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Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo: controle do exercício do poder político e proteção da pessoa humana

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Os textos constitucionais modernos, no mundo ocidental, contêm os mais avançados sistemas de controle do exercício do poder político e de proteção dos direitos da pessoa humana. A efetivação desses sistemas, a fim de garantir à pessoa humana um piso existencial mínimo, continua sendo o maior dos desafios do Constitucionalismo/Neoconstitucionalismo da atualidade.

A Constituição, antes de ser ato normativo, é fenômeno social, que resultou de um longo processo histórico, com a finalidade principal de limitação do exercício arbitrário do poder. Esse processo histórico, obviamente, foi movido por inúmeros aspectos culturais, econômicos, políticos, entre outros; fala-se, para abreviar essa imensa complexidade nele contida, simplesmente, em processo histórico.

Esse processo, na verdade, continua vivo, vez que o Direito Constitucional, que estuda a Constituição e que dá sentido a ela, permanece em desenvolvimento, por força da doutrina, das decisões judiciais ou das próprias alterações do texto constitucional.

O surgimento da primeira Constituição escrita, no final do século XVIII, após longo processo histórico denominado Constitucionalismo, não foi, assim, o ponto final desse processo. Pelo contrário: ela (Constituição) é apenas um de seus elementos. Por essa razão, alguns autores, atualmente, falam na existência de um Neoconstitucionalismo.

A ideia de limitação ao exercício arbitrário do poder é bastante antiga no denominado “mundo ocidental”. Ao longo dos séculos, essa ideia surgiu de formas variadas, em momentos e em lugares distintos.

Na Antiguidade, pode ser identificada a preocupação com a limitação do exercício arbitrário do poder. É conhecido o exemplo de Atenas, Cidade-Estado grega onde os cidadãos deliberavam sobre os assuntos de interesse comum. É verdade que aqueles considerados cidadãos atenienses representavam parcela ínfima da população daquela Cidade-Estado, mas é possível reconhecer aqui a existência de um início de limitação ao exercício arbitrário do poder, por meio da participação direta de uma (pequena) parcela da população local.

Durante a Idade Média, pode ser igualmente apontada essa preocupação com o exercício arbitrário do poder. O documento mais significativo desse período é a Magna Carta, imposta ao Rei João Sem Terra em 1215 pelos barões feudais ingleses[1]. Esse pacto trazia diversas cláusulas, que limitavam o exercício do poder pelo Monarca em assuntos como o da propriedade privada, mas com a clara preocupação de previsão de direitos dos ingleses, e não de direitos universais.

Nessa mesma linha, ainda durante a Idade Média, havia outros diversos pactos, forais ou cartas de franquia. Esses documentos igualmente resguardavam apenas direitos de determinadas pessoas ou de pequenos grupos, e não direitos universais, decorrentes da natureza humana. Já na Idade Moderna, são exemplos desses documentos a Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1689)[2].

Apesar de esses documentos terem amplitude mais restrita em relação ao que determina a doutrina constitucional atual, inegavelmente, eles representaram um grande avanço no caminho para a limitação ao exercício arbitrário do poder.

Ainda na Idade Moderna, com a ocupação do território da América do Norte, foi necessária a estipulação, por mútuo consenso, das regras a que se submeteriam os próprios colonos. A elaboração do Compact pelas famílias que chegaram ao Continente a bordo do Mayflower, em 1620, é exemplo desses contratos de colonização. Esses documentos evidenciam uma das principais características do Constitucionalismo: a participação dos governados na organização do governo e na elaboração das normas a que devem obedecer.

Um pouco mais adiante no tempo, chegamos, finalmente, ao surgimento das primeiras Constituições escritas: a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) e a Constituição da França (1791). Ambos os textos constitucionais tinham por objetivo a limitação ao exercício arbitrário do poder e ambos foram elaborados com fundamento na teoria da soberania popular (o povo tem o poder de editar as normas a que devem se submeter).

Deve-se observar também que ambas as Constituições surgiram em um momento histórico em que a ideia predominante o Estado era no sentido de que ele deveria interferir o mínimo possível na vida das pessoas; era o denominado Estado liberal.

Nesse tipo de Estado, a Constituição, obrigatoriamente, deveria prever a separação dos Poderes e os direitos individuais (liberdades públicas). Assim era porque, em um Estado liberal, a Constituição deveria se limitar a dispor sobre a estrutura e o funcionamento do Estado (separação dos Poderes), garantindo-se ao indivíduo uma esfera de autonomia na qual o Estado não poderia interferir (direitos individuais ou liberdades públicas, que, por essa razão, são entendidos como direitos negativos, vez que impedem a interferência estatal)[3].

Essa visão liberal e individualista da Constituição e do próprio Estado, obviamente, não é a visão atual. Fica, aqui, evidente a ideia de que o Constitucionalismo é um processo histórico que não se encerra com o surgimento das primeiras Constituições escritas.

Essa visão libera e individualista fez surgir uma enorme concentração de renda e, por consequência, uma gigantesca desigualdade social, com a qual o Direito não poderia conviver. Assim, percebeu que a simples previsão dos direitos individuais, como a liberdade de ir e vir ou a liberdade de pensamento, não seria suficiente para que as pessoas efetivamente pudessem exercer esses direitos.

Percebeu-se, assim, que o Estado deveria deixar a sua posição de simples garantidor daqueles direitos individuais, passando a atuar concretamente na vida das pessoas, de modo a proporcionar a elas um mínimo de condições materiais (econômicas, principalmente), para, aí sim, elas efetivamente exercerem aqueles direitos individuais.

Essa mudança de visão do Estado e, por consequência, da própria Constituição não ocorreu tão facilmente como pode parecer. Foram muitos os conflitos sociais que ocorreram a partir do século XIX, envolvendo, entre outros, a grande massa de trabalhadores, em busca de melhores condições de vida[4].

Essa mudança de visão representa, em resumo, a mudança do Estado liberal para o Estado social. A Constituição desse novo período passou a prever em seu texto normas de conteúdo econômico e social. São exemplos a Constituição mexicana de 1917 (a classificação dessa Constituição não é isenta de críticas) e a de Weimar (ou alemã) de 1919.

Importante observar que a inclusão de assuntos de natureza social e econômica nas Constituições não excluiu as normas anteriores relacionadas à separação dos Poderes e aos direitos individuais. A Constituição agregou outra preocupação: a efetivação dos direitos de conteúdo econômico e social, como o direito ao trabalho ou o direito à previdência social.

Ainda nesse mesmo sentido, com mais força a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Constitucionalismo vem passando por grandes mudanças, em razão do conhecido fenômeno da globalização. Em razão desse fenômeno, os Estados vêm passando por grandes mudanças em seus ordenamentos internos, inclusive em suas Constituições, de modo a acomodar normas que vêm surgindo em nível internacional. Essas normas passaram a prever, inclusive, novos direitos, de conteúdo voltado à fraternidade ou à solidariedade humana. Assim, as Constituições passaram a se ocupar, agora, da efetivação dos direitos humanos fundamentais (somatória dos direitos de natureza individual, dos direitos de conteúdo econômico ou social e dos direitos relacionados à solidariedade ou à fraternidade).

Nesse sentido, basta observar que as Constituições têm apresentado dispositivos por meio dos quais diversas normas produzidas no âmbito do Direito Internacional, como tratados ou convenções internacionais, podem ser incorporadas e aplicadas diretamente pelos Juízes nacionais. Nesse mesmo sentido, vale observar a União Europeia, que desenvolveu um corpo de normas denominado Direito Comunitário, que se relaciona de maneira especial com os diversos ordenamentos internos dos Estados que a integram, por meio de suas respectivas Constituições.

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Não há dúvidas de que a Constituição de hoje é muito diferente das primeiras Constituições escritas do final do século XVIII; isso ocorre pelo simples motivo de que os Estados e a sociedade, hoje, são muito mais complexos. Mesmo em relação à Constituição estadunidense de 1787 essa afirmação é verdadeira, vez que, apesar de o texto aplicado hoje ser o mesmo de 1787, dada a sua natureza sintética, permitiu-se à Suprema Corte, por meio de interpretação constitucional, manter a sua aplicação sempre atualizada.

Em sua essência, contudo, a natureza das normas constitucionais mantém-se a mesma, vez que as suas principais finalidades são o controle do exercício do poder político e a proteção do ser humano.

Fala-se, hoje, inclusive, sobre um novo movimento, denominado Neoconstitucionalismo. Mais uma vez, sem abandonar os avanços anteriormente alcançados pela sociedade, essa nova realizada visa, a partir do início do século XXI, a atribuir maior efetividade à Constituição e maior concretização aos direitos humanos. Nesse sentido, a Constituição passa a ocupar o centro do sistema normativo, promovendo a dignidade da pessoa humana e garantindo condições dignas mínimas às pessoas.

Por fim, deve-se observar que os textos constitucionais modernos, no mundo Ocidental, contêm os mais avançados sistemas de controle do exercício do poder político e de proteção dos direitos da pessoa humana. A efetivação desses sistemas, a fim de garantir à pessoa humana um piso existencial mínimo, continua sendo o maior dos desafios do Constitucionalismo/Neoconstitucionalismo da atualidade.


Bibliografia consultada.

Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007.

Cunha Júnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2008.

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008.

____________________. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007.

Hesse, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre, Fabris, 1991.

Lassalle, Ferdinand. Que é uma Constituição? 2ª ed., São Paulo, Kairós, 1985.

Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011.

Mendes, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009.

Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro, Forense, 2002.

Schmitt, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte, Del Rey, 2007.


Notas

[1] Cf. Fábio Konder Comparato, A afirmação, p.71-87, no qual há transcrição de trechos do texto histórico.

[2] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Direitos humanos, p.11-12.

[3] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p.7.

[4] Cf. Fábio Konder Comparato, A afirmação, p.167-170, e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, p.41-47.

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Sobre o autor
Octávio Ginez de Almeida Bueno

Defensor Público do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Octávio Ginez Almeida. Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo: controle do exercício do poder político e proteção da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3697, 15 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23845. Acesso em: 21 nov. 2024.

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