Um fato notório, o qual chama a atenção de muitas pessoas, se refere ao aumento nos preços de passagens aéreas em períodos de final de ano (é possível incluir feriados e datas comemorativas).
O trecho São Luís – Fortaleza, por exemplo, que custa em média duzentos reais, chegou a custar mais de dois mil no período natalino do ano de 2012, para compras realizadas com maior proximidade, o que representa uma aumento de mais de cem por cento, em uma época na qual as aeronaves voam com toda sua capacidade preenchida (com número máximo de passageiros).
Numa análise puramente constatativa pode-se concluir que tais aumentos se dão em razão de dois fatores: proximidade entre a data da compra e do voo; e quantidade disponível de assentos. Ou seja, em razão desses dois fatores (menos assentos e maior proximidade) mais se elevam os custos. A constatação se dá por simples consulta aos sites das principais companhias aéreas nacionais, sem exceção.
Sob a ótica do livre mercado, o fornecedor de serviços pode cobrar o quanto quiser pelo seu produto. Aplica-se a lei da oferta e da procura, de forma que, quanto menos lugares disponíveis e quanto mais pessoas a fim de viajar, maior é o preço a ser pago por uma cadeira. Além disso, limitar a elevação dos preços seria uma violação à liberdade e uma intromissão indevida na seara privada do indivíduo comerciante.
Doutra banda, não são raras as pessoas que entendem abusiva essa variação de preços sem que haja respectiva elevação no custo da prestação do serviço ou até mesmo a existência de regras mais claras que as limitem e evitem a surpresa. Para quem pensa assim, o mercado teria limites morais.
Um limite moral representa a consideração de valores outros além do aspecto “econômico-lucrativo”, como a natureza do serviço/produto e sua essencialidade, sua função social etc.
Três exemplos podem servir para aclarar o debate:
Exemplo 1: Imagine uma partida de futebol. A procura por ingressos é intensa e no dia da disputa restam apenas cem entradas (cadeiras) disponíveis, das mais de sessenta mil colocadas à venda por quarenta reais cada. Os ingressos restantes, todavia, foram comprados por cambistas, que agora os vendem por quatrocentos e quarenta reais cada um, visando obter, assim, um lucro de cem por cento em seus negócios.
Comparando com a situação levantada no início é provável que um número maior de pessoas entenda abusiva a conduta dos cambistas, quando em relação à situação envolvendo passagens aéreas. Qual seria, todavia, a diferença entre cambistas que elevam preços dos ingressos esportivos e companhias aéreas que aumentam o preço das passagens em determinadas datas?
De certo, ambos utilizam-se dos fatores do livre mercado, pois, vislumbrando uma menor oferta (menor número de lugares disponíveis) e maior procura (muitos querem ver o jogo ou viajar naquele período), obtém maior margem de lucros. Assim, ao menos no que diz respeito à visão do mercado tanto cambistas quanto empresas aéreas se aproximam.
De mais a mais, o risco do negócio também está presente nos dois casos, e mostra-se até mais alto em relação aos cambistas, já que em boa parte das situações investem todo seu capital na compra antecipada dos bilhetes, ao passo em que as empresas aéreas já garantem um número mínimo de passageiros que supram os custos do voo mediante vendas antecipadas e promocionais.
A diferença poderia estar na licitude da atividade. A conduta das empresas aéreas, todavia, seria lícita? Sobre isso escreveremos ao final do texto.
Exemplo 2: O segundo exemplo passa pela análise da natureza do serviço de transporte aéreo. Ao meu sentir, os mesmos, a exemplo de outros tantos, há tempos passou a ter caráter essencial, sobretudo em face do processo de globalização, onde as distâncias que temos que percorrer tornam-se cada vez maiores e inevitáveis.
Cada vez mais é imprescindível se deslocar para outras cidades e países em menores espaços de tempo e a interlocução entre as gentes é crescente. Dentro das próprias cidades onde vivemos as distâncias percorridas todos os dias são assustadores, quando comparadas a duas ou três décadas atrás. Portanto, os meios de transporte se tornaram produtos inerentes as nossas vidas, pois com raras exceções fica impossível viver sem eles.
Seguindo ao exemplo (real, sobre o qual omito os dados pessoais, e que me levou a escrever esse texto): uma mãe, idosa, pertencente à família de baixa condição financeira, residente na capital de um dos Estados brasileiros, fica sabendo que seu filho encontra-se prestes a falecer e que tem poucos dias de vida, talvez dois ou no máximo três. O filho encontra-se internado em situação grave no Rio de Janeiro, cerca de pouco menos de três mil quilômetros de distância, de onde não pode ser transportado em virtude de sua debilidade.
A única forma de ver seu filho ainda vivo seria transportando-se de avião. Para isso era necessário adquirir um bilhete aéreo. Todavia, era período de natal, e o custo da passagem se encontrava com aumento de mais de cem por cento, chegando a quase três mil reais, o que, mesmo diante de um esforço financeiro familiar, impossibilitou a mãe de ver seu filho, o qual veio a falecer. Em outras datas, todavia, o voo seria viável.
Haveria um limite moral ao mercado de passagens aéreas? A oportunidade de aumentar os lucros (liberdade de mercado) seria um valor tão importante a ponto de inibir, por exemplo, a permanência da mãe ao lado de seu filho em seus últimos dias de vida?
Exemplo 3: Recentemente o furacão Sandy castigou a cidade de Nova York. Sua passagem deixou destruição por toda parte, e, como consequência, o fornecimento de produtos e serviços tornou-se mais escasso.
Visualizando a oportunidade que o mercado passou a oferecer alguns produtores/fornecedores passaram a cobrar mais caro por seus produtos ou serviços, elevando abruptamente o preço de gasolina, água, alimentos e outros.
Os elevados aumentos nessa situação são razoáveis? Deveria haver mais humanidade e sentimento de ajuda mútua em razão da destruição natural? Essa humanidade deveria ser transplantada também para as regras do mercado ou essas seriam tão valiosas e supremas a ponto de permitir a prevalência da lei da oferta e da procura em tais casos?
Enfim, aspectos morais devem permear relações comerciais? Nos três casos apresentados existe um limite moral? Ou os lucros advindos do trabalho e esforço pessoal devem prevalecer sempre? De mais a mais, a liberdade, nesses casos, é um valor supremo? Ou poderia, em certa medida, ser limitada?
Em nosso país o ordenamento jurídico nos dá pistas da adoção de um sistema de livre mercado, mas pautado e limitado por valores morais incorporados através de suas normas.
A Constituição da República Federativa do Brasil elege como valor fundamental a dignidade da pessoa humana, instituindo como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, na seção IV (intitulada Das Práticas Abusivas) veda ao fornecedor de produtos ou serviços elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
Em alinhado sentido, a lei 12.529 de 2011 diz constituir “infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir” o aumento arbitrário de lucros.
Se esse aumento vier em razão de acordo, manipulação ou ajuste, ou seja, se todas ou parte das companhias aéreas, ou dos cambistas, pactuarem em elevar os preços em um mesmo período e num mesmo patamar, a conduta pode ainda se enquadrar no parágrafo terceiro da norma mencionada (artigo 36 da lei 12.529).
Destarte, ao menos que haja uma justa causa, e se considere a diminuição da oferta em razão do aumento da procura como tal, a superelevação no preço de passagens aéreas, e outros serviços em similares situações, mostra-se abusiva, moral e legalmente.