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Como harmonizar a concisão do julgado com o dever de motivação da sentença? Comentários à decisão do STJ no HC 220.562/SP

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Uma decisão sem fundamentos, que não permita identificar com absoluta clareza e em toda a sua extensão os caminhos racionalmente percorridos pelo julgador, é na realidade uma manifestação pura e incontrolável de poder.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu no julgamento do HC 220.562/SP, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que é nulo o acórdão que apenas ratifica sentença sem transcrever os fundamentos.

No Brasil, comumente os Tribunais Superiores são instados a dizer o óbvio. Este é mais um exemplo.

O artigo 93, IX, da Constituição Federal, embora inserido topograficamente na disciplina constitucional do Poder Judiciário, é um direito fundamental do cidadão brasileiro e como tal deve ser lido com as lentes da máxima efetividade, princípio basilar da teoria geral dos direitos fundamentais.

Uma decisão sem fundamentos, que não permita identificar com absoluta clareza e em toda a sua extensão os caminhos racionalmente percorridos pelo julgador, é na realidade uma manifestação pura e incontrolável de poder. Um retrocesso histórico, portanto, já que o monarca absoluto, antes do Estado de Direito, decidia de acordo com a sua íntima convicção e ao gosto dos mais variados interesses, mormente os dele próprio.

Nesse exato sentido, a notícia em comento assevera que “a necessidade da transcrição dos fundamentos das decisões se justifica na medida em que só podem ser controladas ou impugnadas se as razões que as embasaram forem devidamente apresentadas. Por isso, são nulas as decisões judiciais desprovidas de fundamentação.”

Além disso, uma decisão sem fundamentos é um desrespeito ao jurisdicionado e ao operador do direito que se esmerou na confecção de um recurso.

Acessar o duplo grau de jurisdição impõe sempre àquele que sucumbiu ou que tenha legítimo interesse recursal o dever de enfrentar as razões da decisão recorrida. Os argumentos de um recurso, se por um lado não precisam ser profundamente confrontados um a um, ao menos devem ser minimamente avaliados e rechaçados de modo compreensível e aceitável.

Convém também lembrar que a íntima convicção é método de valor histórico que não foi agasalhado pela ordem constitucional vigente e que não tem validade no mundo jurídico, embora insista em assombrar o mundo dos fatos.

O artigo 93,IX, da Constituição Federal, ao garantir a motivação das decisões judiciais, consagra o princípio do livre convencimento motivado. O julgamento do HC 220.562/SP o reafirma certamente.

Mas não é só. É preciso avançar um pouco mais.

Uma decisão judicial adequada e equilibrada, capaz de resguardar o Direito e restabelecer a paz social, é aquela que se baseia no livre convencimento motivado exercido à luz de um outro princípio processual tantas vezes esquecido: o princípio da persuasão racional das provas.

Sob a perspectiva democrática e republicana do Estado de Direito, de nada adianta uma decisão repleta de bons motivos que simplesmente olvide a atividade probatória desenvolvida pelas partes.

A prova reproduz (na medida do possível) a realidade dos fatos sub judice. 

Os fatos tais como se revelem nos autos por intermédio das provas devem estar necessariamente refletidos na decisão judicial, sob pena de entrega insuficiente da tutela jurisdicional.

São incontáveis as decisões judiciais em todo o Brasil, em especial no processo penal, que violam direitos e olvidam as provas, apenas para reafirmar jargões do senso comum: “periculosidade segundo a natureza do delito”, “gravidade abstrata do crime cometido”, “sensação de insegurança”, “intensidade do dolo” etc.

Páginas e mais página inúteis para a propagação de ideologias que vão do movimento“lei e ordem” ao “garantismo tupiniquim”, maspoucas ou nenhuma linha para o enfrentamento racional das provas que as partes fizeram.

É certo que o volume crescente de processos nos Tribunais conduz a decisões cada vez mais concisas, e é até bom que seja assim, pois, respeitados entendimentos em contrário, academicismos são improdutivos e desnecessários.

Concisão e falta de motivação, contudo, são situações diametralmente opostas e inconciliáveis.

A adoção da motivação “ad relationem”, ou seja, a repetição dos fundamentos de outra decisão, de parecer do Ministério Público ou de manifestação da defesa é valida e comumente utilizada no dia a dia forense, mas não pode ser a única razão de decidir, como bem ponderou o STJ na decisão em comento.

Em suma, concisão e objetividade são ferramentas importantes para dar vazão à demanda crescente de conflitos que desaguam nos Tribunais diariamente.

A questão está no equacionamento do conflito: “administração do volume de serviço” X “garantias dos jurisdicionados”. 

No julgamento do habeas corpus em comento reconheceu-se a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por falta de motivação, determinando-se a realização de novo julgamento da apelação.

O novo acórdão poderá ser conciso, mas certamente deverá ser motivado e exarado de acordo com o princípio da persuasão racional das provas.

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Sobre o autor
Lucas Corrêa Abrantes Pinheiro

Defensor Público do Estado de São Paulo. Membro do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo. Coordenador-Adjunto do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto. Especialista em Ciências Criminais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Lucas Corrêa Abrantes. Como harmonizar a concisão do julgado com o dever de motivação da sentença? Comentários à decisão do STJ no HC 220.562/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3565, 5 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24109. Acesso em: 21 nov. 2024.

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