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Os limites da coisa julgada no processo civil brasileiro

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30/03/2013 às 16:58
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4 LIMITES DA COISA JULGADA.

Distinguem-se, basicamente, duas espécies de limites da coisa julgada: os objetivos e os subjetivos.

Os limites objetivos dizem respeito, em linhas gerais, à “matéria” que constitui objeto da coisa julgada; enquanto os limites subjetivos referem-se, em uma síntese bastante apertada, a “quem” poderia restar atingido pela coisa julgada.

Em conjunto, de certa forma, os limites objetivos e subjetivos traçam a área de atuação da coisa julgada, em cada caso concreto, enquanto qualidade dos efeitos da sentença.[21]

4.1 Limites Objetivos.

Conforme já referido, os limites objetivos da coisa julgada dizem respeito, em geral, à “matéria” ou ao “objeto” que é agasalhado pelo instituto.

Em outras palavras, na explanação de Oliveira Lima,

[...] o estudo dos limites objetivos da coisa julgada se presta a estabelecer o que da sentença se reveste daquela qualidade de imutabilidade e o que fica de fora. Ou por outra, se destina a separar, das múltiplas questões decididas pela sentença, aquelas que restam protegidas pelo manto da coisa julgada (1997, p. 30).

É de se destacar, preliminarmente, que, conforme a observação de Machado,

Não há que se confundir [...] o instituto da coisa julgada material com seus próprios limites objetivos, pois aquele se refere exatamente à capacidade que possui a decisão judicial de se tornar indiscutível perante demanda futura, ao passo que estes representam quais as questões decididas na sentença que adquirem essa imutabilidade e indiscutibilidade (2005, p. 61).[22]

Em que pese ser possível uma primeira impressão de que o tema seja desprovido de maior complexidade, Porto adverte, no que diz respeito aos limites objetivos da coisa julgada, que “a doutrina não navega em águas calmas” (1998, p. 68).

Pode-se mencionar, por exemplo, o entendimento defendido por Carnelutti, segundo o qual

Coisa julgada significa a decisão judicial de mérito que é obtida por meio do processo de conhecimento, ou, em outros termos, a sentença sobre as questões de fundo; as questões de fundo julgadas não são apenas as expressamente resolvidas, mas também aquelas cuja solução seja uma premissa necessária para a solução daquelas primeiras, e que, portanto, são resolvidas implicitamente (a chamada sentença implícita) (1960, p. 136 e 137, tradução nossa).

No ordenamento jurídico brasileiro, todavia, o artigo 468, do Código de Processo Civil, determina que “a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”, mas o artigo 469, do mesmo diploma legal, dispõe, em termos expressos, que não fazem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”; “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”; e “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”.[23]

A interação entre os aludidos dispositivos legais é explicada por Fux, para quem

Não obstante o legislador ter explicitado os limites objetivos da coisa julgada, adstringindo-os ao pedido com sua correspondente causa de pedir, posto que a causa petendi com outro pedido ou o mesmo pedido com outra causa de pedir diferencie as ações, ainda visou esclarecer o alcance da mesma, no artigo 469 do CPC, ao “retirar do âmbito da coisa julgada” os motivos [...] importantes e determinantes da parte dispositiva da sentença, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e a apreciação da questão prejudicial decidida incidentemente no processo (2004, p. 828).[24]

Merece destaque, contudo, a disposição constante do artigo 474, do Código de Processo Civil, segundo a qual “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”.[25]

Neste diapasão, Liebman advertiu que

[...] é exata a afirmativa de que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença. A expressão, entretanto, deve ser entendida em sentido substancial e não apenas formalístico, de modo que compreenda não apenas a frase final da sentença, mas também tudo quanto o juiz porventura haja considerado e resolvido acerca do pedido feito pelas partes. Os motivos são, pois, excluídos, por essa razão, da coisa julgada, mas constituem amiúde indispensável elemento para determinar o alcance do dispositivo (1976, p. 164).

Vale dizer, por determinação legal expressa, a motivação desenvolvida na sentença não fica agasalhada pelo manto da coisa julgada, mas os seus termos são, no mais das vezes, de suma importância para a fixação dos exatos limites objetivos, em cada caso concreto.

Assim, Grinover pondera que

[...] embora a autoridade da coisa julgada se limite ao dispositivo da sentença, esse comando pode e deve ser entendido – tanto mais quando exista alguma margem para dúvida – à luz das considerações feitas na motivação, ou seja, na apreciação das questões surgidas e resolvidas no processo. Assim, da mesma forma que, para a mais perfeita determinação do objeto do processo, se conjuga o pedido à causa de pedir, para determinação do objeto do julgamento – e da coisa julgada que sobre ele se forma – conjuga-se o mesmo aos motivos da decisão. [...] assim como o pedido deve ser visto à luz da causa de pedir (ambos compondo o objeto do processo, isto é, a pretensão), o dispositivo só pode ser interpretado à luz dos motivos, sendo todos eles [...] determinantes da extensão objetiva dos efeitos da sentença e da autoridade da coisa julgada (2001, p. 77).

Da mesma forma, de acordo com a síntese esclarecedora de Baptista da Silva,

Se é correto dizer-se que os motivos ainda que importantes não fazem coisa julgada (art. 469), não é menos certo afirmar-se que o dispositivo se há de entender e “dimensionar” em razão desses motivos, tanto que o legislador os considera importantes para “determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” (1979, p. 53).

Todavia, é de se salientar que, no regime vigente, “[...] os argumentos apreciados pelo juiz na sentença somente se tornarão intangíveis (pela coisa julgada) nos limites em que serviram à apreciação e decisão da demanda concretamente proposta em juízo” (SANTOS, MATTOS e QUEIROZ, 2007, p. 94).

Cumpre lembrar, ainda, que, como sempre repetido, o pedido exordial fixa os limites gerais da lide, conforme, aliás, prevê o art. 128, do Código de Processo Civil.

Contudo, é de se destacar que contra uma sentença que decidir ultra ou extra petita, por exemplo, deve ser interposto o recurso adequado, no prazo assinado pelo ordenamento jurídico em vigor, sob pena de que haja inviabilidade de modificação de seus termos, que estarão, salvo melhor juízo, incluídos nos limites objetivos da coisa julgada material.[26]

Em síntese um tanto apertada, pode-se dizer que os limites objetivos da coisa julgada, em geral, estão restritos à conclusão do juiz, ou seja, à parte dispositiva da sentença – mas que o raciocínio que levou a tal conclusão, em que pese não restar atingido pela coisa julgada, dirige a verificação do teor da conclusão em si mesma, quando necessário.

4.2 Limites Subjetivos.

Referidas, ainda que de forma um tanto geral, as características principais dos limites objetivos da coisa julgada, cabe analisar, também, os seus limites subjetivos, para que reste minimamente vencida a tarefa inicialmente proposta para este resumido estudo.

Conforme anteriormente mencionado, os limites subjetivos da coisa julgada dizem respeito a “quem” restaria atingido por tal qualidade dos efeitos da sentença.

O ponto nevrálgico da questão está, na realidade, em se saber se a autoridade da coisa julgada estenderia o seu alcance apenas e tão somente às partes, ou se terceiros beneficiados ou prejudicados pelos efeitos da sentença poderiam ser por ela, igualmente, atingidos.

A regra geral que orienta o tema está encartada na primeira parte do artigo 472, do Código de Processo Civil, da seguinte forma: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.

Tal disposição encontra-se, em princípio, em consonância com a ordem constitucional vigente, conforme observa Tucci, já que,

Realmente, nenhuma restrição de direitos pode ser admitida sem que se propicie à pessoa interessada a produção de ampla defesa (nemo inauditus damnari potest), e, conseqüentemente, esta só poderá efetivar-se em sua plenitude com o estabelecimento da participação ativa e contraditória dos sujeitos parciais em todos os atos e termos do processo (2006, p. 172).

Verifica-se, portanto, desde logo, dois fundamentos constitucionais para a regra geral contida no artigo 472, do Código de Processo Civil: os princípios da ampla defesa e do contraditório, desdobramentos da garantia fundamental do devido processo legal.

Dinamarco, ao comentar o dispositivo legal em questão, assevera que

A sentença faz coisa julgada entre as partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Os vocábulos partes e terceiros, neste texto, são empregados em sentido puro, para designar aquele que esteve e aquele que não esteve integrado à relação processual em que foi dada a sentença (2002, p. 317).

Novamente, poder-se-ia ter a impressão de que o tema não suscita quaisquer controvérsias ou dificuldades, quando não é bem esta a realidade.

Em primeiro lugar, é de se destacar que, conforme bem observado por Liebman, “a eficácia natural da sentença, que não se confunde com a autoridade da coisa julgada, sendo independente desta, estende os seus efeitos a todos (partes e terceiros)” (1981, p. 130).[27]

Situação diversa se daria com a coisa julgada, que ficaria, em geral, limitada às partes.

De acordo com a feliz síntese de Santos, “somente a eficácia natural da sentença alcança terceiros, e não a coisa julgada, estes, se prejudicados pela sentença, contra a mesma poderão opor-se, para demonstrar a sua injustiça ou ilegalidade” (1999, p. 73).

Poderia haver uma impressão equivocada, todavia, de que o próprio artigo 472, por exemplo, explicita uma primeira curiosa exceção à regra, ao dispor, em sua parte final, que “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.

Segundo o esclarecimento de Câmara, todavia,

Não há aqui nenhuma exceção à regra estabelecida pela primeira parte do mesmo art. 472, sendo certo que a matéria estaria melhor regulada como um parágrafo do art. 47 do CPC, onde se deveria ler algo como “nas questões de estado, formar-se-á o litisconsórcio necessariamente entre todos os interessados” (2008, p. 474).

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Em suma, segundo os próprios termos do artigo 472, do Código de Processo Civil, mesmo nas ações de estado, se apenas um interessado não for regularmente citado, não se poderá falar em formação de coisa julgada em relação a terceiro; isto é, o interessado que não tiver sido citado não ficará, evidentemente, prejudicado pela autoridade da coisa julgada.

O que precisa ficar claro, de outro lado, é que, tendo sido citados todos os interessados, algum outro terceiro ficará impossibilitado de pretender promover nova discussão da matéria perante o Poder Judiciário, não porque tenha sido de qualquer forma prejudicado pela autoridade da coisa julgada – conforme equivocadamente prevê a redação do artigo 472, do Código de Processo Civil –, mas, sim, porque não tem interesse de agir e é, assim, carecedor de ação.

Seguindo a premissa estabelecida por Liebman,[28] contudo, conforme exposto, pode-se dizer, de forma mais adequada, que é a eficácia natural da sentença que é estendida, neste caso, a terceiros, e não a “coisa julgada” propriamente dita.

A experiência mostra, de toda forma, que é possível imaginar diversos casos em que terceiros poderiam ser atingidos pelos efeitos da sentença e, ainda, supostamente, em potencial, pela extensão da qualidade da coisa julgada.

Tucci, aliás, analisa diversas situações – inclusive em nível concreto – em que a extensão da coisa julgada poderia, supostamente, prejudicar ou beneficiar terceiros (2006, p. 208 a 303).

O autor salienta a existência, em geral, de legitimidade e de interesse processual do terceiro prejudicado pela eficácia da sentença, ponderando:

Todo aquele que não participa do contraditório em processo pendente inter alios é considerado terceiro. Se o grau de dependência entre a relação jurídica decidida e aquela que tem o terceiro como titular for de tal sorte elevado, a produzir-lhe prejuízo jurídico, poderá ele reagir contra a sentença.

Essa insurgência, contudo, pode ser por via indireta, ou seja, como o terceiro não está adstrito à autoridade da coisa julgada, o direito objeto de decisão no procedente processo pode ser submetido à (re)apreciação judicial. [...]

Mas, em determinadas situações, o terceiro poderá impugnar diretamente a sentença, com o escopo de demonstrar que ela é ilegal ou injusta. E, para tanto [...] deve ter legitimidade e interesse processual para propor a medida judicial adequada à espécie concreta (2006, p. 209 e 210).[29]

Vale dizer, por conta das garantias constitucionais vigentes, e inclusive por dever de observância ao princípio da segurança jurídica, não se pode admitir que terceiros que sejam estranhos à lide restem prejudicados pela coisa julgada.

Isto não significa que terceiros nunca serão atingidos pela eficácia natural de uma sentença, conforme, aliás, já mencionado; mas sim que, quando tal eficácia lhes implicar em prejuízos juridicamente relevantes, será admitida a impugnação da decisão judicial, ainda que ela tenha transitado em julgado entre as partes propriamente ditas.

Situação diversa ocorreria, supostamente, nas hipóteses em que a extensão da coisa julgada beneficia terceiro, quando, segundo o entendimento de Tucci, “a coisa julgada [...] fulmina o potencial interesse de agir de alguém que, embora não tenha integrado o contraditório travado num determinado processo, acabou sendo privilegiado pelo respectivo desfecho” (2006, p. 210).

Parece, todavia, mais adequado supor que, nestes casos, o terceiro resta juridicamente inviabilizado de se opor à sentença que transitou em julgado entre as partes não propriamente por conta da autoridade da coisa julgada em si mesma, mas pela própria inexistência de interesse de agir, ou seja, pela falta de condição da ação.

Furlan sintetiza a questão dos limites subjetivos da coisa julgada, da seguinte forma:

A eficácia natural da sentença pode atingir terceiros, enquanto a coisa julgada, somente as partes. Sendo a coisa julgada uma qualidade dos efeitos da sentença – a imutabilidade desses mesmos efeitos – não atinge terceiros, isto é, para estes não é imutável (2000, p. 115).

Vale dizer, enquanto qualidade dos efeitos da sentença, a coisa julgada estende-se às partes, mas subsistirá ao terceiro juridicamente interessado e prejudicado a possibilidade de insurgência, ainda que em outra demanda.[30]

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Sobre o autor
Thiago Caversan Antunes

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan. Os limites da coisa julgada no processo civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3559, 30 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23966. Acesso em: 26 abr. 2024.

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