A Lei nº 8.666/93, ao tratar da duração dos contratos administrativos, estabelece que o prazo deva estar vinculado à vigência dos créditos orçamentários, em regra. Entre as exceções situam-se as contratações previstas no Plano Purianual e os contratos de serviços contínuos.
De acordo com o § 1º, os prazos de execução, conclusão e entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e o equilíbrio econômico-financeiro, sempre que presente algum dos seguintes motivos:
a) Alteração do projeto ou especificações, pela Administração;
b) Superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;
c) Interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;
d) Aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;
e) Impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;
f) Omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.
De qualquer forma, é vedada a celebração de contrato com prazo de vigência indeterminado (art. 57, § 3º, Lei nº 8.666/93).
Segundo o regramento contido na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, atingido o termo final do prazo de vigência contratual sem que tenha havido prorrogação tem-se a extinção da avença.
Esse entendimento atinge de forma especial os contratos para a execução de obra, as quais, não raro, são concluídas após o prazo de vigência previsto no termo contratual.
Há, contudo, entendimento na doutrina e jurisprudência de que nos contratos de escopo o fato de o prazo de vigência do contrato se extinguir não retira da empresa a obrigação de concluir a obra.
Assim, o prazo de vigência previsto neste tipo de contrato seria apenas moratório, o que significa dizer que a sua expiração não extinguiria o ajuste. Em outras palavras, superado o prazo previsto no termo contratual para a entrega da obra sem que esta tenha sido efetivamente recebida pela Administração Pública, responderá a contratada pelo atraso, sem, no entanto, retirar desta a obrigação de concluir e entregar a obra contratada.
Como forma de aclarar o tema, traz-se à baila trecho do artigo de Marcelo Bruto da Costa Correia[1]:
A persistente existência de contratos com a Administração Pública com períodos de vigências que ultrapassam, até mesmo, uma década, resultantes, não raro, do desequilíbrio fiscal do Estado, a provocar seguidas paralisações nas execuções de obras, tem lançado sobre a doutrina e a jurisprudência necessárias e acirradas discussões sobre os limites à vigência dos contratos administrativos.
A primeira questão que se põe a quem se proponha a enfrentar o assunto atine à existência ou não de limites temporais para a vigência de um contrato administrativo. A resposta pressupõe atenta análise das normas que disciplinam o prazo de vigência dos contratos administrativos e as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais a elas correlatas.
Introdutoriamente, imprescindível é a distinção entre os contratos de obras públicas e os demais, cuja natureza seja diversa.
Caracteriza os primeiros o fim perseguido pela Administração ao celebrá-los: a execução de um objeto pré-determinado cuja entrega coroa a conclusão dos objetivos contratuais.
Desta forma, o contrato de obra pública é condicionado pela entrega do objeto determinado, quando, então, poder-se-á tê-lo por finalizado. Ao revés, o contrato, por exemplo, de prestação de serviços, consubstancia-se no oferecimento de serviços, tal qual pactuado, durante o transcorrer de um prazo contratualmente estabelecido, integrando este período - o prazo – em que são prestados os serviços à própria dimensão do objeto.
Ponderadas essas características, nota-se que o trespasse do prazo provoca efeitos bem diferentes para cada espécime contratual acima mencionada.
Partindo desta premissa de que o prazo provoca diferentes efeitos sobre subespécies de contratos administrativos, pode-se afirmar, portanto, que os contratos administrativos subdividem-se em contratos por objeto e contratos por prazo. Exemplo dos primeiros é a empreitada de obra; dos segundos, o contrato de prestação de serviços de vigilância ou asseio e conservação.
Os efeitos do término do prazo em cada espécime são obviamente diferentes porque, nessas duas modalidades contratuais, o lapso temporal desempenha função bastante distinta. No contrato de empreitada, o prazo contratualmente estabelecido não serve à definição do objeto, mas apenas à demarcação do tempo concedido ao contratado para a sua entrega. No contrato de vigilância, o prazo contratual define a própria extensão e valor do objeto (ex.: prestação do serviço de vigilância por seis meses).
Isto posto, nos contratos que se extinguem pela conclusão de seu objeto (contratos por objeto), o vencimento do prazo não provoca, per si, a conclusão automática do contrato, tal como ocorre nos contratos por prazo, nos quais, ao término do prazo, está entregue o objeto - “oferecimento dos serviços pelo período determinado” - e finalizado o contrato.
Após fazer a diferenciação entre os contratos por objeto ou escopo, dos contratos por prazo, o autor ataca o ponto central da questão:
Nos contratos por objeto, alcançado o prazo, há de se averiguar se foi efetivamente entregue o objeto pactuado, suscitando-se, então, o exame da ocorrência ou não de mora da contratada no cumprimento de suas obrigações, com a consequente aplicação das sanções contratuais, por, eventualmente, não ter entregue as obras concluídas dentro do lapso de tempo estipulado - obviamente, apenas se responsabiliza a contratada se tiver dado causa ao fato que impediu o cumprimento do prazo.
Assim, os prazos previstos nos contratos por objeto são prazos moratórios, o que significa dizer que a expiração dos mesmos não extingue o ajuste. É que nos contratos que se extinguem pela conclusão do seu objeto, a prorrogação independe de aditivo ou de nova licitação, porque, embora ultrapassado o prazo, o contrato continua em execução até que seja entregue o objeto ou rescindida a avença, por uma das hipóteses legais.
De se concluir, então, que, no contrato de obras, ao revés de ser limite inexorável a pôr fim à relação contratual, o prazo opera como obrigação temporal para a entrega da obra, ou seja: é o período em que, findo, deverá o contratado entregar o objeto, sob pena de operar-se sua mora (por óbvio, se culpa sua houver). Não é, pois, prazo extintivo, mas obrigação temporal para a entrega da obra, sob pena de se aplicar sanção ao contratado inadimplente - sanção que pode subsumir-se, inclusive, na rescisão do contrato, embora, evidentemente, a inadimplência do contratado no cumprimento dos prazos pode ser causa para rescisão, nos termos do art. 78 da Lei Federal nº 8.666/1993
A doutrina acima ressaltada faz alusão aos ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles:
A extinção do contrato pelo término de seu prazo é a regra dos ajustes por tempo determinado. Necessário é, portanto, distinguir os contratos que se extinguem pela conclusão de seu objeto e os que terminam pela expiração do prazo de sua vigência: nos primeiros, o que se tem em vista é a obtenção de seu objeto concluído, operando o prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da compra sem sanções contratuais; nos segundos o prazo é de eficácia do negócio jurídico contratado, e assim sendo, expirado o prazo, extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase de execução de seu objeto, como ocorre na concessão de serviço público, ou na simples locação de coisa por tempo determinado. Há, portanto, prazo de execução e prazo extintivo do contrato. (Licitação e contrato administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, p. 230)
Sob estas premissas, conclui:
Nos demais contratos, como no de empreitada de obra pública, não se exige, nem se justifica cláusula de prorrogação, porque o contrato não se extingue pela fluência do prazo fixado, mas sim pela conclusão da obra. Nestes contratos o prazo é apenas limitativo do cronograma físico, e será prorrogado (com ou sem mora das partes) tantas vezes quantas sejam necessárias para a conclusão da obra independentemente de previsão contratual. (Op. cit., idem, ibidem)
Luciano Ferraz, em esclarecedor parecer sobre o tema, desta forma asseverou:
Os contratos de obra pública são contratos de resultado - o que interessa é o resultado final, servindo a cláusula que fixa o prazo de execução como limite para a entrega do objeto, sem que o contratado sofra sanções contratuais. O dies a quo do prazo contratual, geralmente é contemporâneo à formalização do ajuste, mas é possível que o negócio esteja submetido a condição futura (suspensiva), que impeça seja ele imediatamente iniciado. […] A inércia da Administração em dar ordem de serviço para o começo da obra, motivada pela escassez de recursos financeiros, inviabilizou o início da vigência do contrato. Se o prazo de vigência está paralisado por ato omissivo da Administração, é de se entender que o contrato continua em vigor e pode ser executado. (Contrato administrativo - Possibilidade de retomada, prorrogação ou renovação do ajuste - Manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial - Atenção às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualizações Jurídica, n. 14, p. 7, jun./ago. 2002)
Como visto, a melhor doutrina posiciona-se no sentido de que o prazo de vigência inicialmente previsto nos contratos de empreitada não delimitaria a real vigência do mesmo, que continua em vigor até a efetiva entrega do objeto contratado, não obstante a necessidade de apuração da responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do atraso na entrega da obra.
Não é demais ressaltar que no âmbito do Tribunal de Contas da União, a questão formal do prazo de vigência dos contratos foi suplantada em virtude de circunstâncias materiais[2]:
34. Citem-se decisões do Tribunal em que a questão formal do prazo de vigência dos contratos foi suplantada em virtude de circunstâncias materiais: TC 925.214/1998-1 - Decisão 732/1999 - Plenário - Voto do Relator, Ministro Bento Bugarin:
“No entanto, ao meu ver, inexistindo motivos para sua rescisão ou anulação, a extinção de contrato pelo término de seu prazo somente se opera nos ajustes celebrados por tempo determinado, nos quais o prazo constitui elemento essencial e imprescindível para a consecução ou eficácia do objeto avençado, o que não é o caso do contrato firmado pelo DER/MG, no qual a execução da obra é o seu objetivo principal. Dessa forma, não havendo motivos para a cessação prévia do ajuste, a extinção do contrato firmado com o DER/MG operar-se-ia apenas com a conclusão de seu objeto e recebimento pela Administração, o que ainda não ocorreu.” (Acórdão n.º 1.980/2004 – 1º Câmara).”
No que tange ao contrato de execução de obra, exemplo de contrato por escopo, deve-se interpretar o art. 57 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos levando em consideração as circunstâncias específicas inerentes à essência daquela modalidade.
No contrato de obra a Administração visa a entrega do objeto, logo, ao estipular prazo para a entrega da obra, tal cláusula não pertence à essência do contrato. Trata-se de mecanismo que se dirige à contratada. Eventual atraso será tratado como infração contratual e acarretará a aplicação de sanções à contratada em mora.
Diferentemente ocorre nos contratos cujo objeto visa a prestação de determinado serviço por determinado tempo. Nesses o prazo de vigência é essencial ao contrato, de modo que expirado o prazo de vigência a avença não subsiste. Isto é, extingue-se o contrato com o fim do prazo de vigência.
Nesse contexto, não havendo motivo para a extinção do contrato que tenha por objeto uma modalidade de obra (art. 6º, inc. I, da Lei n.º 8.666/93), a extinção do mesmo não se opera em virtude do decurso do prazo, mas apenas com a conclusão do objeto e o recebimento pela Administração.
Notas
[1] Correia, Marcelo Bruto da Costa. O Prazo de Vigência dos Contratos Administrativos de Obras. Revista IOB de Direito Administrativo nº 51 – Março/2010 - Doutrina
[2] Acórdão n.º 1.740/2003- Plenário, Decisão n.º 732/1999- Plenário, Decisão n.º 606/1996 e Acórdão n.º 1.980/2004-1º Câmara.