
Quanto aos precedentes jurisprudenciais deste país, deve-se destacar o caso “MER 29”, uma droga indicada para a redução do colesterol que, como efeito colateral, provocava o surgimento de catarata nos olhos de quem a consumia. Segundo Andrade (2009, p. 190, grifo do autor):
A droga, que foi administrada em aproximadamente 400.000 pessoas, rendeu para a fabricante, Richardson-Merrell, cerca de U$7 milhões e gerou 490 casos de catarata relatados. Dois julgamentos tornaram-se leading cases [precedentes]. O primeiro foi Roginsky v. Richardson-Merrell, Inc. Em primeiro grau de jurisdição, a empresa fabricante do medicamento fora condenada a pagar US$17,500 como compensatory damages [indenização compensatória] e US$100,000 em punitive damages ao autor da ação, vítima de efeito colateral do medicamento. Todavia, a Corte de apelação reformou a decisão, excluindo os punitive damages. O redator da decisão da Corte, Judge [Juiz] Friendly, argumentou que não havia evidências suficientes de um comportamento do fabricante que desse ensejo ao estabelecimento de uma indenização de caráter punitivo. Mas o argumento mais controvertido foi o de que a maciça distribuição do medicamento dera ensejo a um potencial de centenas de processos judiciais semelhantes e, em consequência, aumentara a possibilidade de imposição de indenizações punitivas cumulativas, cujo montante total poderia ultrapassar o necessário para punir e dissuadir a empresa fabricante, que poderia ter a sua saúde econômica irremediavelmente afetada.
Dois meses depois, foi julgado o segundo leading case, Toole v. Richardson-Merrell, Inc. Toole, o autor da ação, fora vítima de catarata em um dos olhos como efeito colateral decorrente do uso da droga. O fabricante do medicamento foi condenado pelo júri a pagar US$175,000 de compensatory damages pela lesão sofrida pela vítima e US$500,000 adicionais a título de punitive damages, reduzidos estes últimos pelo juiz para US$250,000. No julgamento, considerou-se que houve malícia por parte da empresa, que sabia que o produto não era seguro, pois testes realizados previamente em animais teriam demonstrado o desenvolvimento de catarata. Além disso, o fabricante teria distorcido relatórios submetidos à FDA (Food and Drug Administration) e deixado de advertir os usuários quanto aos riscos inerentes à utilização do medicamento. A Corte de Apelações confirmou os punitive damages, rejeitando as razões anteriormente apresentadas no case Roginsky e argumentando que a conduta da empresa ré fora imprudente e demonstrara falta de consideração para com suas prováveis consequências danosas. Toole v. Richardson-Merrell, Inc. pode ser considerado um caso seminal de indenização punitiva em situação de responsabilidade objetiva (strict liability) pelo fato do produto (product liability).
Foi a partir dos precedentes mencionados que a indenização punitiva ganhou força nos Estados Unidos, atingindo um número cada vez maior de casos e influenciando as decisões proferidas no ordenamento mencionado.
Por fim, deve-se mencionar que, além da Inglaterra e Estados Unidos, a aplicação dos punitive damages está presente em outros ordenamentos pelo mundo, como, por exemplo, na Irlanda, na Austrália, na Nova Zelândia e no Canadá, países com ordenamentos jurídicos baseados no Common Law. (ANDRADE, 2009)
3.3 Críticas comuns à aplicação genérica do caráter punitivo
Ao analisar a atribuição do caráter punitivo nas indenizações por dano moral, é comum visualizar algumas críticas acerca da aplicação do instituto como regra no ordenamento jurídico.
Analisando a indenização punitiva, Bassan (2009, p. 72) critica a sua aplicabilidade por ofensa ao princípio da legalidade, pois, segundo a autora: “quando se fixa um valor indenizatório, no intuito de punir o causador do dano, não é dado a este conhecer os limites desta punição, configurando-se tal situação em flagrante desrespeito ao princípio em questão”.
Em sentido semelhante estão os ensinamentos de Moraes (2009), segundo a qual a aplicação desordenada do instituto violaria o princípio da legalidade, pois a aceitação do caráter punitivo nas indenizações por dano moral quebraria a tradição do ordenamento pátrio de ter a compensação como objetivo principal da responsabilidade civil em lesões da esfera moral.
Todavia, não se pode negar a aplicabilidade da indenização punitiva nas decisões proferidas no ordenamento brasileiro, haja vista as condenações buscarem a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana. Além de mencionar a aplicabilidade do instituto no caso em que o ofensor esteja disposto a pagar o preço da compensação, Andrade destaca que (2009, p. 292):
Nos casos em que o ofensor obtém lucro com a atividade lesiva ou em que o responsável deixa de investir em mecanismos de controle e prevenção, em razão dos custos destes [...], a indenização punitiva, diferentemente da indenização meramente compensatória, revela-se um meio de proteção eficaz dos direitos de personalidade.
Logo, em face da indispensável proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da sociedade como um todo, não deve prosperar a crítica em análise.
Outro crítica recorrente é a violação do princípio do ne bis in idem, que proíbe a dupla punição sobre o mesmo fato. Moraes (2009, p. 260) entende que, ao atribuir o efeito punitivo à condenação: “o ofensor [...] estaria sendo punido duplamente, tanto na sede civil como em sede penal, considerando-se, ainda, de relevo o fato de que as sanções pecuniárias têm potencial para exceder, em muito, as correspondentes do juízo criminal”.
Neste mesmo sentido está Bassan (2009), quando informa que, em várias situações, a lesão base da reparação cível também repercute na esfera penal sob a forma de ilícito criminal, fato ensejador de dupla apreciação judicial. Caso haja aplicação do caráter punitivo, haverá dupla condenação com um mesmo fundamento.
Não obstante o alegado, deve-se frisar que isto não impede a atribuição do efeito punitivo às indenizações por dano moral, haja vista as sanções pecuniárias não serem restritas a uma ou outra ramificação jurídica, devendo cada uma impor a sanção devida ao agente causador dos danos. Caso na esfera penal seja arbitrada multa em decorrência do fato a ser apreciado na esfera cível, nada impede que haja um abatimento do valor determinado na esfera cível com o montante arbitrado na criminal, evitando, assim, uma condenação relativamente alta e, como consequência, a não ocorrência do bis in idem. (ANDRADE, 2009) Por isso, descabida se torna a alegação de dupla condenação com mesmo fundamento.
Por fim, faz-se mister destacar a alegação de enriquecimento sem causa. Bassan (2009) afirma que o lesado tem o direito à compensação de seus danos, mas não detém o de perceber indenização superior à específica compensação de suas lesões, pois, caso isto ocorra, haverá a violação do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Enfatiza, ainda, que o valor da indenização deve ser o estritamente necessário para compensar os danos, sob pena de o ofensor suportar importância demasiadamente alta, o que, segundo a autora, não é previsto na legislação.
No entanto, esta crítica não deve prosperar. Conforme relembrado por Andrade (2009, p. 275, grifo do autor), não há que se falar em enriquecimento sem causa em relação às indenizações por dano moral, pois, diferentemente dos objetos, a dignidade e a honra do lesado não podem ter preço definido. Utilizando-se dos ensinamentos de Kant, destaca que: “somente tem preço aquilo que pode ser substituído por um equivalente; o que não tem equivalência e está acima de todo preço compreende uma dignidade”.
Outrossim, não há que se falar em condenação superior à necessária. Analisando os critérios tradicionais de valoração do dano moral, Moraes (2009, p. 302) lembra que:
A sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão jurídica mais do que suficiente para impedir que se fale, tecnicamente, de enriquecimento injustificado. O enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido.
Portanto, com demonstrado acima, não resta óbice à atribuição do efeito punitivo às indenizações por dano moral, as quais, antes tudo, resguardam o bem mais precioso que pode existir: o respeito à dignidade humana.
3.4 Casos de aplicação do instituto
Por trazer uma função adicional à indenização por danos morais, a aplicação da indenização punitiva deve ser restrita a alguns casos em que sua utilização se torna indispensável. Analisando o posicionamento de alguns doutrinadores brasileiros, verifica-se a indicação de alguns casos.
Pode-se afirmar que a culpa grave do ofensor é a indicação mais recorrente na doutrina. Conforme já informado nesta obra, classifica-se a culpa do agente em três níveis, quais sejam, a levíssima, a leve e a grave (DINIZ, 2010). Para que seja possível a atribuição do caráter punitivo, é necessário que a agressor tenha atuado com culpa grave, não atendendo, assim, às exigências mínimas de cuidado na prática de um determinado ato. (PERES, 2006)
Diferentemente da face compensatória, onde se busca apenas a compensação da lesão independente do grau de culpa do ofensor, na feição punitiva da indenização, deve-se observar se o agente tomou os cuidados mínimos para evitar o dano, pois, caso tenha agido sem a observância das precauções exigidas a todos, deverá ter sua condenação majorada com a aplicação do instituto ora estudado. Neste sentido, o seguinte entendimento doutrinário:
Para a aplicação da indenização punitiva, ao contrário [da compensatória], é fundamental estabelecer o grau de culpa (lato sensu) da conduta do agente. Essa espécie de sanção deve, em linha de princípio, ser reservada apenas aos casos de dano moral decorrentes de dolo ou culpa grave, nos quais o comportamento do agente se afigura especialmente reprovável ou merecedor de censura. Com efeito, a indenização com caráter de pena deve ser aplicada quando patenteado que o ilícito foi praticado com intenção lesiva ou, ao menos, com desprezo ou indiferença pelo direito alheio. É nessas situações que a indenização punitiva encontra campo fértil para exercer a sua função dissuasória, que objetiva prevenir a prática de outros ilícitos contra direitos da personalidade. Tomando de empréstimo expressão empregada por Ihering, só nos casos em que a própria pessoa fosse “pisoteada juntamente com o seu direito” é que a indenização punitiva se justificaria, como forma de auto-afirmação da personalidade. (ANDRADE, 2008a, 10, grifo do autor)
Ademais, como bem destacado por Santos (2008, p. 161), nos casos de culpa grave:
A proteção deve ser destinada, de forma ampla, à vítima e à sociedade que, nesse caso, está diante de indivíduos que transgridem deliberadamente vários princípios constitucionais e gerais de direito, isto é: a dignidade humana (Art. 1º da C.F), o princípio da solidariedade que engloba a cooperação (art. 3º da C.F); a boa-fé objetiva (art. 422 do código Civil) e a função social do contrato (art. 422 Código Civil).
Tratando da indenização dos danos sociais, Azevedo (2004, p. 214, grifo do autor) entende ser necessária a aplicação da indenização punitiva quando o ofensor agir com dolo ou culpa grave, pois:
É que um ato, se doloso ou gravemente culposo, ou se negativamente exemplar, não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a toda a sociedade, num rebaixamento imediato do nível de vida da população. Causa dano social. Isto é particularmente evidente quando se trata de segurança, que traz diminuição da tranquilidade social, ou de quebra da confiança, em situações contratuais ou paracontratuais, que acarreta redução da qualidade coletiva de vida.
Assim, verificada a presença de dolo ou culpa grave na atitude do ofensor, necessária se tornará a atribuição de um caráter punitivo à indenização por dano moral a ser arbitrada pelo magistrado.
Outro fator que tem a capacidade de impor a utilização do efeito punitivo é o número de vítimas, pois, caso uma atitude tenha o condão de lesionar um grande número de pessoas, a repreensão judicial deve ser muito mais severa do que com aquele outro ato lesivo similar que cause lesões a um número menor de vítimas. (ANDRADE, 2009)
Um dos casos em que um grande número de vítimas pode ser visualizado é o de lesão a danos difusos. Uma das defensoras da aplicação do instituto para este caso é Moraes (2009, p. 263), a qual afirma ser possível atribuir:
Um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às dimensões do universo a ser protegido.
Assim, atingindo direitos de um grande número de pessoas, como é o caso de lesões ao direito ambiental, indispensável será a aplicação da função punitiva na indenização do dano moral para que o causador do dano arque com uma condenação proporcional às lesões por ele causadas.
Outro aspecto que também merece destaque é a gravidade do dano, pois, dependendo da extensão que o dano assumir, mister se fará a aplicação do caráter punitivo no arbitramento da indenização. Neste caso, o fator relevante não será a intenção de causar a lesão, mas, sim, as repercussões que a ação delituosa causou na vítima. Conforme destacado por Andrade (2009, p. 307, grifo do autor):
Em circunstâncias particulares, uma conduta ilícita resultante de culpa pode ser merecedora de mais dura repreensão que outra praticada com dolo intenso, dependendo dos interesses jurídicos atingidos em cada caso e de outras circunstâncias concretas. Assim, por exemplo, ordinariamente uma lesão à vida decorrente de grave negligência ensejará sanção pecuniária mais elevada que uma lesão à intimidade causada dolosamente, uma vez que o primeiro dano, por atingir interesse ou atributo mais encarecido, é, por isso mesmo, tido como mais reprovável.
Isso demonstra que, verificada uma significativa extensão das lesões, o arbitramento da condenação não só deve compensar as perdas, mas, também, deve repreender o indivíduo causador dos danos.
Por sua vez, Vaz (2009) destaca a importância de atribuir o efeito punitivo em situações abarcadas pela responsabilidade objetiva, como, por exemplo, nas relações de consumo. Ressalta, porém, que, assim como no caso da modalidade subjetiva, nem sempre seria possível atribuir o efeito punitivo na responsabilidade objetiva. Conforme destacado pela doutrinadora, são passíveis de atribuição do efeito punitivo apenas:
Aqueles casos em que, apesar de ser conhecedor do risco que o produto oferece à sociedade, o produtor mostra-se indiferente ao resultado, não tomando qualquer atitude no sentido de evitar o dano que seria evitável. Ou seja, tem-se maior dificuldade em vislumbrar a necessidade de punir e dissuadir, nas situações em que, dentro da margem de seu conhecimento técnico, os profissionais comportam-se de forma a promover a maior segurança e tranquilidade possíveis ao destinatário do seu labor; pois, quando houvesse, ainda assim, prejuízo, ao consumidor, seria adequada e suficiente a condenação, por o fim de indenizar e compensar as vítimas. (VAZ, 2009, p. 55)
Então, não seriam todos os casos abarcados pela responsabilidade objetiva que permitiriam a utilização do instituto ora analisado, mas, somente, aqueles onde se verifica a presença de: “indiferença pelos mais altos valores defendidos pelo Direito, como a vida e a integridade física da pessoa humana”. (VAZ, 2009, p. 56)
Assim, entende-se que, por mais interessante que seja a utilização da feição punitiva, esta não pode ser utilizada como regra nas indenizações por dano moral, sendo adequada sua aplicação nos casos em que, conforme destacado por Moraes (2009, p. 263) for necessário: “dar uma resposta à sociedade, isto é, à consciência social, tratando-se, por exemplo, de uma conduta particularmente ultrajante, ou insultuosa, em relação à consciência coletiva, ou, ainda, quando se der o caso, não incomum, de prática danosa reiterada”.
Por fim, para uma completa análise do caráter punitivo, torna-se indispensável averiguar a possibilidade de atribuir este efeito nas condenações proferidas no ordenamento brasileiro, verificando quais os nortes a se seguir e como este arbitramento deveria ser realizado. Para solucionar tais indagações, imperiosa se faz a leitura do capítulo seguinte.