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Comentários ao artigo 160 do Código de Trânsito

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Todo condutor que se envolver em acidente grave deverá ser alvo dos efeitos do art. 160 do CTB, sendo submetido a uma apuração mediante o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, tudo externado em processo administrativo instaurado pela autoridade competente com o fito de buscar a verdade e aplicar os consectários legais a quem de direito.

Expressa o Art. 160 do Código de Trânsito Brasileiro:

O condutor condenado por delito de trânsito deverá ser submetido a novos exames para que possa voltar a dirigir, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN, independentemente do reconhecimento da prescrição, em face da pena concretizada na sentença.

§ 1º Em caso de acidente grave, o condutor nele envolvido poderá ser submetido aos exames exigidos neste artigo, a juízo da autoridade executiva estadual de trânsito, assegurada ampla defesa ao condutor.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, a autoridade executiva estadual de trânsito poderá apreender o documento de habilitação do condutor até a sua aprovação nos exames realizados.[1]

A “apreensão” da CNH no âmbito administrativo, na forma dos §§ 1º e 2º do Art. 160, tem por finalidade garantir a segurança viária dos utentes da via e reavaliar as condições do condutor condenado ou envolvido em acidente grave nos aspectos físico, mental, psicológico e demais circunstâncias que revelem sua aptidão para continuar a conduzir veículos automotores. Tal assertiva tem ancoragem nos objetivos da Política Nacional de Trânsito.

Isto posto, iremos detalhar, em vista da obrigatoriedade do cumprimento da lei de ofício pela Administração Pública, pois esta deve desenvolver mecanismos[2] para captar os fatos de trânsito que mereçam a intervenção estatal na forma da lei, limitando-nos apenas acerca dos seguintes tópicos: primeiro, é possível a apreensãoda CNHcom suporte no Art. 160 do CTB? Segundo,se em caso de acidente grave havendo dois ou mais condutores envolvidos ambos deverão responder a processo administrativo?

Todavia, antes de entrarmos no mérito das questões acima ventiladas, é importante destacar que o Poder Judiciário toda vez que analisa um caso concreto oriundo de delito de trânsito tem poder para aplicar aspenas de suspensão do direito de dirigir ou a proibição de se obter a PPD ou CNH na forma dos Art. 291 usque 301 do Código de Circulação, combinadas com as penas in concreto aplicadas com base nos preceitos secundários dos tipos penais de trânsito.

Tais penalidades têm natureza judicial, não podendo ser confundidas com aquelas (de mesmo nome)aplicadas pela autoridade de trânsito mediante devido processo legal no âmbito administrativo com destaque à ampla defesa e contraditório na forma da legislação de trânsito e dasregras que conduzem os procedimentos no âmbito administrativo de cada ente estadual federado.

Em se tratando de aplicação de pena de suspensão do direito de dirigir ou a proibição de se obter a PPD ou CNH pela autoridade judiciária como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outra, tem a Administração Pública, quando comunicada, o dever de aplicar as normas cogentes elencadas no Art. 160 do Código de Trânsito Brasileiro com certa cautela e contornos precisos, não havendo que falar, neste caso, em “bis in idem”[3]. Ocorre que esta questão dá ensejo à dilação argumentativa de modo a interferir no presente trabalho, motivo pela qual deixaremos para outra oportunidade tal discussão.

A todos os interessados, claro, preenchendo os requisitos legais[4], que desejarem conduzir veículos automotores, há obrigatoriedade de se adquirir documento próprio que ratifique a capacidade para tal ato, vale dizer, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Ultrapassando todos os obstáculos do curso de formação de condutor, será conferida ao candidato (e não ao condutor como expressa o Art. 140) a permissão para dirigir (PPD), sendo esta convolada emcarteira nacional de habilitação definitivamente após transcorrer lapso temporal de 12 meses.

A CNH é um documento reconhecido com status de identidade civil (Art. 159 do CTB). Em realidade é uma licença (esta é sua natureza jurídica)fornecidapela Administração Pública que passa a pertencer ao candidato aprovado em todas as fases do curso de formação, sendo elas: atendimento aos requisitos legais previstos no Art. 140,frequência em curso específico, realizações de provas teóricas e prática de direção veicular e adaptação na direção por 12 meses em posse a PPD, onde não sendo cometida nenhuma infração grave ou gravíssima ou não sendo reincidente em infrações de natureza média na forma do Art. 148, § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro, será conferida a CHN definitiva.[5]

Após a aquisição da CNH, a Administração Pública somente poderá extrair o documento de direção da esfera de domínio do condutor nos casos previstos na lei. Naturalmente tais situações na seara trânsito estão previstas no Art. 256 usque 268 do Código de Circulação, em especial as penas de suspensão do direito de dirigir e de cassação da carteira.

Ocorre que o legislador infraconstitucional ao editar o Art. 160 possibilitou a autoridade de trânsito de maneira indireta “suspender o direito de dirigir”, permitindo que se faça a recolhimento (“apreensão”) do documento de habilitaçãodo condutor sem que tal situação seja tratada comoaplicação de penalidade de trânsito na forma do Art. 256 do Código de Circulação.

A primeira charada que esbarramos quando da leitura do artigo em comento é acerca da natureza jurídica de tal ato administrativo[6], pois o legisladorpreviu poderes à autoridade de trânsito (estadual) para promover a “apreensão” do documento de habilitação. Repare que a “apreensão” da CNH (ou da PPD, pois assim entendemos) não se encontra prevista no rol daspenalidades de trânsito elencadas ao longo do Art. 256 do CTB.

Logo, pergunta-se: qual a natureza jurídica do ato administrativo previsto no Art. 160, § 2º do CTB?

Em rápidas palavras entendo que a natureza jurídica é de ato penalizador, pois este resulta de um fato humano que foi de encontro as regras de segurança viária e das normas cogentes de trânsito. Assim, todo ato que tem por objetivo restringir determinado direito é uma açãoque visa aplicar uma pena. Logo, a natureza jurídica é de penalidade.

O ato administrativo, sem maiores profundidades de análise,ou ele é exercido, diante de um fato, em relação a própria Administração ou em face do administrado, devendo-se revestir de todos os princípios, pressupostos e atributos que regem a Administração Pública[7].

No caso em epígrafe, ao aplicar o artigo sub analise, a Administração Pública tem o agir é vinculado (legalidade), devendo operar sempre que fato gerador justificar a atuação. Já para os administrados,os atos intrínsecos no texto do Art. 160 têm por procedênciaa exteriorização do poder de polícia de trânsito.

Assim dito, buscaremos solucionar as questões aventadas alhures.

O Art. 160, regulado pela Resolução nº 300/2008, trata da submissão obrigatória de condutor de veículo automotor[8] a novos exames para que possa voltar a dirigir sempre que condenado por crime de trânsito ou quando se envolver em acidente grave.

Após estes breves comentários, passa-se a decidir a que nos propusemos, contribuindo com o princípio da educação de trânsito.

Primeiro, é possível a apreensão da CNH com suporte no Art. 160 do CTB?

A resposta é sim, pois a letra da lei é clara. Não há muito que discorrer, é simples interpretação gramatical e positivista.

Apesar do rol das penalidades de trânsito ser taxativo (está expresso “as seguintes penalidades”, ou seja, são estas e pronto) em seu Art. 256/CTB, a pena de “apreensão” do documento de habilitação está claramente prevista no § 2º do Art. 160 do CTB e tem como fato gerador (i) a condenação por crime de trânsito ou (ii) o envolvimento em acidente grave, independentemente se houve crime ou não, conforme o caso.

Assim, se um usuário da via na acepção de condutor é condenado por delito de trânsito o Poder Judiciário deverá intimar o condenado (já com sentença com trânsito em julgado) para entregar a CNH ou PPD, em até quarenta e oito horas, e depois deverá remeter o documento colhido para o órgão estadual.

E se neste caso a Administração Pública por algum motivo não teve conhecimento dos fatos,não há que falar em processo administrativo, pois já correu uma técnica judicial de acordo com o devido processo legal e todas as formalidades que a Constituição e a lei impõem. Logo, o resultado condenatório deve ser apenas conhecido e ratificado pela Administração Pública, dando apenas a publicidade do ato que acautela a CNH ou a PPD enquanto o condenado cumpre a pena imposta pelo Poder Judiciário, para depois, quando cumprida a pena, aplicar a “apreensão” pelo tempo estritamente necessário à realização dos novos exames para que possa voltar a dirigir.

Entretanto, quando o condutor se der por envolvido em acidente de trânsito de natureza grave (este é o único requisito objetivo), caberá a Administração Pública adotar postura vinculada e determinar a autuação de procedimento tendente a apurar o fato de trânsito, objetivando aplicação do preceito contido nos §§ 1º e 2º do Art. 160 do CTB, mediante o devido processo legal e em atenção a todos os princípios que garantam a ampla defesa.

Não se pode deixar de comentar que havendo acidente de trânsito grave e a existência de vítima (lesão corporal ou homicídio) o Órgão Público deverá instaurar o administrativo com suporte no Art. 160 do Código de Trânsito Brasileiro, independentemente da demanda judicial, uma vez que o Art. 2º da Constituição da República expõe o princípio da separação dos Poderes.

Segundo, se em caso de acidente grave havendo dois ou mais condutores envolvidos ambos deverão responder a processo administrativo?

A resposta é sim, pois todos os brasileiros são iguais perante a lei.

A lei 9.503/97 não especifica qual o condutor, se do veículo automotor ‘A’ ou ‘B’, motivo pela qual a Resoluçãodo CONTRAN nº 300/2008 regulamenta o Art. 160 em comento.

Todo condutor que se envolver em acidente grave deverá ser alvo dos efeitos do Art. 160 no âmbito administrativo, sendo submetido a uma apuração mediante o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, tudo externado em processo administrativo instaurado pela autoridade competente com o fito de buscar a verdade e aplicar os consectários legais a quem de direito.


Notas

[1] O citado artigo foi regulamentado em 2009 com a edição da Resolução Nº 300, de 04 de dezembro de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito, regrando procedimento administrativo para submissão do condutor a novos exames para que possa voltar a dirigir quando condenado por crime de trânsito ou quando envolvido em acidente grave, regulamentando o art. nº 160 do Código de Trânsito Brasileiro.

[2]  Mecanismos estes que demonstram a realização do princípio da eficiência elencado no caput do Art. 37 da Constituição.

[3] Fenômeno usado no Direito (Penal/Processual Penal, v. g.). O "bis in idem" é a não observância do princípio que um indivíduo não pode ser julgado/apenado pelo mesmo crime mais de uma vez.

[4]Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos: I - ser penalmente imputável; II - saber ler e escrever; III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente. Parágrafo único. As informações do candidato à habilitação serão cadastradas no RENACH.

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[5] Uma vez que o candidato cumpriu todos os preceitos da lei, atendendo todos os requisitos objetivos, este passa a incorporar em seu patrimônio jurídico a PPD (e depois de 12 meses a habilitaçãoatendido oArt. 148, § 3º/CTB) para conduzir veículo na forma do Art. 143, do Código de Trânsito Brasileiro, que só lhe poderá ser retirada (cassada ou suspensa a licença) mediante a existência efetiva de causas extintivas ou cessantes expressamente contempladas em lei.Diante de tais fatos, com suporte no Art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição, há o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, já que a lei estabelece aprovação em todos os exames para a expedição da PPD, exsurgindo o direito subjetivo para conduzir veículos automotores. Assim, uma vez cumpridos os requisitos, a licença para conduzir veículo automotor não pode ser negada.

Exemplo interessante se deu no caso de um candidato (onde este autor atuou) que preenchia os requisitos do Art. 140 da lei 9.503/97, Código de Trânsito Brasileiro, e § 2º, do Art. 2º, da Resolução 168/04 do CONTRAN, que pagando os tributos necessários, objetivou aquisição da PRIMEIRA HABILITAÇÃO. Optou em obter, simultaneamente, as categorias “A” e “B” (foi aberto um único RENACH). Ocorre que o órgão executivo de trânsito do Estado do Rio de Janeiro negou-se a fornecer a licença (PPD) na categoria “A” porque o candidato não conseguiu concluir o curso na categoria “B”, alegando que mesmo estando aprovado no exame de direção para categoria “A”, o fato de não ter concluído a formação para categoria “B” enseja motivo de INDEFERIMENTO para emissão da PPD para conduzir veículo de duas rodas. Ajuizada a ação competente, a sentença foi julgada procedente sendo a administração pública condenada a entregar a PPD na categoria “A” ao candidato. O Ministério Público atuou como custus legis e ratificou o entendimento.

[6] Não há que confundir ato administrativo com fato administrativo. Este é todo acontecimento no mundo fático que faz com que a Administração Pública faça ou deixe de fazer algo por imposição legal. Já aquele é todo agir da Administração Pública, com base nos fatos, que gere algum tipo de consequência jurídica relevante capaz de restringir ou ampliar direitos.

[7] Especialmente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Seguidos dos atributos, sendo estes a presunção de legalidade, imperatividade e autoexecutoriedade, e pressupostos competência.

[8]  O procedimento de submissão a exames variados, ora argumentados, somente envolve condutores de veículos automotores, eis que crimes de trânsito somente podem ocorrer quando na direção de tais veículos, conforme se depreende da leitura do Art. 291 do Código de Circulação.

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Sobre o autor
Marcos Damião Zanetti de Moura

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Servidor público municipal do CET/Rio. Especialista e técnico em Trânsito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Marcos Damião Zanetti. Comentários ao artigo 160 do Código de Trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23385. Acesso em: 22 nov. 2024.

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