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Peculato em prol da Administração Pública: contraditio in terminis

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22/03/2013 às 10:22
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6. TIPO SUBJETIVO

O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral – dolo[35] –, que, por vezes, é acompanhado de elementos especiais – intenções e tendências, que são elementos acidentais[36]. Não é demasiado comentar que, na definição da conduta típica, os elementos subjetivos assumem considerável importância, mormente porque é através do animus agendi que se consegue identificar e qualificar a atividade comportamental do agente.

Assim, para poder classificar um comportamento como típico, precisa-se conhecer e identificar a intenção (vontade e consciência) do agente, notadamente quando a figura típica exige também o elemento subjetivo especial do tipo.

6.1. ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO: EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO

Em todas as modalidades mencionadas, com efeito, é imperioso que o proveito esteja presente, ainda que implícito. Desprezá-lo, pois, é malbaratar as regras mais comezinhas da hermenêutica[37]. Ipso facto, é mister ter em mente a concepção bem lançada de MAGGIORE:

Tanto l’appropriazione che la distrazione devono essere acompagnate dalla finalità del profitto. La legge parla di tale estremo solo a proposito della distrazione, perchè nella appropriazione esso è implicito: che fa sua una cosa è, per ciò stesso, già un profittatore.[38]

Por certo, alguns tipos penais não se limitam, necessariamente, ao dolo. Muita da vez é mister a presença do elemento subjetivo especial do tipo, que a doutrina clássica denominava, impropriamente (a nosso sentir), de dolo específico. No sempre apropriado ensinamento de WELZEL:

Ao lado do dolo, como elemento genérico pessoal-subjetivo, que leva e forma a ação como um acontecer dirigido a um fim, aparecem no tipo, freqüentemente, elementos especiais pessoais-subjetivos, que dão um colorido ao conteúdo ético-social da ação em um sentido determinado.[39]

Desse modo, ao subtrair uma coisa alheia, age-se dirigido a um fim por imperativo do dolo. Mas seu sentido ético-social pode ser distinto a depender de como o autor direciona sua ação: pode-se ter o fim de uso passageiro ou o propósito de apropriar.

O especial fim ou motivo de agir, é preciso dizer, amplia o aspecto subjetivo do tipo, todavia não integra o dolo, nem com ele pode ser confundido. Enquanto o dolo se esgota na consciência e vontade, materializando-se no fato típico, o especial fim de agir condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato. Acresça-se, ainda, que a ausência do elemento subjetivo especial descaracteriza o tipo subjetivo, independentemente da presença do dolo.

Sobre a questão, preconiza DAMÁSIO E. DE JESUS:

É o dolo, vontade livre e consciente de concretizar os elementos objetivos do tipo. Exige-se o animus rem sibi habendi, i. e., a intenção definitiva de não restituir o objeto material e de obter um proveito, próprio ou de terceiro, de natureza moral ou patrimonial. Assim, além do dolo, o tipo requer um fim especial de agir, o elemento subjetivo contido na expressão ‘em proveito próprio ou alheio’. Esse elemento é exigido nas duas modalidades (peculato-apropriação e peculato-desvio).[40]

A preocupação com o “proveito próprio ou alheio”, vale mencionar, não está adstrita ao direito pátrio. O Código Penal Português (Decreto-Lei n.º 48, de 15 de Março  de 1995) expressamente aduz:

Artigo 375º

Peculato

1 - O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. (destaque nosso).

O Código Penal Espanhol (Ley Orgánica de 23−11−1995, núm.10/1995), ressalte-se, vai além, exarando a necessidade do ânimo de lucrar:

DA MALVERSAÇÃO

Artigo 432.

1. A autoridade ou funcionário público que, com ânimo de lucro, subtrai ou consente que um terceiro, com igual ânimo, subtraia as riquezas ou efeitos públicos que tenha a seu cargo por razão de suas funções, incorrerá na pena de prisão de três a seis anos e inabilitação absoluta por tempo de seis a dez anos.[41] (negrito nosso).

6.2APROPRIAÇÃO, DESVIO OU FURTO REVERTIDOS EM PROVEITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: FATO ATÍPICO

Depreende-se da leitura que, para a configuração do peculato, não basta a vontade de apropriar, desviar, ou furtar. É imperiosa a finalidade de haver proveito próprio ou alheio. Como bem lembram EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI: “A vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada (...)[42]

Com efeito, a literatura, muita da vez, nos fornece maiores elementos do que um estudo científico. Ipso facto é que se costuma afirmar que se aprende mais psicologia em Machado de Assis e em Dostoiévski do que em Freud, ou mesmo mais “arte da persuasão” em Shakespeare do que em Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas, só para exemplificar.

Sob tais reflexões, abeberando-se das lições de ANDRÉ GIDES, podemos observar como, em seu fantástico “Os Subtarrâneos do Vaticano”, ele nos conta minudentemente o momento em que Lafcadio resolveu matar Fleurissoire:

(...)‘Quem o veria?’, pensava Lafcadio. ‘Aqui, pertinho da minha mão, debaixo da minha mão, esta fechadura dupla que posso fàcilmente manejar; essa porta que, cedendo de repente, o deixaria cair para frente; um empurrãozinho bastaria; êle cairia, dentro da noite, como uma massa; nem se ouviria um grito... E amanhã a caminho para as ilhas!... Quem o saberia?

(...)

Um crime sem motivo’, continuava Lafcadio, ‘que atrapalhação para a polícia! De resto, nessa bendita encosta, qualquer pessoa pode, do carro vizinho, reparar que uma porta se abre, e ver a sombra do chinês pular. Ao menos as cortinas do corredor estão fechadas...[43] (destaque nosso).

Em verdade, poder-se-ia acreditar, numa visão apriorística e açodada, que o crime de Lafcadio fora cometido sem motivo. Entretanto, não foi o caso.

O que se quer demonstrar com excerto acima? Simples: toda conduta humana, máxime no caso particular do crime, é baseada em um motivo. Aliás, há muito o preclaro Nelson Hungria já ensinava que não há crime sem motivo. Lafcadio, por exemplo, queria demonstrar para si mesmo que ele era livre e por isso poderia cometer o homicídio. Percebe-se isso, principalmente, na seguinte passagem: “Não é tanto dos acontecimentos que eu tenho curiosidade, mas de mim mesmo. A gente se julga capaz de tudo, mas, diante da ação, recua...[44]

Além do motivo, é preciso, outrossim, esquadrinhar a finalidade contida na psique do autor (no caso do peculato: intuito de obter proveito para si ou para outrem). A depender do motivo e do fim, o delito de peculato pode inexistir, pois, para a ocorrência do delito, é necessária uma ação com significação penal.

Nesse contexto, é curial observar que o delito em comento está topograficamente localizado no título “Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública” (destaque nosso). Assim, o proveito em prol da Administração não caracteriza o peculato.

O “alheio” a que a lei se reporta não pode englobar a própria Administração Pública. Seria ilógico pensar em um ato que seja ao mesmo tempo contra e em prol da Administração. Os Tribunais vêm corroborando tal afirmação:

Delito atribuído a prefeito municipal – Acusado que, tão logo tomou posse do cargo, determinou o levantamento da contabilidade da administração anterior – Ausência de autorização orçamentáriaDespesa que não redundou, porém, em proveito próprio ou alheio, mas da própria Administração Pública – Dolo (rectius, elemento subjetivo do tipo), portanto, inexistente. É indispensável, para a existência do crime de peculato, que o desvio se faça em proveito próprio ou alheio. Se redunda em benefício da própria Administração, inocorre infração[45]. (destaque nosso)

Alguns até poderiam questionar que o título não é vinculativo. E mais: ainda que fosse, existe, sob o mesmo título, o delito de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315), que se configura mesmo quando as verbas ou rendas são aplicadas em favor da Administração.

Conquanto interessante, a tese não pode prosperar.

Isso porque a questão do título é só mais um argumento. De qualquer sorte, o que se visa a proteger é a Administração. Ou seja, deseja-se impedir que o funcionário, eivado de má-fé, aja de modo tumultuado, irracional.

Aquele que, efetivamente, reverte a coisa em benefício da própria Administração não é, nem de longe, um criminoso.

Ademais, o art. 315 sequer deveria ser um tipo penal, por não ter, ontologicamente falando, força para tanto. É uma mera irregularidade administrativa.

No mesmo sentido PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, comentando o artigo 315 do Código Penal, assevera:

A conduta é comum na administração pública. Por isso, não são poucos os que condenam erigir semelhante conduta à categoria de delito, mormente diante da moderna tendência de descriminalização. Outros (Basileu Garcia) chegam a alertar, a propósito: ‘Não acreditem muito na punição desse crime...’.[46]

Desse modo, é mais correto acreditar, reitere-se, que quem desvia, apropria ou furta para concretizar uma finalidade de cunho coletivo não comete, em tese, o delito de peculato. Esse também é o posicionamento exposto por ANTONIO PAGLIARO E PAULO JOSÉ DA COSTA JR., trazendo à baila que:

(...) é necessário observar que o desvio da coisa que venha a destinar-se, ainda que indevidamente, a uma finalidade pública não poderá constituir-se o crime de peculato.

Nessa hipótese não há lesão à imparcialidade da administração e não deverá ser aplicada ao agente a grave pena prevista para o peculato, nem mesmo se a coisa vier a ser destinada a um ente público diverso daquele ao qual a coisa pertença.

Para que se configure o peculato é necessário o uso da coisa em contrariedade a qualquer finalidade de utilidade pública.[47] (destaque nosso).

Um exemplo, no que cerne bens particulares, parece ocorrer com freqüência: quando o Município desconta parcela do servidor e, no entanto, não repassa para o credor. Esse fato, inclusive, ocorreu em Juazeiro, Bahia, motivo, aliás,  que deu início ao presente trabalho.

Pois bem.

Foi celebrado um contrato entre o banco Sudameris S. A. e o Município baiano para que os servidores deste efetuassem, junto à instituição financeira, empréstimos bancários cujos valores seriam descontados em folha de pagamento e repassados para o contratado.

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Ocorre, todavia, que aconteceram alguns atrasos no repasse. Nesse tanto, o Ministério Público entendeu ser necessário denunciar o ex-prefeito (Processo nº 690084-8/2005), pois que o contrato vinha sendo continuamente desrespeitado, em virtude dos atrasos mencionados. E mais: presumiu-se que o denunciado havia se apropriado das quantias em virtude da mora do Município. Utiliza-se o verbo “presumir” porque não havia provas de tal conduta nos autos. Ao revés, tudo levava a crer que jamais houve apropriação por parte do acusado.

Data venia, não foi o melhor viés a ser adotado. Não se pode olvidar que a lei penal é um ato solene de resposta aos problemas sociais fundamentais que se apresentam como gerais e duradouros numa sociedade. Ademais, consoante o princípio da proporcionalidade abstrata, só as graves violações aos direitos humanos podem ser objeto de sanções penais. As penas, pois, devem ser proporcionais ao dano causado pela violação[48].

Assim, proporcionalmente, tal irregularidade enseja apenas uma ação de cobrança, até mesmo porque só se pode sancionar penalmente quando houver prova cabal da inexistência de modos não-penais de intervenção para dirimir as situações conflitantes. Como é de costume se afirmar, o direito penal é a ultima ratio.

Percebe-se, ainda, que a conduta do Alcaide não é revestida de dolo, já que ele não se apropria, desvia ou furta as quantias. Carece, outrossim, de elemento subjetivo especial do injusto, mormente porque inexiste proveito próprio ou alheio. Apenas a Administração é beneficiada, ante as necessidades momentâneas apresentadas. Desse modo, somente a Ela pode se cobrar as quantias.

Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir sobre o tema, se posicionou no mesmo sentido:

Recurso Especial - Prazo - Férias Forenses - Peculato atribuído a prefeito - Desconto de servidores sem repassar o montante ao credor - Tribunal "a quo" que não recebe a denúncia, por ausência de dolo (...)[49] (destaque nosso).

Em seu voto, o relator aduz:

O Tribunal local, por expressiva maioria, não recebeu a peça acusatória, que enquadra o chefe do executivo municipal no art. 312, do CP (peculato), fulcrado no voto condutor do Desembargador Dário Rocha (fls 92/93), no sentido de que a mera retenção de dinheiro dos credores, por parte do Poder Público, não caracteriza uma apropriação indébita (mais apropriadamente peculato), sendo apenas viável uma ação de cobrança. Assim, não teria havido a intenção do prefeito em ficar com o dinheiro, e, sem o dolo requerido pela figura, não seria típica a sua conduta.[50] (destaque nosso)

Pensar, portanto, de modo diverso é o mesmo que entender que sempre que a Administração Pública se tornar inadimplente com alguém restará configurada uma hipótese de peculato. Tal quimera não pode ser aceita, tanto é que já fora rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Recurso Especial - Peculato-desvio - Denúncia que não descreve, suficientemente, circunstâncias essenciais à caracterização do delito - Responsabilização objetiva - Suposto delito que se confundiria com mera responsabilidade civil, por quebra de contrato. 1. Não se pode confundir o mero descumprimento de contrato, com o peculato-desvio, o qual exige o elemento subjetivo do tipo, que é o de desviar em proveito próprio, ou alheio, sob pena de incorrer-se na inaceitável responsabilidade objetiva. 2. Não se reveste de plausibilidade enxergar-se essa figura penal, toda vez que houver um descumprimento contratual, transmudando um problema do campo administrativo-civil, para o criminal. (...). [51] (destaque nosso).

Com a mesma prudência e reflexão, o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou o seguinte posicionamento:

CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - Peculato e emprego irregular de verbas ou rendas públicas - Descaracterização - Prefeito municipal que retém parcelas descontadas dos funcionários devidas ao IAPAS - Importâncias que não são consideradas verbas ou rendas públicas, e sim patrimônio do servidor - Quantias devidamente contabilizadas e empregadas em obras e serviços - Inexistência de apropriação ou desvio em proveito próprio ou alheio – (...).[52] (destaque nosso).

O ilícito cometido na seara cível/administrativa, por certo, é bem menos grave daquele cometido na seara penal. A diferença entre um e outro, portanto, não é ontológica, mas de grau.

Na sempre festejada lição de NELSON HUNGRIA

A ilicitude é uma só, do mesmo modo que um só, na sua essência, é o dever jurídico. Dizia Betham que as leis são divididas apenas por comodidade de distribuição: todas podiam ser, por sua identidade substancial, dispostas sobre um mesmo plano, sobre um só mapa-múndi. Assim, não há falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de um ilícito penal. A separação entre um e outro atende apenas a critérios de conveniência e oportunidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço.[53]

Com habitual clareza, CRETELLA JR. se posiciona no mesmo sentido, entendendo que

No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil, administrativa, apenas para efeito de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância.[54]

Sob tais reflexões, é preciso, pois, separar o infrator da lei civil/administrativa daquele que infringe a lei penal. Nesse viés, ALESSANDRO BARATTA preleciona que

A lei penal, portanto, não pode ser uma resposta imediata de natureza administrativa, como, por outro lado, o é freqüentemente na prática. Os problemas que se deve enfrentar têm que estar suficientemente decantados antes de pôr em prática uma resposta penal.

(...)

Uma pena pode ser cominada somente se se puder provar que não existem modos não penais de intervenção aptos para responder a situações nas quais estejam ameaçados os direitos humanos. Não basta, portanto, haver provado a idoneidade da resposta penal; também, requer-se demonstrar que esta não é substituível por outros modos de intervenção de menor custo social.[55]

Em suma, o funcionário que utiliza os bens particulares em proveito da Administração não tem o intento (tampouco seria possível) de auferir proveito para si ou para outrem. Ele pode até não ser um herói, mas tem por objetivo sanar algumas necessidades momentâneas.

O que dizer, d’outra banda, de um funcionário que utiliza os bens públicos em favor da Administração? O Tribunal de Minas Gerais, ao se posicionar sobre o tema, exarou:

Apelação criminal – Justiça militar – Peculato – Crime contra a administração pública – Absolvição – Recurso ministerial – Alegada existência de provas para condenação – Militar que utiliza doação de combustível para quitar dívidas do pelotão – Não-utilização em proveito próprio ou alheio – Ausência de infração penal – Recurso improvido – Se restar comprovado nos autos que o militar utilizou doação de combustível para quitar dívidas do pelotão, não utilizando em proveito próprio ou alheio, não há falar em infração penal de peculato, devendo ser improvido o recurso ministerial[56]. (destaque nosso)

O objetivo é punir, com efeito, aquele que intenciona obter proveito para si ou para outrem. Sem a prova dessa intenção, o crime de peculato inexiste, pois a ausência do elemento subjetivo especial do injusto acarreta atipicidade na conduta do agente, segundo a teoria finalista da ação. O fato, pois, é atípico.

O Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia, corroborando a tese aventada no presente trabalho, exarou:

Não se encontrando na atuação do acusado o dolo que caracteriza o peculato-apropriação, e que pressupõe, conceitualmente, o animus rem sibi habendi, scilicet, a intenção definitiva de não restituir a coisa e a obtenção de proveito próprio ou alheio, não há falar no delito de peculato de que cogita o art. 312 do código penal. / Nas hipóteses de peculato-desvio, faz-se necessário, além do dolo genérico (vontade consciente e livre de empregar a res em fim diverso daquele que era destinada), o dolo específico, ainda quando excluido o animus rem sibi habendi. Não há falar, por igual, em peculato-desvio, se o agente muda o destino da coisa em proveito da própria administração. / Inocorrência de peculato por não ter sido efetivada apropriação sine jure de dinheiro, valor ou outra vantagem, por abuso do cargo ou infidelidade para com a administração. / Improvimento do apelo e confirmação da decisão absolutória do primeiro grau de jurisdição[57]. (destaque nosso).

É de se lembrar que a Administração é o sujeito passivo principal do crime, ou seja, ainda quando se trata de bens particulares, a Administração é “vítima” do delito, pois que Ela poderá ser injustamente responsabilizada pelo particular (verdadeiro dono do bem).

Ora, se a Administração é beneficiada, seu interesse maior queda-se tutelado: a coletividade. Acresça-se, ainda, que resulta injustificada a pretensão do sistema penal de tutelar interesses gerais que vão além dos da vítima. Assim, estando seu interesse-mor tutelado, não há que se falar em ato contra a Administração.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Nadielson. Peculato em prol da Administração Pública: contraditio in terminis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24026. Acesso em: 10 mai. 2024.

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