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O debate jurídico inicial sobre o Acordo de Livre Comércio da América do Norte

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23/12/2012 às 08:54
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O impacto do NAFTA na economia dos Estados Unidos, após três anos de vigência, são ainda considerados modestos. O alcance da justiça social deveria ser de maior importância do que a pureza do livre mercado.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. As Origens do NAFTA. 1.1. A aproximação Estados Unidos, México e Canadá. 1.2. Negociações. 2. O Debate sobre o NAFTA. 2.1. O NAFTA e seus defensores. 2.2. A oposição ao NAFTA. Conclusão. BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

O contexto histórico mundial que sucedeu a queda dos regimes do leste europeu, o encerramento da Guerra Fria e o fim do sistema bipolar foi denominado pelo presidente norte-americano George Bush de "Nova Ordem Mundial", durante o encontro de Malta com Gorbachov em dezembro de 1989.

Estes acontecimentos caracterizaram, no entender de muitos analistas, uma “vitória” dos Estados Unidos[1], principalmente pela a abertura das economias e a globalização.[2]O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA)[3] insere-se nesta nova dinâmica internacional de integração econômica em blocos regionais como uma das maneiras que os Estados Unidos pretende manter sua hegemonia econômica frente ao bloco europeu e ao "bloco" não institucionalizado asiático oriental[4].  

O tema foi escolhido para objeto do presente estudo por entender ser a formação de blocos de integração parcial ou total entre países um dos elementos centrais para a compreensão do plano internacional do final deste século. Além de ser de fundamental importância para a melhor compreensão do direito internacional e seus desdobramentos.

Nesta perspectiva, de um sistema internacional em transição, este estudo foi dividido em duas partes. Na primeira, foi estudado o NAFTA quanto ao seu perfil histórico. Essencialmente, houve uma subdivisão em dois períodos fundamentais, a saber: a aproximação entre os três países signatários do acordo e a etapa de negociações do mesmo.

Salienta-se o papel relevante dos Estados Unidos em arquitetar o acordo, bem como a importância da conjugação de determinadas circunstâncias internas e externas em relação ao Canadá, México e Estados Unidos para que o surgissem as intenções de se realizar o acordo.          

Após esta etapa inicial, as negociações tomaram curso e no seu ano final encontraram o entrave de uma crescente oposição ao NAFTA em todos os países. Não obstante esta oposição, o acordo foi assinado e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1994.

Na segunda, a intenção inicial era no sentido de estruturá-lo abordando qual seria a situação atual do NAFTA no tocante a sua efetividade. Contudo, a leitura dos textos concernentes ao assunto apontou que o tema estaria inserido genericamente no debate sobre o NAFTA e que, a partir dos seus argumentos favoráveis e contrários, existiria a possibilidade de verificar a sua efetividade acrescentando-se o interessante elemento do confronto de ideias que envolveram o tema.       

Apesar da escassez de materiais atuais sobre o assunto em nossas bibliotecas, a indagação da efetividade do NAFTA pode ser melhor examinada com o seu desdobramento. Observando-se o texto do NAFTA, percebe-se que o mesmo é um acordo amplo, envolvendo assim vários âmbitos de efetividade. Dessa forma, é possível questionar a sua efetividade de maneira mais restrita, ou seja, econômica, jurídica, social e ambiental. 


1. As Origens do NAFTA

O NAFTA foi assinado em 17 de dezembro de 1992 pelos Estados Unidos, Canadá e México depois de mais de 47 meses de negociações formais, essencialmente entre o então Presidente dos Estados Unidos, George Bush, e o do México, Carlos Salinas. As negociações foram iniciadas em 1º de janeiro de 1989, quando ambos assinaram um compromisso para a execução de trabalhos preparativos para abrir as negociações relativas a um acordo internacional[5].

Tendo como uma de suas características mais interessantes a aproximação, com a criação de uma zona preferencial de livre comércio, entre países assimétricos[6], o NAFTA economicamente congrega 8,67 trilhões de dólares norte-americanos de Produto Nacional Bruto, e reúne, aproximadamente, 388 milhões de pessoas[7].

Sintetizando, na conjuntura dos acordos econômicos de integração, o NAFTA constitui um dos seis tipos distinguidos internacionalmente: 1) união econômica, na qual os membros integram todas suas políticas econômicas; 2) mercado comum no qual uma união aduaneira é suplementada com a remoção de todas as barreiras para multiplicar os movimentos entre os membros; 3) união aduaneira, na qual os países membros eliminam as barreiras tarifárias e não-tarifárias entre eles estabelecendo uma tarifa externa comum sobre bens de outros países; 4) acordo de livre comércio, no qual os países membros eliminam substancialmente todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias entre eles; 5) acordo preferencial, no qual o acesso a um mercado maior é oferecido sem exigências de reciprocidade; e 6) acordo setorial que prevê tarifas reduzidas ou tratamento de zona franca entre seus membros apenas para uma variedade limitada de produtos.[8]

Dessa maneira, o NAFTA é um amplo acordo comercial que principalmente eliminará por completo as tarifas e removerá muitas das barreiras não-tarifárias, como as licenças de importação que ajudaram a excluir do México e do Canadá bens fabricados nos Estados Unidos. Da mesma forma, o acordo assegura que os investimentos externos não serão coagidos por políticas governamentais restritivas e que os investidores norte-americanos recebam tratamento igualitário em comparação aos investidores mexicanos e canadenses.

Dispõe, no seu artigo 2205, que outros países ou grupos de países poderão ser admitidos como membros dele com o consentimento dos três membros originais em conformidade com as condições que estes estabeleçam uma vez concluídos os processos internos de aprovação em cada um destes países. Assim, o NAFTA é o único acordo sem uma cláusula de acesso geograficamente definida, permitindo, teoricamente, a adesão de todos os países do hemisfério. A condição de membro em todos os outros acordos é sujeita a limitações geográficas ou outras em nível sub-regional. Contudo, existe a possibilidade de emendas ao acordo proibirem[9] a expansão hemisférica do livre comércio[10].

Considerado aqui no Brasil por Rubens Ricupero e Sérgio Amaral como "o mais ambicioso instrumento de cooperação econômica entre países industrializados e uma economia latino-americana"[11], formalmente, o acordo tem como objetivos, conforme o seu artigo 102: a) eliminação de barreiras não tarifárias e de tarifas de importação entre os três países buscando facilitar o movimento entre fronteiras de bens e serviços; b) promover condições de concorrência leal na zona de livre comércio; c) aumentar substantivamente as oportunidades de investimentos nos territórios dos países signatários; d) providenciar a adequada e efetiva proteção e aplicação dos direitos de propriedade intelectual em cada território membro; e) criação de processos efetivos para a implementação e aplicação do acordo, sua administração e resolução de conflitos; e f) estabelecer um padrão para futuras cooperações trilaterais, regionais e multilaterais visando a expansão e aprimoramento dos benefícios do acordo.

1.1. A aproximação Estados Unidos, México e Canadá

Em seu contexto, os Estados Unidos é inegavelmente o seu líder por diversas razões: quer seja pela grandeza de sua economia, se comparada a do Canadá e a do México, ou pela sua relativa independência comercial dos mesmos[12]. Percebe-se que o grande agente incentivador da aproximação, através do livre comércio, destes três países foram realmente os Estados Unidos[13].

Analisando-se os eventos que contribuíram para a assinatura do NAFTA, observa-se que parte de sua origem política está ligada ao ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan[14], que durante a campanha presidencial de 1980, pregava a ideia de um "Mercado Comum Norte-americano". Frisa-se que, inicialmente, tanto o governo do Canadá quanto o do México não conferiram importância ao que parecia ser apenas uma proposta secundária na política internacional do então candidato à presidência dos Estados Unidos.

A concepção de um colosso norte-americano economicamente unificado, resistente à subversão do hemisfério sul e aos ataques comerciais praticados pelo hemisfério leste e o oeste deve-se ao economista Martin Anderson, conselheiro de política interna do governo Reagan, e ao chefe da campanha presidencial de Reagan, John Sears. O México havia adquirido importância estratégica para os Estados Unidos devido ao petróleo e constituído-se num problema devido à imigração ilegal, ao tráfico de drogas e aos movimentos radicais esquerdistas[15].

O Canadá, sob o governo do social-democrataPierre Trudeau, estava tentando implementar programas com o objetivo de prevenir futuras invasões promovidas pela cultura e investimento norte-americanos. Sem sombra de dúvidas, não constituiria um candidato a uma política de abertura de fronteiras[16].

O México, por sua vez, no final dos anos 70, estava acumulando recordes de crescimento econômico sustentado, principalmente, pelas exportações de petróleo. O presidente mexicano José López Portillo, havia declarado que o seu principal problema econômico era o de “administrar a abundância”.[17] No âmbito do comércio internacional recentemente havia revertido sua decisão quanto a adesão do México ao GATT.

A ideia de uma reciprocidade nas relações comerciais com uma superpotência industrial como os Estados Unidos era rechaçada por uma ampla maioria, pois implicaria em resultados desastrosos para a economia mexicana. Em relação ao GATT, o consenso existente entre a esquerda e a direita apontava como inevitável a obrigação que o México teria de adquirir uma quantidade maior de produtos manufaturados dos países importadores do petróleo mexicano, acarretando assim a restrição da utilização dos chamados “petrodólares” na industrialização e na adoção de programas descentralizadores da economia.

No entanto, no início dos anos 80, a economia mexicana atravessou uma crise econômica sem precedentes nos últimos 50 anos de sua história. Com efeito, a depressão elevou a inflação de 20% anuais para o patamar dos 400%, diminuindo drasticamente a renda per capita. Conseqüentemente, esta circunstância atenuou a vigorosa coalizão em torno do modelo protecionista e nacionalista de desenvolvimento, bem como destruiu a legitimidade do antigo modelo econômico.[18]

Ronald Reagan, durante a sua presidência, nunca colocou em prática suas ideias de livre comércio com o México, apenas deu vida à ideia intuindo que a economia americana em breve necessitaria reduzir seus gastos militares e reorientar sua economia. O conceito de um pacto norte-americano de livre comércio foi introduzido a um público mais amplo por seus esforços. De similarimportância foi o fato de ter obtido sucesso em colocar este conceito no programa do partido Republicano. A conclusão do acordo bilateral com o Canadá estabeleceu os parâmetros estruturais para o NAFTA. Reagan fez o convite ao governo mexicano e esclareceu que o próximo passo deveria ser dado pelo México, no entanto o convite somente foi aceito quando George Bush o repetiu em 1988.[19]

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Os anos 80 foram, no entender de Samuel P. Huntington[20], de profundas mudanças para o México. Até o governo de Miguel de la Madrid, o México havia se posicionado e se definido em oposição ao aos Estados Unidos, atuando no contexto econômico mundial de maneira antagônica a do seus vizinhos de fronteira, de maneira a desafiar os interesses destes.

Mudanças econômicas que alteraram uma estratégia de industrialização baseada em substituição de importações utilizada há décadas pelo México. Iniciadas pelo governo de Miguel de la Madrid, alterações como a rápida liberalização das restrições às importações ocorrida entre 1985 e 1987 vieram a possibilitar um clima propício, sob o ponto de vista norte-americano, para o equacionamento da dívida externa Mexicana e a negociação do futuro acordo de livre comércio norte-americano.[21]

1.2. Negociações

Somente em quatro de fevereiro de 1990, o então presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari, sucessor de La Madrid, após iniciar reformas que basicamente significavam a implementação do liberalismo econômico[22], assinou o acordo denominado Plano Brady, fundamental na reestruturação da dívida externa mexicana. 

Ainda no mesmo ano, no dia 10 de junho, os presidentes do México e dos Estados Unidos anunciaram sua intenção conjunta de buscar um tratado de livre comércio ambicionando forjar uma relação econômica vigorosa. O Canadá, ao mesmo tempo, manifestou também o seu interesse em participar das negociações.[23]Hermes Huck[24] expõe que, inicialmente, os Estados Unidos objetivavam apenas um acordo de livre comércio com o México nos moldes do assinado com o Canadá em 1988. Contudo, o Canadá sentiu-se economicamente ameaçado por um acordo Estados Unidos-México entrando nas negociações do NAFTA atuando sobre a diplomacia norte-americana.

A negociação entre os países desenvolveu-se no principalmente no período de janeiro de 1990 até dezembro de 1992, tendo ocorrido, somente neste espaço de tempo, dezenas de reuniões e atos objetivando a discussão do acordo.[25]

O programa para as negociações trilaterais foi abrangente e incluiu questões como de barreiras de fronteira, questões de serviços consideradas atuais, propriedade intelectual, regras para investimento, resolução de litígios e aplicação de normas.[26]

No contexto da aproximação e da conversação trilateral, 1992 desponta sem dúvida como o ano politicamente mais decisivo para o NAFTA, pois foi neste ano que o acordo tornou-se uma “issue” para a opinião pública e a mídia, principalmente nos Estados Unidos, entre outras razões, por ter sido um ano de eleições presidenciais.

O México e o Canadá, no seu âmbito interno, iniciaram o ano de 1992 com grande incerteza quanto ao futuro político do NAFTA, tendo em vista os problemas internos que começaram a surgir nos Estados Unidos, entre eles o crescimento do desemprego que de certa forma propulsionou ataques e discursos anti-NAFTA tanto da ala conservadora quanto da liberal e uma queda dos índices de aprovação do presidente George Bush.[27]

O então Presidente Mexicano Salinas tinha o NAFTA como um dos objetivos principais do seu plano econômico de governo e um argumento forte para justificar no plano político as reformas liberais flexibilizadoras que estava implementando na economia Mexicana desde o início do seu Mandato em 1988.

A problemática central residia na hipótese que se não entregasse ao seu sucessor na presidência do país o NAFTA assinado, implicaria no total descrédito perante os investidores internacionais quanto a manutenção das reformas por ele realizadas, bem como dificultaria a própria sucessão. Nacionalistas mexicanos argumentavam que Salinas, além de estar agindo demasiado rápido na liberalização da economia, estava o fazendo de maneira unilateral[28]. Portanto, frente a estes fatos, observa-se que a ameaça da própria Casa Branca de colocar o NAFTA na espera ou de acelerar o debate sobre o mesmo apenas para ser rejeitado pelo Congresso norte-americano posteriormente, conferiam grande embasamento à oposição.

Ainda na questão interna mexicana, segundo proclama Willian Orme Jr.[29], os especialistas em análise da economia mexicana já estavam vislumbrando a sucessão sob o enfoque do NAFTA. Na hipótese da não conclusão do acordo, o programa de reformas econômicas estaria por definição inacabado, desta forma, para uma continuidade das reformas e da garantia de estabilidade à alocação de capitais, o sucessor deveria ser escolhido com maior rigor. No entanto, caso o NAFTA estivesse de fato assinado as mesmas passariam a ter uma garantia mais sólida e a sucessão passaria a não ser mais primordial na perpetuação das liberalização.

Observa-se, assim, que o nascimento do NAFTA tem raízes tanto de cunho políticas quanto econômicas. Portanto, em razão das reformas econômicas mexicanas, é perfeitamente sustentável afirmar ter sido o NAFTA concebido para funcionar como uma genuína garantia política do processo de liberalização da economia mexicana.[30]

Ao seu favor o governo norte-americano contava com a opinião quase majoritária de todos os economistas de renome que afirmavam que o NAFTA não colocaria em risco quase nenhum emprego nos Estados Unidos, principalmente.[31]

Conforme ressalta William Orme Jr., o Canadá seria prejudicado economicamente com uma demora na assinatura do acordo, pois estavam ainda pendentes negociações com Washington acerca de várias questões comerciais envolvendo produtos canadenses. Considerando que as províncias canadenses estavam sendo governadas em 1992 pela oposição democrata e que esta não só se opunha ao NAFTA, mas tinha como objetivo revogar o acordo de livre comércio celebrado com os Estados Unidos, o primeiro ministro Brian Mulroney, a favor do acordo, tinha razões para temer as eleições do segundo semestre de 1993.[32]

Destaca-se como elemento marcante das negociações envolvendo o NAFTA o fato de nunca antes na história dois dos países industrializados mais avançados e ricos ter pactuado um acordo de livre comércio com um grande país em desenvolvimento e, tendo em vista posturas internacionais até não muito tempo atrás antagônicas, principalmente entre México e Estados Unidos, o acordo pode ser qualificado como um marco histórico no contexto das relações entre estes países.[33]

Nesse sentido, as negociações do NAFTA foram concluídas com sucesso e o  Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton foi capaz de consolidá-lo em 1993. Henry Kissinger[34], ao salientar que o NAFTA é a "mais inovadora política implementada pelos Estados Unidos em relação à América Latina na história", torna ainda mais explícita o papel de liderança desempenhado pelo último nas negociações do acordo. 


2. O Debate sobre o NAFTA

O debate sobre o NAFTA revelou-se muito intenso no seu aspecto econômico e político, tendo início tão logo o governo Norte-americano e Mexicano buscavam consolidá-lo após inúmeras negociações[35], ressaltando-se que o apoio popular ao tema diminuiu nos Estados Unidos com a intensificação da cobertura do assunto pelos meios de comunicação[36].

Sob uma perspectiva mais simplista, a ideia basilar do debate está em apontar subsídios que permitam estabelecer um vínculo prático entre o livre comércio e a melhoria da qualidade de vida da população dos países signatários do acordo. As divergências em muito decorrem da existência ou não de tal vínculo, ou seja, da possibilidade do livre comércio propagar prosperidade econômica às populações das chamadas zonas de livre comércio.

2.1. O NAFTA e seus defensores

Um dos argumentos mais relevantes apresentados pelos defensores do NAFTA é o da sua inevitabilidade em face do contexto econômico mundial[37]. A visão do processo de liberalização do comércio, a formação de blocos econômicos, como um fenômeno inevitável encontra embasamento na noção de que tal processo já estaria em curso informalmente.

O NAFTA torna-se, então, um acordo formal que, segundo Jorge G. Castañeda, regula, administra e codifica tal processo[38]. A concepção, ou constatação, no plano econômico desta realidade, torna toda a opinião de qualquer indivíduo que meramente forcontra ou a favor do livre comércio, na ironia de William A. OrmeJr.[39], um absurdo comparável ao fato do mesmo ser contra ou a favor da "pressão atmosférica",  tendo em vista que a integração econômica do continente norte-americano constituía uma realidade em rápido desenvolvimento com ou sem o NAFTA.

Aliada a esta ideia do contexto econômico mundial, o Professor de Ciência Política da Universidade de New Hampshire Bernard K. Gordon[40], salienta que o prolongado relacionamento histórico entre os países signatários do acordo, trouxe aos Estados Unidos domínio do comércio e nos investimentos externos dos outros dois países. Tal benefício não tem sua origem no NAFTA, pois o vínculo histórico desencadeou a parceira dos países no âmbito do comércio internacional.[41]

Juridicamente, o acordo consolidaria estes processos econômico e histórico, criando um conjunto de regras jurídicas de caráter intergovernamental, pois as suas regras, hierarquicamente, não são superiores a dos Estados signatários. Ao analisar-se o texto do Preâmbulo do NAFTA[42], observa-se que os últimos revelam suas intenções de aprofundarem suas relações comerciais em diversos aspectos, bem como o estabelecimento mútuo de regras que governem a comércio entre os mesmos, aumentando a competitividade de suas empresas em mercados globais.

Frente a estas intenções, o NAFTA estaria inserido na dinâmica da evolução que a prática da integração regional vem tendo nos últimos dez anos[43], pois, principalmente após o término do conflito Leste-Oeste, tem-se registrado um processo de globalização da economia, que hoje constituiria a premissa básica das decisões mais importantes de caráter político e econômico dos Estados nacionais em geral[44].

Sendo assim, o relativo triunfo do livre comércio nesta década não pode ser ignorado como principal ator na afirmação de acordos como o NAFTA. SobreestetriunfopontificaEric Hobsbawm:

“There is model which everyone rushes to follow, parliamentary democracy in politics and the extremes of free-market capitalism in economics”.

“When this was first written, the global and transnational economy did not yet appear to be as triumphant as it looks in the mid-1990’s and therefore the simple vision  that the future would consists of an effectively uncontrollable global free-market system did not divert us from actually looking at what it would bring”.[45]

Os objetivos dos três governos signatários do NAFTA são, ontologicamente, econômicos[46], sendo assim, na sua concepção econômica, os defensores do acordo argumentam que o desde a assinatura do mesmo o volume do comércio entre México, Estados Unidos e Canadá está aumentando, fato que estaria confirmando as expectativas teóricas.[47]

A criação de uma zona de livre comércio revela-se conveniente no contexto do mercado mundial globalizado, pois fomenta a especialização dos países dentro de um mesmo setor de produção. O antigo argumento que a integração entre países é válida apenas nas hipóteses dos países possuírem produções de caráter complementar, ou seja, a integração de um país produtor de implementos e bens agrários e de outro que se sobressai na produção industrial. Com efeito, a integração constitui nesta concepção um mecanismo inócuo na medida em que estes dois países poderiam simplesmente operar comercialmente de outras maneiras menos complexas.[48]

O NAFTA estaria fomentando a especialização no sentido de facilitar o comércio das grandes empresas multinacionais que operam nos três países, criando a possibilidade das mesmas alocarem de forma geograficamente estratégica suas fábricas.

Acerca da eventual ameaça de perda de empregos para o México, é salientado que o tamanho da economia mexicana, em comparação a dos Estados Unidos é muito inferior para produzir qualquer impacto danoso relevante ao mercado de trabalho do último.[49]

Em que pese as justificativas particulares de cada um dos três países para a assinatura do acordo, o que de fundamental aparece no discurso de defesa ao NAFTA é o fato de não se poder ignorar um novo “quadro de referências internacional” com economias globalizadas e o fortalecimento do regionalismo.

Neste novo contexto, a invocação do nacionalismo perde espaço para a realidade da globalização das economias, com a conseqüente globalização dos mercados, da produção e dos investimentos, levando os países e as empresas a estarem sujeitos a um processo de enfraquecimento econômico se apenas dependerem do mercado interno.[50]

2.2. A oposição ao NAFTA

A oposição ao NAFTA apresenta em grande parte argumentos fundamentados no seu impacto econômico e social em cada um dos países. A perda de empregos em determinadas regiões, a diminuição de salários e perdas de benefícios sociais foram colocados insistentementepelos opositores como conseqüências naturais do NAFTA, na tentativa de mobilizar principalmente a opinião pública contra o acordo.[51]

O impacto ecológico de uma industrialização em massa do México foi severamente questionado pela oposição. Dessa forma, pretendia-se saber como as cláusulas do acordo referentes à proteção do meio-ambiente iriam coibir danos ecológicos[52], em razão do acordo do NAFTA constituir um organismo intergovernamental e, conseqüentemente, com normas não superiores às vigentes nos países signatários.  

O fato do questionamento sobre a constitucionalidade do NAFTA no direito constitucional norte-americano não ter sido realizado em muito se deve a focalização das críticas nos aspectos acima mencionados.

Juntamente com o debate sobre a constitucionalidade do acordo encontra-se o problema da realização de debates prévios a sua assinatura. O NAFTA é o que constitucionalmente se denomina nos Estados Unidos um “congressional executiveagreement”. A Constituição dos Estado Unidos, no seu artigo 2º, parágrafo 2º, dispõe que os tratados devem ser aprovados por dois terços do senado.[53] No entanto, muitos acordos internacionais, entre eles o NAFTA, são estruturados juridicamente como “congressional executiveagreements” devido ser necessária apenas uma maioria simples na câmara dos deputados e no senado para a sua aprovação.

A existência desta prática revela uma construção constitucional moderna no direito norte-americano, iniciada na década de 1930 no governo Roosevelt, que confere ao Congresso e ao Presidente poderes para obrigar os Estados Unidos no plano internacional em qualquer assunto importante.[54]

Neste panorama, a questão sobre a constitucionalidade do NAFTA não estabelece uma crítica direta ao conteúdo do acordo, mas ao esvaziamento do debate constitucional gerado por uma estruturação jurídica que permite um processo de aprovação mais veloz do que os tratados. Fundamentalmente, ao destacar o passado constitucional norte-americano como “o mundo por nós perdido”, Ackerman e Golove questionam a hipótese de qual teria sido a verdadeira intenção do constituinte ao determinar um certo trâmite para os pactos realizados com outros países e como os “congressional executiveagreements” estariam tangenciando a constituição neste aspecto.[55]

Fora da questão constitucional, os movimentos de trabalhadores opunham-se ao NAFTA pelo desejo de protegerem seus empregos e salários[56], sobretudo no setor manufatureiro, bem como a reivindicação política de um tratamento que os considerassem como participantes legítimos na formulação de políticas econômicas[57].

Nos Estados Unidos o Comitê Consultivo do Trabalho (Labor AdvisoryCommittee - LAC), órgão estabelecido pela Lei do Comércio de 1974 para aconselhar o poder executivo em qualquer acordo comercial, questiona também a escassez de debate envolvendo o NAFTA. Principalmente fundamentando sua crítica no fato de ter recebido o texto do acordo, de aproximadamente 2000 páginas, para emitir seu parecer, apenas um dia antes da data do prazo de entrega ao órgão executivo competente.

O parecer do Comitê revela ainda: "a administração se recusou a permitir qualquer conselho externo no desenvolvimento do acordo e se recusou de tornar disponível qualquer versão do acordo para comentários". Segundo Noam Chomsky, a situação no México e no Canadá foi similar, ou seja, os fatos relativos e fundamentais do futuro acordo de livre comércio não foram divulgados.[58]

Notadamente, pondera Noam Chomsky, os procedimentos democráticos formais acabam por se tornarem sem sentido e não somente excluem os cidadãos da esfera pública, como os coloca em situação de completa ignorância em relação às políticas que irão moldar suas vidas.[59]

Destaca-se o boletim anual da Comunidade Européia em 1993 sobre as barreiras comerciais dos Estados Unidos que aponta tarifas de 20% a 50% sobre determinados produtos revelando práticas protecionistas que estariam em significante contraste com a retórica do livre comércio propagada por esse país. Contudo, um dos maiores especialistas em comércio internacional, segundo Chomsky, o economista da ColumbiaUniversity, JagdishBhagwati, parece não se assombrar com tais dados ao considerar que o NAFTA, na verdade, fora dissimulado "como uma grande manobra de livre comércio", porém, "... é evidente que a sua motivação central é protecionista, pois transforma o México no mercado preferencial norte-americano, deixando competidores como o Japão e a Comunidade Européia em franca desvantagem"[60]

A nova ordem mundial passa a ter extrema relevância para a crítica do NAFTA. No entanto, esta nova ordem é concebida por James Morgan do jornal Financial Times como dirigida por um governo mundial de facto, a saber: o FMI, o Banco Mundial, o Grupo dos 7, GATT e outras estruturas destinadas a servir aos interesses das grandes multinacionais, bancos e empresas de investimento no que o mesmo qualifica como uma "nova era imperial"[61].  

O crescimento de tais instituições passam a ter íntima relação com o advento da globalização. Esta globalização estaria possibilitando um direcionamento da produção para áreas com trabalhadores de menores salários. Em relação ao NAFTA, o mesmo estaria perfeitamente inserido nesta nova ordem mundial ao facilitar, por exemplo, este direcionamento de produção.

Não obstante a sua classificação como um acordo de livre comércio, na análise de Noam Chomsky, não é possível aplicar o termo comércio a um sistema em que mais de 40% desse comércio é realizado internamente entre duas subsidiárias de uma mesma empresa, a única diferença é que uma está localizada nos Estados Unidos e a outra no México. Algo em torno da metade do volume das exportações dos Estados Unidos para o México consistiriam apenas em transferências para outras unidades da mesma empresa objetivando maximizar lucros com salários mais baixos e leis ambientais menos rígidas. Chomsky chega a afirmar que o NAFTA visa a tutelar os interesses dos investidores e ampliá-los, dessa forma, o povo seria um elemento incidental para a "democracia do mercado".[62]

Ainda no plano da chamada "democracia de mercado", o caso da crise financeira do México, iniciada em dezembro de 1994, é apontado como um sério risco para países em desenvolvimento que implementaram a abertura de suas economias para o mercado externo, bem como adotaram políticas econômicas liberais. Dessa forma, William Greider[63] acredita ser a crise financeira mexicana de 1995 um exemplo do resultado da abertura ao capital global: "... enquanto a liquidez desliza pelo mundo financeiro global, em busca dos maiores retornos, uma nação pode se encontrar inundada com 'hot money' estrangeiro que pode desencadear uma vertiginosa expansão e uma abrupta escassez de crédito, no momento em que este capital estrangeiro decidir, por qualquer razão, deixar o país".

Acrescenta Greider que em 1995, dois anos após o Presidente Bill Clinton ter declarado que o NAFTA geraria mais de 200.000 novos empregos para os cidadãos norte-americanos devido ao crescimento das exportações ao México, o mesmo estava atravessando uma depressão econômica, enquanto que estava sendo usado pelas multinacionais norte-americanas e estrangeiras como "uma conveniente plataforma de exportação para o mercado norte-americano, por conseqüência dos baixos salários pagos aos trabalhadores mexicanos"[64].      

No aspecto político-econômico, mostra-se relevante a crítica realizada por Francisco Zapata[65] ao considerar ser o principal problema de acordos de livre comércio como o NAFTA o fato dos mesmos constituírem um modelo de desenvolvimento econômico sob o qual o Estado se subordina às decisões do capital privado. Houve uma adaptação forçada do aparelho produtivo latino-americano às condições de competitividade internacional aliada a uma constante redução da intervenção do Estado na economia, resultando na abertura de mercados. Zapata afirma que este fenômeno traz consigo "uma mudança radical nos processos de tomada de decisão, levando-os para o âmbito da empresa e retirando do Estado uma série de atributos prévios que lhe garantiam a intervenção na vida econômica".

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Sobre o autor
Luiz Reimer Rodrigues Rieffel

Mestre em Direito. Procurador Federal em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIEFFEL, Luiz Reimer Rodrigues. O debate jurídico inicial sobre o Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23279. Acesso em: 26 abr. 2024.

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