1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se inicia com uma breve abordagem sobre a evolução dos direitos da personalidade e dos dispositivos legais a eles relacionados, com o fim de proporcionar maior compreensão ao estudo desenvolvido no presente trabalho.
A despeito do vasto campo relacionado aos direitos da personalidade, nos restringiremos ao estudo apenas da espécie nome civil, tendo como principal foco suas possibilidades de alteração.
A escolha do tema foi motivada pela tentativa de afastar a subjetividade que o cerca, repercutindo, inclusive, em decisões judiciais e posicionamentos firmados. Outro fator que, sem dúvida, contribuiu para a escolha foi a curiosidade sobre o que cada lei esparsa destaca em relação às questões de modificação do nome.
Com efeito, o objetivo é analisar as hipóteses em que é possível a alteração do nome civil, uma vez que a negativa poderá acarretar aflições e diminuição da confiança e autoestima de qualquer indivíduo.
Reunimos minuciosa pesquisa de leis concernentes ao assunto, assim como o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência, projetando os caminhos a serem traçados.
Em suma, o trabalho está dividido em quatro capítulos.
No primeiro capítulo são estudados os direitos da personalidade de forma ampla, como sua evolução, conceituação e características à luz da Constituição Federal.
No segundo capítulo, discorremos sobre os meios de identificação pessoal, dando enfoque ao nome como um sinal apto a auxiliar na perfeita designação e individualização do indivíduo, sujeito de direitos e deveres, em uma sociedade.
Situado no assunto, passamos, então, ao terceiro capítulo que é destinado ao estudo do nome, sua proteção, definição, função e formação. Ademais, neste capítulo é analisada, ainda, a regra da imutabilidade e sua tendência a se tornar menos rígida para melhor se amoldar às expectativas dos indivíduos.
Reservamos o quarto e derradeiro capítulo para tratarmos somente das possibilidades de alteração do nome. Destarte, foram expostas previsões legais e outras desenvolvidas pela doutrina e jurisprudência: a começar pelo pedido de alteração dentro de período de um ano após a maioridade; em razão de erro gráfico; por conta de nome ridículo que cause exposição ao portador; apelido público notório, previsto na Lei dos Registros Públicos; substituição temporária com finalidade de proteção às vítimas e às testemunhas de crimes; casos de pedido por pessoa transexual, para melhor harmonia com sua imagem; na adoção e reconhecimento de paternidade; nos casos de casamento, separação (consensual ou litigiosa), divórcio e união estável; e a possibilidade de alteração para o estrangeiro a ser naturalizado.
O assunto, evidentemente, não foi esgotado, uma vez que o direito, em qualquer de seus ramos, nunca chega a seu termo, devendo perseguir a evolução dinâmica da sociedade.
Contamos que a linha de investigação e de raciocínio desenvolvidos tenha convergido a ponto de tornar compreensível a abordagem escolhida sobre as possíveis alterações no nome civil.
2. DIREITOS DA PERSONALIDADE
Imprescindível tecer breves considerações referentes aos direitos da personalidade, a fim de trazer clareza aos pontos concernentes ao foco do presente trabalho, qual seja, possibilidades de alteração do nome civil.
Sem dúvida, após os episódios lamentáveis da Segunda Guerra Mundial, caracterizado pelo desprezo total com o ser humano, houve uma preocupação acentuada da sociedade, em âmbito internacional, com a proteção da personalidade e da dignidade da pessoa humana em todos os aspectos.
Assim, foi preciso ser trilhado um caminho árduo, para que hoje o princípio da dignidade humana fosse norteador dos demais em nosso ordenamento jurídico. Conseguiram com que o ordenamento jurídico passasse a ter como valor máximo e absoluto a ser tutelado a própria pessoa, deixando em segundo plano a propriedade e o contrato.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal da República de 1988, ocorreu um avanço expressivo ao tratar dos direito fundamentais, principalmente no que diz respeito à proteção dos direitos da personalidade. Em seu artigo 5º, enumerou uma série de direitos e garantias individuais, dentre elas as contidas no inciso X, onde é declarado que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação. A Constituição Federal de 1988 consagrou, ainda, como cláusula geral de tutela o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).
A intenção do legislador em positivar tais direitos é de resguardar a dignidade humana, assegurando e disponibilizando instrumentos aptos a buscar a reparação no caso de transgressão. Como bem explanado por Carlos Roberto Gonçalves, o respeito à dignidade da pessoa humana encontra-se em primeiro plano, pois se trata de um fundamento constitucional que auxilia o sistema jurídico brasileiro na defesa dos direitos da personalidade[1].
Carlos Alberto Bittar conceitua os direitos da personalidade como sendo aqueles “reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previsto no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra (...)”[2].
Dentre as várias designações dos "direitos da personalidade", as mais utilizadas são: "direitos essenciais da pessoa humana", "direitos personalíssimos", esta empregada pelo Estatuto do Idoso, e "direitos da humanidade" (pelo jurista Walter Moraes). São considerados "direitos subjetivos de natureza especial", superada a concepção de que o sujeito não poderia ser objeto de si mesmo, mas não são designados como "direitos subjetivos" pura e simplesmente.
Cabe anotar que no Código Civil de 1916 não tínhamos proteção semelhante ao do atual, onde fosse tratada a proteção do direito da personalidade de forma incisiva. Com influência do Código Civil Italiano, que há tempos trabalhava o assunto em específico, grande passo foi dado com o Código Civil de 2002, visto que contém um capítulo direcionado somente aos direitos da personalidade (Livro I, Título I, Capítulo II, artigos 11 ao 21), onde visa proteger desde o nome a direitos relacionados à disposição do próprio corpo.
Vejamos anotação de Sílvio de Salvo Venosa a respeito do tema:
Esses direitos da personalidade ou personalíssimos relacionam-se com o Direito Natural, constituindo o mínimo necessário do conteúdo da própria personalidade. Diferem dos direitos patrimoniais porque o sentido econômico desses direitos é absolutamente secundário e somente aflorará quando transgredidos[3].
Os direitos da personalidade são direitos inerentes à própria natureza humana, subjetivos e absolutos, que visam proteger o mínimo essencial aos indivíduos, devendo todos respeitá-los, pois seus limites são percebidos quando se encontram com os direitos dos outros.
Insta registrar que para Caio Mário da Silva Pereira os direitos da personalidade não constituem um “direito” em si, sendo, segundo ele, um erro dizer que o homem tem direito à personalidade. Da personalidade apenas irradiam-se direitos, sendo certo de que serve esta de ponto de apoio de todos os direitos e obrigações[4].
Na mesma esteira segue Maria Helena Diniz, com o entendimento de que os direitos da personalidade são direitos subjetivos “excludendi alios”, ou seja, direito de exigir um comportamento negativo de todos os outros, com o objetivo de proteger seus bens inatos, utilizando-se, caso necessário, da via judiciária[5]. Bens inatos protegidos são aqueles próprios da pessoa, como o nome, a liberdade, a vida, a imagem, seu corpo, dentre outros.
Por diferirem dos direitos patrimoniais, os direitos da personalidade podem ser chamados de extrapatrimoniais, pois não têm como escopo defender patrimônio, mas sim a integridade física, moral ou intelectual da pessoa, ou seja, tudo que é próprio do ser humano.
Mesmo que, no domínio patrimonial lhe não pertençam por hipótese quaisquer direitos – o que é praticamente inconcebível – sempre a pessoa é titular de certo número de direitos absolutos, que se impõem ao respeito de todos os outros, incidindo sobre os vários modos de ser físicos ou morais da sua personalidade[6].
De forma geral, os direitos da personalidade são considerados ilimitados, existindo independentemente do legislador, sendo o rol existente em nosso ordenamento jurídico meramente exemplificativo, porquanto nada impede que a doutrina e jurisprudência desenvolvam e construam novas vertentes referentes aos direitos da personalidade.
Além disto, por ser um direito personalíssimo, cabe, em regra, apenas ao titular do direito transgredido tomar as medidas cabíveis para sua proteção. Contudo, o artigo 12 do Código Civil prevê uma exceção a essa regra, pois dispõe que em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Destarte, alguns efeitos da personalidade jurídica se prolongam após a morte, podendo os parentes exercer os direitos em nome do falecido. Inclusive, o Código Civil Português também declara que os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular (artigo 71).
O Código Civil Brasileiro atual dispõe em seu artigo 11 que, com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Desta forma, podemos citar as seguintes características no que diz respeito aos direitos da personalidade: são intransmissíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis e vitalícios. Tais características demonstram a importância de tais direitos, garantindo a proteção à intimidade, corpo, honra, imagem e aquele que temos como um dos pontos focados no trabalho, ao nome.
Aliás, o próprio Código Penal tutela os direitos da personalidade (vida, saúde, honra, etc.), demonstrando a intenção do legislador em disponibilizar mecanismos eficientes para resguardar estes direitos em seu corpo repressivo.
Apesar de todo aparato concernente à proteção dos direitos da personalidade, não pode seu titular exercê-los com abuso de direito, de modo contrário aos costumes e à boa-fé. Consoante anota Rubens Limongi França, “os direitos da personalidade existem e devem ser reconhecidos como uma garantia do respeito à mesma e não como um elemento destinado à sua destruição[7]”.
Dentre os bens jurídicos espécies do direito da personalidade, está o direito ao nome e aos demais elementos de identificação, podendo o titular socorrer-se do amparo legal a fim de protegê-los.
3. MEIO DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA NATURAL
Incluem-se entre os direitos da personalidade o da identidade pessoal, pois a identificação (afirmar-se o homem como sendo certo homem) é um dos aspectos morais da personalidade[8].
Vem do próprio homem a necessidade de viver em sociedade, com o objetivo de angariar seus esforços para perseguir objetivos comuns. Considerando a vivência em grupo, é necessário que existam formas que possibilitem a perfeita individualização de seus integrantes tanto no seio familiar quanto junto à sociedade.
Nas relações sociais e jurídicas, cada pessoa deve ser individualizada, distinta das demais, singular dentro da coletividade, para que seja reconhecida como ente autônomo e possa se desenvolver e se firmar como pessoa. É imprescindível ao homem, destarte, ser detentor de uma identidade[9].
A identificação de um sujeito deve ser norteada pelo nome, atributos físicos, domicílio, estado, dentre outras características. Contudo, a forma física e o domicílio são de fácil variação, podendo ser alterados a qualquer momento. O nome, por sua vez, é imutável, via de regra, como estudaremos adiante.
Outrossim, existem outros sinais que auxiliam na perfeita identificação e individualização da pessoa, como impressões digitais, arcadas dentárias e tipo sanguíneo.
Para Raul Cleber da Silva Choeri, a identidade humana apresenta-se sob um aspecto estático e outro dinâmico. O primeiro se refere a todas as características não modificáveis do ser humano ou modificáveis em restritas condições como o sexo biológico, nome, imagem, nacionalidade, estado civil, entre outros. Já o aspecto dinâmico, reúne atributos e características psicossociais, onde se encontra o patrimônio ideológico e a herança cultural da pessoa. A pessoa é vista na condição de sujeito e não de simples objeto[10].
Rubens Limongi França chama de Direito à Identidade Pessoal “o direito que tem a pessoa de ser conhecida como aquela que é e de não ser confundida com outrem”[11].
Portanto, para que haja uma perfeita individualização da pessoa, sem ensejar erro, devem ser levados em consideração atributos substanciais intrínsecos (intelectual e moral) e extrínsecos (físico).
Verificamos que na prática social, ao se tentar reconhecer outra pessoa, há na mente do indivíduo um célere processo seletivo de elementos de identificação, onde o efeito sonoro e a imagem física são confrontados com o conteúdo guardado na memória do indivíduo.
Cumpre anotar que a identificação é de interesse não só dos particulares e terceiros, mas também do Estado, haja vista sua preocupação em trazer maior segurança aos negócios e relações de interesse particular e público, pois com a individualização é possível a percepção da condição pessoal e patrimonial dos que integram a sociedade.
No aspecto público, outro ponto relevante quanto à perfeita individualização é facilitar a aplicação da lei ao indivíduo. Tal fato é verificado com a necessidade de que com o nascimento da pessoa natural haja sua inscrição nos registros públicos, para trazer conhecimento erga omnes, tornando-se mais seguras as relações com aquele sujeito.
Aliás, nos tempos atuais, com o aumento das relações entre as pessoas no âmbito pessoal e impessoal, é crucial para o funcionamento da sociedade em que vivemos a perfeita identificação de todos os indivíduos que dela participam. Por isso, cada característica que possibilite a diferenciação tem sua importância, pois servirá de norte para nos permitir chegar à identificação do indivíduo.
4. DIREITO AO NOME
Espécie dos direitos da personalidade, indiscutivelmente o nome, “sinal verbal que identifica imediatamente, e com clareza, a pessoa a quem se refere” [12], é um dos principais elementos de individualização. Utilizado com esta finalidade desde os tempos da antiguidade, serve, ainda, para indicar a procedência familiar do individuo.
Além da proteção constitucional que recebe, o direito ao nome fora reconhecido na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, devidamente ratificada pelo Brasil. No artigo 18 da Convenção ficou deliberado que toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou a um deles. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se necessário.
Rubens Limongi França conceitua o Direito ao Nome como sendo o “direito que a pessoa tem de ser conhecida e chamada pelo seu nome civil, bem assim de impedir que outrem use dêsse nome indevidamente”[13].
O nome é um rótulo, um sinal exterior de identificação, onde tem início com o nascimento e acompanha o indivíduo durante toda a sua vida, distinguindo-o dos demais na sociedade e na família. Associado a este nome sempre ficará a imagem, honra, conduta e todas as lembranças da existência do indivíduo.
Para Carlos Alberto da Mota Pinto, o direito ao nome “abrange a faculdade de o usar para exprimir a identidade própria e de exigir que os outros, nas relações sociais, o atribuam ao seu titular[14].”
Pessoa e nome são conceitos que não podem ser separados, estão interligados. “Vinculado ao singelo vocábulo, há a lembrança da correção paterna, da ternura materna, da chamada escolar, da voz da primeira namorada, do primeiro amigo, das brincadeiras na escola, da lista de aprovação no primeiro concurso etc. etc. etc.”[15]
Com a morte não existe mais a pessoa, mas seu nome se perpetua com lembranças e memórias, inclusive com efeitos no direito sucessório[16]. Depreende-se dos dispositivos constantes no Código Civil e na Lei de Registros Públicos, que não será admitido indivíduo sem nome, posto ser sujeito de direitos e deveres.
Aponta Caio Mário que no nome civil destacam-se dois aspectos: o público e o privado, sendo, simultaneamente, um direito e um dever. Além de ser um direito subjetivo é um interesse social. No aspecto público, a lei obriga que a pessoa seja registrada no assento de nascimento, consignando ali seu nome, além de estabelecer a regra da imutabilidade, cuja qual permite algumas exceções de emenda e alteração, expressamente previstas ou sujeitas à apreciação judicial. No aspecto particular, a lei assegura à pessoa o direito e a faculdade de se identificar pelo seu nome[17].
O direito que se tem sôbre o nome é exatamente o direito que se tem – não sôbre o passado, que não existe mais, mas sôbre a lembrança dêsse passado, que sobrevive entre os homens. Esta lembrança constitui um enriquecimento moral do nome, uma vantagem para continuar a viver. É uma espécie de valor, entendida esta palavra como uma extrema prudência de valor moral, um capital que se gasta sem se desgastar, uma insígnia de honra e de probidade que nos dispensa, na vida corrente, de outras garantias[18].
Portanto, podemos dizer que possuir um nome, além de ser um direito reconhecido é uma obrigação imposta pelo Estado. Em decorrência do interesse público concernente ao nome, houve a necessidade de tornar como regra sua imutabilidade a fim de tornar mais segura as relações entre as pessoas e delas com o Estado.
Insta observar que a lei veda a utilização de nome iguais em caso de nascimento de filhos gêmeos ou não, consoante pode ser verificado no artigo 63 da Lei de Registros Públicos, onde determina que no caso de gêmeos, será declarada no assento especial de cada um a ordem de nascimento. Os gêmeos que tiverem o prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo que possa distinguir-se. Neste dispositivo fica clara a intenção do legislador em reduzir ao máximo as possibilidades de existirem pessoas com nomes idênticos.
A despeito da regra da imutabilidade que envolve o nome, foram previstas estreitas exceções para eventual alteração.
Da mesma forma que o nome pode ser visto como motivo de orgulho pelo seu portador, pode, em alguns casos, trazer traumas e reflexos na autoestima do indivíduo. Por isso, o nome deve empregado de modo a atender às expectativas daquele que o detém.
4.1. Da composição do nome
O nome é formado pelo prenome e pelo sobrenome, consoante disposto no artigo 16 do Código Civil atual. O sobrenome pode ser chamado também de patronímico, ou seja, apelido de família. Podemos dizer que tem como finalidade indicar a procedência familiar. O prenome, por sua vez, visa distinguir os integrantes da própria família.
Conclui-se, portanto, que estes dois elementos que compõem o nome têm objetivos distintos: o prenome (identificação individual) e sobrenome (identificação da família). Como bem anota Rubens Limongi França, “o nome civil é a designação personativa composta primacialmente de dois elementos, a saber, o ‘prenome’ e o ‘patronímico’”[19].
Além destes indicadores, podemos encontrar o agnome que igualmente auxilia na composição do nome.
4.1.1.Do prenome
O prenome é a primeira parte do nome, utilizado como forma de individualização do indivíduo antes do sobrenome. Pode ser chamado também de nome de batismo, primeiro nome, nome próprio, nome individual, ou apenas nome, como hoje é conhecido popularmente no Brasil.
É uma expressão técnico-jurídica, comumente utilizada no meio jurídico[20], mas de pouco conhecimento da sociedade no geral. Entre as pessoas, de forma corriqueira, é chamada apenas pelo vocábulo “nome”.
O prenome surgiu da necessidade de identificação do indivíduo no seio familiar, pois apenas com o nome de família a individualização não era precisa.
A escolha do prenome do recém-nascido é realizada por outrem, normalmente pelos pais, não necessariamente a figura masculina. Será informado por aquele que se dirigir ao cartório ou outro local em que será lavrado o assento de nascimento.
A obrigatoriedade da indicação do prenome é verificada no artigo 54 da Lei de Registros Públicos, onde dispõe que “o assento de nascimento deverá conter (...) o nome e o prenome, que forem postos à criança”.
Pode ser simples ou composto, sendo obrigatório pelo menos um. O prenome simples é constituído por um vocábulo (Luan, Otávio, Pedro), já o prenome composto é constituído por dois (Luis Pedro, João Vitor, Júlio César).
Importante salientar que o Estado interveio na liberdade de escolha dos prenomes, estabelecendo limites subjetivos. Conforme determina o artigo 55, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente.
O professor Walter Ceneviva considera viável a mudança de prenome em situações vexatórias. Constatado ser o prenome capaz de expor o seu titular a situações de vexame, a alteração deve ser deferida pelo juiz. Acompanhadas do pedido deverão ser apresentadas as provas da verificação de vexame[21].
4.1.2. Do sobrenome
Pode ser conhecido também como patronímico, nome de família, apelido de família, cognome, entre outros. No Brasil o mais popular é “sobrenome”, sendo este o termo acolhido pelo Código Civil em substituição ao patronímico, que em sua tradução significa nome derivado do pai, não sendo mais adequado aos dias atuais em razão da igualdade entre homens e mulheres[22].
“Serve, em princípio, para designar a família a que o sujeito pertence, constituindo, entretanto, ainda, em combinação com o prenome, o signo básico da identidade pessoal”[23].
O sobrenome era empregado para identificar indivíduos da mesma família que utilizavam nomes iguais. Originava-se de características ou circunstâncias, podendo ser qualidades físicas ou morais: Bravo, Velho, Valente, Leal, Louro, etc.; nomes de cidades: Braga, Coimbra, Guimarães, Porto, etc.; de árvores ou plantas: Carvalho, Figueira, Nogueira, Oliveira, Pereira, etc. de animais: Carneiro, Coelho, Leitão, Raposo, etc.; de aves ou pássaros: Galo, Pardal, Perdigão, etc.; de pontos geográficos: Ribeiro, Rios, Lago, Costa, Monte, etc.; de profissões: Guerreiro, Monteiro, Ferreira, etc.[24]
O sobrenome pode ser simples (Fernandes, Rodrigues) ou composto (Pereira Pinto, Costa Machado). Pode provir do apelido de família do pai ou da mãe, podendo ser, ainda, da junção dos dois. Há na verdade estreita margem de escolha dos pais no que se refere ao sobrenome, uma vez que sua finalidade é indicar a família da qual pertence.
A regra de utilização se altera dependendo do país ou da região. Alguns permitem o emprego apenas do primeiro sobrenome do pai e da mãe, outros somente do apelido de família do pai. No Brasil, a regra é o uso do prenome seguido do apelido de família materno e do paterno, na respectiva ordem. No entanto, não há prejuízo caso o interessado queira aplicar ordem diversa.
Todas as pessoas nascem com o direito de receber, além do prenome, o sobrenome da família que pertença. O que não pode acontecer é a omissão quanto ao sobrenome no registro de nascimento, visto que é elemento essencial, onde além de auxiliar na distinção e individualização, tem o papel de designar os indivíduos pertencentes à mesma família.
Inclusive, o artigo 55 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), prevê que se o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato.
Portanto, além de ser elemento para a perfeita individualização do sujeito, serve também para a identificação da procedência familiar, da localização no seio familiar.
4.1.3. Do agnome
O agnome é utilizado para diferenciação nos casos em que há o mesmo prenome e sobrenome de mais de um membro da família. Logo, o agnome faz parte do nome civil.
Deverá ser empregado como último elemento do nome, indicando a espécie de parentesco (Júnior, Sobrinho, Neto, Filho) ou grau de geração (Segundo, Terceiro, etc.)[25]. Não é mais comum usar números ordinais para distinção.
De fato, é empregado no Brasil, na maioria das vezes, como homenagem a seu ascendente ou até mesmo por simples estética. “Seu uso é muito difundido na tradição luso-brasileira, onde são comuníssimos os casos em que o nome de um chefe de família é também pôsto no filho, no neto, no sobrinho (...)”[26]
No ordenamento jurídico pátrio, não existe vedação para o uso do agnome, podendo ser perfeitamente aplicado.
Preciosa elucidação realizada por Rubens Limongi França:
Ao filho de ‘José de Queiroz’, quando se quer que venha a ter o mesmo nome, se chama ‘José de Queiroz Filho’, providência que, embora ainda não tenha saído do âmbito dos usos e costumes, a nosso ver, deveria ser investida de obrigatoriedade legal.
O filho de ‘José de Queiroz Filho’, se vier a ser registrado também com o mesmo nome, deverá denominar-se ‘José de Queiroz Neto’. Mas entendemos que não é êste um privilégio do filho do homônimo do avô: o sobrinho de ‘José de Queiroz Filho’ também pode vir a chamar-se ‘José de Queiroz Neto’, porque êste agnome indica uma relação de parentesco efetiva entre o avô e o registrando.[27]
Em termos práticos, o agnome já utilizado não pode ser transmitido pelo portador aos seus filhos, sob pena de tornar inócuo este sinal distintivo.
Na legislação de alguns países existem limites mais rígidos para o agnome. Na Itália, por exemplo, não é permitido o emprego de prenome e sobrenome igual ao do pai, salvo se este for falecido.
4.2. Sinais distintivos secundários
4.2.1. Do pseudônimo
Devendo integrar o grupo de sinais distintivos secundários, o pseudônimo é um nome fictício que a pessoa atribui a si. “Na sua acepção etimológica, pseudônimo significa falso nome, nome suposto, pois tal vocábulo é formado de dois outros: um latino, nomem, que quer dizer nome; e outro, grego, pseudos, que vem a ser mentira, falsidade”[28].
Muitos utilizam um pseudônimo como forma de identificação em suas atividades, ocultando seu verdadeiro nome. Como exemplos, podemos citar artistas (Sílvio Santos, Xuxa), músicos (Renato Russo, Fafá de Belém, Zeca Baleiro) e atletas (Pelé, Dunga, Tostão, Zico).
Segundo Rubens Limongi França, “consiste na faculdade que tem o sujeito de, quanto a certos aspectos da sua personalidade (artístico, literários, etc.) ser identificado por uma designação personativa que não é o seu nome civil.”[29]
São considerados mais comerciais e de fácil memorização, vistos como uma forma de marketing à pessoa,
Conforme o artigo 19 do atual Código Civil, o pseudônimo recebe proteção legal, não podendo ser adotado por terceiros sem autorização do titular, sob pena de reparação do dano causado, uma vez que recebe o mesmo resguardo dispensado ao nome,
Hoje a utilização de pseudônimo está difundida, haja vista o progresso dos meios de comunicação. Entretanto, não poderá ser utilizado como meio de identificação para as obrigações da vida civil.
4.2.2. Do apelido
Nome pelo qual é conhecido e chamado vulgarmente o indivíduo, “substitutivo do Nome Civil adotado na intimidade ou popularmente”[30], Conhecido também como alcunha e epíteto, são meios de denominação que facilitam a identificação.
Auxilia na distinção do sujeito, sendo muitos inspirados em particularidades do corpo, comportamentos e situações causadas ou vivenciadas pelo sujeito. “Usados comumente no trato familiar e íntimo, embora por vêzes possa vir a extravazar-se para a vida pública do titular”.[31]
Existem casos em que são atribuídos por outrem ou sugeridos pela própria pessoa. Caso a pessoa passe a se identificar pelo próprio apelido, poderá vir a receber a mesma proteção do pseudômino, por passar a integrar os direitos da personalidade.
Em alguns casos poderá vir a fazer parte do nome, pois a lei admite a substituição do prenome por apelidos públicos notórios, por autorização judicial, devendo ser assim conhecida em seu meio social.
4.3. Da imutabilidade
O nome é considerado imutável, via de regra. Trata-se de um princípio de ordem pública, porquanto visa à proteção de terceiros de boa-fé em suas relações com aquele que pretende a modificação do elemento de identificação. Deste princípio, “deflui o estabelecimento de normas especiais que visam a garantir a fixidez e a regularidade dos meios de identificação dos diversos indivíduos”[32].
A regra de imutabilidade é relativa, tendo como objetivo evitar que pessoas busquem a alteração do nome por mero capricho ou por má-fé, ocultando sua identidade de forma fraudulenta, de modo a se furtar de obrigações assumidas. Em cada caso deve ser verificado se com a alteração, existe a possibilidade de comprometer a higidez nas relações sociais.
Vejamos preciosa a lição do Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
São dois os valores em colisão: de um lado, o interesse público de imutabilidade do nome pelo qual a pessoa se relaciona na vida civil; de outro, o direito da pessoa de portar o nome que não a exponha a constrangimentos e corresponda à sua realidade familiar. Para atender a este, que me parece prevalente, a doutrina e a jurisprudência têm liberalizado a interpretação do princípio da imutabilidade, já fragilizado pela própria lei, a fim de permitir, mesmo depois do prazo de um ano subsequente à maioridade, a alteração posterior do nome, desde que daí não decorra prejuízo grave ao interesse público, que o princípio da imutabilidade preserva[33].
Importante deixar registrado que, embora a Lei de Registros Públicos diga respeito apenas ao prenome, a imutabilidade atinge todas as partes do nome já analisadas. Posto que qualquer alteração em algum elemento que compõe o nome pode acarretar confusões e prejuízos na identificação. Assim, o tratamento tanto do prenome quanto do sobrenome deve ser feito de modo igualitário, pois ambos têm sua função na identificação, o primeiro auxiliando quanto aos indivíduos dentro da família, e o segundo distinguindo a própria família. Podemos concluir, portanto, que os dois elementos juntamente com o agnome concorrem para a identificação do indivíduo[34].
O princípio da imutabilidade não é absoluto, admite exceções previstas na legislação vigente, sendo possível a alteração para os casos que a justifiquem. Podemos encontrar hipóteses em que se prevê a possibilidade de alteração na própria Lei de Registros Públicos, em seus artigos 56 e 57.
A tendência nos dias atuais é que haja a flexibilização do dogma da segurança jurídica, com o escopo de garantir a alteração do nome sem tanto rigor. Deve ocorrer um equilíbrio entre os limites impostos pelo Estado e as pretensões declinadas pelo interessado, pois o formalismo não deve prevalecer em prejuízo dos direitos da personalidade.
É cediço que a norma legal determina a imutabilidade do prenome. Entretanto, a regra constitucional de respeito à dignidade humana deve prevalecer sobre o princípio da segurança das relações jurídicas que rege aquela determinação posta na Lei dos Registros Públicos, afastando qualquer rigorismo exacerbado.[35]
Com efeito, levando-se em consideração o princípio da dignidade humana e a supremacia dos direitos da personalidade, o nome deve atender às expectativas do indivíduo, afastando situações de constrangimentos, amarguras ou descontentamento com seu próprio “eu”.
A imutabilidade do nome não é incondicional, a ampliação nas possibilidades de alteração verificadas na doutrina e jurisprudência deve-se ao fato de uma leitura da legislação infraconstitucional em consonância com a Constituição Federal, porquanto o nome está intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana.
Oportunas as transcrições jurisprudenciais sobre o tema:
Registro Civil. Retificação de nome. Viabilidade da inclusão de outro patronímico materno. Pretensão não encontra óbice legal. A imutabilidade é relativa e o nome constitui direito da personalidade, pois devidamente motivada, nem acarreta prejuízo a terceiro, não ensejando, por outro lado, supressão dos apelidos de família. Recurso provido para julgar procedente o pedido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 9.147.236-22.2008.8.26.0000, Relator Desembargador Beretta da Silveira, j. 04.11.2008).
Registro civil. Retificação de nome. Viabilidade de inclusão do patronímico materno e supressão parcial do patronímico paterno. Direito contemporâneo que dá nova função ao nome, não apenas para designar a pessoa humana e tornar possível o dever de identificação pessoal, mas sobretudo como um elemento da personalidade individual. Alteração que melhora a situação social do interessado. Substituição de um sobrenome por outro, permite situar o autor dentro de seu núcleo familiar e tronco ancestral. Recurso provido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 9.166.340- 68.2006.8.26.0000, Relator Desembargado Francisco Loureiro, j. 15.09.2011).