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Burnout: quando o sujeito "chapa"

21/02/2013 às 08:16
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A síndrome do esgotamento nervoso é normalmente causada pela pouca resposta que o sistema, a empresa e o ambiente de trabalho dão à dedicação compulsiva, contínua e incondicional do empregado à profissão e a tudo o que diga respeito a ela, pelo desejo incontido de ser o melhor o tempo todo e de manter o desempenho máximo em tudo o que se faz.

“Burn out”, em inglês, significa “queimar”, “queimar por completo”. Dependendo do contexto, pode significar, ainda, “curto-circuito”. Na gíria policial, ou entre usuários de drogas, significa “chapado”, desconectado”, “doido”, “viajandão”. Define aquele estado de torpor provisório do drogado em que ele literalmente se desconecta da realidade e passa a viver num mundo onírico criado de modo artificial pelas substâncias alucinógenas ou estupefacientes. Transposto o conceito para o mundo jurídico, especialmente o das relações de trabalho, identifica um distúrbio psíquico de caráter depressivo causado por intenso esgotamento físico e mental em decorrência da atividade profissional ou como consequência da má gestão de conflitos interpessoais no ambiente de trabalho. A exaustão emocional é de tal ordem que num determinado momento o sujeito se desconecta da realidade, entra em curto-circuito e “queima”. Nesse momento, é como se o trabalhador vítima da síndrome de burnout fosse uma granada de mão.

E alguém já puxou o pino...

Síndrome de burnout

A expressão “síndrome de burnout” foi cunhada em 1974 pelo psicanalista americano Herbert J.Freudenberger, a partir da sua própria experiência. Essa síndrome, registrada no Grupo V da CID-10(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), também dita “síndrome do esgotamento nervoso”, é normalmente causada pela pouca resposta que o sistema, a empresa e o ambiente de trabalho dão à dedicação compulsiva, contínua e incondicional do empregado à profissão e a tudo o que diga respeito a ela, pelo desejo incontido de ser o melhor o tempo todo e de manter o desempenho máximo em tudo o que se faz. Quando o trabalhador mergulha, sem se dar conta, num processo de burnout, cada desencanto, descaso ou agressão real ou aparente que sofre no ambiente de trabalho, ou que ele próprio desenvolve a partir da desilusão que a realidade do trabalho cria quando confrontada com os seus projetos pessoais e com suas aspirações míticas da profissão o força a uma reação quase instintiva. Homens e mulheres comportam-se de modo distinto em cada fase desse processo. A esse modo de reagir, diz-se coping.


“Coping”

Cada coping impõe ao agredido um “custo psíquico”, uma cota de desgaste, físico e emocional. Assim como, no plano biológico, as defesas do corpo humano organizam-se para resistir ao ataque de um vírus letal, mas enfraquecem-se pelo calor da luta, e deixam buracos na barricada, a arquitetura moral da vítima vai sendo dizimada a cada processo de burnout, até o ponto em que não oferece qualquer resistência. Essa falência moral, esse não-ânimo que paralisa a vítima e a reduz à condição de refém do agressor é consequência direta das sucessivas investidas do agente agressor, seja ele real ou imaginário. É como se o estoque de defesas da vítima caísse a um nível crítico, abaixo do qual a pessoa perde o equilíbrio emocional e parte para a agressão física, ou se mata. Há outro desdobramento igualmente perverso: fragilizada, a vítima passa a reagir de modo desproporcional à agressão ou ao seu desencanto pessoal, superestimando palavras ou gestos de quem está à sua volta, a tal ponto que, fosse outro o contexto, provavelmente não tivesse sobre ele tamanho impacto. Essa susceptibilidade aflorada expõe o trabalhador à crítica dos colegas e pode reforçar o discurso de que era, “como se supunha”, pessoa desequilibrada, de trato difícil ou emocionalmente instável. Nesses casos, e sem que se deem conta, os colegas da vítima aceitam a versão “oficial” e multiplicam a agressão. Dessa pressão contínua sobre a vítima surge o burn out, isto é, a exaustão emocional, ou o estresse. A vítima não se vê como pessoa útil nem crê na humanidade do outro, passa a considerar o trabalho simples mercadoria de subsistência, desinteressa-se por manter ou criar relações interpessoais, sociais e familiares, desespera-se, deprime-se pela fadiga e pela sensação de derrota e, ao fim, desiste do trabalho ou da própria vida. Nesse momento, a pessoa entra num curto-circuito e não responde mais por padrões mínimos de comportamento social ou profissional. Há um estresse absoluto e perigoso.


Homeostase

A medicina explica que o estresse se manifesta quando algum fator externo quebra a homeostase (este termo foi criado pelo fisiologista americano Walter Cannon (1871-1945) como significante do processo de regulação pelo qual um organismo mantém constante o seu equilíbrio) do indivíduo, isto é, a estabilidade do seu meio externo, e lhe exige alguma readaptação imediata. O corpo enfrenta o agente estressor por meio de reações neuroendócrinas, ativando o sistema nervoso autônomo, que mantém a homeostase com a secreção de adrenalina pela medula e glândulas suprarrenais, e pela noradrenalina, pelos terminais nervosos. O hipotálamo, situado no cérebro, libera a corticotropina, que atua na hipófise e a estimula a produzir o adrenocorticotrófico, hormônio que atua nas glândulas suprarrenais, aumentando a produção de adrenalina e de glicocorticóides, que elevam a produção de glicose no sangue. Os vasos sanguíneos se contraem, o coração acelera, os brônquios se dilatam e a respiração dispara. Enquanto os músculos recebem mais irrigação de sangue, o fluxo periférico de sangue diminui, deixando as mãos geladas e, de modo geral, causando palidez no agredido. A persistência da agressão advinda da síndrome de burnout destrói, gradativamente, as células produtoras das catelominas, daí a fadiga crônica que se nota nas vítimas. A maior parte da atenção do agredido volta-se à reação violenta, o que explica a dificuldade de se organizar o raciocínio lógico em situação de tensão. A rapidez e a intensidade da reação dependem do modo como o cérebro processa a informação sobre a gravidade da agressão. É esse processo engenhoso que mantém o organismo em estado de alerta, habilitando-o a enfrentar o perigo, ou fugir.


Danos físicos do burnout

No burnout, a vítima é atingida no coração, nos vasos sanguíneos, nos pulmões, nos sistemas linfático, osteoarticular, imunológico e gastrointestinal, nos olhos, no aparelho reprodutor, na pele e na tireóide, além da completa desorganização de sua arquitetura emocional. Frequentemente, apresenta diminuição do diâmetro das artérias, aumento da frequência cardíaca e da contração do músculo coronariano, sintomas traiçoeiros da hipertensão arterial, dos acidentes vasculares cerebrais, da taquicardia e dos infartos agudos do miocárdio. Experimenta dilatação exagerada dos brônquios, respiração ofegante e aumento das taxas de glicose no sangue pela maior atividade do fígado contraposta à menor produção de insulina pelo pâncreas, aumento dos lipídios, hipercoaguabilidade e redução das defesas do organismo pela diminuição dos glóbulos brancos, razões primárias do diabetes mellitus, dos infartos do miocárdio, dos derrames cerebrais e da arterioesclerose. No sistema linfático, há diminuição de anticorpos e atrofia do timo, propiciando o aparecimento de infecções recorrentes, lesões urticariformes, psoríase, alergias, envelhecimento precoce e queda de cabelos. O aumento da secreção de ácido clorídrico e pepsinogênio e a diminuição do muco intestinal provocam gastrites, úlceras, colites, irritação do cólon e diarréias crônicas. Há aumento da pressão intraocular. A redução da testosterona e da progesterona leva à diminuição da libido, à frigidez, à impotência e ao descontrole do ciclo menstrual, ao hipertireoidismo, à perda de peso, aos sintomas leves de psicose, às dores articulares e lombares, à fadiga e ao câncer.

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Danos psíquicos do burnout

No plano psíquico, a vítima responde de modo inadequado à tensão do ambiente de trabalho, descompensa-se, perde o eixo, tem dificuldade de aprendizagem, insônia, pesadelos, impotência, amenorréia, bulimia, insegurança, apatia, transtornos de humor, angústia e depressão crônicas, destrói, voluntariamente, os poucos laços afetivos que lhe restam e evita restabelecer novos vínculos, isolando-se num gueto do qual dificilmente sairá sem ajuda terapêutica. Amigos e familiares se afastam, casamentos se abalam ou se desfazem, as vítimas se oneram com tratamentos psicológicos, exames especializados, perda de bens e desinteresse pelo emprego.


Danos corporativos do burnout

Afora a degradação do meio ambiente de trabalho, cuja preservação é de responsabilidade da empresa(CF/88, art.225,§3º), o burnout atinge a sociedade empresária na sua política de governança corporativa, impondo-lhe custos tangíveis e intangíveis. O custo corporativo imediato é a elevação do turn over, com acréscimo de despesas com recrutamento, seleção e treinamento de novos empregados, aumento do passivo trabalhista com indenizações e elevação do índice de acidentes fatais(Sebastião Geraldo de Oliveira. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. LTr, 2006, 2ª ed., p. 26 diz que em 2003 a ausência de segurança nos ambientes de trabalho no Brasil gerou custo de aproximadamente R$32,8 bilhões.). Aumenta o absenteísmo físico e psicológico(mesmo presente, o empregado "finge" que trabalha). Decrescem a produção e a qualidade do trabalho, o que implica retrabalho. Dentre os custos intangíveis, a doutrina refere ao passivo patológico(SEBASTIÃO, cit.,p.31), isto é, ao abalo na reputação(Patrícia de Almeida Torres. Direito à Própria Imagem.LTr,1998,p.127,diz:”A doutrina majoritária acolhe a ideia de que os entes morais apenas poderão ser lesados em sua reputação(crédito, confiança e bom nome), podendo assim ser sujeitos passivos de ilícito e/ou credores da obrigação de indenizar, decorrentes de prejuízos materiais e morais”.) e na sua imagem (Josef Kohler. Das Eigenbild im Recht, in Revista Interamericana de Direito Intelectual, SP, vol.2, p.52, jul-dez/1979, diz que Imagem é o sinal característico da individualidade, expressão externa do nosso eu. É toda expressão capaz de fazer sensível um objeto que em si mesmo careça de suscetibilidade para se manifestar. Constitui o sinal sensível da personalidade. A imagem determina a causa principal de nosso sucesso ou de nosso insucesso), com deterioração da qualidade do diálogo com o público externo, retração da criatividade e da motivação do grupo de trabalho e danos em maquinário ou equipamentos por despreparo ou tensão latente.

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Sobre o autor
José Geraldo da Fonseca

Advogado - Veirano Advogados. Desembargador Federal do Trabalho aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, José Geraldo. Burnout: quando o sujeito "chapa". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3522, 21 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23763. Acesso em: 23 dez. 2024.

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