5. DAS POSSIBILIIDADES DE ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL
Ao nascer, o indivíduo deve ser registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, recebendo um nome que constará em seu assento de nascimento. Contudo, quem escolhe o nome do sujeito é o pai e a mãe na maioria das vezes, podendo esta escolha gerar implicações, como abalos psicológicos futuro e reflexos na autoestima da pessoa.
Algumas hipóteses de alteração do nome civil estão previstas em lei, inclusive o item 38 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõe que “os prenomes são imutáveis e somente serão admitidas retificações e alterações em caso de evidente erro gráfico, exposição de seus portadores ao ridículo, substituições ou acréscimos de apelidos públicos notórios ou alterações em razão de proteção à testemunha”.
No entanto, além destas hipóteses, existem outras construídas e desenvolvidas pela doutrina e jurisprudência no decorrer dos tempos, como nas situações de alteração de sexo, mas que devem ser encaradas como exceção.
Requerida em Juízo a alteração do nome civil junto ao assento arquivado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, deverá ser ouvido o representante do Ministério Público.
O próprio artigo 57 da Lei de Registros Públicos preceitua que a alteração posterior do nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa. A única exceção se refere ao caso previsto no artigo 56, que prevê a hipótese de alteração no primeiro ano após atingir a maioridade, sendo possível o pedido sem qualquer justificativa.
Podemos retirar da lei fases para o pedido de alteração do nome civil: a que abrange o período da menoridade, o primeiro ano após a maioridade civil, e a partir de um ano após a maioridade.
O pedido formulado durante a menoridade da pessoa civil deve ser realizado por intermédio ou com assistência de seu representante legal, enquanto não possuir capacidade plena.
Sendo julgado procedente o pedido por sentença judicial, esta será devidamente averbada no assento de nascimento do indivíduo.
Diante do exposto, passaremos ao estudo minucioso das possibilidades de alteração do nome civil, previstas em lei ou/e desenvolvidas pela jurisprudência e doutrina.
5.1. No primeiro anos após a maioridade
Inicialmente, devemos considerar que a maioridade civil da pessoa natural se inicia aos 18 anos, consoante se denota do artigo 5º do Código Civil: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Este limite temporal foi opção do legislador, tendo em vista que, em tese, o indivíduo já adquiriu experiência e amadurecimento suficiente para a prática dos atos da vida civil.[36]
Rubens Limongi França ensina que por maioridade civil deve entender-se além daquela que se atinge com os 18 anos completos, também as demais causas de emancipação previstas no artigo 5º do Código Civil, como pelo casamento, por exemplo.[37]
Walter Ceneviva segue o mesmo entendimento:
O período de um ano previsto no art. 56 fluirá, também, se for verificada hipótese de emancipação, em que a maioridade civil é antecipada. A contar da cessação da incapacidade terá curso o período de um ano, no qual cabe requerimento de alteração de nome, sob pena de decadência, com a qual se extingue o direito, ainda que o último dia caia em domingo ou feriado, pois o decurso do respectivo prazo é contínuo e ininterrupto[38].
Destarte, o interessado, durante o período de um ano após atingir a maioridade, poderá pleitear a alteração do nome civil, sem a necessidade de declinar seus motivos. Neste sentido reza o artigo 56 da Lei de Registros Públicos, “o interessado, no primeiro ano após atingir a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.
A razão para esta previsão de alteração é simples:
Não se escolhe o nome ao nascer, poder atribuído aos pais, ou até a terceiros, se forem estes os declarantes. Mas não se pode condenar alguém a suportar para sempre um nome com o qual não se adapta, com o qual não se afina. Por isso o legislador garantiu a todos que escolhessem novo nome, direito vinculado à simples vontade. Mas estabeleceu prazo para isso, qual seja, primeiro ano após ser atingida a maioridade[39].
Não se pode perder de vista o teor do pedido, pois deve ser garantida a segurança nas relações jurídicas, tomando as cautelas de praxe, a fim de evitar suposto intuito de fraude do requerente que visa utilizar-se deste mecanismo de maneira desvirtuada.
Quanto à forma de requerimento nestes casos de alteração do nome civil no decorrer de um ano após a maioridade, a doutrina se divide em duas: os que entendem ser possível o pedido pela via administrativa (Wilson de Souza Campos Batalha) e os que acreditam ser possível apenas judicialmente (Rubens Limongi França, Walter Ceneviva). Segundo estes últimos, numa interpretação literal do artigo supracitado pode se chegar à conclusão equivocada de que, neste caso, é possível pleitear a alteração do nome civil junto e diretamente ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de onde conste lavrado o assento de nascimento.
Contudo, segundo estes pensadores, a norma deve ser interpretada conjuntamente com o artigo 40 da mesma Lei de Registros Públicos, que diz que "fora da retificação feita no ato, qualquer outra só poderá ser efetuada em cumprimento de sentença, nos termos dos artigos 109 a 112".
Assim, o interessado deve ingressar com requerimento judicial a fim de alterar o nome civil. O professor Walter Ceneviva observa que:
A interpretação sistemática dos art. 56 e 57 pareceria evidenciar que, no período indicado pelo primeiro desses dispositivos, a pretensão poderia ser diretamente manifestada ao oficial, independentemente de atuação do juiz corregedor. Entretanto, o art. 40 deve ser examinado em conjunto, para impor a intervenção judicial[40].
Insta registrar que não nos filiamos a esta corrente, pois entendemos ser possível realizar o pedido na esfera administrativa. No caso, não vislumbramos prejuízo algum na hipótese da alteração ser pleiteada diretamente ao Oficial, até porque nos dias atuais o Poder Judiciário está sobrecarregado, não comportando a demanda de processos distribuídos diariamente.
Aliás, considerando que não há necessidade de motivação, o Oficial pode, seguramente, fazer uma análise objetiva dos requisitos e, então, deferir o requerimento, se o caso. Caso contrário, poderá suscitar dúvida ao Juiz Corregedor.
Seguindo este pensamento leciona o professor Wilson de Souza Campos Batalha que ”não há necessidade de interferência judicial, bastando simples requerimento do interessado, ou procurador especial. Naturalmente, se houver dúvida, poderá suscitá-la o oficial, a fim de que se pronuncie o juízo competente”[41].
Podemos chegar à conclusão que as únicas exigências para alteração do nome civil no prazo de um ano após a maioridade civil é quanto à obediência ao próprio prazo de um ano e a inexistência de prejuízo ao apelido de família.
Transcorrido o prazo de um ano contados da maioridade, a alteração só será possível mediante motivação, sendo necessário o requerimento para apreciação perante o Poder Judiciário.
5.2. Erro gráfico
Não raro nos deparamos com erros e equívocos na transcrição do nome civil ao assento de nascimento da pessoa natural, ora ocasionados pelo próprio requerente, ora por ato do oficial registrador. Os mais frequentes são: por ausência de acentos gráficos, por sua colocação indevida ou por erro na própria escrita.
Tais situações podem ocasionar alteração na pronúncia do nome, dando ensejo ao pedido de alteração para melhor se adequar ao seu verdadeiro sentido.
Número significativo de erros são os ocasionados pelo registro de estrangeiros no livro de registros pátrios. Tem como causa tanto o desconhecimento do funcionário quanto a própria dificuldade decorrente da língua estrangeira.
A possibilidade de alteração do nome civil em razão de erro gráfico encontra amparo no caput do artigo 109, da Lei de Registros Públicos, que determina, in verbis:
Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório. (grifo nosso).
A maior parte da doutrina entende ser este procedimento de cunho preponderantemente administrativo. A mudança nos casos de erro gráfico, por se tratar de erro meramente material, não causa qualquer prejuízo a terceiros ou à segurança pública, podendo ser pleiteada a qualquer tempo.
A retificação dos nomes dos pais e avós não deixa de dizer respeito ao estado filho e neto, naturalmente, mas nem sempre produzirá a modificação do estado registrado. Se a mudança é apenas dos nomes, errados ou equivocados no registro, dos mesmos pais e avós naturais ou sociais, firmada aquela certeza de que não estarão sendo trocados os pais e avós verdadeiros, a questão não é de filiação em termos no art. 113 da LRP, dispensando-se o processo contencioso[42].
Frise-se que o direito deve sempre ser aplicado aliado ao bom senso. Aliás, seria injusto obrigar o individuo a conviver com o nome grafado de forma incorreta, causando-lhe dissabores que poderiam ser evitados.
Quanto a estes casos em que se pleiteia a alteração ante a constatação de erro de grafia, a jurisprudência é incontroversa, consoante ementas de julgados:
Registro civil. Retificação de prenome. Erro evidente: Renaldo ao invés de Reinaldo. Postulação amparada no art. 110 da LRP. Indeferimento afastado. Pedido deferido. APELO PROVIDO. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0107701-78.2009.8.26.0010, Relator Desembargador Donegá Morandini, j. 22.02.2011).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO. IMPROCEDÊNCIA. INTUITO DE MODIFICAÇÃO APENAS DA ÚLTIMA VOGAL VOGAL DO PRENOME DA AUTORA. MUDANÇA DE "MAITI" PARA "MAITE". ERRO GRÁFICO CARACTERIZADO. POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2ª Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. 2009.055548-5. Relator Desembargador Sérgio Izidoro Heil, j. 10.06.10).
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. SOBRENOME MATERNO. ERRO GRÁFICO COMPROVADO ATRAVÉS DA CERTIDÃO DE NASCIMENTO DOS ANTEPASSADOS. ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 1ª Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. 2002.020288-1. Relator Desembargador Carlos Prudêncio, j. 29.04.2003).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO - PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE LETRA NO PRENOME - ERRO DE GRAFIA - INEXISTÊNCIA DE INTENÇÃO PREJUDICIAL A DIREITO DE TERCEIROS OU À ORDEM PÚBLICA - PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO - ADMISSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2ª Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. 2008.030329-2, Relator Desembargador Mazoni Ferreira, j. 30.06.2008).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - CORREÇÃO DE ASSENTOS DE NASCIMENTOS, CASAMENTOS E ÓBITOS DE ASCENDENTES DO REQUERENTE - ALTERAÇÕES DECORRENTES DE ERROS GRÁFICOS E TRADUÇÕES EQUIVOCADAS DE NOMES ESTRANGEIROS - COMPROVAÇÃO - FINALIDADE DE OBTENÇÃO DA CIDADANIA ITALIANA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A TERCEIROS - POSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO." (Tribunal de Justiça do Paraná, 12ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 450.904-6, Relator Desembargador Clayton Camargo, j. 30.04.2008).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - NOME DO ANCESTRAL - IMIGRANTE ITALIANO - ERRO DE GRAFIA NA CERTIDÃO DO DESCENDENTE - DESCENDÊNCIA PROVADA - POSSIBILIDADE - PRETENSÃO AMPARADA LEGALMENTE - ART. 109, DA LEI Nº 6.015/73 - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça do Paraná, 11ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 437.219-4, Relator Desembargador Cunha Ribas, j. 08.10.2008).
Retificação de registro civil. Certidão de nascimento. Nome. Genitora. Prova. Defere-se a retificação de registro civil, quando as provas dos autos evidenciam a existência de erro nele apontado. Dá-se provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível 1.0024.02.837115-1/001, Relator Desembargador Almeida Melo, j. 28.10.2004).
5.3. Exposição do portador do nome ao ridículo
Centro de grande polêmica e um dos casos mais delicados é o da possibilidade de alteração fundada em alegação do portador por exposição de seu nome ao ridículo. Isto por ser a motivação do requerente questão dotada de subjetividade, variável de pessoa para pessoa.
Devemos compreender inicialmente o conceito da palavra ridículo. Ridículo é um adjetivo que significa aquilo causador de riso ou escárnio, algo grotesco, cômico.[43]
Como vimos, o nome é atribuído pelos pais ou pelo declarante. Porém, a liberdade para a escolha do nome encontra certos limites, não podendo ser indiscriminada e arbitrária. Não seria admissível a adoção de prenome que expusesse o portador ao ridículo, pois seria uma grande ameaça à autoestima das pessoas.
A Revolução Francesa trouxe um período de verdadeira desordem na escolha tanto de nomes, como de prenomes. O ódio à religião, o desejo de distinguir-se de qualquer maneira, a adulação a certas personagens do Terror, trouxeram excessos deploráveis, a ponto de atribuírem às crianças nomes de animais, de coisas abstratas ou de pessoas que se celebrizaram na prática de crimes e crueldades[44].
A título de exemplos podemos citar: Himeneu Casamentício das Dores Conjugais, as irmãs Fotocópia e Xerocópia[45], Hitler, Mussolini, Caio Pinto, Bananéia Oliveira de Deus, Benvindo Viola, Cafiaspirina Cruz[46], Dois Três de Oliveira Quatro, Rolando pela Escada Abaixo, João Cara de José[47], entre outros.
O legislador, por cautela, elaborou o artigo 55, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, que estabeleceu vedação legal quanto à escolha, determinando que os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. “Nem mesmo se deve admitir registro de nomes de personalidades célebres pela sua crueldade ou imoralidade, como p. ex., Hitler, Osama Bin Laden, por estigmatizarem a pessoa”[48].
Em caso de inconformismo com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Apesar dos limites impostos pela lei, o ilustre Washington de Barros Monteiro adverte:
Não obstante a excelência da disposição legal, continuam a pulular nomes exóticos e arrevesados, fruto, não da fantasia, talvez perdoável, porém, da mais indesculpável extravagância, como Oderfla (Alfredo às avessas), Valdevinos e Rodo Metálico.[49]
O Oficial deve ter cuidado em evitar registro de prenomes que possam expor seus titulares ao ridículo. Sobre esta análise, o ilustre Walter Ceneviva faz as seguintes observações:
Sua licença de exame exaure-se no prenome. Só neste pode ver exposição ao ridículo. Quanto ao sobrenome, não tem poder legal para obstaculizar o registro, como, por exemplo, quando as iniciais venham a formar palavra, símbolo ou sigla que possa representar fonte de aborrecimento para o registrando. Chamará a atenção dos pais para a circunstância, mas, insistindo estes, não poderá recusar o registro.[50]
Em casos de pedido de alteração posterior ao registro no assento de nascimento, Sílvio de Salvo Venosa afirma que o legislador disse menos do que pretendia, devendo a possibilidade de alteração por exposição ao ridículo abranger não só o prenome, mas também o sobrenome. Enxergamos esta posição acertada, uma vez que melhor se aproxima do espírito da lei, porquanto “o nome, no conjunto completo, não deve ser de molde a provocar a galhofa da sociedade”.[51]
Ademais, a termos de ilustração, vejamos trecho de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deferiu a alteração do sobrenome, por causar constrangimentos ao portador:
Os sobrenomes Carvalho e Jacintho, isoladamente, não são passíveis de causar qualquer constrangimento ao seu titular, muito menos de expô-lo ao ridículo. São patronímicos comuns, de origem lusitana, assimilados pelo meio social.
Ocorre, porém, que a combinação dos dois sobrenomes causa fenômeno fonético suficiente a gerar brincadeiras maliciosas e causar vergonha ao autor, como, de resto, descreve na inicial.
(...)
Em resumo, a conjunção dos sobrenomes é passível de causar sérios constrangimentos ao autor e violam direito da personalidade, e do pedido não advém risco à segurança ou identificação pessoal[52].
Desta feita, após o registro poderá o interessado ingressar com ação judicial, com fundamento no artigo 57 da Lei de Registros Públicos, pleiteando a alteração do nome.
Em muitas das vezes, o convívio do indivíduo com seu nome se torna insustentável a ponto do constrangimento se configurar toda vez que sendo pronunciado. Nestas situações, o nome não estará correspondendo à expectativa dos atributos associados a ele, acarretando desassossego ao portador e podendo prejudicar, inclusive, sua própria identidade.
Assim, se o nome pelo qual a pessoa “é identificada lhe causa repugnância, razoável que se autorize a corrigenda alvitrada, porque a ninguém é justo impor sentimento negativo até mesmo pelo seu simples pronunciar”.[53]
Invariavelmente esta rejeição ocorre, tanto que sempre que possível a pessoa se apresenta com nome diverso daquele que lhe causa o desconforto.
No que se refere à interpretação do pedido de alteração do nome, não deve haver formalismo ou conservadorismo exacerbado por parte do julgador, haja vista que não seria condizente com o direito contemporâneo, se afastando da utilidade social. No caso, a interpretação deve ser extensiva, procurando sempre se aproximar da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos[54].
Desta feita, o juiz ao analisar o pedido não deve utilizar-se apenas de seus valores e conceitos pessoais, afinal, para o julgador pode até não soar ridículo determinado nome, porém, na comunidade ou no círculo social em que o interessado convive, poderá ser alvo de chacota em decorrência do seu uso.
Concluímos, portanto, que no pleito de alteração o interessado deve: alegar que o nome o coloca em posição de chacota; informar a razão de se sentir ridicularizado; e comprovar que seu nome lhe expõe ao ridículo junto ao seu meio social[55].
Demonstrado ser o nome capaz de ridicularizar o indivíduo, expondo-o à chacotas e zombarias, os Tribunais pátrios, em regra, determinam a retificação do nome, conforme arestos abaixo colacionados:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - Alteração do prenome - Nome original Marineta que não é ridículo, mas causa à autora constrangimento insuportável - Inexistência de prejuízo a direito de terceiros, diante das certidões negativas juntadas aos autos - Possibilidade de acrescentar o nome da família materna - Alteração do nome que deve ser apreciado pelo ângulo preferencial do direito da personalidade e pelo viés apenas subsidiário da identificação social perante terceiros - Recurso provido, para deferir o pedido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0000160-53.2007.8.26.0075, Relator Desembargador Percival Nogueira, j. 17.05.2012).
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - Pedido de supressão do prenome "Kimberli" - Registro feito pelo pai à revelia da genitora – Indicada possibilidade de exposição à situação vexatória no meio social em que vive, por conta do significado do prenome - Subjetividade da noção de constrangimento - Ausência de indícios de fraude ou mesmo prejuízo à ordem pública – Pretensão atendida - Sentença reformada – RECURSO PROVIDO. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0022864-95.2010.8.26.0482, Relator Desembargador Elcio Trujillo, j. 26.10.2011).
REGISTRO DE NASCIMENTO – Alteração - Possibilidade Prenome incomum que ensejou distúrbios psicológicos, com reflexos na vida social do autor Hipótese em que cabe a este aferir, intimamente, a angústia de ter de suportá-lo, bem como a relevância que tal fato assume em sua vida Excepcionalidade do art. 57, da Lei nº 6.015/73, verificada Ausência, ademais, de indícios de fraude ou prejuízo a terceiros em razão da supressão, no registro civil, do prenome do requerente Ação procedente Violação de dispositivos constitucionais Inocorrência Recurso provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0003986-90.2010.8.26.0137, Relator Desembargador Luiz Antonio de Godoy, j. 23.08.2011).
Apelação. Ação de alteração de registro civil. Princípio da Imutabilidade do nome. Exceção. Prenome que expõe ao ridículo. Lei 6.015/73. 1- Interpretando-se o art. 55 da referida Lei de Registros Públicos, depreende-se que o prenome pode ser mudado, quando expõe o indivíduo ao ridículo. Servindo o prenome da pessoa como alvo de trocadilhos e brincadeiras de mau-gosto, capaz de impingir na pessoa que o sustenta, constrangimento, vexames e humilhações, há de se autorizar a troca do prenome. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 1.0672.03.109642-9/001. Relator Desembargador Jarbas Ladeira, j. 27.11.2007).
DIREITO CIVIL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. EXPOSIÇÃO DO USUÁRIO AO RIDÍCULO. JUSTO MOTIVO. CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 010876/2007, Relator Desembargador Cleones Carvalho Cunha, j. 06.12.2007).
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. MUDANÇA DO PRENOME "RAIMUNDA". ARTIGOS 57 E 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO PRENOME. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 0006866-11.2006.8.19.0066, Relator Desembargador Célia Meliga Pessoa, j. 04.08.2009).
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PRETENSÃO AUTORAL DE ALTERAÇÃO DE PRENOME. ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA FOI REGISTRADA COM NOME QUE LHE CAUSA CONSTRANGIMENTOS, NÃO CORRESPONDENDO O MESMO À SUA IDENTIFICAÇÃO NO MEIO SOCIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. NÃO SE AFIGURA RAZOÁVEL, NA HIPÓTESE VERTENTE DOS AUTOS, A INTERPRETAÇÃO LITERAL DO DISPOSITIVO CONTIDO NO ART. 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS SOBRE A IMUTABILIDADE DO PRENOME, DEVENDO O JULGADOR, EM ATENÇÃO A ESPECIFICIDADE DO CASO, VALER-SE DO CRITÉRIO DA EQUIDADE, BEM COMO ATENÇÃO AOS FINS SOCIAIS QUE NORMA SE DESTINA E ÀS EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM, POIS, SUA APLICAÇÃO MECÂNICA NÃO ATENDE A FINALIDADE SOCIAL QUE SE PRETENDE CONFORME NOSSA ORDENAÇÃO JURÍDICA PÁTRIA. IMUTÁVEL DEVE SER CONSIDERADO O NOME PELO QUAL A PESSOA É SOCIALMENTE CONHECIDA, E NÃO AQUELE COM A QUAL FORA REGISTRADA, ADMITINDO-SE INCLUSIVE A FLEXIBILIDADE, NO TOCANTE A NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CORRESPONDENTE. ATENÇÃO AO PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA QUE ASSEGURA A GARANTIA DO DIREITO DA PERSONALIDADE, CORRELATO À CORRETA IDENTIFICAÇÃO SOCIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 12ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 0000969-58.2007.8.19.0036. Relator Desembargador Siro Darlan de Oliveira, j. 25.03.2008).
Diante de situações semelhantes que não se vislumbrem risco à segurança jurídica nem prejuízos a terceiros, a alteração há de ser concedida de modo a prevalecer o respeito à dignidade da pessoa humana sobre o interesse público da identificação do indivíduo e do princípio da imutabilidade do nome nos registros públicos.
5.4. A adoção do apelido público e notório ao nome
Atendendo a tendência social brasileira, a Lei de Registros Públicos, relativizou o princípio da imutabilidade do nome, como já estudado, prevendo a possibilidade de substituição do prenome por apelidos públicos notórios[56]. Isto é o que reza o caput do artigo 58 da Lei 6.015/73: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”.
Tal previsão existe devido ao fato de ser costume do brasileiro a utilização de apelidos para identificar as pessoas. Os apelidos estão disseminados Brasil afora, sendo em algumas regiões facilmente encontrados. Inúmeros exemplos podem ser vistos na seara política e artística, não se limitando a este cenário. Existem casos emblemáticos como o do ex-presidente da República que, com autorização do Juiz de direito de São Bernardo do Campo incluiu o vocábulo "Lula" em seu registro civil, passando a se chamar Luís Inácio Lula da Silva.
Deve-se ressaltar que o pedido de alteração, embora a lei se refira somente ao prenome, a ele não se limita, podendo a regra ser aplicada do mesmo modo ao patronímico[57].
Washington de Barros Monteiro conceitua apelidos públicos e notórios como sendo “expressão que compreende as denominações especiais pelas quais a pessoa se torna conhecida no meio em que vive”[58].
Existem casos em que as pessoas sequer sabem o verdadeiro nome do indivíduo, sendo o apelido o meio de individualização e reconhecimento. Requisito indispensável é que o apelido realmente identifique a pessoa no círculo social em que vive.
Aliás, neste sentido Walter Ceneviva anota:
A permissão depende, para ser implementada, de decisão judicial, incumbindo ao magistrado exigir constatação dos três requisitos:
a) o apelido existe e o interessado atende, quando chamado por ele, em seu universo social;
b) o apelido é conhecido no grupo social em que o apelidado convive, posto que público;
c) a notoriedade é limitativa, mas não corresponde a dizer que o apelido e conhecido de todos, caso no qual somente os artistas, os esportistas ou os políticos poderiam ser beneficiados pela mudança. A melhor interpretação sugere que se a pessoa é chamada, no estamente social a que pertence, normal e naturalmente pelo apelido que queira adotar, deve ser definida sua pretensão, a menos que a desejada substituição possa ser impedida, por exemplo, pela exposição ao ridículo[59].
Denota-se que a possibilidade de substituição tem por finalidade efetivar o que já ocorre de fato, adequando a forma de identificação à realidade. Visa indicar no assento de nascimento do indivíduo sua verdadeira identidade, pois na medida em que é usado passa a fazer parte da personalidade da pessoa.
Rubens Limongi França observa que:
condições peculiares em nosso País tornam forçoso admitir-se a aquisição do direito ao nome mesmo antes da efetivação do respectivo registro. O nome, portanto, pode ser adquirido pelo uso, mas a rigor, uma vez efetivado o registro, ultima-se e cristaliza-se a sua definição, passando a enquadrar-se no princípio da imutabilidade[60].
Neste diapasão, o uso do apelido por período prolongado, aliado à sua notoriedade e publicidade, outorga ao seu titular o direito de obter a permissão da substituição de seu prenome no assento de nascimento.
Ao avaliar o conjunto probatório que acompanha o pedido de alteração, o juiz deverá identificar no caso concreto a notoriedade e publicidade do apelido. Constatado o intuito de fraude do requerente, risco de prejuízo a terceiros ou pedido motivado em mero capricho, a alteração não deve ser concedida ao interessado.
Com efeito, o pedido deve vir acompanhado das provas e motivos justificáveis, caso contrário, a finalidade social do princípio da imutabilidade estará se esvaindo[61], tornando a alteração regra ao invés de exceção.
Em que pese não ser nem de perto questão pacífica na jurisprudência dos Tribunais, vejamos julgados no sentido de conceder a alteração pleiteada:
Registro Civil. Retificação de assento de nascimento, para alteração de prenome, com adoção de apelido pelo qual notoriamente conhecida a autora. Viabilidade e procedência. Art 58, da Lei n° 6.015/73. Sentença reformada. Apelação provida. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 433.531-4/0-00, Relator Desembargador José Roberto Bedran, j. 21.08.2006).
Ação de Retificação de Registro Civil - Alteração de prenome - Possibilidade - Autorização em situações excepcionais - Apelido público e notório - Ocorrência no caso concreto - Recurso provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0015086-39.2009.8.26.0602, Relator Desembargador Luiz António Costa, j. 31.08.2011).
REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. ACRÉSCIMO DE ALCUNHA PELA QUAL O POSTULANTE É INDIVIDUALIZADO NA COMUNIDADE. POSSIBILIDADE. (Tribunal de Justiça de Rondônia, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 100.005.2007.005232-3, Desembargador Relator Moreira Chagas, j. 20.05.2008).
Civil. Registro público. Nome civil. Retificação. O entendimento sobre a aplicação do art. 57 da Lei de Registros Públicos evoluiu e tem se mostrado compreensivo ante a modificação do nome civil, em casos excepcionais, quando motivado e justificado o pedido. Procede o pedido de retificação do patronímico com fundamento na adoção no registro de nascimento de apelidos públicos e notórios nos termos do art.58 da Lei de Registros Públicos. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 1.0105.04.116051-3/001, Relator Desembargador Almeida Melo, j. 14.05.2005).
CIVIL. RETIFICAÇÃO EM ASSENTAMENTO DE REGISTRO CIVIL. APELIDO PÚBLICO NOTÓRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO CAPUT DO ART. 58 DA LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A MODIFICAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2ª Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. 2008.008758-7, Relator Desembargador Luiz Carlos Freyesleben, j. 14.10.2008).
REGISTRO CIVIL. SUBSTITUIÇÃO DO PRENOME. APELIDO. ART. 58 DA LEI 6015/73. CABE A SUBSTITUIÇÃO DO PRENOME POR APELIDO PÚBLICO E NOTÓRIO NA COMUNIDADE EM QUE VIVE E INTERAGE A CIDADÃ, DESDE QUE NÃO PREJUDIQUE TERCEIROS. INTELIGÊNCIA DO ART. 58 DA LEI 6015/73. APELAÇÃO PROVIDA. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 70000256958, Relator Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade, j. 25.11.1999).
5.5. Proteção de testemunhas
A Lei 9.807, de 13 de julho de 1999, estabelece normas para organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítima e a testemunhas ameaçadas, disponibilizando oportunos mecanismos.
Com o advento desta Lei, o parágrafo único do artigo 58, da Lei de Registros Públicos, passou a ter a seguinte redação, in verbis:
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.
Todos nós sabemos a temeridade de atuar como testemunha, pois, em razão da colaboração prestada à justiça, podemos ser alvos de represálias. Isto posto, considerando o auxílio prestado ao processo para esclarecimento dos fatos, não é razoável deixar a testemunha à sua própria sorte frente aos criminosos, haja vista que não raro são vítimas de intimidações.
A Lei, então, possibilita às testemunhas e aos equiparados a elas, como uma das formas de proteção, a alternativa de pedir a alteração do nome judicialmente em casos de fundada ameaça, devendo o feito tramitar em segredo de justiça. Se um acusado ou réu estiver colaborando como testemunha na elucidação de um crime e naquelas mesmas condições, também será tratado como testemunha e terá o mesmo direito à proteção.
Àquele que pretende a alteração do nome deve ser admitido no programa de proteção. A inclusão da testemunha em referido programa pode ser requerida por intermédio do interessado, representante do Ministério Público, autoridade policial, juiz da instrução criminal, órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos[62].
A proteção é necessária para que se altere provisoriamente a identidade do protegido, ficando assim mais difícil sua identificação por criminosos interessados em sumir com os rastros de crimes.
Esta forma de alteração não é ad eternum, haja vista que com a cessação do perigo que originou a alteração o nome voltará a ser o utilizado antes da concessão. Cabe registrar que inicialmente, o prazo para participar do programa de proteção é de dois anos, podendo ser prorrogado se existirem motivos para tanto[63].
É uma medida excepcional, posto que serão levadas em consideração pelo juiz as características e a gravidade da coação ou ameaça, podendo, inclusive ser estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunhas, conforme dispõe o artigo 9º, §1º, da Lei 9.807/99.
É interessante nesta oportunidade a reprodução dos artigos da Lei 9.807/99 que seguem, in verbis:
Art. 9º Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo.
§ 1º A alteração de nome completo poderá estender-se às pessoas mencionadas no § 1º do art. 2º desta Lei, inclusive aos filhos menores, e será precedida das providências necessárias ao resguardo de direitos de terceiros.
§ 2º O requerimento será sempre fundamentado e o juiz ouvirá previamente o Ministério Público, determinando, em seguida, que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça.
§ 3º Concedida a alteração pretendida, o juiz determinará na sentença, observando o sigilo indispensável à proteção do interessado:
I - a averbação no registro original de nascimento da menção de que houve alteração de nome completo em conformidade com o estabelecido nesta Lei, com expressa referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e sem a aposição do nome alterado;
II - a determinação aos órgãos competentes para o fornecimento dos documentos decorrentes da alteração;
III - a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro único de identificação civil, cujo procedimento obedecerá às necessárias restrições de sigilo.
§ 4º O conselho deliberativo, resguardado o sigilo das informações, manterá controle sobre a localização do protegido cujo nome tenha sido alterado.
§ 5º Cessada a coação ou ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o retorno à situação anterior, com a alteração para o nome original, em petição que será encaminhada pelo conselho deliberativo e terá manifestação prévia do Ministério Público.
Art. 16. O art. 57 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, fica acrescido do seguinte § 7º:
§ 7º Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.
Deferida a alteração do nome da testemunha pelos motivos já expostos, com a necessária participação do representante do Ministério Público, será expedido pelo Juízo competente mandado de averbação ao oficial registrador para que passe a constar no assento de nascimento, não devendo este se abster da prática do ato designado.
5.6. Transexual
A doutrina e jurisprudência vêm se deparando constantemente, principalmente nos últimos anos, com pedidos de alteração do nome em razão de pessoas consideradas transexuais que se submeteram a cirurgia terapêutica de mudança de sexo.
A abordagem deste tema será tão somente sob o aspecto da alteração do nome civil no registro público, visto que não pretendemos adentrar no campo da causa do transexualismo, sua origem ou questões medicinais, pois demandaria longas discussões.
Ante o silêncio do legislador, que não elaborou leis que se destinem a estes casos, cabe aqui verificarmos os preceitos de nosso ordenamento jurídico que podem ser utilizados para assegurar aos transexuais a pretendida alteração.
De início, cumpre transcrever a definição de transexual segundo Raul Cleber da Silva Choeri:
Transexual é o indivíduo que se identifica como pertencente ao sexo oposto e experimenta grande frustração ao tentar se expressar através de seu sexo genético. O termo foi adotado para distingui-lo do homossexual, e o transexual se caracteriza por apresentar um ‘desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e / ou auto-extermínio’[64].
Não destoa deste entendimento Elimar Szaniawski, que define como “indivíduos que apresentam, ao simples exame ocular, genitais externos do tipo masculino e são portadores de uma psique totalmente ou predominantemente feminina, ou vice-versa”[65].
Hoje, com o avanço da medicina, é possível modificar o órgão genital masculino que nasceu fisicamente perfeito para um órgão feminino, bem como o contrário. Claramente, com a redesignação sexual surge a necessidade de alteração do prenome, para assim se adequar à nova aparência do indivíduo, livrando-o de desconfortos.
Realizada a operação de mudança de sexo, o prenome constante no registro civil não serve mais para designá-lo. Com a nova aparência acaba ocorrendo incompatibilidade de sua imagem com seus documentos, surgindo a necessidade da alteração do nome no assento de nascimento.[66]
Como bem adverte Sílvio de Salvo Venosa, “comprovada a alteração do sexo, impor a manutenção do nome do outro sexo à pessoa é cruel, sujeitando-a a uma degradação que não é consentânea com os princípios da justiça social”[67].
Além do mais, se for mantido o nome do sujeito de forma a não corresponder com seu sexo, não pairam dúvidas que estaremos diante da situação de nome que cause exposição ao ridículo[68], uma vez que não se coaduna com a identidade da pessoa.
Não encontramos no ordenamento jurídico previsão legal que disponha sobre a possibilidade de concessão da alteração do nome de pessoa transexual. No caso, quem está desenvolvendo estas questões é a doutrina e a jurisprudência.
O pedido de alteração do nome civil do transexual deve ter por fundamento a própria Constituição Federal, que consagra em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como cláusula geral de tutela. Do mesmo modo, o artigo 5º que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, apontando como invioláveis o direito à vida, à liberdade, igualdade, à segurança, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Luiz Alberto David Araujo sustenta:
O transexual, na busca de sua felicidade, deve ter a sua disposição todos os meios existentes, desde que dentro de certos limites aceitos socialmente, para a tentativa de sua integração social, que passa, necessariamente, pela sua integração psíquica e física.[69]
Na mesma esteira Elimar Szaniawski anota:
A Constituição de 1988 fornece, em seus princípios, todos os fundamentos necessários para adequar o transexual não só à sua realidade psíquica, mas a toda realidade social, para fazê-lo um participante útil e produtivo no seio social[70].
Analisando o Código Civil e a Lei de Registros Públicos à luz da Constituição Federal, não há como empregar entendimento diferente, senão o de deferimento da alteração do prenome ao transexual. Uma vez permitida a mudança de sexo, o nome deve estar em harmonia, pois “os documentos têm de ser fiéis aos fatos da vida, logo, fazer a ressalva é uma ofensa à dignidade humana”[71]
Oportuna transcrição de trecho de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que salienta a necessidade da alteração quando realizada a operação de redesignação sexual:
De conseguinte, se o avanço das técnicas cirúrgicas pôde oferecer alívio aos problemas que atingem pessoas como o autor, deve o judiciário, de seu lado, fornecer uma saída honrosa e digna, propiciando ao requerente procurar a conquista de sua felicidade, direito inerente a todo ser humano, não se prendendo, pois, à letra fria da lei (...)”[72]
Ao se deparar com tais situações os tribunais eram inflexíveis, porém com o decorrer dos anos e a evolução da própria sociedade, tornaram-se mais maleáveis de modo a atender a dignidade da pessoa humana. Nesta esteira, Carlos Roberto Gonçalves lembra:
Decisão pioneira foi proferida no Processo n. 621/89 da 7ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo, deferindo a mudança de nome masculino para feminino, de transexual que se havia submetido a cirurgia plástica, com extração do órgão sexual masculino e inserção de vagina, mas indeferindo a mudança do sexo, no registro, exigindo que constasse, no lugar de sexo masculino, a expressão transexual, para evitar que este se habilitasse para o casamento induzindo em erro terceiros, pois em seu organismo não estavam presentes todos os caracteres do sexo feminino.[73]
Ao analisar o pleito de alteração, é necessário não perder de vista o cuidado de verificar se seu deferimento poderá causar prejuízos ao grupo em que vive.
Portanto, podemos concluir que o transexualismo é uma realidade social a ser percebida pelo Direito, sendo a possibilidade de alteração do prenome uma de suas nuanças. Salienta-se que é dever do Estado, como consagrado na Constituição, promover o bem-estar social e tutelar a dignidade da pessoa humana.
A fim de elucidação, vejamos julgados que deferiram a alteração do nome no registro civil:
Retificação de registro público prenome civil transexual que se submeteu à transgenitalização nome constante em seu registro de nascimento que o submete a ridículos transexualismo, que, ademais, é patologia e não perversão sexual entendimento - possibilidade de modificação do nome inteligência dos artigos 55, parágrafo único e 109 da lei de registros públicos solução que, além disso, atende ao postulado da dignidade da pessoa humana alteração do sexo também deferida, até porque solução contrária, tal como a aposição do termo transexual, em lugar do masculino ou feminino, seria adversa ao próprio direito constitucional vigente, importando séria violação à dignidade humana – sentença reformada, acolhendo-se, ademais, o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita e a retificação do registro civil público do assentamento do autor, quanto ao seu prenome, que passa a ser josiany neres glória, modificado também o gênero para o feminino e observando-se que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial - recurso provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0074021-08.2010.8.26.0224, Relator Desembargador Antonio Carlos Mathias Coltr, j. 09.05.2012)
REGISTRO CIVIL - Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado - Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento - Nome masculino que, em face da condição atual do autor, o expõe a ridículo, viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei n. 6015/73, artigo 55, parágrafo único, combinado com artigo 109) - Alteração do sexo que encontra apoio no artigo 5º, X, da Constituição da República - Recurso provido para se acolher a pretensão. É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão (Tribunal de Justiça de São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 0003448-84.2000.8.26.0000, Relator Desembargador Boris Kauffmann, j. 22.03.01).
Registro civil das pessoas naturais. Retificação de sexo e de prenome. Transexualidade. Alteração que pode ocorrer por exceção e motivadamente, nas hipóteses permitidas pela lei dos registros públicos (lei nº 6.015/73, arts. 56 e 57). Nome registral do usuário em descompasso com a sua aparência física e psíquica. Retificação que se recomenda, de forma a evitar situações de constrangimento público. Alteração de sexo, posterior cirurgia de transgenitalização. Inteligência do art. 462 do CPC. Apelação provida, por maioria. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8ª Câmara Cível, Apelação cível nº 70014179477, Relator Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 24.08.2006).
No mesmo sentido também já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
Registro Público. Mudança de sexo. Exame de matéria constitucional. Impossibilidade de Exame na via do Recurso Especial. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211/STJ. Registro Civil. Alteração do Prenome e do Sexo. Decisão Judicial. Averbação. Livro Cartorário.
(...)
4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive.
5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade.
(...)
7. Recurso Especial conhecido em parte e provido (Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, Recurso Especial n. 737.993/MG, Relator Ministro João Otávio de Noronha, j. 10.11.2009).
Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana.
- Sob a perspectiva dos princípios da Bioética de beneficência,autonomia e justiça , a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual.- A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. - A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano (...) - A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo.
- Conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. - Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido.
- Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73 (...) A alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar. - Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil (...)
- De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso Especial n. 1008398/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 15.10.2009).
Para uma projeção da tendência de decisões dos Tribunais, cabe registrar julgado inovador proferido aos 27 de abril de 2012, pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em que autorizou um transexual a alterar o nome para Hillary ao invés de Hilário antes mesmo da operação de redesignação de sexo. O Relator Desembargador Sérgio Fernandes Martins, salientou que ficou comprovado que o apelante há muitos anos se apresenta como mulher e possui estereótipo feminino, não havendo óbice ao pedido formulado.
Utilizando como fundamento a dignidade da pessoa consagrada na Constituição Federal, concluiu o julgador que se o autor se considera mulher e assim é visto pela sociedade e pela medicina, "não pode continuar nessa situação degradante e aviltante que afronta os mais relevantes princípios fundamentais da pessoa humana, em razão apenas e tão somente de uma deficiência do Estado, que ainda não possibilitou a conclusão do processo de mudança física de gênero[74]".
No mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DO NOME E AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70013909874, Relator Desembargador Maria Berenice Dias, j. 05.04.2006).
5.7. Pela adoção ou reconhecimento de paternidade
A possibilidade de alteração do nome civil em razão de adoção encontra respaldo no artigo 47, §6º, do atual Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de prever a alteração, dispõe referido artigo que a constituição do vínculo da adoção se dá por meio de sentença proferida pelo Juízo, que deverá ser inscrita no registro civil do adotado.
Em outros tempos era permitida a adoção por escritura pública. Todavia, atualmente o trâmite da adoção deve ocorrer por completo perante o judiciário, porquanto a adoção só se constitui com o trânsito em julgado da sentença, conforme determina o artigo 47, §7º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Consoante se depreende do próprio Estatuto, a adoção, a grosso modo, poderia ser resumida em um novo nascimento do menor, constituindo uma nova família, com novos laços civis e emocionais. O menor se desconecta do relacionamento que mantinha com a família anterior[75], pertencendo agora a outra, com todos os efeitos.
Preceitua o artigo 41, caput, do Estatuto da criança e do adolescente, que com a adoção o filho ao adotado deve ter os mesmos direitos e deveres, de forma a se desligar dos antigos vínculos.
Para Carlos Roberto Gonçalves “a adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha[76]”.
Portanto, “o menor ingressa na família do adotante na perfeita imitação da natureza. Daí em diante, todo o seu parentesco não é o outro senão o parentesco do adotante, não cabendo a mínima restrição, porque a transformação é completa”[77].
Não poderá haver qualquer forma de tratamento que diferencie os filhos adotados ou qualquer utilização de designação discriminatória, pois o princípio da igualdade entre os filhos foi consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 227, §6: "Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".
Com a adoção, não faz mais sentido o adotado utilizar o sobrenome daqueles que constavam em seu registro de nascimento como seus pais, uma vez que houve uma ruptura por completo. A supressão do sobrenome se faz necessária, porquanto a finalidade do patronímico, como já estudado, é indicar a procedência familiar.
Apesar de pouco frequente, poderá o adotante, além de alterar o sobrenome do adotado, requerer também a modificação do prenome. Aqui o magistrado deve ter cuidado especial, porquanto deve analisar se não haverá prejuízo ao menor.
A substituição do prenome nestes casos se torna interessante em virtude da nova situação fática e jurídica em que o adotado passa a viver. Não obstante, o prenome deve permanecer se já incorporado à real identidade do adotado.
Sobre o assunto, foi elaborada uma Cartilha trazendo o passo a passo sobre a adoção de crianças e adolescentes no Brasil, em campanha da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, em favor da adoção consciente[78].
Segundo a Cartilha, adoção do ponto de vista jurídico
é um procedimento legal que consiste em transferir todos os direitos e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, quando e somente quando forem esgotados todos os recursos oferecidos para que a convivência com a família original seja mantida.
A respeito de como ficará o nome do adotado após a adoção, a Cartilha anota o seguinte:
O adotado passa a ter o sobrenome do adotante e, a pedido de qualquer um dos dois, poderá ter mudado também o seu prenome. Pedidos de alteração do prenome devem ser avaliados cuidadosamente para respeitar as sutilezas e complexidades de uma subjetividade que já está em constituição.
Quando um bebê nasce, ele recebe um nome. Esse nome fará parte de seu registro civil, mas antes que tenha noção disso, fará parte de seu registro psíquico como marca da existência de um sujeito absolutamente singular. O nome conta um pouco da história da pessoa. O nome é uma herança que a criança porta, antes do encontro com quem a adotou. Uma sugestão seria, ao invés de trocar o prenome da criança, optar pela adição de mais um nome, para marcar um novo ponto de enlace e de identificação na constituição dessa subjetividade.
Com o advento da Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1.992, passou a existir outra causa de alteração do nome, sendo ela efeito do reconhecimento de paternidade. Possibilitou ao pai incluir no registro de nascimento do reconhecido o seu sobrenome.
Como já estudado anteriormente, o sobrenome tem a finalidade precípua de indicar a procedência familiar do indivíduo, apontar quem eram seus ancestrais. Destarte, considerando que com o reconhecimento o filho acaba ingressando na família do genitor, passa ele a usar seu sobrenome, ficando o assento de nascimento atualizado sobre sua antecedência.[79]
Conclui-se que realizado o reconhecimento de paternidade, poderá ocorrer a inclusão do sobrenome do pai. Caso isto não ocorra neste momento, poderá ainda o filho futuramente pleitear referida inclusão, uma vez que os filhos, como bem assevera o artigo 227, §6º, da Constituição Federal, deverão receber tratamento igual, sem qualquer tipo de distinção.
5.8. Pelo casamento, separação, divórcio e união estável.
Com casamento civil, a noiva pode adotar o sobrenome do marido ou continuar com seu nome de solteira. O noivo, por sua vez, também tem o mesmo direito de acrescentar o sobrenome da noiva, visto a igualdade dos cônjuges consagrada no artigo 226, §5º, da Constituição Federal.
Vejamos artigo 1.565 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
§ 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro (...) (grifo nosso).:
O momento de opção será no processo de habilitação do casamento. Decorrido este prazo, somente por meio de sentença judicial.
Há quem sustenta que deve ser feita uma interpretação extensiva do artigo supracitado, podendo qualquer dos nubentes suprimir seu nome de família e trocá-lo pelo sobrenome do par. Não concordamos com esta corrente. A interpretação considerada mais apropriada é a que expõe Carlos Roberto Gonçalves, onde diz que nestes casos o consorte não pode suprimir seu próprio sobrenome em virtude do princípio da estabilidade do nome[80].
A partir do casamento e com a adição do sobrenome do cônjuge, poderão existir situações que permitam a retirada do patronímico empregado diante da separação e do divórcio. Não entraremos no mérito se com a Emenda Constitucional 66/2010 houve a revogação tácita dos artigos que tratam da separação judicial.
Alterado o nome do cônjuge por conta do casamento e sobrevindo separação consensual, o Código Civil deixou facultado aos cônjuges a alteração ou não do nome de casado (artigo 1.578, §2º, do Código Civil).
Com a separação consensual é deixado à escolha dos próprios interessados, a qualquer momento, pleitearem a alteração do nome para que voltem a utilizar o que assinavam antes do casamento.
Nos casos de separação judicial litigiosa o cônjuge que for declarado culpado pode perder o direito de usar o sobrenome do outro, devendo voltar a usar o de solteiro, desde que o consorte inocente requeira expressamente.
Vejamos, o artigo 1.578 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III - dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1o O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2o Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.
No entanto, em que pese ser considerado culpado, ao cônjuge é assegurado o direito de continuar utilizando o sobrenome do par, caso a supressão possa acarretar: evidente prejuízo à identificação; manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; e dano grave reconhecido na decisão judicial. Já o consorte inocente poderá manter o sobrenome, podendo, a qualquer momento, renunciar.
“Justifica-se plenamente a continuidade do sobrenome do cônjuge quando este venha a sofrer grave dano ao perdê-lo, por exemplo, quando é reconhecido publicamente por aquele sobrenome[81]”.
Quanto ao divórcio, é natural que o ex-cônjuge volte a usar seu nome de solteiro, com o fim de romper totalmente o vínculo que existia.
Contudo, “não dispondo diferentemente a sentença, nem o acordo dos cônjuges na separação ou divórcio, pode o consorte manter o sobrenome do outro”[82].
A respeito do assunto, insta registrar o relevante posicionamento de Maria Berenice Dias, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Já é conhecida minha posição no sentido de que, sendo o nome um atributo da personalidade, se agrega à pessoa e a ela passa a pertencer. Independente de o nome ser o da família em que foi registrada ou o que optou por usar em decorrência do casamento, o fato é que o nome é dela e somente a ela pertence. A partir da alteração operada por ocasião do casamento, só a própria mulher poderá dispor do nome, que não identifica mais o patronímico do marido, identifica o nome da mulher, seu nome, sua identidade, que é um atributo da personalidade.[83]
A lei assegurou ao divorciado o direito de manter o nome de casado (artigo 1.571, § 2º, do Código Civil) caso haja risco de sofrer consequências negativas com a alteração. Após o divórcio os interessados poderão optar pela alteração do nome para o de solteiro.
No que tange à união estável, comprovada a sua existência a Lei de Registros Públicos permite que seja acrescido ao nome do interessado o patronímico do companheiro, com a condição de que haja impedimento legal para o casamento.
Art. 57 – (...)
§ 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.
Com uma leitura constitucional do texto, a despeito de se referir apenas à mulher, deve também tal regra ser aplicada ao homem.
A jurisprudência vem admitindo a alteração sem a necessária comprovação dos requisitos enumerados no artigo 57, §2, da Lei de Registros Públicos, conforme posto:
Os requisitos apontados pela Lei de Registros Públicos para a adoção do patronímico por um dos conviventes não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. (...)
A Lei de Registros Públicos ignora que o nome é um direito da personalidade (arts. 16 a 19 do CC/2002), inerente à própria dignidade humana (art. 1o, III, da CF/88), do que se extrai que basta a comprovação da união estável para que seja autorizada a mudança[84].
Em sentido contrário:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. ACRÉSCIMO DO PATRONÍMICO DO CONVIVENTE AO NOME DA COMPANHEIRA. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO LEGAL. FALTA DE PREVISÃO LEGAL (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 70010383099, Relator Desembargador José S. Trindade, j. 03.03.2005).
Jurisprudência - Impossibilidade de alteração do registro de nascimento. Inclusão do patronímico do companheiro. Falta de comprovação de impedimento para o casamento” (Tribunal de Justiça de Goiás, 3ª Câmara Cível, Apelação Cível n. 116904-8/188, Relator Desembargador Rogério Arédio Ferreira, j. 22.01.2008).
5.9. Nome estrangeiro
A Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que trata da Naturalização de Estrangeiros, consoante seu artigo 43, admite a alteração do nome estrangeiro nos seguintes casos: I – se estiver comprovadamente errado; II – se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridículo; ou III – se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.
Pertinente as palavras de Rubens Limongi França relativas à adequação do nome do estrangeiro: “Passando a viver no Brasil, ou naturalizando-se, nada mais justo do que lhes proporcionar uma oportunidade de maior aculturação, através do abrasileiramento do nome”[85].
Contudo, adverte Carlos Roberto Gonçalves que deverá somente ser permitida a alteração do prenome do indivíduo estrangeiro, de modo a permanecer inalterado o sinal que representa o sobrenome.[86]
Sendo a alteração do registro decorrente de separação ou divórcio advindo de país estrangeiro, deverá ser homologada pela Justiça brasileira (artigo 43, § 3º).
Nestes casos em que se trata de peticionário estrangeiro, qualquer pedido de alteração no nome deverá ser apreciado e decidido pela autoridade competente, qual seja, o Ministro da Justiça (artigo 44).
O objetivo da permissão é facilitar o modo de designação do estrangeiro, sua forma de individualização frente à sociedade e à cultura brasileira. Ademais, o artigo 5º, caput, da Constituição Federal reza que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Uma vez naturalizado, surgindo uma das situações outras situações já estudas no presente trabalho, poderá o indivíduo rogar a alteração do prenome perante o Poder Judiciário.