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A legalidade do cadastro de reserva nos concursos públicos e o direito à nomeação dos candidatos

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06/03/2013 às 18:19
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5 – FASES PROCEDIMENTAIS DO CONCURSO PÚBLICO

Conforme demonstrado em linhas pretéritas, o concurso público é procedimento administrativo composto por etapas, ou seja, é a sucessão ordenada de atos visando à seleção do candidato que possui as melhores aptidões, para ocupar cargo ou emprego público de provimento efetivo, cumprindo a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos interessados. Com efeito, esse procedimento é composto por duas etapas, a saber, uma interna e outra externa.

A etapa interna do procedimento do concurso público se configura como verdadeiro planejamento de atos administrativos praticados pela Administração Pública. Nessa fase, avalia-se a viabilidade da abertura do certame público, tendo como base todos os requisitos contidos no ordenamento jurídico. Vale frisar, que não existem normas gerais a respeito da execução do procedimento do concurso público que fixe as etapas obrigatórias, o prazo e as condições para sua abertura, a constituição das bancas examinadoras, dentre outros aspectos, abrindo margem para arbitrariedades e comprometendo a essência do instituto[12].

Nesse diapasão, tem-se que para abertura do concurso público, se faz necessária à existência de cargos vagos com necessidade imediata ou breve de efetivo provimento. Insta salientar, que não basta a mera existência das vagas, mas real necessidade de provimento destas para que se possibilite a abertura do certame público. Portanto, é nesta fase que se analisa o número de servidores comissionados, contratados por prazo determinado e terceirizados, que exercem funções exclusivas de cargos efetivos, justamente para regularizar essas situações ilegais. Vale também frisar, que é esse o momento apropriado para a Administração Pública computar os servidores atuais que estão lotados em cargo idêntico, para verificar a possibilidade de aposentadoria durante a validade do certame público. Isso porque, é justamente esta etapa de planejamento interno, que obriga o administrador público a convocar os candidatos aprovados dentro das vagas publicadas no edital do certame.

Outro ponto crucial para a deflagração do certame público compreendido dentro da etapa interna, é a obrigação de dotação orçamentária para admissão ou contratação de pessoal para o serviço público, conforme prescrito no artigo 169, §1º, I e II, da CF/88.

Após essas análises, passa-se a Administração Pública pela decisão da execução do concurso público, que pode ser por via direta ou indireta. Na primeira alternativa, a própria Administração Pública cuida de estabelecer as condições gerais do concurso público por meio de regulamento, enquanto que para a segunda alternativa, o Poder Público deverá abrir processo licitatório para contratação de serviços relativos à execução do certame. Vale lembrar, que se torna recomendado que a Administração sempre delegue a execução dos processos de recrutamento e seleção do seu quadro de servidores, o que garante maior imparcialidade na sua realização.

Ainda dentro do contexto da fase interna do procedimento do concurso público, ocorre a designação da banca examinadora, que irá elaborar o edital do certame contendo os requisitos para a admissão nos cargos ou empregos públicos, as datas, horários e condições para a inscrição dos candidatos, critérios de avaliação, metodologia para sua aplicação, entre outras formalidades específicas.

A etapa externa do procedimento de deflagração do concurso público tem início com a publicação do edital do certame, convocando todos os interessados para a inscrição no concurso. A inscrição é a manifestação do cidadão em participar da disputa inerente a aquele cargo público. Vale frisar, que a simples inscrição do candidato não gera direito à realização do concurso, que pode ser suspenso ou cancelado por interesse administrativo, cabendo a Administração Pública devolver os valores pagos pelos candidatos, bem como indenizá-los caso se verifique prejuízo material dos administrados. Realizada a inscrição, prossegue-se para a fase das provas, que podem ser objetivas, discursivas, práticas, psicológicas, orais e de títulos, de acordo com a complexidade das atribuições do cargo ou emprego público posto à disputa. Essas são corrigidas e divulgados os resultados, se encaminhando para a homologação deste, constituindo a ordem classificatória do certame público e o fim da etapa externa dos procedimentos do concurso público.

Segundo Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz:

A homologação, à sua vez, é o ato administrativo de controle e condição de eficácia do concurso público, por intermédio do qual a autoridade máxima do órgão ou entidade verifica a legalidade e a regularidade do seu procedimento e a conveniência e oportunidade de sua realização.[13]

Portanto, caso não advenha a homologação do resultado final da ordem classificatória do concurso público realizado, resta por ineficaz todo o procedimento até aqui descrito, valendo frisar, inclusive, que não ocorre a nomeação dos candidatos, sem que seja expedido referido ato administrativo. Insta salientar, caso isso ocorra, poderá o Poder Judiciário analisar a legalidade da omissão da Administração Pública, culminando, inclusive, em procedimento de improbidade administrativa do agente público responsável, caso haja prejuízo.

Com efeito, todo o planejamento preliminar do certame público compreendido em sua fase interna, é fator fundamental para a concepção do futuro concurso público, pautando o Administrador Público sempre para o preenchimento dos princípios da eficiência, moralidade administrativa e segurança jurídica, na busca evidente pela satisfação do interesse público.


6 – DO DEVER DE NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS

O positivismo jurídico vem sendo substituído na pós-modernidade, para a constitucionalização do Direito. Nesse contexto, o Direito Administrativo, matéria que visa entre outras buscar regulamentar o aparato estatal, se mostra núcleo essencial a ser revisitado, haja vista que o conceito de aplicação automática e exclusiva da lei para as ações da Administração Pública, não foi suficiente a solução dos problemas surgidos na seara pública. Isso porque, as escolas positivistas não conseguiram dirimir os conflitos oriundos da discricionariedade atribuída ao administrador público, porquanto seus atos de gestão desaguavam em verdadeiros atos de império, insuscetíveis, portanto, de controle pelos órgãos judiciários. Nesse sentido, asseverou a Ministra Cármem Lúcia, em voto proferido no julgamento do RE nº 598099, in verbis:

[...] eu não acredito em poder discricionário na Administração, acho isso uma coisa velha, com todo respeito pelos que pensam que ainda existe, mas há algum tempo o direito não comporta mais este tipo de atribuição. Como disse o Ministro Gilmar, entre a tal discricionariedade de outros tempos e o arbítrio praticamente não há diferença. Acho que todo ato administrativo tem algum elemento de discricionariedade, o que é muito diferente de o administrador dispor de um poder discricionário.[14]

Em suma, ante a inexistência de lei específica para o trato da discricionariedade, a Administração Pública detinha o poder de dirimir as questões surgidas mediante um juízo de conveniência e oportunidade, sendo defeso ao Poder Judiciário intervir nesta seara, sob pena de afronta ao princípio basilar da separação dos poderes. Foi nesse contexto que se desenvolveu a ideia de que o candidato aprovado dentro do número de vagas prescritas no Edital do certame, teria mera expectativa de direito à nomeação para o cargo ou emprego público disputado. O candidato aprovado tinha apenas a garantia de não ser preterido, se houvesse convocação.

Ocorre que esse posicionamento se mostra desconforme com o procedimento seletivo inerente aos concursos público. A Administração Pública, conforme demonstrado anteriormente, antes de deflagrar a abertura de certame público, deve realizar diversos atos para verificar a necessidade de provimento de cargos ou empregos públicos, valendo lembrar, que não basta a mera vacância do cargo para a possibilidade de abertura de concurso público, mas que o administrador público verifique a real necessidade do provimento das vagas futuramente ofertadas. Assim, cumprindo todo o procedimento interno para divulgação do edital do certame, a Administração Pública demonstra sua real necessidade de prover os cargos ou empregos inerentes ao seu quadro de servidores.

Nesse diapasão, como os concursos públicos não devem servir como fonte de aumento de receita para a Administração Pública, a deflagração de certame público sem que haja sequer um candidato aprovado e nomeado, se mostra nítido desperdício de tempo, dinheiro e aparato estatal, que deve ser punido nos termos da Lei nº 8.429/92, ofendendo, inclusive, o princípio da moralidade administrativa, haja vista que os aprovados deixam de confiar na boa fé da Administração Pública, que convoca os interessados para fazer parte do seu quadro de servidores, mas, posteriormente, não os nomeia mesmo, comprovadamente, existindo a necessidade da força de trabalho para o serviço público. Nesse sentido, vale citar novamente passagem do voto da Ministra Cármen Lúcia, in verbis:

[...] A Administração tem que ser moral, ética em todos os seus comportamentos, e não acredito em uma democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na Administração. A não nomeação desmotivada é uma quebra da confiança. A gente vive em estado de desconfiança durante todo o período de espera.[15]

Com efeito, a Administração ao tornar pública a existência de cargos vagos e o interesse em provê-los, quando publica o edital contendo todas as regras do certame, após a persecução de toda a fase procedimental do concurso público pelo administrador, pratica ato vinculado, e, portanto, tem o poder-dever de convocar todos os aprovados em conformidade com a ordem classificatória, sob pena de infringir os princípios da moralidade, segurança jurídica, razoabilidade, lealdade e isonomia.

Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 598.099 em sede de repercussão geral, afastou o antigo posicionamento de que os candidatos aprovados dentro do número de vagas teriam mera expectativa de direito, reconhecendo verdadeiro direito subjetivo à nomeação destes candidatos, enquanto válido o concurso público. Isso porque, a Administração Pública tem o dever de boa-fé com os seus administrados, está vinculada às regras do edital do certame, inclusive no que se refere às vagas ofertadas, e ainda, deve obediência à segurança jurídica, protegendo a confiança dos administrados na Administração Pública.

Ora, se para publicar edital de convocação de concurso público, deve o administrador verificar a real necessidade do provimento do cargo ou emprego público futuramente ofertado, uma vez publicado esse edital, a aprovação dos candidatos é garantia fundamental de sua nomeação, haja vista ser este ato vinculado, tanto para os participantes do certame, quanto para própria Administração. Logo, pensar de maneira diversa causa o desvirtuamento do instituto do concurso público, negando efetividade ao princípio que obriga sua realização para acesso aos cargos e empregos públicos, o que culminará nas mazelas ocorridas historicamente nas formas de convocação dos agentes públicos, demonstradas no tópico 2 (dois) deste trabalho.

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Destarte, a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital é a regra a respeito do comportamento da Administração em caso de concurso público. Todavia, podem surgir situações que não obriguem o administrador público a nomear os candidatos aprovados, sendo estas exceções dotadas de forte motivação, bem como superveniência de fato, imprevisibilidade, gravidade, que se configura onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital, e necessidade, consubstanciada na ausência de outra medida que resolva a situação excepcional e imprevisível.

Além da omissão da convocação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas prevista no edital do certame, existem outras hipóteses de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação destes candidatos, matéria já discutida nos tribunais brasileiros.

A Súmula nº 15 do Supremo Tribunal Federal preceitua que: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Vale lembrar, que a quebra da ordem classificatória pode ocorrer dentro do concurso, ou entre candidatos de concursos diversos para o mesmo cargo ou emprego público. Ou seja, caso ainda válido certame público com candidatos aprovados, aberto novo concurso não pode o administrador público convocar os novos aprovados em detrimento dos antigos. Caso isso ocorra, também surge o direito subjetivo a nomeação daqueles candidatos aprovados no primeiro certame público.

A segunda hipótese se configura quando a Administração deixa de nomear candidatos aprovados e contrata agentes públicos, por via oblíqua ao concurso e, consequentemente, com vinculo precário com o Estado, para desempenhar as mesmas funções inerentes aos cargos ofertados no certame público. Insta salientar, que não obstante a oscilação da jurisprudência quanto ao reconhecimento do direito subjetivo daqueles candidatos aprovados, a doutrina se firma como favorável à convocação dos concursados. Isso porque, conforme demonstrado acima, na deflagração do concurso público já se vincula a Administração na convocação dos aprovados dentro do limite de vagas, abrindo margem de discricionariedade apenas no momento em que se dará essa convocação. Logo, demonstrando a Administração que necessita desta força de trabalho imediatamente, convola-se essa margem de discricionariedade em ato vinculado, obrigando a convocação dos aprovados em concurso público.

Vale dizer, que a mera terceirização da vaga, ou seja, o preenchimento desta, mesmo que de forma precária, por pessoa diversa dos aprovados em concurso público, já configura a preterição dos concursados, surgindo imediatamente o direito subjetivo à nomeação destes, sob pena de abrir margens para contratações reiteradas por diversas vezes, sem a realização de concurso público, o que fulminaria a essência do instituto.

Por fim, caso ocorra qualquer violação que vise impedir o direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados em concurso público, deve-se buscar o Poder Judiciário, para efetivação deste direito, que configura a verdadeira aplicabilidade do Estado Democrático de Direito.

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Sobre o autor
Antônio Rodrigues Miguel

Advogado integrante do escritório Tayrone de Melo Advogados, pós-graduado em Direito Administrativo e Constitucional pela Puc-GO, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Membro da comissão de Direito Digital e Informática da OAB/GO e da Comissão Direito do Consumidor da OAB/GO, membro do IGDD – Instituto Goiano de Direito Digital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Antônio Rodrigues. A legalidade do cadastro de reserva nos concursos públicos e o direito à nomeação dos candidatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3535, 6 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23891. Acesso em: 24 abr. 2024.

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