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Peculato em prol da Administração Pública: contraditio in terminis

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22/03/2013 às 10:22
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com efeito, o peculato é o delito que mais demonstra a infidelidade para com a Administração, atingindo-a diretamente. Isso porque o funcionário público, aproveitando-se de sua posição “privilegiada”, atua de forma contrária à sua função, pois, tendo a posse da coisa móvel, intenciona obter proveito para si ou para outrem, violando o Estado sob o aspecto moral e patrimonial.  Não por outra razão, talvez, ele encabece os crimes contra a Administração.

A contrario sensu, é possível pensar, então, que aquele que reverte os bens em prol da Administração faz soçobrar a má-fé e o egoísmo, mormente porque não há uma determinação (individualização) dos sujeitos beneficiados. Quem busca satisfazer a coletividade, pois, age de modo impessoal.

Assim, aquele que favorece a Administração não pode, concomitantemente, ser infiel a Ela, máxime porque a boa-fé e o dolo se repelem. Sob tais reflexões, frente a manifesta contradictio in terminis, não há como subsistir o delito de peculato quando os bens são aplicados em favor da Administração Pública.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Notas

[1] Posto que consideremos que se trata de “Funções”, exaramos a expressão “Poder” por se tratar de terminologia utilizada pela própria Constituição Federal.

[2] O peculato foi inserido no mesmo grupo do sacrilegium (furto de bens pertencentes aos deuses), já que os romanos não distinguiam juridicamente os bens divinos daqueles pertencentes ao Estado. (MOMMSEN, Teodoro. Derecho Penal romano. Trad. P. Dourado. Bogotá: Temis, 1991, p. 471-472)

[3] Ariosvaldo Pires (PIRES, Ariosvaldo de Campos. Compêndio de direito penal: parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 328), citando Luiz A. P. Victoria, nos informa que a palavra pecus serviu de origem, outrossim, para as palavras “pecúnia” e “pecúlio”.

[4] ARAUJO, João Vieira de. O código penal interpretado. Vol. I. Ed. Fac-similar – Brasília: Senado Federal: Superior Tribunal de Justiça, 2004, p. 126.

[5] Demetrio Tourinho traz ao lume que a repressão ao peculato foi ditada no Direito romano pelas Lex Julia peculatus, Lex Julia de residuis, além das leis Calpúrnia e Conélia. (TOURINHO, Demetrio Cyriaco Ferreira. Do peculato. 2. ed. Salvador: Progresso, 1954., p. 29-30)

[6] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 4. ed. reform. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 986.

[7] Segundo alguns, o peculato era classificado no Direito Penal romano em próprio e impróprio. O primeiro se manifestava pela apropriação por parte do funcionário dos fundos públicos (aerarium) que lhe haviam sido confiados. O segundo representava a apropriação praticada pelos particulares (VILLADA, Jorge Luís, op. cit., p. 391).

[8] SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro: (segundo o código penal mandado executar pelo Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, e leis que o modificaram ou completaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência) – Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 294. Tradução realizada pelo Professor da UnEB, Titular da Cadeira de Filosofia do Direito, José Pereira da Costa: “Furto de pecúnia pelo fiscal”.

[9] Dispunha o artigo 6.º do Código de Hamurabi: “Se um homem rouba qualquer coisa de propriedade de Deus ou do Palácio, será morto, e o que haja aceitado de suas mãos o produto do roubo, será também executado”. Determinava, ainda, o artigo 8.º: “Se um homem roubou um boi, ou uma ovelha, ou um asno, ou um porco, ou uma barca, sejam de Deus ou do Palácio, o restituirá trinta vezes mais; se são de um indivíduo qualquer, o restituirá dez vezes. Se o ladrão não tem com que restituir, será executado”. Destaquem-se, ainda, as seguintes normas do Código de Manu: “Art. 691. Que o rei faça perecer por diversos suplícios as pessoas que furtam seu tesouro (...); Art. 696. O rei deve fazer perecer sem hesitação aqueles que praticam uma brecha na casa do tesouro público, no arsenal ou em uma capela ou que furtam elefantes, cavalos ou carros pertencentes ao rei”. (Código de Hamurabi; Código de Manu, excertos: livros oitavo e nono: Lei das XII tábuas. Supervisão editorial Jair Lot Vieira. Bauru. Série clássicos. São Paulo: EDIPRO, 1994.)

[10] Tradução realizada pelo Professor da UnEB, Titular da Cadeira de Filosofia do Direito, José Pereira da Costa: “A Lei Julia qualificava como crime de resíduo, quando o funcionário público distraía dinheiros públicos que lhe tinham sido confiados para fim determinado”.

[11] MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Penal, v. III, t. VIII. Trad. Santiago Sentís Melendo e Marino Ayerra Redín. Buenos Aires: Ediar, 1961, p. 132; SOLER, Sebastian. Derecho Penal argentino, t. V. Buenos Aires: TEA, 1953, p. 189.

[12] MOMMSEN, Teodoro. Derecho Penal romano. Trad. P. Dourado. Bogotá: Temis, 1991, p. 473-474.

[13] Idem, ibidem. Tradução realizada pelo Professor da UnEB, Titular da Cadeira de Filosofia do Direito, José Pereira da Costa: “Não somente o furto do dinheiro público, mas também o do privado pode ser considerado peculato”.

[14] Tradução realizada pelo Professor da UnEB, Titular da Cadeira de Filosofia do Direito, José Pereira da Costa: interdição da água e do fogo.

[15] VILLADA, Jorge Luis, Delitos contra la función pública. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, s/d, p. 391.

[16] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Op. cit, p. 987.

[17] Continha a norma em epígrafe a seguinte redação: “Qualquer official nosso, ou pessoa outra, que alguma cousa por nós houver de receber, guardar, despender, ou arrendar nossas rendas, ou administrar por qualquer maneira, se alguma das ditas cousas furtar, ou maliciosamente levar, ou deixar levar, ou furtar a outrem, perca o dito Officio, e tudo o que de Nós tiver, e pague-nos anoveado a valia daquillo, que assi fòr furtado, ou levado, e mais haja a pena de ladrão, que por nossas Ordenações aos ladrões he ordenada, segundo fòr a quantidade da cousa. E as mesmas penas haverão lugar nos nossos Officiaes, conteúdos nesta Ordenação de qualquer Officio que seja, que derem ajuda, conselho, ou favòr aos Officiaes para fazer cada huma das ditas cousas”.

[18] O aludido artigo definia o peculato como sendo a conduta de “apropriar-se o empregado publico, consumir, extraviar ou consentir que outrem se aproprie, consuma ou extravie, em todo ou em parte, dinheiros ou effeitos publicos, quer tiver a seu cargo: Penas. No grao maximo-perda do emprego, dous annos e um mez de prisão com trabalho e multa de 20% da quantia ou valor dos effeitos apropriados, consumidos ou extraviados. No gráo médio-perda do emprego, dous annos e um mez de prisão com trabalho e multa de 12 ½% da quantia ou valor dos effeitos apropriados, consumidos ou extraviados. No gráo mínimo-perda do emprego, dous mezes de prisão com trabalho e multa de 5% da quantia ou valor dos effeitos apropriados, consumidos ou extraviados”.

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[19] Dispunham as referidas normas incriminadoras: “Art. 221. Subtrahir, consumir ou extraviar dinheiro, documentos, effeitos, generos ou quaesquer bens pertencentes à fazenda publica, confiados à sua guarda ou administração, ou á de outrem sobre quem exercer fiscalisação em razão do officio. Consentir, por qualquer modo, que outrem se aproprie indevidamente desses mesmos bens, os extravie ou consuma em uso proprio ou alheio: Penas – de prizão cellular por seis mezes a quatro annos, perda do emprego e multa de cinco a 20% da quantia ou valor dos effeitos apropriados, extraviados ou consumidos. Art. 222. Emprestar dinheiros, ou effeitos publicos, ou fazer pagamento antecipado, não tendo para isso autorização: Penas – de suspensão do emprego por um mez a um anno e multa de cinco a 20% da quantia emprestada ou paga por antecipação. Art. 223. Nas penas dos artigos antecedentes, e mais na perda do interesse que deveriam perceber, incorrerão os que, tendo por qualquer título a seu cargo, ou em deposito, dinheiros ou effeitos publicos, praticarem qualquer dos crimes precedentemente mencionados”.

[20] Waldo Fazzio Júnior preleciona que disfunção pública “é o exercício da atividade administrativa em nome da função pública, com má-fé, para promover, precisamente, seu contrário, ou seja, uma disfunção. É o desvio de poder radical, porque subsidiado pelo ânimo predeterminado de exercitar uma potestade administrativa em desfavor do interesse público, comprometido com um objetivo privado.” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Corrupção no poder público: peculato, concussão, corrupção passiva e prevaricação. São Paulo: Atlas, 2002, p. 24)

[21] Féu Rosa, com razão, afirma que “a Administração Pública – O Estado, enfim – se compromete, quando o funcionário não corresponde à confiança que lhe foi depositada (...)”. (ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 854)

[22] Entendemos ser incompleta a tese exarada por Ney Moura Teles, para quem “o bem protegido é o patrimônio dos entes da administração pública direta e indireta.” (TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: arts. 213 a 359-H, volume 3. São Paulo: Atlas, 2004, p. 386). Concepção mais bem fundamentada é a de Maggiore, entendendo que o “objeto jurídico da incriminação não é tanto a defesa dos bens patrimoniais da administração pública, quanto o interesse do Estado à probidade e à fidelidade do funcionário público, razão pela qual Carrara não hesitava em classificar o peculato entre os crimes contra a fé pública. Na mesma linha reforçava Manzini, sustentando que além do interesse meramente patrimonial, há outro, de elevado conteúdo ético-político: a probidade na administração pública, resultado do progresso moral e da educação política dos povos.” (Apud Caderno de Direito Penal nº 2 – volume 1 – 2005 – Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região – Módulo IV, p.122).

[23] TJSP – RCr 114.917-3 – Piracicaba – Rel. Des. Luiz Betanho – J. 04.11.1992.

[24] Apud CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral: volume 1. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 17.

[25] Ressalve-se, no entanto, a hipótese de quando há intenção de fraudar o seguro (art. 171, §2º, V). Mas ainda nesse caso, a seguradora será vítima de estelionato.

[26] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 24. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 165.

[27] Malgrado termos adotado no corpo do trabalho a expressão “funcionário público”, até mesmo porque constante no Código Penal, preferimos a expressão “agentes públicos”, por ser mais atual e estar em consonância com a sistemática do ordenamento jurídico (art. 2º da Lei 8.429/92). Consoante ensina José Carvalho, agente público tem sentido amplo, significando o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública, remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica, como prepostos do Estado. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª edição revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 487.)

[28] Altamiro Filho, ao comentar sobre o dispositivo, afirma que “a semelhança da figura descrita neste inciso (art. 1º, I, DL 201/67) com a constante no Código Penal, sob a rubrica de peculato, praticamente as tornam irmãs siamesas”. (LIMA FILHO, Altamiro de Araújo. Prefeitos e vereadores: Crimes e infrações de responsabilidade. Editora de Direito: São Paulo, 1997, p. 109). No mesmo sentido, afirma Waldo Fazzio: “Acrescente-se que, entre os crimes definidos no art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67 e no art. 312 do Código Penal, inexiste diferenciação típica, pois ambos objetivam a apropriação, pelo funcionário público ou pessoa a ele equiparada, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel de que tenha a posse em razão do cargo, ou desvia-lo em proveito próprio ou alheia.” (destaque nosso) (Op. cit., p. 127). Tais concepções, a nosso sentir, não podem ser aceitas.

[29] RSTJ 90/407.

[30] WELZEL, Hans. Derecho penal parte general. Traducción de Carlos Fontán Balestra. Roque Depalma Editor: Buenos Aires, 1956, p. 71.

[31] HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª ed, rev. e atual. e aumentada. 12ª impressão. Rio de janeiro: Editora Nova fronteira, 1986, p. 149.

[32] Ensina Waldo Fazzio, com propriedade, que “nosso código penal seguiu o exemplo do italiano, onde se substituiu a redação casuística (administração, exação e custódia) pelo uso genérico do vocábulo posse, independentemente de seu título.

É bom somar que, quando trata da apropriação indébita (art. 168), o Código Penal refere-se à posse ou à detenção, resumindo-se o texto tão-somente à posse, poderia dar causa à dúvida: de um lado, pareceria que a expressão posse, com a amplitude de sua acepção vulgar, compreenderia a detenção; de outro, por força do sistema adotado pelo direito (‘de que, na espécie, o direito penal é meramente receptício ou sancionatório’), seria possível entender-se excluída a mera detenção, uma vez proibida a analogia (salvo in bonam partem), em matéria criminal.

O legislador poderia ter sido mais coerente: ou no art. 168 mencionaria apenas posse, tal como no art. 312; ou, no art. 312, utilizaria a expressão posse ou detenção , tal como no art. 168. (...)

Contudo, se tanto há apropriação de bem possuído, como há apropriação de bem detido por permissão ou tolerância; (...) Tenha o agente público detenção ou posse, tanto faz, é agente público; o crime que pratica não é particular, é funcional.” (Op. cit., p. 104/105).

[33] Op. cit, p. 43.

[34] Op. cit., p. 108.

[35] O dolo penal, no ensinamento de Welzel, é o conhecimento e querer da concreção do tipo e tem sempre duas dimensões: não somente a vontade tendente à concreção do fato, mas também a vontade apta para a concreção do fato. Querer, acrescenta o mestre alemão, não quer dizer, em direito penal, querer ter ou alcançar (no sentido de aspirado), mas querer concretizar. (WELZEL, Hans. Op. cit., p. 74).

[36] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral, volume 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 205.

[37] Nosso hermeneuta clássico ensina que “Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos.” (destaque nosso). (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 125).

[38] Apud Enciclopédia Saraiva do Direito, op. cit., p. 320. Nossa tradução: “Tanto a apropriação quanto a distração devem ser acompanhadas da finalidade do proveito. A lei fala de tal extremo só a propósito da distração, porquanto na apropriação isso é implícito: quem faz sua uma coisa é, por isso mesmo, já um aproveitador.”

[39] Op. cit., p. 83. No original: “Al lado del dolo, como elemento genérico personal-subjetivo, que lleva y forma la acción como un acontecer dirigido hacia un fin, aparecen en el tipo, frecuentemente, elementos especiales personales-subjetivos, que colorean el contenido ético-social de la acción en un sentido determinado.”

[40] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte Especial. Vol. 4, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1993, p. 109.

[41] No original: DE LA MALVERSACIÓN - Artículo 432. 1. La autoridad o funcionario público que, con ánimo de lucro, sustrajere o consintiere que un tercero, con igual ánimo, sustraiga los caudales o efectos públicos que tenga a su cargo por razón de sus funciones, incurrirá en la pena de prisión de tres a seis años e inhabilitación absoluta por tiempo de seis a diez años.

[42] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral – 5 ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 393.

[43] GIDE, André. Os Subterrâneos do Vaticano. Título do Original: Les Caves du Vatican. Tradução de Miroel Silveira e Isa Leal. 1ª Edição. São Paulo: Editora Abril, 1971, p. 222/223.

[44] Idem, p. 223.

[45] RT 490/203, apud Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Junior, Op. Cit., p. 63/64.

[46] Op. cit., p. 1001.

[47] Op. cit, p. 47.

[48] BARATTA, Alessandro, Criminología y Sistema Penal (Compilación in memoriam), Editorial B de F:Buenos Aires, 2004, p. 309. No original: “Principio de proporcionalidad abstracta. Sólo graves violaciones a los derechos humanos pueden ser objeto de sanciones penales. Las penas deben ser proporcionales al daño social causado por la violación.”

[49] REsp 155894 / PE - RECURSO ESPECIAL 1997/0083157-4 - Relator(a) Ministro ANSELMO SANTIAGO - SEXTA TURMA - Data do Julgamento 02/06/1998 - Data da Publicação/Fonte DJ 29.06.1998 p. 351. No mesmo sentido: “Denúncia. Rejeição. Peculato. Ausência de indícios de sua ocorrência. Prefeitura (rectius, Município) que retém percentual de parcela de contrato administrativo. Exigência de que o desvio tenha ocorrido em proveito próprio do agente. Atipicidade. Decisão confirmada. Recurso improvido. Exigindo o tipo do art. 312 do C. Penal que o desvio de bens ou valores tenha ocorrido em proveito do agente público que detinha a posse dos mesmos, e inexistindo indícios da ocorrência dessa elementar do delito, deve ser confirmada a decisão que rejeitou a denúncia, por atipicidade da conduta.” (TJMG - Número do processo: 1.0000.00.301793-6/000(2)  - Relator: HERCULANO RODRIGUES Data do acordão: 01/07/2004 - Data da publicação: 03/08/2004).

[50] Idem.

[51] REsp 77183 / SE - Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO - SEXTA TURMA - Data do Julgamento 24.11.1997 - Data da Publicação 16.02.1998, p. 136.

[52] RT 618/291. No mesmo sentido: “Recurso Especial - Denúncia de peculato sem os detalhes necessários - Responsabilização objetiva - Suposta prática delituosa, que se confunde com mero descumprimento de contrato.

1. Não se pode presumir a existência de peculato, no simples descumprimento de um contrato, sem os detalhes próprios do tipo, que obrigatoriamente deveriam constar na inicial acusatória.

2. Nem sempre, na ocorrência de inadimplemento contratual, ocorre um ilícito penal, o que demanda, para evitar uma abusiva denúncia, detalhes suficientes para separar um fato que realmente resvala para o direito criminal, de outro que simplesmente se mantem no campo do direito administrativo-civil.

3. Recurso conhecido e provido.” (REsp 140675 / SE - Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO - SEXTA TURMA - Data do Julgamento 24.03.1998 - Data da Publicação 04.05.1998, p. 220).

[53] Apud PAGLIARO, Antonio. COSTA JR., Paulo José da. Dos Crimes contra a Administração Pública. - 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Perfil, 2006, p. 19.

[54] Idem, ibidem.

[55] Op. cit., p. 308. No original: “La ley penal, por tanto, no puede ser una respuesta inmediata de naturaleza administrativa, como, en cambio, lo es frecuentemente en la práctica. Los problemas que se debe enfrentar tienen que estar suficientemente decantados antes de poner en práctica una respuesta penal. (...) Una pena puede ser conminada solo si se puede probar que no existen modos no penales de intervenión aptos para responder a situacioenes en las cuales se hallan amenazados los derechos humanos. No basta, por tanto, haber probado la idoneidad de la respuesta penal; se requiere también demonstrar que ésta no es sustituible por otros modos de intervención de menor costo social.”

[56] TJMS – ACr 2003.010888-2/0000-00 – Campo Grande – 2ª T.Crim. – Rel. Des. José Augusto de Souza – J. 19.11.2003. No mesmo sentido: “(...) diretor de escola pública – Venda de bem do estabelecimento sem autorização e sem observância dos procedimentos legais –Desvio não configurado – Produto da venda transferido parte para Associação de Pais e Mestres e o restante utilizado para pagamento de despesas da entidade – Intenção de desviar para proveito próprio ou alheio não demonstrada” (TJSP – ACr 229.491-3 – Taubaté – 4ª C. Crim. – Rel. Des. Passos de Freitas – J. 08.02.2000 – v.u.).

[57] APELAÇÃO CRIMINAL - 1296 - 2ª CÂM. CRIMINAL - PROC./ANO: 19107-3/95 - RELATOR (A): DES. GÉRSON PEREIRA - COMARCA: SALVADOR - DATA DE JULGAMENTO: 11.04.96.

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FRANÇA, Nadielson. Peculato em prol da Administração Pública: contraditio in terminis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24026. Acesso em: 26 abr. 2024.

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