1 Introdução
No campo processual, muitas vezes há considerável desequilíbrio entre os litigantes e, por esta razão, tem-se apontada a necessidade de serem realizadas alterações nos institutos processuais, a fim de agilizar os procedimentos e possibilitar a prestação jurisdicional de modo rápido e eficaz, conferindo maior efetividade aos direitos titularizados pelo indivíduo.
Sendo instrumento destinado a possibilitar a emissão do provimento jurisdicional final, solucionando os conflitos de interesse surgidos na sociedade, o processo deve ser acessível à totalidade da população, bem como ter a capacidade de entregar a solução mais justa possível. Assim, ter-se-á prestígio à isonomia material e o acesso à justiça, erigidos à categoria de direitos fundamentais pela nova ordem constitucional.
Para tanto, deve o Estado, detentor do monopólio da distribuição da justiça, desenvolver meios para tutelar de forma mais adequada e efetiva os direitos titularizados pelas pessoas.
Nessa ótica, constatado que a promoção da defesa do consumidor não poderia ser entendida como mera outorga abstrata e formal de direitos, o legislador lançou mão de medidas capazes de efetivamente proteger o vulnerável nas relações de consumo, possibilitando-lhe o acesso a um provimento jurisdicional justo, como é o caso do instituto em estudo.
Nesse sentido, acresce em importância a necessidade de realização de adaptações relacionadas à forma de distribuição do ônus da prova nas lides de consumo, visando a prestigiar os princípios constitucionalmente previstos da isonomia e acesso à justiça.
Sob este enfoque, é que serão analisados, no presente estudo, os requisitos para a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova instituído pela Lei nº 8.078/90 como forma de facilitar a defesa do consumidor em juízo, direito básico previsto no art. 6º, inciso VIII, do mencionado diploma legal.
2 A inversão do ônus da prova como instrumento do direito básico da facilitação da defesa dos direitos do consumidor
A facilitação da defesa de seus direitos em juízo além de ser erigida ao posto de direito básico do consumidor, é também verdadeiro princípio do novo ramo das relações privadas, o Direito do Consumidor.
Dentre os vários instrumentos colocados à disposição da parte reconhecidamente vulnerável nas relações de consumo (Lei nº 8.078/90, art. 4º, inciso I), está a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova em favor daquela, quando preenchidos determinados requisitos estabelecidos no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
A inversão do ônus da prova, como bem esclarece Antonio Gidi, antes de constituir direito básico, é apenas um dos dos meios legais para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor em Juízo:
O primeiro passo na aproximação do tema proposto é reconhecer que, ao contrário do que comumente se vem afirmando, a inversão do ônus da prova não é um ‘direito básico do consumidor’. O direito outorgado ao consumidor pelo n. VIII do art. 6º do CDC, como ‘direito básico’, é a facilitação da defesa dos seus direitos em juízo: a inversão é, tão-somente, um meio através do qual é possível promover a facilitação. (GIDI, 1995, p. 33)
Ante a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, o instituto constitui medida que se coaduna com o princípio do acesso à justiça. Como aponta Eduardo Cambi, seu “[...] intuito é tutelar os direitos do consumidor, conferindo-lhe paridade de armas perante o fornecedor” (2006, p. 412) e prestigiando, assim, o princípio constitucional da isonomia.
Aqui, deixou-se o legislador guiar pelo critério político segundo o qual, se o consumidor, como explicitamente reconhece a lei, é a parte ‘vulnerável’ no mercado de consumo, então deve-se [sic] facilitar-lhe a prova, para possibilitar o sucesso de empreitadas judiciais que, num esquema tradicional, estariam fadadas ao fracasso, pelas enormes limitações que se opõem à demonstração completa e inequívoca da responsabilidade civil do fornecedor. (MOREIRA, 1991, p. 183)
A existência do instituto é justificada pela consciência de que apenas a concessão de direitos ao consumidor não seria suficiente para a garantia do equilíbrio na relação de consumo, pois muitas vezes seu exercício ficaria obstada pela aplicação, no plano processual, das normas rígidas do Código de Processo Civil, desenhadas tomando por base relações jurídicas travadas por litigantes presumidamente iguais.
As regras clássicas utilizadas no sistema processual comum não conduzem aos resultados práticos almejados pela jurisdição, pois, apesar de conduzirem à resolução do litígio, em grande parte das ocasiões não seria alcançada a pacificação social com justiça.
Por isso, a garantia formal de acesso à justiça do consumidor não surtiria os efeitos desejados “[...] se ele não dispusesse de instrumentos adequados para poder convencer o magistrado de que tem razão, porque as situações injustas não teriam como ser reparadas, caso o ônus da prova não pudesse ser invertido” (CAMBI, 2006, p. 412).
A inversibilidade do ônus probatório ope iudicis prescrita no Código de Defesa do Consumidor atua, como cediço, como fator de reequilíbrio entre sujeitos processuais que são naturalmente desiguais no universo do embate processual: a evidente falta de equivalência entre os dois litigantes normais que figuram no litígio judicial consumeirista exige a intervenção do órgão jurisdicional no sentido de abreviar, mitigar, a enorme disparidade de forças verificada entre consumidor e fornecedor litigantes.
Esta revolucionária circunstância legalmente encetada pelo Código de Defesa do Consumidor adveio da consolidação de um verdadeiro postulado do direito moderno: o acesso à ordem jurídica justa. (MELLO, 2008, p. 77, grifos do autor)
A medida, portanto, de salutar importância e utilidade prática, veio a lume com o Código de Defesa do Consumidor como forma de adequar o ordenamento jurídico, premissa básica do acesso à justiça, às necessidades direito processual e um dia, quiçá, poderá vir a perder sua utilidade, em razão da abolição, ou redução a limites toleráveis, da vulnerabilidade do consumidor.
3 Requisitos para a aplicação do instituto
A inversão do ônus da prova em favor do consumidor, tal como prevista no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90, não é aplicável automaticamente, por força da lei (ope legis), mas sim através de decisão judicial (ope judicis) (CAMBI, 2006, p. 413).
O juiz, verificando a presença de todos os elementos caracterizadores da típica relação de consumo, procederá à inversão do ônus da prova em desfavor do fornecedor quando presentes os requisitos estabelecidos previamente no Código de Defesa do Consumidor. Assim, perquirirá, utilizando-se das regras ordinárias de experiência, se as alegações formuladas pelo consumidor são verossímeis, ou se aludida parte é hipossuficiente.
No que toca aos requisitos, nada obstante a existência de posicionamentos divergentes (GIDI, 1995, p. 34), é majoritária a doutrina segundo a qual não se pode exigir a caracterização simultânea da hipossuficiência e da verossimilhança das alegações, em razão da utilização da conjunção “ou”, expressando idéia alternativa, em detrimento do vocábulo transmissor da idéia de adição, “e” (CAMBI, 2006, p. 413).
Portanto, [1] tratando-se de processo civil, [2] caracterizada uma relação de consumo, [3] a critério do juiz, poderá ser invertido o encargo probatório quando, segundo as [4] regras de experiência, [5] a alegação for verossimilhante ou estiver caracterizada a [6] hipossuficiência do consumidor. De tal modo, os dois últimos requisitos são alternativos.
3.1 Verossimilhança
Boa parte da doutrina relaciona o conceito de verossimilhança ao de probabilidade de serem verdadeiros os fatos alegados, dependendo dos indícios apresentados pela parte, pois não se poderia, antes do inicio da instrução probatória, a apresentação de prova cabal da veracidade.
Nesse sentido, a manifestação de Afrânio Carlos Moreira Thomaz:
A verossimilhança seria a elevada probabilidade de serem verdadeiros os fatos articulados na petição inicial -, o que pode ser inferido pela sua coerência, seu sentido lógico, além da apresentação de indícios ou provas de imediato produzidas (v.g. documentos). Ou seja, a verossimilhança não nasce simplesmente da palavra do consumidor, pois depende sobretudo de indícios que sejam trazidos aos autos do processo. E sobre tais indícios é que o órgão judicial, segundo as regras de experiência, poderá chegar ao juízo de probabilidade. (2009, p. 183. Grifos do autor)
Refletindo sobre o tema, Antonio Gidi afirma: “Verossímil é o que é semelhante à verdade, o que tem aparência de verdade, o que não repugna à verdade, enfim, o provável” (1995, p. 35).
Para Eduardo Cambi, de outra parte, “quando se exige que a alegação seja verossímil, isso significa que deve corresponder ao que normalmente acontece”, não sendo exigida a realização de juízo de probabilidade da alegação, possibilitando a dispensa de qualquer elemento de prova (2006, p. 414).
O juízo de verossimilhança é formulado com base no conhecimento que o juiz tem, antes da produção da prova, estando baseado na mera alegação do fato e fundado em uma máxima da experiência, isto é, na frequência com que fatos do tipo daquele alegado acontecem na realidade. Portanto, é um juízo genérico e abstrato sobre a existência do fato típico, formulado sob o critério da normalidade. (CAMBI, 2001, p. 58-59)
Feitas estas considerações, adiante o autor conclui:
O juízo definitivo (verdadeiro) é resultado da comparação entre a representação feita, pelas partes, dos fatos (alegações) e a efetiva demonstração desses fatos constante nas provas produzidas. O juízo de verossimilhança, por outro lado, não está fundado na representação probatória do fato que deve ser provado, mas em uma máxima da experiência que concerne à frequência com que esse fato se produz na realidade. O juízo de verossimilhança não é, pois, resultado da relação entre as alegações e as provas, mas do confronto entre a representação do fato, feita pelas partes (alegações), e um juízo genérico e prévio, em relação a atividade probatória, que toma o fato representado e procura encaixá-lo em uma categoria jurídica típica. O conceito de verossimilhança, desse modo, prescinde de elementos de prova, não podendo ser considerado o objetivo a ser alcançado pelo procedimento probatório. (CAMBI, 2001, p. 60)
As regras ordinárias de experiência a que se referem a Lei nº 8.078/90 são as mesmas máximas da experiência tratadas no art. 335 do Código de Processo Civil. Sobre estas últimas, ensina Eduardo Cambi (2006, p. 283):
As máximas da experiência são previsões às quais se pode chegar com auxílio da indução, na medida em que se parte da experiência do que ocorre normalmente (id quod plerumque accidit), sendo, por isso, um juízo baseado em verossimilhança. Parte-se, pois, da constatação do que acontece na maioria repetida dos casos, já que a causa e a consequência, bem como o sujeito e o predicado, do juízo lógico estão constantemente ligados de uma determinada maneira.
Nessa toada, quando o ordenamento condiciona a inversão do ônus da prova à existência de alegações verossímeis do consumidor, significa que a realidade histórica retratada nas alegações do consumidor deve subsistir ao filtro das regras da experiência (máximas da experiência), que nada mais são que o reflexo da observação do comumente ocorrido. A inexistência de elementos de prova, assim, não será impeditiva do reconhecimento da verossimilhança das alegações.
3.2 Hipossuficiência
Em sintonia com o ideal de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, será também possível a inversão do ônus da prova quando verificada a hipossuficiência probatória, a qual, na lição de Eduardo Cambi, “[...] tem sentido amplo e significa a diminuição da capacidade do consumidor” (2006, p. 415).
Na definição de Fábio Costa Soares (2006, p. 209):
[...] a hipossuficiência que autoriza e impõe a inversão do ônus da prova pelo juiz nas lides de consumo é toda aquela que dificulta a defesa dos interesses e direitos do consumidor em juízo, vista sob a ótica da carência econômica, técnica e cultural aferida no caso concreto.
Segundo Afrânio Carlos Moreira Thomaz (2009, p. 184), “a hipossuficiência [...] tem a ver com a impossibilidade ou a grande dificuldade, por parte do consumidor, de produzir a prova, ostentando o fornecedor maior aptidão para se desincumbir desse ônus”.
Convém, desde logo, esclarecer que a hipossuficiência ora tratada não se confunde com a vulnerabilidade do consumidor, tendo cada um dos termos recebido tratamento diferenciado pela Lei nº 8.078/90.
De fato, existe presunção absoluta da vulnerabilidade do consumidor, estando tal instituto inserido no rol de princípios da Política Nacional de Relações de Consumo (CDC, art. 4º, inciso I), tratando-se, assim, de princípio de direito material. A hipossuficiência, por sua vez, nem sempre estará caracterizada, por consubstanciar a maior dificuldade de produção de determinada prova, sendo, portanto, instituto da ciência processual.
Sobre o tema, as precisas palavras de Roberto Senise Lisboa:
Em outras palavras: nem é sempre que o consumidor pode ser considerado hipossuficiente, mas ele é sempre vulnerável. O consumidor vulnerável pode ser hipossuficiente, ou não. A lei não entende que a hipossuficiência equivale à vulnerabilidade. Pelo contrário. Do microssistema jurídico em questão pode-se concluir que todo consumidor é vulnerável, porém nem todo consumidor é hipossuficiente. (2006, p. 100)
Na mesma trilha, considerando a hipossuficiência diferente da vulnerabilidade, manifesta-se Heitor Vitor Mendonça Sica (2007, p. 52-53):
Vulnerável, todo consumidor é, e isso constitui o primeiro princípio sobre o qual se assenta a ‘Política Nacional das Relações de Consumo’, traçada no art. 4º do CDC. Mas, conquanto vulnerável, o consumidor nem sempre é hipossuficiente. Essa circunstância há de ficar demonstrada para que lhe caiba a inversão do ônus probatório.
Assim, haverá situações nas quais, mesmo sendo vulnerável, o consumidor não possuirá a condição de hipossuficiente, impossibilitando-lhe, por essa razão, de desfrutar dos benefícios da inversão do ônus da prova.
À primeira vista, a hipossuficiência poderia parecer restrita à condição econômica. A doutrina, todavia, não tem concordado com tal proposição. Eduardo Cambi, por exemplo, coerente com o conceito amplo já mencionado, considera que a hipossuficiência “não se restringe aos aspectos econômicos, mas também devem ser poderosos fatores como o acesso à informação, grau de escolaridade, poder de associação e posição social” (2006, p. 415-416).
Também defendendo a possibilidade de o consumidor ser hipossuficiente por motivos outros que não o econômico, a percuciente doutrina de João Carlos Adalberto Zolandeck (2009, p. 133):
O critério de aferição da hipossuficiência do consumidor não deve ser apenas o econômico, tendo em vista outro principal aspecto de inferioridade que se refere ao maior grau de conhecimento técnico do fornecedor em relação às atividades que desenvolve, portanto, existe desigualdade de conhecimentos técnicos sobre a própria relação de consumo, o que traz conseqüências indesejáveis na instrução processual, de forma que o consumidor merece ter a sua defesa facilitada em consonância com as normas protetivas anunciadas.
Realmente, não se pode conceber a limitação da hipossuficiência à mera aferição da capacidade econômica do consumidor, pois aí então poderia ocorrer de ser negada a inversão do ônus da prova em casos de flagrante disparidade de armas para a defesa dos direitos das partes apenas porque aquele possui confortável situação financeira. De outro lado, em relação ao consumidor pobre, apenas a mera concessão do benefício da assistência judiciária gratuita previsto na Lei nº 1.060/50 não seria suficiente para evitar o desequilíbrio entre ele e o fornecedor (NUNES, 2008, p. 776).
De tal sorte, tem alcançado enorme prestígio o entendimento segundo o qual a hipossuficiência referida no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, acoberta também a chamada hipossuficiência técnica ou de informação.
É o que defende Rogério Licastro Torres de Mello (2008, p. 81):
[...] o déficit legitimador da inversão do ônus probatório nas ações de consumo é algo mais amplo do que a simples incapacidade econômica do consumidor, posto ser importante quesito para a reversão do ônus da prova também a chamada ‘hipossuficiência técnica’ do consumidor, vale dizer, busca-se neutralizar a acachapante primazia do fornecedor sobre o bem de consumo debatido, com o intuito de colocar em equilíbrio processual instrutório as partes da demanda consumeirista. (grifos do autor)
Deixando clara sua posição sobre o tema, Fábio Costa Soares esclarece:
O conceito de hipossuficiência não pode ficar restrito à vertente econômica para fins de inversão do ônus da prova. Este conceito jurídico indeterminado pode ostentar no caso concreto a dimensão não apenas econômica, mas também técnica e cultural, autorizando em qualquer dos casos a inversão do onus probandi.
E isto porque, não apenas a carência de recursos financeiros, mas também a carência cultural e a ausência de conhecimentos técnicos podem dificultar, ou em alguns casos impedir a defesa adequada e efetiva dos interesses e direitos do consumidor em juízo. (2006, p. 207)
Desse modo, mostra-se mais consentânea com a ideologia constante no seio do microssistema de protetivo a interpretação no sentido de que deve ser considerado hipossuficiente não apenas o consumidor desprovido de recursos financeiros suficientes para a defesa de seus direitos, mas todo aquele tecnicamente carente, em razão de o fornecedor possuir muito mais informações sobre o produto ou serviço colocado no mercado de consumo.
3.3 Critério do juiz
Referiu-se anteriormente à necessidade de haver decisão judicial determinando a inversão do ônus da prova, fazendo despontar sua característica de ope judicis, a qual se contrapõe à ope legis. A propósito, o dispositivo legal que regulamenta referido instituto jurídico, apesar de apresentar seus requisitos, dispõe que sua aplicação ao caso concreto será realizada a critério o juiz.
A despeito do texto legal, não se pode considerar a existência de discricionariedade do magistrado na aplicação do instituto jurídico. Estando “presente um dos requisitos legais, a inversão do ônus da prova é direito público subjetivo do consumidor e dever imposto ao juiz, ante a natureza de ordem pública e interesse social das normas do CDC (artigo 1º)” (SOARES, 2006, p. 202).
Sandra Aparecida Sá dos Santos esclarece que, a despeito da alusão à inversão do ônus da prova ‘a critério do juiz’, este, na verdade, possui ampla liberdade para averiguar o preenchimento dos requisitos da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência, mas não possui discricionariedade para negar a aplicação do instituto quando verificar presentes seus pressupostos. Assim, “[...] presente um dos requisitos o magistrado tem o dever-poder de ordenar a medida, com a devida fundamentação da decisão, observando o art. 93, inc. IX, da Constituição da República” (2006, p. 73).
É dizer, não pode o juiz deixar de aplicar a inversão do ônus da prova, uma vez presente um dos seus pressupostos, haja vista que ela é um dos direitos básicos titularizados pelo consumidor em diploma legislativo que consagra normas de ordem pública e interesse social. A inversão do ônus da prova, nas hipóteses eleitas pelo legislador consumeirista, é necessária para conferir efetividade ao processo e assegurar o acesso do consumidor à ordem jurídica justa (SOARES, 2006, p. 202)
A inexistência de discricionariedade do juiz também é evidenciada pela possibilidade de inversão do ônus da prova independentemente de requerimento do consumidor, por se tratar de direito básico reconhecido pela Lei nº 8.078/90, a qual traz em seu bojo normas de ordem pública e interesse social, conforme já verificado (SANTOS, 2006, p. 73; SOARES, 2006, p. 203).
Nestes termos, pode-se concluir que, uma vez constatada no caso concreto a presença dos pressupostos arrolados no texto legal, mesmo diante da inexistência de requerimento, não haverá outra saída ao julgador que não seja a aplicação da inversão do ônus probatório.
A liberdade concedida ao juiz fica restrita, portanto, ao preenchimento das condicionantes da verossimilhança da alegação ou hipossuficiência, segundo as regras ordinárias de experiência, conceitos indeterminados que, por essa razão, dão maior elasticidade à atuação do julgador.
4. Considerações finais
Na Constituição Federal de 1988 foi assegurado o acesso à justiça, expressão ampla que abarca um complexo de direitos fundamentais relacionados com o processo, dentre eles o de serem concedidas as mesmas possibilidades de êxito na demanda. A mesma Carta Constitucional determina ao Estado brasileiro a promoção da defesa do consumidor na forma da lei.
A partir do Código de Defesa do Consumidor, vigorou uma nova sistemática nas relações de consumo, com o fito de solucionar a vulnerabilidade do consumidor reconhecida no próprio texto legal. Buscou-se concretizar o ideal de redução da desvantagem jurídica na qual se encontrava o consumidor para efetivação de seus direitos perante o Poder Judiciário.
Deixando evidente que a promoção da defesa do consumidor não se resume à mera outorga abstrata e formal de direitos, reconheceu-se a necessidade de implementação de medidas capazes de efetivamente proteger o vulnerável nas relações de consumo, possibilitando-lhe o acesso a um provimento jurisdicional justo.
O gozo dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, assim, passa necessariamente pela facilitação da defesa dos direitos em juízo que, como visto, não tem a intenção de penalizar o fornecedor ou garantir sempre a procedência da pretensão do consumidor, mas apenas proporcionar equilíbrio na relação processual, evitando a prevalência da superioridade fática, técnica e econômica do fornecedor.
A aplicação do instituto deverá ser realizada pelo juiz independentemente de requerimento das partes quando evidenciada a existência de relação de consumo e, segundo as regras de experiência, for constatada a verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência.
Por tais razões, pode-se dizer que o aprofundamento do estudo do princípio da facilitação da defesa do consumidor em juízo é de extrema importância, pois a correta aplicação das normas protetivas contribui de forma decisiva para se atingir as finalidades almejadas pelo Código de Defesa do Consumidor, ocupando a inversão do ônus probatório papel de destaque na busca pelo integral acesso à justiça do consumidor.
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