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O princípio federativo x liberdade religiosa no âmbito tributário.

A flexibilização do art. 155, §2º, XII, g, CF/88 pela ADI 3421/PR

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27/01/2013 às 14:36
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O STF isentou igreja de pagar ICMS nas contas de energia elétrica, sem deliberação do CONFAZ. Tal medida afronta o pacto federativo?

1. Intróito

O presente artigo tem por objetivo analisar a ponderação entre o princípio federativo e o da liberdade religiosa no âmbito tributário para se avaliar se a conclusão sobre o posicionamento do Supremo na ADI 3421/PR, da qual se autorizou a isenção de ICMS nas contas de energia elétrica aos templos de qualquer culto sem aprovação da medida no CONFAZ, estaria condizente com o ordenamento.

Todavia, é com base nesta ação direta que se vê a necessidade de se abrir um tópico específico, como uma questão de ordem, para se traçar alguns comentários básicos sobre o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Comunicações – ICMS, sobretudo no que diz respeito ao art.155, § 2º, XII, alínea ‘g’, da Constituição da República e suas implicações com o fenômeno da guerra fiscal, temas estes imprescindíveis para as conclusões do presente trabalho.


2. Questão de ordem: ICMS

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, o que deveras seria impossível no presente artigo, o tópico a seguir visa traçar alguns comentários gerais sobre o ICMS, além de trazer a baila alguns aspectos específicos sobre o assunto, qual seja; o estudo das isenções de ICMS face ao comando constitucional do art. 155, §2º, aliena ‘g’ e suas repercussões com o problema federativo da guerra fiscal.

2.1 Aspectos gerais

a) Competência e sujeito ativo

O art. 155 da Constituição prevê que a competência para a instituição do ICMS é dos Estados e Distrito Federal. Esta espécie tributária, inclusive, é a sucessora do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC) no ordenamento anterior, que foi substituído pela figura do ICMS na nova Carta da República.

Não se pode olvidar, contudo, que embora a competência para instituir e cobrar seja dos Estados, a própria Constituição prevê que pertencem aos municípios 25% do produto da arrecadação do ICMS, sendo três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações realizadas em seus territórios; e até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual.

Majoritariamente se entende que é um gravame de caráter fiscal, cujo objetivo é a arrecadação de renda para o erário estadual. Todavia, não são poucas as vozes a se levantar para explanar o seu caráter extrafiscal, uma vez que o ICMS tem sido utilizado pelos governos para reequilibrar setores da atividade econômica.

Além disso, é um tributo real, incidente sobre coisas e tem por irrelevante as condições pessoais. É plurifásico, submetido ao princípio da não cumulatividade, de sorte que as operações anteriores são compensadas com as posteriores, cujo objetivo é claramente evitar a tributação em cascata.

b) Sujeito passivo

Conforme prevê o art. 155, §2º, XII, alínea ‘a’ da Carta, a definição do sujeito passivo do ICMS será tarefa da lei complementar. Esta, é a Lei Complementar 87/96 (conhecida como Lei Kandir), sendo que o seu art. 4º prevê que contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Todavia, não se pode olvidar que o sujeito passivo do ICMS também pode ter a figura do responsável e neste caso a Carta prevê em seu art. 150, §7º a figura da substituição tributária progressiva, de sorte que uma terceira pessoa é escolhida para recolher o tributo antes da ocorrência do fato gerador, em uma nítida antecipação de recolhimento perante um fato gerador presumido. [1]

Ainda no âmbito da responsabilidade, a lei tributária admite o fenômeno da substituição tributária regressiva, cujo fato gerador tenha ocorrido em momento anterior ao pagamento do tributo, diferindo o seu pagamento no tempo e responsabilizando um terceiro por tal exação.

c) Fato gerador

Conforme observa Kiyoushi Harada, o antigo tributo sobre a circulação de mercadorias sofreu inúmeras modificações com a Constituição de 88, incorporando os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação ao seu fato gerador. Assim, segundo o autor, o fato gerador do ICMS ficou bastante ampliado, não mais se limitando as hipóteses definidas no Decreto 406/68, que não mais vigora.[2]

Eduardo Sabbag, por sua vez, observa que o ICMS possui, em verdade, quatro núcleos definidos no art. 155, II, da Constituição, mas simplifica o tema, entendendo que, de maneira geral, este tributo possui três fatos geradores, quais sejam: i) circulação de mercadorias; ii) prestação de serviço de transporte (interestadual e intermunicipal) e iii) prestação de serviço de comunicação.[3]

Quanto a circulação de mercadorias, segundo Mauro Luís Rocha Lopes, abarca qualquer negocio que promova o impulso de mercadorias desde a produção até o consumo.[4] A circulação, por certo, exige a transferência de titularidade do bem. Nesse sentido, inclusive, vale dizer que a súmula 166 do STJ entende que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento da mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Em mesmo raciocínio, entende Aliomar Baleeiro que a circulação é “todo negocio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o consumidor final.” Ainda nas palavras do autor, “a primeira, a mais geral eimportante, é o fato de sair a mercadoria do estabelecimento comercial, industrial ou produtor. Isso acontece, normalmente, pelo negócio da compra e venda, mas pode ocorrer por outro contrato ou fato juridicamente relevante, isto é, por uma operação jurídica e econômica com valor definido ou não.”[5]

Ainda, nesse contexto, relevante é a análise do conceito de mercadoria. Para Mauro Luis Rocha Lopes, a expressão mercadoria deve ser entendida a partir do que lhe é atribuído o código comercial, pois o interprete, a teor do art. 110 do Código Tributário Nacional, não pode modificar a definição, o sentido e o alcance de instituto de direito privado, quando este tenha sido utilizado pela Constituição para definir a competência tributária.

Nesse espeque, sustenta o autor que o conceito de mercadoria engloba bens moveis e semoventes enquanto objeto de circulação econômica, ou seja, envolvidos em uma atividade mercantil. [6]

Luiz Rosa Junior, ao seu turno, entende que mercadoria é bem móvel adquirido para revenda com fim de lucro, tendo o seu conceito sido recepcionado pela Carta de 88 para determinar a competência dos Estados e, por isso, a lei tributária não pode alterá-lo.[7]

Para Eduardo Sabbag, mercadoria é a coisa que se constitui objeto de uma revenda. Para o autor, ainda, “o que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação, uma vez que é coisa móvel com aptidão ao comercio. Não são mercadorias as coisas que o empresário adquire para uso ou consumo próprio, mas somente aquelas adquiridas para revenda ou venda.”[8]

Ato contínuo, os conceitos aqui apresentados deixam a entender que o ICMS não poderia ter incidência sobre a importação para bens de uso próprio. Acontece que a Emenda Constitucional nº 23/83, impediu qualquer interpretação em contrário, incidindo a exação sobre as mercadorias ou bens importadas do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não sejam contribuintes habituais do imposto.

Ainda no que concerne a definição de mercadoria, é importante fazer a diferença entre os fornecimentos de água e energia elétrica. Nesse caso, o próprio texto constitucional prevê a incidência do ICMS sobre a circulação de energia elétrica, ficando, portanto, equiparada a mercadoria para fins de tributação. O mesmo entendimento poderia ser aplicado ao fornecimento de água encanada. Contudo, o Supremo na ADI 2224/DF[9] entendeu que a água encanada é serviço público essencial e que, por isso, não poderia ser definido como mercadoria.

Por outro lado, vale dizer que o tema voltou a pauta, tendo em vista que no RE 607056 o Supremo admitiu a repercussão geral da matéria, tendo a relatoria do ministro Dias Toffoli entendido não poder incidir tal tributo pelo fato de o fornecimento de água encanada ser considerado serviço essencial à população. O Ministro Luiz Fux pediu vista, fato que pode levar a Corte a modificar o seu posicionamento.

Sobre a energia elétrica ainda, vale chamar a atenção para o previsto no art. 155, §2º, X, alínea ‘b’, da Constituição. Para tanto, o dispositivo prevê que não incidirá o ICMS sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.

Trata-se de imunidade prevista pela Carta para as operações interestaduais que destinem a energia elétrica da usina hidroelétrica aos Estados. É regra que visa beneficiar os Estados onde ocorrem consumo de energia elétrica. Não visa o beneficiamento dos consumidores, pois quando a concessionária de energia elétrica aliena a energia elétrica para os consumidores ocorre o fato gerador e o tributo é devido.

Por outra banda, também é fato gerador do ICMS alguns tipos especiais de serviços. Assim, incide o ICMS sobre os serviços de transporte interestadual e intermunicipal que ocorrem de maneira onerosa, sendo que é o local onde tenha iniciado a prestação do transporte o competente para a cobrança do tributo. Ainda nesse contexto, vale salientar que o serviço de transporte dentro do município é alvo de tributação do ISS, não se falando, nesse caso, em tributação pelos Estados via ICMS.

Por fim, as prestações de serviço de comunicação também são sujeitas ao ICMS. Estes, são os serviços onerosos prestados por empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens, por empresas de tevê por assinatura, por empresas de telefonia móvel e fixa e dentre outras. Nessa senda, segundo Roque Antônio Carraza, o ICMS não incide propriamente sobre comunicação, mas sobre a “relação comunicativa”, ou seja, sobre a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais para que a comunicação ocorra. [10]

d) Base de cálculo e alíquota

A base de cálculo do ICMS está previsto na Lei Complementar 87/96, mas pode ser resumida em três: i) valor da operação, em se tratando de operação de circulação de mercadoria; ii) o preço do serviço, em se tratando de transporte e de comunicação; e iii) o valor da mercadoria ou bem importado, nos bens e serviços importados.[11]

Quanto as alíquotas, o art. 155, §2º, incisos IV e V, da Carta possuem previsão específica sobre tema. Por esta razão, resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação.

Ademais, é facultado ao Senado Federal estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros.

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Por demais, cabe ao Senado também a tarefa de evitar a guerra fiscal entre os entes, tendo o texto constitucional delegado ao Senado a faculdade de fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros. Medida, portanto, que visa diminuir as disputas não saudáveis entre os entes federativos.

2.2 Aspectos especiais: isenções, CONFAZ e guerra fiscal

Após alguns comentários dos aspectos gerais do ICMS, necessário se faz a análise, à luz da decisão do Supremo na ADI 3421/PR, sobre a sua forma de isenção, conforme foi previsto pela Carta. Assim, se verá que diante das características relativa a sua competitividade, a Constituição previu uma maneira diferente de realizar a exclusão doe  crédito tributário pelos entes da federação.

Nesse sentido, o art. 155, §2º, XII, alínea ‘g’ da Constituição prevê que, no que tange ao ICMS, cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Para tanto, a lei em comento é a Lei Complementar 24/75, a qual dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Nessa senda, válidas são as palavras de Roque Antônio Carraza ao observar que o art. 155, §2º, XII, ‘g’, da Constituição não estabelece o conteúdo dos convênios, mas, apenas, que a Lei Complementar estabeleça os mecanismos jurídicos para a celebração dos acordos fazendários. A LC 24/75 deve, portanto, limitar-se a dar operatividade técnica ao sistema de celebração dos convênios.[12]

Segundo o autor, ainda, a lei em comento “não poderá, sob pretexto algum, dificultar sua celebração, nem muito menos, estipular seu conteúdo. Tem, pois, caráter meramente formal, devendo, evidentemente, respeitar os princípios e normas constitucionais.”[13]

Outrossim, importante é o alerta de José Eduardo de Melo. O autor expõe que o art. 150, §6º da Constituição foi alterado pela Emenda Constitucional nº 3/93, de sorte que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de calículo e outros depende de lei específica. Nessa senda, o doutrinador afirma ainda que a necessidade de lei específica, prevista no dispositivo acima, representa norma genérica que deve conviver harmonicamente com o art. 152, §2º, XII, alínea ‘g’, norma especial que exige a necessidade de convênios fazendários para a isenção de ICMS pelos Estados e Distrito Federal.[14]   

Mauro Luís Rocha Lopes, em mesmo sentido, consigna o seguinte:

“Especificadamente em relação ao ICMS, o texto constitucional atribui à lei complementar a tarefa de regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Ao mesmo tempo em caráter genérico, dispôs o Constituinte que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

Infere-se da conjugação desses dois dispositivos da Lei Maior que benefícios fiscais relacionados ao ICMS só podem ser concedidos mediante lei especifica e desde que haja convenio entre os Estados autorizando sua concessão.

Pensamos, assim, não ser correta a tese de que bastaria a existência do convênio para o benefício ser implantado no sistema tributário estadual via decreto do Governador. A Constituição, no art. 150, §6º, exige lei especifica para a concessão de incentivos fiscais, sem prejuízo do dispositivo no art. 155, §2º, XII, ‘g’. A expressão sem prejuízo revela, a nosso ver, exigência cumulativa, em relação ao ICMS, quanto à deliberação dos estados e do Distrito Federal a que se refere o mencionado art. 155, §2º, XII, g. é dizer, a concessão de benefício fiscal envolvendo ICMS depende de autorização em convênio e de lei específica.”[15]      

Por outro lado, o ponto polêmico na doutrina se refere ao art. 4º da Lei Complementar 24/75. O dispositivo prevê que o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados. Isso quer dizer que após os acordos realizados pelos Secretários da Fazenda estaduais, os convênios serão ratificados pelo próprio executivo.

Embora o Supremo não tenha firmado qualquer posicionamento sobre sua constitucionalidade, Roque Antônio Carraza afirma peremptoriamente que o dispositivo acima é inconstitucional, pois não poderia ser ratificado por decreto do executivo. Para o autor, se só a lei pode criar in abstracto o ICMS, também só ela pode dispor sobre isenções tributárias.[16] Em outras palavras, a ratificação dos convênios deveria exigir a participação do Legislativo.

Eduardo Sabbag, com mesmo entendimento, sustenta que a ratificação jamais poderia ser feita por decreto do Governador, mas por meio de decreto legislativo baixado pela respectiva Assembléia, sob pena de violar os princípios da legalidade e da separação dos poderes. Seu pensamento se encontra consignado no seguinte excerto:

“Os convênios apenas integram o processo legislativo necessário à concessão dessas desonerações tributárias, que exsurgem, sim,  jurídica e validamente, com o decreto legislativo ratificador do convênio interestadual, somente passando a valer como direito interno dos Estados e do Distrito Federal depois da ratificação. Aliás, a ratificação, não pode ser feita por “decreto” do Governador – como infelizmente, vem acontecendo, com base no art. 4º da Lei Complementar n. 24/75 -, mas por meio de decreto legislativo baixado pela Assembléia Legislativa ou, no caso do Distrito Federal, por sua Câmara Legislativa.

[...]

No iter procedimental que comumente se adota, percebe-se que os convênios são celebrados pelos representantes do Poder Executivo estadual, cabendo aos chefes deste Poder, os governadores, ratificarem-nos. É evidente a estranheza do procedimento, o que nos faz duvidar de sua constitucionalidade quando se permite a ratificação dos convênios pelo mesmo Poder que os celebra, ferindo inexoravelmente os princípios da legalidade tributária e da separação dos poderes. Explicando: fere o Princípio da Legalidade por ser o poder de isentar correlato ao poder de criar o tributo, exigindo-se subserviência aos ditames legais (art. 150, I, da CF, e arts. 9º; 97, I e VI; e 178, do CTN). Assim sendo, como regra, somente uma norma jurídica emanada do Poder Legislativo pode isentar o sujeito passivo do pagamento do tributo. Por outro lado, a norma da Lei Complementar n. 24/75 agride também o Princípio Constitucional da Separação dos Poderes (art. 2º da CF), porque a separação harmônica dos entes federados não permite que um  mesmo poder possa criar direito e, ao mesmo tempo, homologar seu próprio ato.”[17]

José Eduardo de Melo compartilha o mesmo posicionamento observando que “os Estados e o Distrito Federal também deveriam contar com a participação dos dois Poderes, sem exclusão do Legislativo, na qualidade de autentico representante do povo.”[18] Hugo de Brito Machado, ao seu turno, não se esquiva do tema e consigna que “conceder ou revogar isenção é matéria da reserva legal, nos termos do art. 97, VI, do CTN. Assim, o instrumento pelo qual os Estados devem conceder ou revogar isenções há de ser a lei. Os convênios que celebrem uns com os outros devem funcionar como limitações ao Poder Legislativo de cada qual, mas não como instrumento para disciplinar as relações entre o Fisco e o contribuinte.”[19]

Geraldo Ataliba, sobre o tema, leciona o seguinte:

“À semelhança dos tratados internacionais que se convertem em direito interno pela ratificação do Congresso, os convênios – sinônimo absoluto de tratado, segundo o acatado internacionalista Marotta Rangel – só podem preencher as exigências do princípio da legalidade se ratificados pelo Poder Legislativo Estadual. Isto é, alías, imediata decorrência do princípio da relação de administração – magistralmente exposto por Cirne Lima – que não consente que o Executivo possa deliberar não realizar receita tributária, imperativamente criada por lei.”[20]

Sacha Calmon Navarro Coelho também trata do tema e sustenta que “há um pecado original nesta lei. O de ter previsto para os convênios a ‘homologação pelo homologado’. Nesta parte é inconstitucional. A Constituição de 67 fala em ‘celebrados e ratificados pelos Estados’ e não em homologação pelo Executivo ... (o Estado não é o Executivo).”[21] O doutrinador, inclusive, revela sua experiência a época da edição da Lei Complementar 24/75, tendo vivenciado os bastidores da publicação desta lei. Consigna sua vivência prática nas seguintes palavras:

“Na época de estudos da Lei Complementar 24, o texto original previa que a ratificação dos convênios seria da alçada das Assembléias Legislativas. Sou testemunha pessoal dos fatos porque era Assessor de Secretário de Estado. Foi ujm Tecnocráta de Brasília – e na época era forte o regime, o poder central, o Ministério da Fazenda – que cometeu a monstruosidade jurídica de, contrariando a Constituição, conferir ao próprio Executivo a missão de se homologar a si próprio. Depois é que vieram os ‘juristas’ de segunda mão, na inglória tentativa de juridicizar o que é visceralmente injurídico.”[22]

Por outro lado, ainda sobre o art. 155, §2º, XII, ‘g’ da Carta da República, há que se revelar que o dispositivo constitucional em tela teve por objetivo resguardar o princípio federativo e evitar o fenômeno da guerra fiscal.

Além disso, o art. 2º, §2º da Lei Complementar 24/75 prevê que a concessão dos benefícios dependerá de decisão unânime dos Estados representados. Mauro Luís Rocha Lopes sustenta, nesse espeque, que “a exigência de que benefícios sejam aprovados por decisão unânime dos Estados representados tem o inegável escopo de coibir a chamada guerra fiscal entre os entes tributantes, que se revela altamente nociva ao equilíbrio e à manutenção da Federação”.[23]

Por certo, o ICMS é um tributo de grande relevância para os Estados e sua utilização pode desbocar para a área da extrafiscalidade, levando os entes competentes a criarem situações de benefícios fiscais com o objetivo atrair investimentos e aumentar o nível de emprego. Acontece que certas medidas podem prejudicar os demais entes e, com isso, criar no âmbito interno do país, Estados mais desenvolvidos que o outro, o que se revela contrário aos próprios objetivos fundamentais da República previstos no art. 3º da Carta Maior.

Nesse contexto, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo analisam que o dispositivo constitucional em comento teve por finalidade dificultar a denominada guerra fiscal, exigindo, portanto, a celebração de convênios entre os entes, nos termos de uma lei complementar nacional, de maneira que não pudesse ser utilizado o artifício de oferecimento unilateral de vantagens objetivando a atração predatória de empresas ou de parcelas de mercado para determinado Estado em detrimento de outro.[24]

Sacha Calmon Navarro Coelho também observa que o objetivo da Constituição foi submeter os bens e serviços a um tratamento equânime, preservando-se a unidade política e econômica nacional.[25]

Roque Antônio Carraza, em mesmo sentido, expõe que em prol do pacto federativo, cujo objetivo é a harmonia entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, o dispositivo permite as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. Assim, “a Constituição exige que todos eles se coloquem de acordo para que tal benefício passe a ter existência juridica. Assim é para evitar a guerra fiscal entre as diversas regiões do País, cujos efeitos deletérios são sobejamente conhecidos – e que, por isso mesmo, devem, por todos os modos, ser evitados.”[26]     

Em síntese, tem-se que a Constituição exige que os Estados e Distrito Federal promovam os benefícios fiscais, inclusive as isenções, por meio de convênios entre as Fazendas estaduais, nos moldes da Lei complementar. Para tanto, tal medida embora a doutrina exija que deva ser autorizada pelo legislativo, o mesmo não vem ocorrendo, sendo os convênios ratificados pelo Executivo. Ademais, a medida tem por finalidade promover o princípio federativo, evitando a guerra fiscal entre os entes e que o federalismo, que hoje tende ao equilíbrio, não se desvirtue para uma competição predatória entre os entes.

Por fim, cumpre chamar a atenção de que o Supremo vem tomando, na medida do possível, as providências sobre o tema, afirmando o caráter nacional do ICMS e declarando a inconstitucionalidade de benefícios fiscais em desacordo com os princípios da constituição e da Lei Complementar 24/75.[27]

Inclusive, a Corte Suprema não admite que o Estado inconformado com o benefício concedido unilateralmente por outro realize uma retaliação, ainda que limitado no tempo a duração do seu favor fiscal ao período de vigência do favor do outro. Segundo o Ministro Relator na ADI 2377 “as normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explicitas limitações e, ainda, o propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se compensam”(grifo nosso).

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Sobre o autor
Bruno Gomes Bahia

Advogado em Salvador (BA). Graduado pela Universidade Federal da Bahia (2010). Pós graduado em direito público. Pós graduando em direito tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAHIA, Bruno Gomes. O princípio federativo x liberdade religiosa no âmbito tributário.: A flexibilização do art. 155, §2º, XII, g, CF/88 pela ADI 3421/PR. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3497, 27 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23556. Acesso em: 5 nov. 2024.

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