Resumo: O núcleo deste artigo reside em saber qual é o prazo para o ajuizamento da ação de depósito ajuizada por ente público.
No exercício das suas atividades, não é incomum haver operações encetadas pelos entes públicos com a imposição de sanções, lavratura de auto de infração e também apreensão de bens (veículos, máquinas, madeira e diversos outros bens ambientais ou não). Em alguns casos, os particulares podem ficar na posse do bem objeto da autuação na condição de fiel depositário. E uma das formas de reaver judicialmente o bem é a propositura da ação de depósito.
Neste sentido é a posição do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – INFRAÇÃO AMBIENTAL DECLARADA NULA – TERMO DE APREENSÃO E DEPÓSITO DE ANIMAIS – AÇÃO DE DEPÓSITO – CABIMENTO – DEMONSTRAÇÃO DA PROVA LITERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA – MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC MANTIDA.
1. Não ocorre ofensa aos arts. 458 e 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. É possível o ajuizamento de ação de depósito para reaver bens apreendidos sob o regime de depósito por autoridade fiscal, caso se preencham os pressupostos da medida em questão, quais sejam, a pretensão da restituição de coisa depositada e a prova literal da relação de depósito.
3. Mantém-se a multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, uma vez que não se buscava o prequestionamento de questão, para posterior interposição de recurso extraordinário, mas sim reapreciação de matéria já decidida. Não se aplica a Súmula 98/STJ.
4. Recurso especial não provido. [grifado]
(STJ, REsp 2009/0243984-1, Relatora Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, j. 19/08/2010, DJe 30/08/2010)
A ação de depósito encontra previsão no artigo 901 do Código de Processo Civil e tem por finalidade a restituição da coisa depositada. Em verdade, diante de uma relação jurídica complexa, do depósito podem surgir várias pretensões e ações[1]. A principal reside na restituição do bem.
Os requisitos da petição inicial, o procedimento a ser adotado e o comando sentencial são idênticos quando a ação é proposta por ente público ou por particular, diante da ausência de distinção por parte da legislação de regência.
Uma questão interessante reside em saber qual é o prazo para o ajuizamento de ação de depósito quando o autor da ação é ente público.
É inegável que a resposta à pergunta deve ser encontrada na leitura do Decreto nº 20.910/1932, que estabelece o seguinte:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. [grifado]
Como se observa, o aludido preceito normativo prevê que o prazo para ajuizar ações contra os entes públicos é de cinco anos, independentemente da natureza da ação. Reciprocamente, e em homenagem ao princípio da isonomia, nas ações judiciais intentadas pelos entes públicos federais também é preciso respeitar o prazo prescricional de cinco anos.
Portanto, diante da disposição legal acima citada, não é possível estabelecer diferença de prazo prescricional entre ações pessoais e ações reais, pois o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 é bem claro ao mencionar que as ações de qualquer natureza estão sujeitas ao prazo quinquenal.
Além disso, não seria aplicável o Código Civil, nestes casos, em razão do princípio da especialidade. Vale dizer, a norma especial (Decreto nº 20.910/1932) derroga a norma geral (Código Civil).
No mesmo sentido é a posição da jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. COBRANÇA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. PREVALÊNCIA DO DECRETO 20.910/32. 1. O Decreto 20.910/32, por ser norma especial, prevalece sobre a lei geral. Desse modo, o prazo prescricional para a cobrança de débito relativo ao FGTS em face da Fazenda Pública é de cinco anos. Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula 107 do extinto TFR: "A ação de cobrança do crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n. 20.910, de 1932". Nesse sentido: REsp 559.103/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.2.2004. 2. Ressalte-se que esse mesmo entendimento foi adotado pela Primeira Seção/STJ, ao apreciar os EREsp 192.507/PR (Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.3.2003), em relação à cobrança de contribuição previdenciária contra a Fazenda Pública. 3. Recurso especial provido. [grifado]
(STJ, RESP 1107970, Relatora DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, j. 17/11/2009, DJE 10/12/2009)
O TRF 4ª Região também entendeu que o prazo prescricional é de cinco anos, conforme se observa da seguinte decisão:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE DEPÓSITO - RESTITUIÇÃO DE MADEIRA E VEÍCULO APREENDIDO POR INFRAÇÃO AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. Verificando-se que se encontra escoado o prazo de cinco anos da lavratura do auto de infração que nomeava o requerido como depositário dos bens apreendidos, reconhece-se, de ofício a prescrição da ação de depósito intentada pela administração para fins de restituição dos bens apreendidos. A situação não se transmuda ainda que se leve em conta o final do processo administrativo que culminou com a manutenção da multa aplicada pela infração administrativa, bem ainda, da apreensão de madeira e do veículo. (TRF4, AC 0000219-90.2008.404.7014, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/10/2012)
É pertinente observar, ainda, que não há, nestes casos, suspensão ou interrupção do prazo prescricional em razão do parcelamento da multa fixada no âmbito administrativo, eis que inexiste previsão legal específica para o caso. Não se pode, também, aplicar normas relativas ao processo administrativo tributário, que possui outra natureza jurídica. Além disso, a guarda do bem apreendido (na hipótese do depósito) não fica vinculada ao cumprimento de parcelamento, inexistindo impedimento para o ajuizamento da ação durante o pagamento das parcelas.
Desta forma, os entes públicos devem respeitar o prazo de cinco anos para propor a ação de depósito, sob pena de improcedência do pedido, em razão da prescrição da pretensão.
Nota
[1] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil, volume VIII, tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 165.