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Os animais silvestres e a excepcionalidade da guarda doméstica

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08/03/2013 às 16:58
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CONCLUSÃO.

Como vimos, a mudança legislativa acerca da titularidade dos bens ambientais nasceu com a necessidade de se romper com conceitos de propriedade tradicional do século XIX, e que os qualificavam como res nullius.  Com a edição da Lei de Proteção à Fauna de 1967, conferiu-se à fauna o tratamento de bens indisponíveis. Mais tarde, com o advento da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente passa a ser bem difuso, de uso comum do povo, na tentativa de conter a exploração desenfreada das riquezas ambientais e, assim,preservar a biodiversidade.

No que tange à fauna, a Constituição Federal de 1988 assegurou a adoção de medidas tendentes a protegê-la, vedando, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 

Nesse contexto, a legislação infraconstitucional tratou de conferir ampla proteção às espécimes integrantes da fauna brasileira, prevendo, dentre outras medidas, que a aquisição e guarda de espécies seria feito a partir do prévio controle dos órgãos ambientais, vedando também a aquisição de animais silvestres caso não originados de criadouros previamente legalizados, estestambém submetidos ao rígido controle das autoridades ambientais.

No que tange à guarda doméstica de animais silvestres, conclui-se no sentido de que será sempre provisória, pois somente mantida no curso do procedimento administrativo ambiental, no qual se decidirá acerca da aplicação ou não das sanções administrativas – dentre elas, destaca-se a sanção de multa simples.

À guarda doméstica também se reserva a característica da excepcionalidade já que somente será permitida caso devidamente evidenciado, à luz das circunstâncias do caso concreto e mediante laudo técnico, ser inviável dar ao animal silvestre resgatado um dos destinos previstos na primeira parte do artigo 107 do Decreto nº 6.514, de 2008: soltura em seu hábitat ou entrega a jardins zoológicos, fundações, entidades de caráter cientifico, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.

De todo modo, e ainda em atenção à característica de temporariedade e excepcionalidade da medida de depósito doméstico de animais silvestre, entende-se que, ao final do procedimento administrativo ambiental ou da instrução processual penal, restando evidenciado que o animal não poderá ser reinserido na natureza – posto que já em muito domesticado, não ostentando a natureza bravia – deverá ser entregue aos cuidados de técnicos habilitados para exibição em espaços reservados aos espécimes da fauna (zoológicos, por exemplo).

Entende-se que tal medida melhor se coaduna com a natureza jurídica de bem de uso comum do povo, pois permitirá o contato com todas as pessoas – e não somente por aqueles que, em muitas das vezes, são os responsáveis pela descaracterização da sua personalidade silvestre e, consequentemente, pela perda da biodiversidade.

Por fim, a medida de retirada dos animais silvestres também se justifica pela possibilidade de contágio de doenças, catalogadas ou não pela ciência médica, protegendo-se assim a vida humana, nos termos em que previsto no caput do artigo 225 da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.

CARMO, Aurélio Hipólito do. Tutela Ambiental da Mata Atlântica: com vistas, principalmente, ao Estado do São Paulo. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.

COPOLA, Gina. A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo: jurisprudência sobre a matéria. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.

MATTOS, Fernando Pagini. Acesso à justiça: Um Princípio em Busca de Efetivação. Curitiba: Editora Juruá, 2011.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente - A Gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo: Editora RT, 2011.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.


Notas

[1]MS 22.164-0-SP, DJU 17.11.1995, Relator Min. Celso de Mello.

[2]EdisMilaré, p. 278.

[3]EdisMilaré, p. 287, citando o ministro Ayres Brito no julgamento da ADI 1.856.

[4]Também nesse sentido: TRF3, AMS 00034196020054036102; TRF5, APELREEX 200881000017109.

[5]Nesse sentido: TRF1, AMS 200838000315130; TRF5, APELREEX 00140400920104058100.

[6] Nesse sentido também do TRF 4ª Região: APELREEX 200771100069392; AC 200271020016221; AC 200471000113424


Abstract: This article intends to trace the ambit in the application and the form of interpreting the constitutional and infra-constitutional norms concerning the custody of the fauna, with special emphasis on the domestic deposit of samples of the Brazilian fauna as an exceptional and temporary measure. Besides studying the history of the legislation applicable to the protection of the fauna and its practical application, the study presents the position of the courts concerning the matter.

Keywords: The fauna. Environmental good.Uncertain right.Domestic deposit of wild animals.Exceptional case.

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Sobre a autora
Helena Marie Fish Galiano

Procuradora Federal. Chefe da Procuradoria Federal especializada junto ao IBAMA no estado de Roraima. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALIANO, Helena Marie Fish. Os animais silvestres e a excepcionalidade da guarda doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3537, 8 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23909. Acesso em: 28 mar. 2024.

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