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Porte de arma de fogo: regime jurídico, princípios, natureza jurídica e espécies

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21/02/2013 às 09:42
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III – DA INEXISTÊNCIA DE UMA TERCEIRA HIPÓTESE DE PORTE

Conclui-se, de todo o exposto, que o porte para defesa pessoal, obviamente, não se confunde com o porte institucional. Aquele depende de a Administração reconhecer, por ato administrativo discricionário, precário e revogável a qualquer tempo, o direito ao porte; este, a seu turno, reveste-se de natureza de licença, sendo obrigatório seu reconhecimento, se preenchidas as condições para o reconhecimento de seu exercício.

Diante disso, conclui-se que o integrante de uma das categorias jurídicas citadas nos incisos do art. 6º do Estatuto do Desarmamento não tem direito a ver seu direito reconhecido na forma do art. 10 do mesmo Estatuto.

Pretender combinar as duas espécies de porte previstas na Lei 10.826/03 seria malferir a vontade do Legislador, que adotou expressamente o princípio da excepcionalidade ou restrição ao porte de arma de fogo.

Expliquemo-nos.

Imagine-se que um determinado município não entenda conveniente armar sua guarda municipal. Não se há de reconhecer direito ao porte, na categoria defesa pessoal, a um membro dessa guarda, pois o exercício do direito ao porte, pelo membro da guarda, depende do interesse político do ente federado. O mesmo se daria com o membro de uma Guarda Portuária cujo comandante entendesse desnecessário armar seus integrantes. O guarda que pretendesse ver seu direito ao porte reconhecido na forma do art. 10 do Estatuto deveria ter seu pleito indeferido, caso a causa de pedir residisse no art. 6º do Estatuto, pois o exercício do direito depende da vontade política do Comandante da Guarda. O mesmo ocorreria, ainda, com os servidores do judiciário, caso o Exmo. Presidente do Tribunal entenda inconveniente armá-los.

Atento a essa impossibilidade de confusão de tais conceitos, o Dec. 5.123/04 proíbe expressamente que se autorize o porte, na forma do art. 10, àqueles já contemplados com porte, na forma do art. 6º do Estatuto, verbis:

 § 4o  Não será concedida a autorização para o porte de arma de fogo de que trata o art. 22 a integrantes de órgãos, instituições e corporações não autorizados a portar arma de fogo fora de serviço, exceto se comprovarem o risco à sua integridade física, observando-se o disposto no art. 11 da Lei no 10.826, de 2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).

Questão:à qual Poder é dado reconhecer direito ao porte a toda uma categoria de pessoas, coletivamente, ponderando-se situações abstratas?

Ora, juridicamente, ao Legislador cabe realizar ponderações in abstracto, levando em consideração questões de risco em tese, de risco imanente a certas categorias de pessoas.

Assim, o Poder Legislativo é que deve ponderar situações abstratas a que membros de determinadas categorias podem, em tese, estar submetidos e, se for o caso, incluir essas categorias entre as contempladas com o porte funcional. Nesse sentido, parece-nos que não se devem deferir pedidos de porte, na categoria defesa pessoal, na subespécie exercício profissional assemelhado, pelo simples fato de o interessado ser membro desta ou daquela categoria, sem nenhuma comprovação concreta de submissão a situação de risco (art. 2º da CR).

Pensamos, portanto, que a correta interpretação do art. 18, § 2º da IN 23/2005[9] deve perpassar a lógica de que ao Poder Executivo só é lícito realizar ponderação in concreto.

Nesse sentido, ad argumentandum tantum, se pugnássemos que o mero pertencimento a uma das categorias citadas no dispositivo sub censurafosse bastante para reconhecer direito ao porte, estaríamos ferindo de morte o princípio da excepcionalidade do porte de arma de fogo (art. 6º, caput, da Lei 10.826/03), bem assim, e antes de tudo, à separação de Poderes constitucionalmente prevista (art. 2º, CR).


IV – LISTA COM AS CATEGORIAS ERESPECTIVA REGULAMENTAÇÃO[10] DE PORTE

Abaixo, apresentamos a lista das categorias contempladas com o porte de arma e a respectiva regulamentação normativa aplicável. Para cada uma delas, há requisitos e providências distintas para válido e regular exercício da prerrogativa do porte de arma de fogo.

A) Integrantes das Forças Armadas: Art. 6º, I, Lei 10.826/03; Art. 37, Dec. 5.123/04;Portaria Normativa 1.369/2004 MD; Portaria 01/2006 Dlog/EB; Portaria 21/2009 COLOG; Portaria 197/2009 DGP; Portaria 208/2011 CMT EX; Portaria 88/2011 DGP;

B) Integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal: Art. 6º, II, e par. 1º, Lei 10.826/03; Artigos, 35, 35-A e 36 do Dec. 5.123/06; IN 23/2005; Dec. 98.380/89 (específico para policial federal); A arma pessoal do policial federal poderá ser de calibre permitido ou até duas armas de calibre restrito 9mm, .40, 357 ou 45, conforme artigo 2º da Portaria 20/2005 Dlog Exército. A arma pessoal do policial civil, ferroviário e rodoviário federal, policial e bombeiro militar poderá ser de calibre permitido ou até duas armas de calibre restrito .40, 357 ou 45,conforme Portaria 1042/2012 do CMT EX;

C) Integrantes das Guardas Municipais: art. 6º, III e IV, e par. 3º, Lei 10.826/03;artigos 40 a 44 do Decreto no. 5.123/04; artigos 21 e 22 da Instrução Normativa DG/DPF nº 23/2005; e Portaria 365/06 DG/DPF;

D) Os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República: art. 6º, V, e par. 1º e 2º,Lei 10.826/03; e Portaria 621/2009 CMT/EX;

E) Os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal: art. 6º,VI, e par. 1º e 2º, Lei 10.826/03; Portaria 01/2010 COLOG/EB;

F) Os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias: art. 6º, VI, e par. 2º, Lei 10.826/03 (atente-se que o parágrafo 1º-A foi revogado); arts. 34, par. 4º e 5º, e 36, Dec. 5.123/04; art. 24 e ss., IN 23/2005 DG/DPF;Lei 8630/93, art. 33, § 1º, IX; Portaria 121/09 Sec. Especial de Portos;

G) As empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei: Art. 19, L 7.102/83; Dec. 89.056/83; Portaria 387/2006-DG/DPF;

H) Integrantes de Entidades de Desporto Legalmente Constituídas, cujas atividades demandem arma de fogo, na forma do regulamento da Lei 10.826/03 (Dec. 5.123/04), observada a legislação ambiental: Art. 6º, IX e Art. 9º do Estatuto, regulamentados pela Portaria 04/2001 DLog/EB

I)  Integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário: Art. 6º, X, e par. 2º (“condições estabelecidas no regulamento”) da Lei 10.826/03, redação dada pela Lei 11.118/2005;Portaria RFB 451/2010 e 452/2010; Art. 34 do Dec. 5.123/04; Portaria MTE 916 de 10/05/2011;

J) Técnicos de Segurança do Banco Central: art. 5º, IX, da Lei 9.650/98, na forma disciplinada pelo DPF (conforme §§ 1º e 2º do mesmo art. 5º, da Lei 9.650/98);

K) Agentes de Segurança de Dignitários Estrangeiros: Art. 9º, L 10.826/2003; Art. 29, Dec. 5.123/2004;

L)  Caçador de Subsistência: Art. 6º, § 5º, Lei 10.826/05; Art. 27 do Dec. 5.123/04; Art. 18, b, IN 23/2005 DG/DPF;

M) Juízes e promotores: Art. 18, e, LC 75/93; Art. 42 da Lei 8.625/93; Art. 33, V, LC 35/79;

N) Servidores do judiciário e do Ministério Público: Lei 12.694/2012 inseriu o inciso XI ao art. 6º e o art. 7º-A no Estatuto do Desarmamento; normas a serem expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público;

O) Agentes de Fiscalização Ambiental: Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965, art. 24 (Código Florestal); e Lei n°. 5.197, de 3 de janeiro de 1967, art. 26 (Código de Caça); e Decreto-Lei  nº. 221, de 28 de fevereiro de 1967, art. 53 (Código de Pesca);

P) Porte para defesa pessoal: art. 10 e ss. da Lei 10.826/03; art. 22 e ss. do Dec. 5.123/04; Art. 16 e ss. da IN 23/2005 DG/DPF.


Notas

[1]Sobre os Princípios aplicáveis ao regramento das armas de fogo, vide BICHARA, Anderson de Andrade. Princípios informadores do regime jurídico das armas de fogo. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3389, 11 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22792>. Acesso em: 3 jan. 2013.

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[2]Esse entendimento foi repetido quando do julgamento do Agravo de Instrumento 636.471/RJ, em que se reconheceu a inconstitucionalidade de lei do município do Rio de Janeiro que proibia porte de arma a vigilantes.

[3]A arma de porte é aquela que pode ser acondicionada em coldre e disparada comodamente com uma só das mãos, p.ex., revólveres e pistolas (vide art. 3º do Dec. 3.665/2000). Excepcionalmente, é permitido porte de arma portátil ao caçador de subsistência e àquelas categorias que podem portar arma da Instituição a que pertencem, como militares, policiais e agentes de escolta de presos. Quanto ao porte de arma de calibre restrito, vide nota seguinte.

[4]As Portarias 20/2005 DLog/EB; 21/2002 DLog/EB; 01/2010 COLOG/EB; 1042/2012 EB regulamentam os casos de porte de arma de calibre restrito para certas categorias profissionais.

[5]Art. 6º, par. 5º e 6º do Estatuto do Desarmamento.

[6]Por um curto período, houve a inserção do par. 1º-A ao Art. 6º do Estatuto, inserido pela Lei 11.501/2007. Nele havia a previsão de porte de arma fora de serviço para Analistas Tributários e Auditores da Receita Federal e do Trabalho e para Guardas Prisionais e Agentes de escolta de presos.Todavia, a Lei 11.706/2008 revogou o dispositivo citado.

[7]Promotores devem-se submeter ao exame de capacidade técnica, conforme decidido no Pedido de Providências processo n. 0.00.000.000662/2007-64 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – Diário da Justiça, Seção 1,n. 218, de 13/11/2007, p. 1.609. O acórdão revogou, por falta de amparo legal, a Recomendação CNMP n° 01 de 26 de Outubro de 2006.

[8]Relembre-se que, a despeito da regulamentação descrita no art. 34 do Dec. 5.123/04, com a revogação do parágrafo 1º-A, do artigo 6,º do Estatuto do Desarmamento, pela Lei 11.706/2008, membros da carreira Auditoria da Receita Federal do Brasil e do Trabalho e Guardas Prisionais perderam o direito ao porte fora de serviço. Considere-se ainda a nova redação dada ao parágrafo 2º, do artigo 6,º do Estatuto do Desarmamento,  dada pela Lei 11.706/2008, bem assim o fato de a multicitada Lei 11.706/2008 ser posterior e ter hierarquia superior ao Dec. 5.123/2004.

[9]§ 2o.  São consideradas atividade profissional de risco, nos termos do inciso I do § 1o. do art. 10 da Lei 10.826 de 2003, além de outras, a critério da autoridade concedente, aquelas realizadas por:

I – servidor público que exerça cargo efetivo ou comissionado nas áreas de segurança, fiscalização, auditoria ou execução de ordens judiciais;

II – sócio, gerente ou executivo, de empresa de segurança privada ou de transporte de valores; e

III – funcionários de instituições financeiras, públicas e privadas, que direta ou indiretamente, exerçam a guarda de valores.

[10]Sobre histórico e legislação aplicável às armas de fogo, vide BICHARA, Anderson de Andrade. Histórico e legislação aplicável às armas de fogo. Jus Navigandi, Teresina, ano 17 n. 3389/2012 . Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/22801>. Acesso em: 16 out. 2012.

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Sobre o autor
Anderson de Andrade Bichara

Delegado de Polícia Federal. Ex-Auditor-Fiscal da Previdência Social. Ex-Técnico do Tesouro Nacional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Gestão de Órgãos de Segurança Pública. Bacharel em Direito - Universidade Federal do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BICHARA, Anderson Andrade. Porte de arma de fogo: regime jurídico, princípios, natureza jurídica e espécies. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3522, 21 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23773. Acesso em: 5 nov. 2024.

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