5. A paternidade socioafetiva
Nesta toada, superada a questão pertinente a relevância dos princípios constitucionais no reconhecimento desta modalidade de paternidade, faz-se necessário conceituá-la.
A filiação socioafetiva é aquela que se constrói e que se encontra alicerçada na afetividade, proteção criada pela doutrina e que passa a ter grande eficácia nos Fóruns e tribunais “a desbiologização da paternidade” traduzida pelo brocado popular "pai é aquele que cria".
Nesta baila, entende JOSÉ BERNARDO RAMOS BOEIRA [13]:
Entendemos que posse de estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.
No mesmo sentido é o entendimento do professor Rolf Hanssen Madaleno [14], in verbis:
A paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança.
Com efeito, na prática, o vínculo parental socioafetivo, acaba por colocar em xeque a verdade real, trazendo consigo um novo paradigma de paternidade, fundado em laços afetivos recíprocos entre pais e filhos.
Nesse ponto, cumpre transcrever o entendimento de Roberto Paulino de Albuquerque Junior [15]:
O direito torna-se capaz de perceber, através da construção doutrinária então emergente, que paternidade e maternidade não são geração, mas sim afetividade e serviço.
Manifestando-se a respeito da matéria, Maria Berenice Dias [16] esclarece que:
A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. A necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva.
Mais adiante, segue afirmando que:
A coincidência genética deixou de ser fundamental na análise dos vínculos familiares. A paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção, extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área afetiva.
Desse modo, conclui-se que a paternidade socioafetiva está alicerçada na posse do estado de filho, conceituada por José Bernardo Ramos Boeira[17] como sendo:
Uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação de pai.
Sobre o tema em debate, já teve a oportunidade de se manifestar a Ministra do STJ, Nancy Andrighi [18], que na oportunidade externou o seguinte entendimento:
A posse do estado de filho, condição que caracteriza a filiação socioafetiva, reclama, para o seu reconhecimento, de sólida comprovação que a distinga de outras situações de mero auxílio econômico, ou mesmo psicológico.
Veja-se, que atualmente, a função bem como o papel do pai restou modificado, na medida em que tem se considerado que pai não é mais aquele que apenas oferece a manutenção do lar, estando alheio aos anseios psicológicos dos filhos.
Muito embora isto seja necessário, o papel do pai nos dias de hoje vai além da proteção meramente patrimonial, ultrapassando, muitas vezes, os vínculos consanguíneos, para que assim, possa realmente transparecer a verdadeira paternidade, que se revela nos vínculos de afeto construído entre pais e filhos.
Neste passo, são sábias as palavras de Roberto Paulino de Albuquerque Júnior[19]quando faz a seguinte afirmação:
Pai é, pois aquele que educa, sustenta e dá afeto, ao passo que aquele que meramente procria, outra coisa não é senão o genitor.
Com efeito, analisando-se o atual conceito de paternidade, a luz da Constituição Federal de 1998, tem-se que a paternidade consangüínea (biológica) já não se sobrepõe mais a afetiva, que cada vez mais tem sido consagrada no Direito Brasileiro, na medida em que o afeto, a responsabilidade e a solidariedade têm ganhado status Constitucional.
É justamente por isso que a paternidade socioafetiva tem se sobreposto a biológica no entendimento dos tribunais, neste sentido caminha a jurisprudência, conforme se observa abaixo:
[20]FILIAÇÃO. ANULAÇÃO OU REFORMA DE REGISTRO. FILHOS HAVIDOS ANTES DO CASAMENTO, REGISTRADOS PELO PAI COMO SE FOSSE DE SUA MULHER. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS, COM O ASSENTIMENTO TÁCITO DO CÔNJUGE FALECIDO, QUE SEMPRE OS TRATOU COMO FILHOS, E DOS IRMÃOS. FUNDAMENTO DE FATO CONSTANTE DO ACÓRDÃO, SUFICIENTE, POR SI SÓ, A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DO JULGADO. - Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”, reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, a justificar a manutenção do julgado. (grifo nosso)
[21]Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar.- (...)Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também "parentescos de outra origem", conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural.227§ 6ºCF/881.593CC/02- Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente.(...) Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação.- Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança -hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo -preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.(grifo nosso)
Em recente julgamento, datado do dia 27 de Setembro de 2012, novamente o Superior Tribunal de Justiça reafirmou que a paternidade socioafetiva deve se sobrepor a biológica, conforme se observa abaixo:
[22]RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO. INTERESSE. EXISTÊNCIA.I(omissis). II Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva, devendo essa relação de fato ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família. III. O exercício de direito potestativo daquele que estabelece uma filiação socioafetiva, pela sua própria natureza, não pode ser questionado por seu filho biológico, mesmo na hipótese de indevida declaração no assento de nascimento da recorrida. Recurso não provido. (grifo nosso)
Dessa forma, ante a jurisprudência transcrita, tem-se que na Corte Superior já está pacificado que o vinculo paterno-filial afetivo deve ser reconhecido e, mais, deve inclusive se sobrepor ao biológico, ante a nova interpretação acerca da paternidade, realizada a luz da Constituição Federal de 1988, bem como dos princípios que a norteia.
6. Considerações Finais
Analisando a evolução histórica da família, comparada com a evolução da legislação que regulamenta a paternidade no Direito Brasileiro, observa-se nitidamente que ambas sempre caminharão juntas ao longo dos anos.
Notadamente, com o advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de paternidade, ligado especificamente aos laços consangüíneos, modificou-se, na medida em que o legislador constituinte privilegiou princípios basilares a serem utilizados nas relações humanas, com destaque ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Dessa forma, a paternidade passou a ser analisada muito mais pelo aspecto afetivo, do que da conseguíneo, de modo que, as relações paterno-filiais estabelecidas por laços afetivos passaram a se sobrepor inclusive a paternidade biológica, baseada no vínculo consanguíneo.
Referências
ALBUQUERQUE. Roberto Paulino de Junior A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, 2005.
______ A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, 2005.
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ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1066 > Acesso em: 17 set. 2007.
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.
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WELTER, Pedro Belmiro. Igualdade entre filiação biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
Douglas de Oliveira Santos
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal
Uniderp/Anhanguera
Notas
[1] FACHINI, Luiz Edson, Averiguação Oficiosa e investigação de paternidade, p. 14. Curitiba: Gênesis, 1995.
[2] Ramos. Guerreiro, Introdução Crítica à Sociologia Brasileira, p.233, Rio de Janeiro: Andes, 1957.
[3] FACHIN. Luis Edson, Da Paternidade, relação biológica e afetiva, p. 83. Editora Saraiva, São Paulo, 2004.
[4] BRASIL. Constituição Federal de 1988, art. 226.
5 WELTER, Pedro Belmiro. Igualdade Entre Filiação Biológica E Socioafetiva, p. 68. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
[6] ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana, Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1066 > Acesso em: 17 set. 2007.
[7] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 331, 4 ed. Revista dos tribunais, São Paulo: 2008.
[8] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p.59. 4 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira. Constituição Federal Comentada, p.43. 3° ed. Revista dos tribunais, . Brasilia/DF: 2007.
[10] Constituição Federal de 1988, art. 227, parágrafo 6°.
[11] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 60, 4 ed. Revista dos tribunais, São Paulo: 2008.
[12] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 60. 4° ed. Revista dos tribunais, São Paulo:2008.
[13] BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho, p.60. Revistas dos Tribunais, São Paulo: 1999.
[14] MADALENO. Rolf Hanssen Madaleno, Novas Perspectivas no Direito de Família, p. 40. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
[15] ALBUQUERQUE. Roberto Paulino de Junior A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior, p. 59. Revista Brasileira de Direito de Família, 2006.
[16] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 59. 4 ed. Revista dos tribunais, São Paulo:2011.
[17] BOEIRA, José Bernardo Ramos. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família, p.09. Síntese, IBDFAM, v. 4, n. 14, p. 9, jul./set. Porto Alegre: 2002.
[18] STJ. REsp 1189663/RS. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 15/09/2011.
[19] ALBUQUERQUE. Roberto Paulino de Junior A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior, p. 43. Revista Brasileira de Direito de Família, Rio de Janeiro: 2005.
[20] REsp 119.346/GO, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 23/6/2003
[21] RESP 252697-5/SP, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 25/05/2010.
[22] REsp 1244957, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI 27/09/2012
abstract: This study aims to analyze the change in relation to paternity, which also came to be considered by the affective aspect after the enactment of the 1988 Federal Constitution. This path will be a historical digression about Family Law and Paternity Law Brasileiro years later parenthood is conceptualized, analyzed the biological paternity and fatherhood affective, and the second will analyze the light of the Constitution and the principles contained therein .
Keywords: The Present Paternidade; paternity; Principle of Human Dignity.