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Primeiras impressões sobre a Lei nº 12.737/12 e o crime de invasão de dispositivo informático

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23/01/2013 às 15:26
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10)OUTROS AUMENTOS DE PENA (ARTIGO 154 – A, §§  4º.  E 5º., I A IV, CP)

A partir do § 4º., por disposição expressa ali contida, passam a ser previstas causas de aumento de pena aplicáveis estritamente aos casos do § 3º., ou seja, somente para os crimes qualificados, não alcançando as figuras simples ou equiparada. Efetivamente o § 4º. diz expressamente: “na hipótese do § 3º.”. Nada impede, porém, que ocorrendo a concomitância das causas de aumentos dos §§ 4º. e  5º., estes sejam cumulados, incidindo sobre a pena prevista no § 3º.

O primeiro aumento, previsto no § 4º., é da ordem de  um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. Novamente o desvalor do resultado indica a exacerbação punitiva. Ora, diferente é o invasor obter os dados ou informações e guarda-los para si. Quando ele transmite esses dados a terceiros amplia o dano à privacidade ou ao sigilo, o que justifica a reprimenda mais gravosa. É por esse desvalor do resultado ampliado que o legislador erige em causa especial de aumento o que normalmente seria um “post factum” não punível ou mero exaurimento delitivo.

Já o § 5º., prevê um aumento que varia  de um teço até a metade quando o crime qualificado tiver por sujeitos passivos as pessoas elencadas nos incisos I a IV do dispositivo. São elas: Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Presidente do Supremo Tribunal Federal, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Presidente de Assembléia Legislativa de Estado, Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Presidente de Câmara Municipal ou dirigente máximo da administração direta ou indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. Essas pessoas gozam de especial proteção legal não devido a um injustificado privilégio pessoal, mas sim por causa do cargo ocupado e da relevância de suas atribuições e importância diferenciada dos informes sigilosos que detém e podem envolver, como envolvem frequentemente, interesses que suplantam em muito a seara pessoal para atingir o interesse público e o bem comum.


11)CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

O crime é comum, já que não exige especial qualidade do sujeito ativo. É também formal porque não exige no tipo básico (simples) resultado naturalístico para sua consumação, mas a mera invasão ou instalação de vulnerabilidade. Também é formal na figura equiparada porque não exige que o material para a prática delitiva cheque efetivamente às mãos do destinatário, ou seja, realmente utilizado. Já nas figuras qualificadas é material porque exige para consumação a obtenção efetiva de conteúdos ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido. Em qualquer caso o crime é plurissubsistente, admitindo tentativa. Trata-se ainda de crime instantâneo, comissivo, doloso (não há figuras culposas ou omissivas) e unissubjetivo ou monossubjetivo porque pode ser perpetrado por uma única pessoa, não exigindo concurso. Também pode ser comissivo por omissão quando um garante deixar de cumprir com seu dever de agir nos termos do artigo 13, § 2º., CP. Finalmente trata-se de crime simples por tutelar apenas um bem jurídico, qual seja a privacidade e o sigilo de dados e informações contidos em dispositivos informáticos de qualquer natureza.


12)ALGUMAS DISTINÇÕES

É preciso estar atento para o fato de que o crime previsto no artigo 154 – A, CP pode ser meio para a prática de infrações mais graves, tais como estelionatos, furtos mediante fraude, dentre outros. Nesses casos, seja pela subsidiariedade, no caso do artigo 154 – A, § 3º., CP, seja pela consunção nos demais casos, deverá haver prevalência do crime – fim e afastamento do concurso formal ou material com o crime de “Invasão de Dispositivo Informático”.

A Lei 9.296/96 trata das interceptações telefônicas e também das interceptações de comunicações em sistemas informáticos e telemáticos (artigo 1º., Parágrafo Único), prevendo em seu artigo 10 crime para a realização dessas diligências fora dos casos legalmente previstos e sem ordem judicial. Como já dito, no confronto com o artigo 154 – A, § 3º., CP, a subsidiariedade ali expressa apontará para a prevalência do artigo 10 da Lei de Interceptação telefônica. Além disso, há que distinguir a interceptação da invasão de dispositivo informático ou de instalação de vulnerabilidades para obtenção, adulteração ou destruição de dados ou informações. Na interceptação telemática ou informática a comunicação é captada no exato momento em que ocorre e no crime previsto no artigo 154 – A, CP a obtenção das informações ou dados ocorre posteriormente, mediante invasão de dispositivo informático que as armazena ou guarda. Uma coisa é instalar um dispositivo que permita ao infrator, sem ordem judicial, captar imediatamente no mesmo momento em que a mensagem SMS é digitada, o seu conteúdo (interceptação ilegal – artigo 10 da Lei 9.296/96), outra muito diversa é instalar um vírus espião para obter o teor dessas mensagens SMS armazenado num computador ou mesmo num celular ou smartphone (artigo 154 – A, CP). Ademais, a Lei de Interceptação Telefônica não prevê as condutas de adulteração, destruição de dados ou informações e nem mesmo de instalação de vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Finalmente não se deve confundir o crime do artigo 154 – A, CP com os crimes de “Inserção de dados falsos em sistemas de informação” (artigo 313 – A, CP) e de “Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações” (artigo 313 – B, CP). Ambos são crimes próprios de funcionário público contra a Administração em geral que prevalecem por especialidade em relação ao crime do artigo 154 – A, CP.


13)PENA E AÇÃO PENAL

A pena prevista para o crime simples (artigo 154 – A, “caput”, CP) e para a figura equiparada (artigo 154 – A, § 1º., CP) é de detenção de 3 meses a 1 ano e multa. Dessa forma trata-se de infração de menor potencial ofensivo, afeta ao procedimento da Lei 9.099/95. Mesmo na forma majorada do § 2º., a pena máxima não ultrapassaria 1 ano e 4 messes (aumento máximo de um terço), de modo que seguiria como infração de menor potencial.

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Também a forma qualificada do artigo 154 – A, § 3º., CP é abrangida pela Lei 9.099/95, eis que a pena máxima não ultrapassa dois anos (reclusão de 6 meses a dois anos e multa). Apenas nas hipóteses de aplicação dos aumentos de pena previstos nos §§ 4º. ou 5º., é que a pena máxima iria ultrapassar o patamar de dois anos, de modo que não seria mais abrangida pela Lei 9.099/95. O único instituto dessa lei então aplicável seria a suspensão condicional do processo nos termos do artigo 89 daquele diploma, já que a pena mínima não ultrapassa um ano, nem mesmo com os acréscimos máximos. Somente cogitando da concomitância dos aumentos dos §§ 4º. e 5º., é que o patamar, considerando os acréscimos máximos, suplantaria um ano na pena mínima de modo que nem mesmo a suspensão condicional do processo seria admissível.

O artigo 154 – B, CP regula a ação penal. A regra ali estabelecida é a da ação penal pública condicionada. Excepcionalmente a ação será pública incondicionada  quando o delito for praticado contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e empresas concessionárias  de serviços públicos. Esse dispositivo confirma a possibilidade da pessoa jurídica como sujeito passivo do ilícito.  Entende-se ainda que quando as pessoas físicas elencadas no § 5º., do artigo 154 – A, CP forem vítimas o crime também será de ação penal pública incondicionada, tendo em vista que direta ou indiretamente  a administração pública será atingida pela conduta do agente.


14) “VACATIO LEGIS” OUTAS DISPOSIÇÕES

A Lei 12.737/12 estabelece em seu artigo  4º., uma “vacatio legis” de 120 dias a partir da publicação oficial. Portanto, não pode ser aplicada imediatamente e nem poderá retroagir aos casos pretéritos quando entrar em vigor, vez que se trata de “novatio legis incriminadora”.

Já em seu artigo 3º., promove outras alterações de menor monta no Código Penal. No artigo 266, CP, que versa sobre a “Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico”, inclui como crime equiparado a interrupção de serviço telemático ou de informação de utilidade pública, também prevendo como infração penal o impedimento ou dificultação de seu restabelecimento (novo § 1º.). O próprio “nomen juris” do crime descrito no artigo 266 é alterado pela Lei 12.737/12. Agora se denomina “Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública”. A inovação é correta e já tardava, vez que os meios de comunicação há muito tempo superaram os simples serviços de telefonia e telegrafia. O antigo Parágrafo Único do artigo 266, CP é mantido agora na forma de um § 2º., e continua  determinando a duplicação das penas se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública.

No crime de “Falsificação de Documento Particular”, previsto no artigo 298, CP, a Lei 12.737/12 inclui um Parágrafo Único para fazer a equiparação de cartões de crédito e/ou débito a documento particular. Trata-se também de alteração que já tardava, tendo em vista a utilidade negocial dos referidos cartões e sua utilização no dia a dia, além do fato de que têm sido objeto de diversas falsificações e adulterações cuja tipificação penal criava dificuldades sobre a natureza ou não de documento. Agora não restará mais dúvida alguma, cartões de crédito ou débito são equiparados a documentos particulares por força de lei e quem os falsifique incide nas penas do artigo 298, CP.

Frise-se, porém, que também essas alterações nos artigos 266 e 298, CP somente vigorarão após o período de “vacatio legis” legalmente estabelecido e não poderão retroagir a fatos antecedentes.  


Nota

[1] As “normas penais em branco próprias ou heterogêneas” são aquelas que exigem para seu complemento uma espécie normativa diversa da lei (v.g. Decreto, Resolução, Portaria etc.). Doutra banda, as “normas penais em branco impróprias homovitelinas” são aquelas cujo complemento está no mesmo diploma legal (v.g. conceito de casa no crime de violação de domicílio, dentro do próprio Código Penal). 

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Primeiras impressões sobre a Lei nº 12.737/12 e o crime de invasão de dispositivo informático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3493, 23 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23522. Acesso em: 4 nov. 2024.

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