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Vedação à dispensa discriminatória e/ou obstativa de direitos do empregado portador de HIV/AIDS

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08/04/2013 às 09:20
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4 A DISPENSA DO EMPREGADO PORTADOR DE HIV/AIDS COMO PRESUMIDAMENTE DISCRIMINATÓRIA E/OU OBSTATIVA DE DIREITOS

Não há no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo legal que ampare a estabilidade para o empregado portador do vírus HIV.

Nada obstante essa ausência normativa, constata-se que a atual jurisprudência trabalhista assegura ao empregado soropositivo certa proteção face sua despedida sem justa causa, quando o ato demissional está eivado de discriminação (MARGONAR, 2006, p. 157).

Em vista dessa colocação, passa-se ao seu exame.

Em um primeiro momento, cumpre esclarecer que, assim como a medicina dispensa tratamentos distintos aos portadores de HIV assintomáticos e sintomáticos, o Direito também o deve fazer, tendo em vista a desigualdade dos efeitos na saúde de ambos, conforme explanado no item 2.3.

Destarte, o soropositivo assintomático possui capacidade laboral equiparada à de um indivíduo saudável, e, por conseguinte, também pode ser dispensado sem justa causa. No entanto, sabe-se que o exercício do poder potestativo de dispensa imotivada, conferido este pela ordem jurídica pátria ao empregador, “não é absoluto, encontrando limites, dentre outros, no princípio da não discriminação, com assento constitucional”, por manifesta incompatibilidade (BRASÍLIA, TST. RR 105500-32.2008.5.04. 0101, 3ªT, Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 2011).

Ressalta-se que o art. 7º, I, da Constituição Brasileira, garante como um dos direitos do trabalhador a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. No entanto, o dispositivo constitucional em questão carece da norma regulamentadora infraconstitucional aludida, inviabilizando, deste modo, a efetiva tutela das relações de emprego.

Merece rememorar, outrossim, que, em razão da Denúncia pelo Estado brasileiro da Convenção n. 158 da OIT, mencionada no item 3, cessaram-se os efeitos internos desse tratado internacional no território pátrio, não se aplicando, pois, o preceito de que só se dará fim a uma relação de trabalho mediante causa justificada.

Ante as elucidações, evidencia-se que o soropositivo que ainda não tenha manifestado os sintomas da AIDS, caracterizado como trabalhador economicamente ativo, poderá ter findo seu contrato laboral sem justa causa. Todavia, será nula a dispensa que se motivar por prática discriminatória, ou seja, em virtude da sua condição de portador do vírus HIV, posto caracterizar ato ilícito do empregador, pelo abuso de direito que traduz.

Nesse diapasão, assegura Daniella Ribeiro de Pinho (2011) que a Constituição da República Federativa do Brasil é sábia quando, com o escopo de evitar formas explícitas e veladas de distinção, presentes no momento da contratação do empregado, durante o pacto laboral e, em sua maioria, nos atos de dispensa por iniciativa do empregador, compatibiliza a proteção da relação de emprego com o princípio da não discriminação.

Essa proteção do empregado contra atos discriminatórios, uma vez emanada dos pilares insculpidos na Constituição Brasileira, independente de qual seja sua causa, tem respaldo nos princípios da função social da propriedade (art. 170, III, da CB), da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CB).

Vale acentuar a observação de Regiane Margonar (2006, p. 161-162), em relação à aplicação principiológica a que se defende – integrada e coerente: “os princípios possuem, sim, efetividade, e decidir tendo-os por base é nada mais que atuar de acordo com o ordenamento jurídico. Ignorá-los e não aplicá-los é transgredir a própria ordem jurídica”.

A atitude discriminatória, ademais, afronta objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, IV e I, da CB), bem como ofende os direitos à vida, à isonomia e ao trabalho, previstos precipuamente nos arts. 5º, caput e XLI; 6º; 7º, XXX; 170, caput; e 193; todos da Constituição Brasileira, afastando-se, pois, a tese existente de violação ao princípio da legalidade em uma interpretação ampliativa dos referidos dispositivos legais (TRT3..., 2012).

Nesse contexto, “é de sopesar, igualmente, o art. 196 da Carta Magna, que consagra a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, impondo a adoção de políticas sociais que visem à redução de agravos ao doente” (BRASÍLIA, TST. RR 105500-32.2008.5.04. 0101, 3ªT, Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 2011).

Reafirma-se, outrossim, a observância, entre outras, das Convenções n. 111 e 117 e da Recomendação n. 200 da Organização Internacional do Trabalho, bem como do “Repertório de Recomendações Práticas da OIT sobre o HIV/AIDS e o Mundo do Trabalho”, e as Declarações da instituição “sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho” e “da Reunião Consultiva sobre a AIDS e o Local de Trabalho”, concernentes à questão a que se trata, constantes do item anterior.

À vista do exposto, depreende-se que o repúdio aos atos discriminatórios e o respeito aos princípios e demais preceitos supracitados, inclusive a normativa internacional, fundamentam a proteção ao emprego do soropositivo, sobrepondo-se à própria inexistência de dispositivo legal que regule especificamente a matéria no ordenamento jurídico pátrio.

Em consentâneo com os fundamentos supra, e sob amparo do art. 8º da CLT, tem sido o posicionamento da jurisprudência trabalhista, que, majoritariamente, vem conferindo ao portador de HIV o direito à permanência no emprego, presumindo-se, para tanto, discriminatória sua dispensa. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), instituição máxima da Justiça Laboral, solidificou entendimento a respeito do tema, com a edição da Súmula 443, cujo dispor transcreve-se, in verbis:

Súmula nº 443 do TST

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. (TRT, 2012)

Isto posto, reitera-se que, de acordo com o pacífico entendimento jurisprudencial vigente no Judiciário Trabalhista, a ciência pelo empregador sobre a condição de soropositividade do empregado gera a presunção de discriminação face sua despedida sem justa causa.

José Gomes da Costa Neto, em consonância com o exposto, explica que, nesse caso, “há fortes indícios que autorizam a presunção de ter havido a despedida por ato discriminatório, vez que, naturalmente, o trabalhador precisa do seu emprego para sobreviver, adquirir remédios e alimentos, ainda mais se tratando de um portador do HIV” (COSTA NETO, 2006, grifo nosso).

Importante salientar que, na hipótese de total desconhecimento pelo empregador, considera-se regular a despedida do empregado.

Nesse contexto, ilustram a matéria, além dos já referidos, trechos de alguns dos precedentes da decisão sumulada do Colendo TST, que assim aduzem:

[…] Na linha do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário. […] (grifo nosso) (BRASÍLIA, TST. RR 1400-20.2004.5.02.0037, 1ªT, Min. Dora Maria da Costa, 2007).

[…] A ciência do empregador da condição do reclamante de portador do vírus HIV, gera a presunção relativa de despedida sem justa causa discriminatória. Inexistindo prova em contrário, faz jus o reclamante à sua reintegração. […] (grifo nosso) (BRASÍLIA, TST. RR 104600-17.2002.5.02.0036, 3ªT, Min. Carlos Alberto Reis de Paula, 2008).

[…] A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu no sentido de presumir discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do vírus HIV, com a conseqüente inversão do encargo probatório (praesumptio juris tantum). […] (grifo nosso) (BRASÍLIA, TST. RR 721340-83.2006.5.12.0035, 3ªT, Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 2010).

Destaca-se, também, a indicação sobre a atribuição do encargo probatório ao empregador, como consequência da alegação de discriminação na despedida do empregado em comento.

Analisando-se, de maneira estrita, os dispositivos legais sobre o ônus da prova em relação à situação apreciada (art. 333 do CPC e art. 818 da CLT), infere-se que, tendo a alegação sido feita pelo empregado, caberia a ele a comprovação da existência da conduta discriminatória. Desta forma, ao alegar o portador de HIV a presença de um vício proveniente de uma atitude discriminatória do empregador, no exercício do seu direito potestativo de resilição do contrato de trabalho, deveria ele apresentar elementos que corroborassem sua afirmação (MARGONAR, 2006, p. 178).

No entanto, sabe-se que a presunção da prática de ilícito tem o poder de inverter o ônus da prova (MARGONAR, 2006, p. 182).  Logo, como decorrência lógica dos Princípios do Acesso à Justiça, da Primazia da Realidade e da Razoabilidade, e almejando-se a verdade real no processo, afirma-se que, “em todos os casos em que haja suspeita de discriminação, deve-se exigir da empresa os motivos reais, válidos, suficientes para a despedida [do empregado]”. (RODRIGUEZ apud MARGONAR, 2006, p. 177, grifo nosso).

Destarte, devida se mostra, in casu, referida inversão probatória, posto que, além de penosa, seria sobremaneira difícil e, quiçá, impossível a comprovação pelo empregado da discriminação sofrida, já que, com frequência, o ato discriminatório é velado ou ocorre em caráter particular, presentes somente o agressor e a vítima (MARGONAR, 2006, p. 178).

A transposição do onus probandi justifica-se, ainda, em obediência ao Princípio da Proteção à parte hipossuficiente da relação jurídica de trabalho (o trabalhador), que visa igualar substancialmente os litigantes no âmbito laboral, por meio de vantagens jurídicas. É razoável, pois, que, tendo o empregador prevalência econômica e de poderes face ao empregado e, outrossim, melhores condições de produzir as provas necessárias à solução do caso de que se trata (Princípio da Aptidão para a Prova), ele assim o faça, mediante determinação do magistrado.[1]

Importante elucidar que a inversão do ônus da prova não se confunde com a produção de prova negativa, sendo esta “entendida como a prova de que algo não aconteceu ou não existe”. Sobre o assunto, argumenta Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, citada por Regiane Margonar, que “preconizar a repartição justa da carga probatória não significa impor à outra parte o ônus de provar o que não aconteceu” (LOPES apud MARGONAR, 2006, p. 188-189).

Colaciona-se abaixo, em relação à matéria, um fragmento de outro precedente que igualmente embasou o posicionamento do TST consubstanciado na Súmula 443:

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[…] 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que se presume discriminatória a dispensa do empregado portador do vírus HIV. Desse modo, recai sobre o empregador o ônus de comprovar que não tinha ciência da condição do empregado ou que o ato de dispensa tinha outra motivação, lícita.

[…]

3. Nesse contexto, afigura-se indevida a inversão do ônus da prova levada a cabo pelo Tribunal Regional, ao atribuir ao empregado o encargo de demonstrar o caráter discriminatório do ato de dispensa promovido pelo empregador. […] (BRASÍLIA, TST. RR 61600-92.2005.5.04.0201, 1ªT, Min. Lelio Bentes Corrêa, 2011, grifo nosso).

Ante o descrito, conclui-se, por conseguinte, pela relatividade da presunção da discriminação em análise. Deste modo, reitera-se, cabe ao empregador demonstrar que não agiu com intenção discriminatória (MARGONAR, 2006, p. 182).

Portanto, a presunção relativa de discriminação no ato demissional em questão pode ser afastada pela comprovação de uma despedida fundada em outro motivo, que não o fato de ser o empregado portador do vírus HIV.

Logo, o empregador poderá alegar – e provar – um “motivo disciplinar [concernente à dispensa por justa causa (art. 482 da CLT)], técnico [referente à organização da atividade da empresa], econômico ou financeiro [relativo à insolvência da empresa]” para a dispensa do empregado soropositivo assintomático, aplicando-se, por analogia, os fundamentos de uma despedida não arbitrária, consoante os preceitos do art. 165 da CLT (MARTINS apud PERPETUO, 2005, grifo nosso).

Ademais, poderá o empregador comprovar que não tinha ciência da condição sorológica do empregado, ou então que, inobstante seu conhecimento a respeito, não o despediu por preconceito, mas apenas por não haver mais interesse na manutenção do pacto laboral, hipótese esta de difícil comprovação, embora pertinente.

Na mesma linha de pensamento, salienta Regiane Margonar (2006, p. 183) que o empregador deve apresentar elementos que demonstrem a ausência de prática discriminatória, a fim de elidir a presunção da discriminação, tais como “a dispensa maciça de diversos trabalhadores (e não apenas do portador do vírus HIV)” e/ou o seu não conhecimento sobre o estado de saúde do empregado. A autora ainda acrescenta que pode ser demonstrado, por exemplo, que não houve a contratação de novo empregado, na mesma função, para substituir aquele que fora dispensado. Por fim, Margonar salienta que a dúvida no processo pesará contra o empregador e que “não poderia ser de outro modo”.

Nesse contexto, destaca-se, igualmente, outra questão acerca do tema, prevista expressamente no dispositivo jurisprudencial em exame, qual seja: sendo “inválido o ato [demissional], o empregado tem direito à reintegração no emprego” (MARGONAR, 2006, p. 182, grifo nosso).

Acerca da situação encontrada, merece realce o entendimento da autora acima citada:

Não acreditamos ser o empregado portador do vírus HIV detentor de algum tipo de estabilidade, seja ela absoluta ou relativa. Não há que se falar em criação de estabilidade, pela jurisprudência, em benefício do empregado portador do vírus HIV. A origem da reintegração, muitas vezes concedida ao empregado, não está calcada no instituto da estabilidade, muito embora a reintegração seja um efeito comum a distintas situações (MARGONAR, 2006, p. 158, grifo nosso).

A reintegração do empregado soropositivo, dispensado por motivos discriminatórios, não é, portanto, hipótese de sanção direta a ato violador de estabilidade. (MARGONAR, 2006, p. 158, nota de rodapé).

Queremos dizer com isso que um dos possíveis efeitos da estabilidade (reintegração do empregado) é, na maioria das vezes, o mesmo que o da dispensa abusiva por ato discriminatório (reintegração do empregado) (MARGONAR, 2006, p. 158, grifos da autora).

O entendimento de Margonar explica com precisão a atual situação do empregado portador de HIV perante o sistema jurídico pátrio, quando sua condição sorológica enseja a causa determinante para sua despedida do emprego. Adequada se faz, ainda, a asserção da autora de que a reintegração é o remédio encontrado para fazer valer os princípios constitucionais fundamentais, sobretudo o da não discriminação e o da dignidade da pessoa humana, já mencionados. Assim, reafirma-se, a reintegração desse empregado “não advém do instituto da estabilidade”, estando sua origem nos próprios princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, supra aludidos (MARGONAR, 2006, p. 161-162). Se contrário fosse, o empregador seria obrigado a manter em seus quadros um empregado soropositivo assintomático que não se mostrasse apto para a realização da função ocupada (MARGONAR, 2006, p. 160).

Como suporte a esse entendimento, apropriada se faz a aplicação, por analogia, dos preceitos da Lei 9.029/95. A atual Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, à época ministra do TST, corroborou esse posicionamento em um de seus julgados (precedente da Súmula 443, referido retro):

[…] Nesse quadro, e à luz do art. 8º, caput, da CLT, justifica-se hermenêutica ampliativa da Lei 9.029/95, cujo conteúdo pretende concretizar o preceito constitucional da não-discriminação no tocante ao estabelecimento e continuidade do pacto laboral. O art. 1º do diploma legal proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção. Não obstante enumere certas modalidades de práticas discriminatórias, em razão de sexo, origem, raça, cor, estado-civil, situação familiar ou idade, o rol não pode ser considerado numerus clausus, cabendo a integração pelo intérprete, ao se defrontar com a emergência de novas formas de discriminação.

De se observar que aos padrões tradicionais de discriminação, como os baseados no sexo, na raça ou na religião, práticas ainda disseminadas apesar de há muito conhecidas e combatidas, vieram a se somar novas formas de discriminação, fruto das profundas transformações das relações sociais ocorridas nos últimos anos, e que se voltam contra portadores de determinadas moléstias, dependentes químicos, homossexuais e, até mesmo, indivíduos que adotam estilos de vida considerados pouco saudáveis. Essas formas de tratamento diferenciado começam a ser identificadas à medida que se alastram, e representam desafios emergentes a demandar esforços com vistas à sua contenção.

A edição da Lei 9.029/95 é decorrência não apenas dos princípios embasadores da Constituição Cidadã, mas também de importantes tratados internacionais sobre a matéria, como as Convenções 111 e 117 e a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, todas da OIT (BRASÍLIA, TST. RR 105500-32.2008.5.04. 0101, 3ªT, Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 2011, grifo nosso).

Deste modo, inobstante a Lei 9.029/95 não fazer menção expressa ao portador de HIV, deve-se interpretá-la extensiva e analogicamente em favor dos empregados insertos nesta circunstância, entendendo-se pela enumeração meramente exemplificativa do art. 1º da norma jurídica e, considerando, para tanto, sua finalidade precípua de coibir as “práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho” (BRASIL, 1995).

Ante o exposto e em consonância com o art. 4º do mesmo diploma legal, abaixo transcrito, sustenta-se que, restando nulo o ato demissional do empregado soropositivo em virtude da discriminação sofrida, terá ele direito, além da indenização por dano moral, à reintegração ao emprego ou ao “recebimento em dobro de sua remuneração, do período em que ficou afastado” (BARBOSA, 2008, p. 132, grifo nosso), nos termos do inciso II do artigo em comento:

Art. 4º  O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais. (BRASIL, 1995)

Importante aclarar que o inciso I do art. 4º, em evidência, contém uma imprecisão técnica ao referir-se ao instituto da readmissão, devendo a reintegração ser considerada para os efeitos a que se destina o dispositivo. Isso porque, para o Direito, os institutos demonstrados não são equivalentes.

Corroborando esse entendimento, esclarece o doutrinador Arnaldo Süssekind:

No primeiro caso [reintegração], o empregado retorna ao serviço, com o ressarcimento do período de inexecução contratual, como se a relação de emprego não tivesse sofrido solução de continuidade; no segundo caso [readmissão] o empregado é novamente admitido, sem que possa computar o tempo de inexecução contratual como de serviço, nem perceber os salários relativos a esse período (SÜSSEKIND et al. apud BRASÍLIA, TST. RR 1562/2002-007-15-00.3, 8ª T, Min. Dora Maria da Costa, 2008, grifo nosso).

Cumpre salientar que a opção pela indenização em dobro, prevista no inciso II do art. 4º em análise, é menos benéfica para o empregado, vez que o crédito pode não ser satisfeito na execução. Ademais, somente por meio da reintegração, in casu, preserva-se o próprio trabalho, direito humano fundamental, em observância aos princípios do Direito Laboral, em especial o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, mencionado retro (MARGONAR, 2006, p. 163).

Portanto, deve o empregado preferir a indenização somente em situação de forte animosidade entre ele e seu empregador, quando a própria execução do contrato de trabalho torna-se inviável, fazendo-se necessária, portanto, uma medida que amenize o dano material em decorrência da perda do emprego (MARGONAR, 2006, p. 163).

Em se tratando de demanda do empregado requerendo a reintegração, faz-se mister ressaltar, segundo José Gomes da Costa Neto, que, confirmando-se a condição sorológica do reclamante e o ato demissional em seu desfavor, “por cautela e atentando para o equilíbrio entre as partes, deve o magistrado conceder a antecipação dos efeitos da tutela”. Isso porque, nesse caso, há indícios contundentes que fazem presumir a prática discriminatória, conforme já alegado (COSTA NETO, 2006).

Logo após, argumenta Costa Neto que, por ser um empregado na circunstância em exame, não é verossímil que tenha pedido demissão, devendo-se agir em favor do operário, em caso de dúvida. Desta forma, explana o autor, faz-se necessária a concessão da tutela antecipada “para garantir o equilíbrio de forças, ainda que provisoriamente, até que seja feita prova desconstituindo a tese do reclamante” (COSTA NETO, 2006).

Nessa mesma direção é a Orientação Jurisprudencial n. 142 da SDI-2 do TST:

MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO LIMINARMENTE CONCEDIDA

Inexiste direito líquido e certo a ser oposto contra ato de Juiz que, antecipando a tutela jurisdicional, determina a reintegração do empregado até a decisão final do processo, quando demonstrada a razoabilidade do direito subjetivo material, como nos casos de anistiado pela Lei nº 8.878/94, aposentado, integrante de comissão de fábrica, dirigente sindical, portador de doença profissional, portador de vírus HIV ou detentor de estabilidade provisória prevista em norma coletiva (TST, grifo nosso).

Além das questões analisadas que sejam pertinentes, outras também devem ser consideradas em relação ao empregado sintomático portador do HIV, ou seja, que já manifestou sintomas da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

Cumpre lembrar que o doente de AIDS, ao contrário do portador assintomático do vírus HIV, tem seu rendimento laboral comprometido em função do seu acometimento pelas doenças oportunistas, mencionadas alhures. Essas enfermidades, favorecidas pela debilidade própria do sistema imunológico do soropositivo, podem afetar negativamente esse empregado não só física, como também psicologicamente (BARBOSA, 2008, p. 142).

Ante esse quadro, sustenta-se que o empregado sintomático do vírus HIV, ao contrário daquele que ainda não tenha manifestado sintomas da AIDS, não poderá, de forma alguma, ser dispensado sem justa causa. Isso porque entende-se que a despedida do soropositivo, nessa circunstância, caracteriza-se como obstativa ao gozo dos benefícios previdenciários a ele devidos, comprometendo diretamente sua saúde.

Acerca da matéria, cabe citar, especialmente, a Lei n. 7.670/88 que, segundo Wagner Gusmão Reis Junior (2005, p. 48), é a mais importante norma elaborada, em matéria de Direito do Trabalho, “no que concerne à proteção ao portador do vírus da AIDS”.

De modo parelho, cabe transcrever os ensinamentos da doutrinadora Elida Séguin sobre o tema:

A Lei n. 7.670, de 08/09/88, estendeu os benefícios da Seguridade Social aos portadores de AIDS, concedendo-lhes auxílio-doença ou aposentadoria sem considerar qualquer período de carência, desde que o segurado tenha manifestações da doença após […] a respectiva filiação à Previdência Social, sendo-lhe permitido também levantar os valores relativos ao FGTS (SÉGUIN apud MARGONAR, 2006, p. 164, grifo nosso).

Acrescenta-se, igualmente, o direito dos dependentes do empregado em comento à pensão por morte.

Assim, afirma-se, a dispensa imotivada praticada contra o empregado aidético, desde o início da doença até sua aposentadoria por invalidez, configura atitude ilícita do empregador, gerando a nulidade do ato resilitório e a consequente reintegração do obreiro ao emprego, inclusive em caráter de tutela antecipada, para que faça jus aos direitos previdenciários que lhe competem, assim que necessários forem.

Nesse sentido é o acórdão apresentado por Alice Monteiro de Barros, in verbis:

AIDS. Doença já manifestada. Quando o empregado já não é simplesmente um portador do vírus HIV, ou seja, quando a doença denominada AIDS já se manifestou, a dispensa sem justo motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela doença letal, é vedada, pois caracteriza-se como obstativa ao percebimento do direito previdenciário contido na Lei n. 7.670, de 8 de setembro de 1988. É sobejamente sabido que o empregado gravemente enfermo, com doença letal em desenvolvimento, não pode ser demitido: o art. 476 da CLT é claro ao informar que o empregado que está em auxílio-doença ou auxílio-enfermidade é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício; não se pondere no sentido de que o autor não estava em seguro-doença ou auxílio-enfermidade, uma vez que a reclamada impediu-lhe a obtenção desse benefício quando o demitiu. Não pode a reclamada obstar o reclamante de perceber o benefício previdenciário e talvez a sua aposentadoria (BARROS apud MARGONAR, 2006, p. 164).

Ademais, ressalta-se, o fim do contrato de trabalho do soropositivo sintomático também viola, precipuamente, os Princípios da Boa-fé, da Razoabilidade, do Direito à Vida, à Saúde e ao Trabalho.

Assim, urge destacar que o trabalho de um indivíduo é, na quase totalidade dos casos, sua única fonte de subsistência e, por vezes, também de sua família. Portanto, sem ele, o tratamento contínuo de um aidético pode ficar comprometido, assim como seu orçamento familiar, ocasionando, inclusive, outros problemas de saúde, como distúrbios psicológicos. Isso porque, “além do sofrimento com a própria enfermidade, a pessoa humana fica impossibilitada de exercer o seu dom para o trabalho”, e, de modo consequente, arcar com as despesas cotidianas que lhe competem (MARGONAR, 2006, p. 161, grifo nosso).

Nesse sentido, enfatiza Regiane Margonar, um doente de AIDS “não precisa apenas de medicamentos, mas também, e principalmente, de suporte emocional e psicológico, para garantir sua qualidade de vida, bem como de seus familiares, amigos e colegas de trabalho” (MARGONAR, 2006, p. 187).

Insta ponderar, portanto, a intelecção do Ministro Renato de Lacerda Paiva concernente à matéria, em um dos julgados precedentes da Súmula 443 do TST:

Considerando que a moléstia da qual padece o reclamante ainda é incurável e com forte teor discriminatório na sociedade, ante a função social da empresa que, conforme o Código Civil de 2002, não visa somente o lucro, mas também a efetividade da justiça social há que se observar tal responsabilidade do empregador, diante desse grave problema social.

[…] O Estado brasileiro vem tomando medidas efetivas de inclusão social do aidético, seja através de programas educativos, seja de distribuição de medicamentos e outros que denotam a intenção do legislador quanto à manutenção do mercado de trabalho dos soropositivos (BRASÍLIA, TST. RR 1017500-36.2007.5.11.0018, 2ª T, Min. Renato de Lacerda Paiva, 2012, grifo nosso).

Nesse diapasão, cumpre considerar, ainda, o entendimento de que, sendo possível e adequado, deve haver o ajuste funcional do empregado aidético na empresa, a fim de que ele possa exercer outra atividade laborativa compatível com a sua respectiva condição. Logo, para que isso ocorra, cabe realçar, é necessário que o empregado demonstre certa capacidade para o trabalho e a empresa possua estrutura física e variedade de funções que propiciem o ajustamento (BARBOSA, 2008, p. 144).

Salienta-se que, em condições avançadas da AIDS, deve o empregado ser encaminhado à Previdência Social, com a consequente suspensão do contrato de trabalho, e não reenquadrado à outra função, vez que, ainda assim, continuaria ele tendo problemas recorrentes neste estágio da doença, como visitas constantes ao médico e até internações, ocasionando um ônus excessivo à empresa. Pondera-se que, do contrário, punir-se-ia o empregador, transformando-o em um braço da Previdência Social (BARBOSA, 2008, p. 144).

É preciso, portanto, aliar proteção e garantia de direitos, imprescindíveis à condição debilitada do empregado aidético, à razoabilidade na responsabilização do empregador, para que este não se sobrecarregue com deveres inerentes ao Estado.

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Sobre a autora
Nayara Ribeiro Rodrigues

Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Direito do Trabalho do Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – IEC PUC Minas. Bacharela em Direito pela Universidade de Itaúna – UI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Nayara Ribeiro. Vedação à dispensa discriminatória e/ou obstativa de direitos do empregado portador de HIV/AIDS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3568, 8 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24095. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Professora-orientadora: Ana Carolina Gonçalves Vieira.

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