Resumo
O presente artigo se propõe a investigar a responsabilidade civil do Estado decorrente de atos jurisdicionais praticados por magistrados.
De fato a sociedade já não se satisfaz em apenas conhecer, disponível, certa estrutura física promitente na prestação da justiça. O que se almeja é a eficiência do mister judicial, restando da mesma forma o Estado responsável por seus atos quando lesivos, ainda que oriundos de omissão.
Nesse diapasão, este trabalho aborda a possibilidade de responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais e como este fator contribui para haja consciência numa prestação jurisdicional de qualidade.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado, Atos jurisdicionais e Prestação jurisdicional.
1. INTRODUÇÃO
O estudo inicia-se com uma abrangente análise do termo responsabilidade e suas formas, civis, contratuais e extracontratuais, ademais, frise-se a responsabilidade Estatal embutida na Carta Magna. Outrossim, o legislador estabeleceu-o na Constituição de 1988, notadamente no inciso LXXV do artigo 5° e no artigo 37, § 6º. Daí nasce à relevante e essencial oportunidade de se identificar de forma clara a norma jurídica, fica-se diante da interpretação-hermenêutica para compor e garantir os direitos disciplinados.
Assim, o presente artigo científico tem como escopo a análise do fenômeno da Responsabilidade civil Estatal, outrossim, a obrigação de reparar o dano como estímulo à eficiência na prestação jurisdicional que se resume na obrigação que tem o Estado em determinar a solução para a situação de fato que lhe é apresentada pelo jurisdicionado, a fim de disseminar paz na sociedade.
Feito este breve intróito, tem-se como principal problema, o fato que na consecução desse serviço o Poder Público pode – diretamente ou por intermédio de um magistrado – causar dano a uma ou ambas as partes envolvidas no processo. Ademais, estes danos podem ainda ser provenientes da atividade jurisdicional por culpa do juiz ou danos advindos de omissão, dolo ou fraude deste, o que será avaliado e interpretado através da hermenêutica e da norma, no sistema jurídico atual.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL
O termo responsabilidade revela uma obrigação decorrente de uma ação ou omissão a cargo de uma pessoa que tinha o dever de realizar algo, assumiu o risco de fazê-lo ou causou dano a outrem, assumindo aquele a condição de devedor em vista da lei ou do contrato que regula o caso específico. Segundo BRASIL (2003, p. 283) “responsabilidade civil é a reparação do dano causado a outrem, em decorrência de obrigação assumida ou por inobservância de norma jurídica”.
A responsabilidade contratual surge com a formalização da obrigação e se revela através do descumprimento das suas cláusulas.
Conforme VENOSA (2004, p. 30):
[...] a responsabilidade contratual nasce do descumprimento de um contrato ou de alguma de suas cláusulas. [...] devemos examinar a existência de um contrato, sua validade, uma ou mais obrigações descumpridas e o prejuízo sofrido pelo contratante. [...] em cada caso concreto devemos observar se houve a intenção de contratar.
Já a responsabilidade extracontratual se refere à obrigação que alguém assume de reparar terceiro em virtude de um dano que lhe é causado. É bom lembrar que os fundamentos desse tipo de responsabilidade encontram respaldo na lei e não no contrato. Segundo VENOSA (2004, p. 490/491) “Não havendo contrato, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana parte, desde o início, dos postulados fundamentais do art. 159 do Código Civil de 1916 [...] e no presente, art. 186”, além de outras normas.
Desta forma, desapegando-se de excessivos formalismos, é possível levantar suspeitas de que quando se trata de responsabilidade estatal o caso se encaixa, em parte, na teoria que alude à responsabilidade extracontratual. Com isso não se quer dizer que o fundamento da responsabilidade estatal encontra lastro no Código Civil. Apenas se falou que a obrigação de reparar os danos provenientes do serviço jurisdicional é uma responsabilidade do tipo extracontratual, até porque esse mister é desempenhado pelo Estado de forma impositiva.
Salvado os espantos GASPARINI apud MELLO (2008, p. 1025) destaca que:
Cuida-se, isto sim, da responsabilidade patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado ou responsabilidade civil do Estado, em face de comportamentos unilaterais, comissivos ou omissivos, legais ou ilegais, materiais ou jurídicos, que lhe são atribuídos. [...] Nós preferimos dizer responsabilidade civil do Estado, posto que o dano pode advir de atos legislativos ou judiciais, e não só de atos e fatos administrativos, como essa expressão parece induzir [...]. (Grifamos).
Num Sistema Democrático de Direito é certo que o Estado se submete às normas jurídicas, principalmente às normas principiológicas constitucionais, que regulam algumas das suas obrigações.
De tal modo, torna-se mister destacar que o fundamento da responsabilidade do Estado está explicitamente prescrito na Carta Magna de 1988, notadamente no inciso LXXV do artigo 5° e no artigo 37, § 6º, nos respectivos termos:
Artigo 5º, CF/88 – omisis.
LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário [...];
Artigo 37, CF/88 – omisis.
§6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Outro não é o desfeche a não ser o de que toda vez que a prestação jurisdicional causar dano, o que é ilegal, o Estado, o juiz, ou os dois ficam obrigados a repará-lo. A fundamentação consiste na responsabilidade extracontratual e o lastro é formado pelos princípios previstos no próprio texto constitucional, de forma que SIQUEIRA (2001, p. 143) destaca o seguinte:
A existência de Norma-princípio Constitucional, como por exemplo o artigo 37, §6º e o artigo 5º, inciso LXXV, ambos da CF/88, [...] denotam que a obrigação ora defendida é inquestionável e a negação a sua aplicação constitui um ataque ao Direito diante do desrespeito à proeminência da Constituição e ao sentido do termo princípio, que não são simples regras.
Oportuno, nesse momento, é ressaltar que improcedente numa sistemática originada de um Estado Democrático de Direito é a teoria da irresponsabilidade do Estado. Segundo esta, a atuação estatal seria soberana, ditada por uma pessoa também com essa característica e por isso imune a erros. Assim, dizia-se outrora que o Estado nunca desacertaria em seus atos, motivo pelo qual era eminente a sua irresponsabilidade perante terceiros, especialmente os jurisdicionados.
Conforme GASPARINI (2008, p. 1028)
A fase da irresponsabilidade civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabilizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados. Seu fundamento encontrava-se em outro princípio vetor do Estado absoluto [...] segundo o qual o Estado não podia causar males ou danos a quem quer que fosse. Era expressado pelas fórmulas: “Lê roi ne peut mal faire” e “The King can do no wrong”, ou, em nossa língua: “O rei não pode fazer mal” e “O rei não erra”. (Grifos do autor).
Outro argumento esvaziado pela própria temática anteriormente exposta, segundo a qual o princípio democrático condiciona o poder político à vontade do povo que está estabelecida nas normas, é o de que os artigos 41 e 49 da Lei Complementar 35/79 estabelecem hipotética irresponsabilidade patrimonial do Estado concernente à prestação jurisdicional.
De logo vale apontar que o próprio artigo 41 dessa Lei Complementar, que em muito se parece com o artigo 133 do Código de Processo Civil de 1973, já apresenta em seu texto algumas hipóteses de exceção, onde, por si só, seriam capazes de justificar a possibilidade de imputar responsabilidade ao Estado, decorrente de danos cometidos contra terceiros.
Destaque-se, que o mesmo acontece com o artigo 49 da Lei Complementar 35/79. Inclusive, se assim não fosse, esses dispositivos padeceriam de constitucionalidade frente aos próprios artigos e incisos citados anteriormente provenientes do Texto Constitucional.
Para SIQUEIRA (2001, p. 162):
Num primeiro aspecto, fazendo-se não só uma interpretação sistemática, mas também literal, observa-se que os referidos artigos não estabelecem a teoria da irresponsabilidade, já que em nenhum deles está tipificado o excludente do dever de o Estado indenizar a vítima pelo erro judicial. Na verdade, eles apenas tratam da irresponsabilidade pessoal do juiz quando agir na forma contida no artigo 49 da referida Lei Complementar.
E completa SIQUEIRA (2001, p. 163/164) afastando a hipótese da irresponsabilidade do Estado, aludindo que:
Num segundo aspecto, mesmo que as regras em comento consagrassem expressamente a tese da irresponsabilidade, ter-se-ia que concluir que são inconstitucionais, pois não teriam sido recepcionadas pela nova ordem constitucional, surgida em 1988, que de forma genérica determinou a responsabilidade do Estado pelos atos emanados dos seus agentes públicos, §6º do artigo 37 da CF, e de forma específica tratou da responsabilidade pelo erro judicial, inciso LXXV do artigo 5º da CF.
Mas, há de se confessar, que um ponto que supostamente fundamentaria a irresponsabilidade do Estado quanto aos danos provenientes da atividade jurisdicional gira em torno da interpretação literal que se pode fazer acerca do parágrafo 6º do artigo 37 da Carta Maior.
Reescreve-se, então, o seu texto e grifa-se os itens que possibilitariam a interpretação da irresponsabilidade do Estado e do juiz: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
No entanto, frisando a impossibilidade de se aceitar a irresponsabilidade estatal, SIQUEIRA (2001, p. 166) refuta que “Não tem a menor procedência continuar sustentando que o artigo 37, §6º da CF, não se aplica aos casos que envolvem responsabilidade do Estado por atos judiciais [...]”.
Até porque se o caso é de interpretação literal reveja-se o que claramente estabelece o inciso LXXV do artigo 5º da Constituição: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, [...]” (Grifamos). Para CARVALHO FILHO (2008, p. 516) “o texto que está no art. 5º, LXXV, da CF dá margem a dúvidas, visto que se limita a mencionar o condenado por erro judiciário, sem especificar que tipo de condenação, cível ou criminal [...]” (Grifamos).
Destarte, interpretando literalmente somente a primeira parte do dispositivo, há de se ressaltar que condenação existe também no âmbito do processo civil, podendo-se entender que a vírgula funciona como aditivo de um outro caso que também caracteriza a responsabilidade estatal, qual seja, o que diz que os que ficarem presos por erro ou além do tempo fixado na sentença também podem pleitear do Estado a devida indenização.
Outro argumento, que deve ser ponderado é aquele que costuma ser invocado para sustentar a irresponsabilidade de qualquer ato jurisdicional.
Em verdade o magistrado não pode ser responsabilizado pelo conteúdo ou mérito de suas decisões, como no caso do erro in judicando ou in procedendo. Conforme SIQUEIRA (2001, p. 164):
Se aceitarmos que o Estado é irresponsável pelos erros cometidos, no desempenho da função jurisdicional, devido ao fato de o Poder Judiciário ser soberano, estaríamos diante não só de um erro doutrinário, mas de um contra-senso, já que o Poder Executivo também o seria. A argumentação apresentada nesta justificativa de irresponsabilidade levaria à conclusão de que a norma do artigo 37, §6º da CF, seria inócua, já que os atos dos agentes públicos, praticados no exercício da função executiva, legislativa e judicial, seriam atos de soberania.
Portanto, outra não resta senão a conclusão de que é possível imputar aos três Poderes a obrigação de ressarcir danos provenientes da consecução de suas atividades.
Conforme MELLO (2007, p. 974):
Perfilhamos [...] entendimento de que a idéia de República (res publica – coisa pública) traz consigo a noção de um regime institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis, “onde não há sujeitos fora do Direito”. Procede inteiramente a ilação que daí extrai: se não há sujeito fora do Direito, não há sujeitos irresponsáveis; se o Estado é um sujeito de direitos, o Estado é responsável. Ser responsável implica responder por seus atos, ou seja, no caso de haver causado dano a alguém, impõe-se-lhe o dever de repará-lo. (Grifos do autor).
Superado o início desse capítulo, estabelecendo-se, porém, a inequívoca viabilidade de se impor ao Estado a responsabilidade proveniente da atividade jurisdicional que cause dano a terceiro, passa-se à abordagem de outras temáticas correlatas ao tema para que quando da finalização não reste dúvida acerca da responsabilidade jurisdicional em face dos danos impelidos a terceiros.
3. A OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO COMO ESTÍMULO À EFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Em primeiro lugar reforce-se que a prestação jurisdicional se resume na obrigação que tem o Estado em determinar a solução para a situação de fato que lhe é apresentada pelo jurisdicionado, a fim de disseminar paz na sociedade. O problema é que na consecução desse serviço o Poder Público pode – diretamente ou por intermédio de um magistrado – causar dano a uma ou ambas as partes envolvidas no processo. Nessa perspectiva torna-se mister analisar nas próximas linhas como a questão é tratada do ponto de vista jurídico.
Aliás, foram escolhidos três itens para melhor pontuar o estudo e que serão dispostos nos tópicos seguintes sobre os quais se avaliará, à luz da doutrina e da jurisprudência, a possibilidade de imputar responsabilidade estatal, são eles: o erro exarado no comando sentencial, a mora quanto à solução do litígio e os danos causados pelo juiz mediante fraude ou omissão quando da prestação jurisdicional.
Porém, é interessante estabelecer que a doutrina administrativa se divide quando o assunto gira em torno da possibilidade de o Estado ser responsabilizado por danos provenientes da prestação do serviço jurisdicional. Conforme PIETRO (2008, p. 624):
Com relação aos atos praticados pelo Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional, também existem divergências doutrinárias. Os que refutam essa responsabilidade alegam que: 1. o Poder Judiciário é soberano; 2. os juízes têm que agir com independência no exercício das funções sem o temor de que suas decisões possam ensejar a responsabilidade do estado; 3. o magistrado não é funcionário público; a indenização por dano decorrente de decisão judicial infringiria a regra da imutabilidade da coisa julgada, porque implicaria o reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei.
Sopesando o assunto ressalta-se o fato de que num Sistema Democrático de Direito vigente numa República não se admite que nenhum órgão do Poder estatal fique imune à reparação do dano que eventualmente causar a um de seus jurisdicionados.
Nessa esteira aduz MELLO (2007, p. 970):
Um dos pilares do moderno Direito Constitucional é, exatamente, a sujeição de todas as pessoas, públicas ou privadas, ao quadro da ordem jurídica, de tal sorte que a lesão aos bens jurídicos de terceiros engendra para o autor do dano a obrigação de repará-lo. Sem embargo, a responsabilidade do estado governa-se por princípios próprios, compatíveis com a peculiaridade de sua posição jurídica, e, por isso mesmo, é mais extensa que a responsabilidade que pode calhar às pessoas privadas.
O STF no recurso extraordinário 429518 de 17/08/2004 se posicionou no sentido de que com referência ao artigo 37, 6º da Constituição de 1988 “a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei”.
Também pela tese da irresponsabilidade estatal quando da prestação do serviço jurisdicional GASPARINI (2008, p. 1034) alude que “[...] por atos [...] judiciais [...] a regra é a irresponsabilidade”.
Malgrado as fortes controvérsias provenientes de altercações travadas por doutrinadores de peso, deve-se pensar que a possibilidade de responsabilidade vai contribuir e muito para a prestação jurisdicional.
O magistrado que agir com dolo no desempenho de sua função saberá que poderá ser responsabilizado civilmente, por meio de ação regressiva do Estado, caso o ente público seja condenado.
Ademais, cumpre informar que o princípio da eficiência esculpido no Art.37 da norma ápice também deve ser aplicado à prestação da atividade jurisdicional, na medida em que a emenda constitucional número 45 garantiu um processo com duração razoável.
3.1. DANOS PROVENIENTES DA ATIVIDADE JURISDICIONAL POR CULPA DO JUIZ
Antes de tratar desse tipo de dano é necessário tecer algumas considerações acerca da atividade do magistrado capaz de, por culpa em sentido estrito, causar danos a terceiros. Em lista resumida podemos indicar que os atos praticados pelo juiz são os despachos de mero expediente, comandos interlocutórios e as sentenças.
Já foi esboçado que a doutrina se divide quando o assunto trata dos danos causados pelos atos dos juizes. ALEXANDRINO; PAULO (2007, p. 538/540) sustentam a irresponsabilidade do Estado quanto à interlocutória e sentença, nos seguintes termos:
A jurisprudência brasileira não admite a responsabilidade civil do Estado em face dos atos jurisdicionais praticados pelos magistrados. [...] a regra é a irresponsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais típicos (praticados pelo Juiz na sua função típica, que é dizer o Direito, sentenciando). [...] Em relação às condutas culposas (quando profere sentença com negligência, sem apreciar devidamente os elementos constantes dos autos, p. ex.), prevalece a regra geral relativa aos atos jurisdicionais, da irresponsabilidade civil.
Pugnando ainda pela irresponsabilidade civil estatal relativa à condução do processo e solução da lide, há quem defenda que a sentença é um ato de soberania e que por isso não seria passível subsidiar reparação. Insta notar que esse posicionamento tem fundamento na antiga expressão que afirmava que o rei nunca erra. Nessa vertente GASPARINI, (2008, p. 1034/1035) se posiciona quanto à responsabilidade do Estado por atos judiciários aludindo que:
[...] a regra é irresponsabilidade. [...] A sentença [dificilmente] poderá causar dano reparável (certo especial, anormal, referente a uma situação protegida pelo Direito e de valor economicamente apreciável). A sentença não pode propiciar qualquer indenização por eventuais danos que possa acarretar às partes ou a terceiros, dado que ato da essência da soberania. (Grifamos).
Existem autores, ademais, que sem expressar um posicionamento inequívoco acerca do tema defendem fundamentos que corroboram com a irresponsabilidade estatal quando da consecução da prestação jurisdicional. Esses, além de argumentarem que as decisões do Poder Judiciário são soberanas explicam que os interessados devem recorrer das decisões do juiz, fazendo uso dos próprios instrumentos disponíveis no processo e não buscaram reparação por eventual dano proveniente da prestação jurisdicional.
Nessa marcha registra-se o que diz CARVALHO FILHO (2008, p. 515):
[...] é relevante desde já consignar que [...] os atos jurisdicionais típicos são, em princípio, insusceptíveis de redundar na responsabilidade civil do estado. São eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é o da soberania do Estado: sendo atos que traduzem uma das funções estruturais do estado, refletem o exercício da própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos recursais e até mesmo outras ações para postular a sua revisão.
Em suma, segundo essa doutrina, verifica-se que se uma das partes sofreu dano no processo ela deve recorrer da decisão ou postular em ação própria. Não o fazendo, ocorre o que se disse anteriormente: o dano existiu, mas a inércia da vítima funcionou como excludente de culpabilidade.
Contra os argumentos apresentados até o momento outra parte da doutrina, de vanguarda, sustenta a incidência da responsabilidade civil de Estado decorrente dos atos jurisdicionais praticados com incidência de culpa civil em sentido amplo.
Em aparente contradição, registre-se que alguns autores que defendem a irresponsabilidade admitem que se apure a culpa do Estado quando o dano advier de sua omissão em implementar condições para que a prestação jurisdicional seja efetivada, ferindo, destarte, o princípio que pugna pela razoável duração do processo.
Segundo o próprio CARVALHO FILHO (2008, p. 517):
Para alguns estudiosos, se a violação decorrer de falha no serviço judiciário ou em paralisações injustificadas do processo, o Estado está sujeito à responsabilidade objetiva, com base no art. 37, §6º, CF. Assim não pensamos, porém. [...], parece-nos que a ofensa ao referido princípio implicará sempre a investigação sobre a forma como se desenvolveu o serviço [...] a hipótese, pois é a de incidência da responsabilidade com culpa (ou subjetiva, se assim se preferir).
O STF pronunciou entendimento segundo o qual a ação de reparação cível não é contra o magistrado, mas em face do Estado que, se for o caso, posteriormente deverá fazer uso da ação de regresso para responsabilizar o juiz da causa.
Conforme PIETRO (2008, p. 626):
Merece atenção uma importante decisão do STF que pode significar mudança de orientação da jurisprudência no que diz respeito à responsabilidade do Estado por atos judiciais. Trata-se do acórdão proferido no recurso Extraordinário 228.977/SP, em que foi Relator o Ministro Néri da Silveira, julgado em 5-3-2002 (DJU de 14-4-2002). Nele se decidiu que a autoridade judicial não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados, devendo a ação ser proposta contra a fazenda Estadual, a qual tem o direito de regresso contra o magistrado responsável, nos casos de dolo ou culpa. (grifamos).
Ainda PIETRO apud ALCÂNTARA (2008, p. 625) relaciona várias hipóteses em que o ato jurisdicional deveria acarretar a responsabilidade do Estado “[...] a não concessão de liminar nos casos em que seria cabível, [...] fazendo perecer o direito; retardamento injustificado de decisão ou de despacho interlocutório, causando prejuízo à parte”.
Diante disso é possível identificar posições doutrinárias divergentes e fortes teorias quando se trata da imputação da responsabilidade estatal devido a dano proveniente da consecução da jurisdição, na seara civil.
3.2. DANOS ADVINDOS DE OMISSÃO, DOLO ou FRAUDE DO JUIZ
Neste ponto, aparentemente, não há divergência doutrinária em reconhecer a obrigação de reparar os danos sofridos por terceiros por causa da prestação do serviço jurisdicional. Isto, em princípio, até porque há texto expresso imputando responsabilidade ao magistrado que por consciência e vontade própria perturbar, sonegar, reter, ou praticar, mal intencionadamente, qualquer ato que prejudique pessoa envolvida no processo.
No Código de Processo Civil o artigo 133 cuida da imputação da responsabilidade ao magistrado que causa dano a uma das partes quando da prestação da jurisdição. A redação é a seguinte:
Artigo 133 – Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.
A maior parte da doutrina, porém, na linha inclusive dos Tribunais, aponta que a ação de reparação deve ser proposta em face do Estado que deverá, no futuro, voltar-se para apurar se o juiz agiu com dolo, de forma que ele seja obrigado a recompor os prejuízos suportados pelos cofres públicos. Conforme MEIRELLES (2005, p. 653):
Ficará, entretanto, o juiz individual e civilmente responsabilizado por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de seu ofício, nos expressos termos do art. 133 do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado. (Grifamos).
Enfatizando que a ação de reparação deverá ser proposta em face do Estado GASPARINI (2008, p. 1035) destaca que:
Nas hipóteses do inciso I a responsabilidade do Estado dependerá do reconhecimento do dolo ou da fraude do juiz [...] enquanto nas situações do inciso II, satisfeitas as exigências do parágrafo único, configurado o dano caracteriza-se a responsabilidade patrimonial do estado, que poderá, regressivamente, agir contra o juiz causador direto do dano. (Grifamos).
4. CONCLUSÃO
Em via de conclusão é importante destacar que este trabalho buscou investigar a viabilidade de o Estado ou o magistrado reparar civilmente os danos provenientes da atividade jurisdicional. Neste contexto, foi possível diferenciar a responsabilidade civil do juiz, que basicamente tem azo no artigo 133 da Lei Instrumental, e a irresponsabilidade do Estado, que por sinal não é admitida pela maioria da doutrina e da jurisprudência.
Quanto ao magistrado a regra do aludido artigo 133 é clara e determina que se da sua atuação dolosa, fraudulenta ou culposa na prestação do mister jurisdicional resultar dano para terceiros, poderá o Estado ser responsabilizado e não o magistrado pessoalmente.
Ademais, para configurar a responsabilidade atinente à omissão, nos termos do parágrafo único do artigo 133, da Lei Processual, o interessado deverá, através do escrivão, notificar o magistrado para que ele adote as providências num prazo de dez dias, de modo que transcorridos estes sem a adoção das devidas providências restarão configurados indícios da responsabilidade, tendentes a viabilizar a obrigação do juiz à reparação do dano.
Quanto ao afronto às normas, registre-se que o inciso LXXV do artigo 5º da Constituição prescreve, claramente, que o “Estado indenizará o condenado por erro judiciário”. A doutrina simpatizante da irresponsabilidade civil estatal defende que o texto se refere apenas e tão somente aos casos que envolvem Direito Penal. Porém, como se observa, somente a parte final desse inciso é que se refere expressamente a este ramo do direito. Portanto, fácil concluir que invocação desse preceito depende do almejo desses que o negam a fim de conferir eficácia concreta à sua primeira parte, pugnando, destarte, pela sua interpretação e aplicação nos seus justos termos: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário”.
O reconhecimento da responsabilidade Estatal por erro judiciário na verdade estimula a prestação jurisdicional de forma eficaz e célere.
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ABSTRACT
This article aims to investigate the liability of the State arising from acts committed by magistrates courts.
In fact the company is no longer satisfied with just knowing, available, certain physical structure promisor in the provision of justice. What we crave is the efficiency of the judicial mister, leaving the same way the state responsible for their actions when harmful, even if arising from omission.
In this vein, this paper addresses the possibility of civil liability for acts of state courts and how this factor contributes to awareness there is a jurisdictional service quality.
Keywords: Liability of the State, acts courts and jurisdictional service.