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A falácia das gerações de direitos fundamentais

09/04/2013 às 17:20
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Toda tentativa de implemento de, por exemplo, direitos de “segunda geração”, traz consigo, em maior ou menor grau, espoliação da liberdade de outros membros da comunidade, pois a execução de políticas públicas demanda muitos recursos financeiros.

Governo é aquela ficção em que todos acreditam que podem viver às custas dos outros.

- Frédéric Bastiat.

Doutrinariamente, é costumeira e bem aceita a seguinte divisão das supostas gerações de direitos fundamentais:

  • A primeira geração, a dos direitos civis e políticos, que seriam direitos negativos ou de não agir, como liberdade de expressão, religiosa, por exemplos.
  • A segunda geração seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, que exigiram prestações ou condutas comissivas do Estado, com fulcro no princípio da igualdade. 
  • A terceira geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente sadio, tudo com fulcro na bandeira da fraternidade.

Há os que pregam mais gerações de direitos como, verbi gratia, direito à democracia direta e ao pluralismo, dando conta de outras mais gerações. 

São conceitos que constam de quase todos os manuais jurídico e com extensa produção acadêmica, levando à séria conclusão que esses teóricos têm pouca compreensão de fenômenos políticos, filosóficos e jurídicos que acompanham a História.

É uma construção doutrinária que julgamos errônea e inadequada, sem forma de se compatibilizar com a realidade jurídica existente e com a mínima noção de senso público.

In limine, reconhecemos apenas os direitos de “primeira geração” (termo que não adoto), onde não são tratados como revelados por um acontecimento ou advento de uma geração nem outra forma progressiva de revelação; apenas cremos na existência positiva desses direitos, e que em certo quadrante da História, ganharam reconhecimento formal.

Ou seja, apenas os direitos que constituem na “primeira geração”, sob minha ótica particular e Liberal, têm relevância.

Vejo nessa construção um pano de fundo altamente marxista, revelado no fato de que a segunda geração de direitos, num continuum progressista, anulou a primeira, visando valores mais voltados à igualdade das classes, dando vazão à idéia deturpada de luta classista.

Política social e distribuição de renda através do Direito, esse é o desiderato da communis opinio doctorum nesta arquitetura teórica, ao meu ver.

O descuido intelectual parte da não compreensão de que a forçosa implementação de situações jurídicas, através de meios coercitivos, por meio da autoridade estatal, acarreta inexoravelmente a lesão dos demais administrados.

É certo, pois, que toda tentativa de implemento de, por exemplos, direitos de “segunda geração”, traz consigo, em maior ou menor grau, espoliação da liberdade de outros membros da comunidade. 

Assim, um travestismo jurídico explícito. Sempre o ideal coletivista se travestirá de uma boa tese, uma tese social, de boa aparência teórica, imbuída das melhores pretensões, mas acarretando os piores malefícios com sua execução no mundo prático. 

Seria a concretização desses direitos virtuais, dizem, a complementação da dignidade da pessoa humana, sendo que um não poderia existir sem a presença do outro. Por exemplo, os direitos de primeira, não poderiam viver sem os de terceira geração; e se isso ocorresse a existência individual não estaria pautada no princípio da dignidade da pessoa humana, encartado na Constituição Federal.

Essa construção que muito tem de ideológica faz do seu travestismo um meio de propor solução social por via de ação falsa, como sempre achacando direitos basilares como  a liberdade e a propriedade privada.

Nesta direção, pude escrever em artigo anterior:

“O coletivismo faz que aos poucos as pessoas, unidade mínima existencial, esqueçam-se do fim mesmo da existência, que é a promoção, a evolução e aprimoramento do “eu”. Aquela doutrina nefasta exige que isso se torne aspecto secundário, em nome de um ente virtual e abstrato, que é a comunidade, a sociedade, o coletivo, etc. (...)

Coletivismo é a falsa ideologia que se traveste de “boazinha”, escondendo sua face terrível, que é a demonização do ser humano, considerado em si mesmo; a manutenção de privilégios; a canalização de dinheiro público para setores questionáveis do ponto de vista da eficiência; o asseguramento do Estado, como provedor dessa segurança coletiva igualitária.” 

De Bastiat a frase: “a Lei perverteu-se por influência de duas causas bem diferentes: a ambição estúpida e a falsa filantropia”. 

Outro ponto que considero importante pra ser enfrentado é do autoritarismo desse sistema de implementação de direitos.

Consabido que a execução dessas políticas públicas demandam recursos financeiros de subida ordem. Estrutura de pessoal, ou seja, posições burocráticas, e grande investimento financeiro são itens necessários para a tentativa de realização desses objetivos.

Ressalte-se que isto não é suficiente para a plena consecução de fins sociais; e sim, para implantação de projetos e estruturas tendentes àquelas finalidades, ou seja, são custos de meio e não de resultado.

O financiamento dessas políticas sociais se constitui sempre em um ônus diluído ou uma oneração coletivizada, por meio de tributos, ou seja, uma “norma de rejeição social”, conforme tese de Ives Gandra da Silva Martins.

E tudo quanto se trate de imposição tributária deve ser questionado, analisado detidamente, e na esmagadora maioria, imediatamente rejeitado, inclusive utilizando-se dos meios de Direito para tanto.

Lembrar sempre um axioma importantíssimo sempre quando dessas discussões: não há direitos sem recursos que o garantam, nem políticas sociais afirmativas sem a devida fonte orçamentária de financiamento. 

Esqueçamos o lúdico, o virtual, as populices legislativas e concentremo-nos nos verdadeiros desafios a resolver, com clareza e honestidade intelectuais.

Sabido que a tributação, muito embora essa possa até prezar o reeinvestimento na rubrica social, traz mais danos que benefícios a todos os indivíduos; a tributação é o único raio de ação do Estado, sem o qual o mesmo não pode existir, e diga-se de rápida passagem, que sendo a única forma de agir, o mesmo realiza mal, pessimamente.

Convém sempre rememorar esta regra áurea: onde há tributação e Estado, a tendência é o aumento do Estado e da tributação. Eles se retroalimentam e exigem mais um do outro, como forma de sobrevivência.

O Estado, representado nas pessoas físicas de seus burocratas, não são iluminados, não são capazes de escolher dentre as milhares de ações que seus súditos tributários desejam.

Essas escolhas sempre devem se dar  individualmente porquanto a burocracia não é capaz de fazê-las, e se assim fizerem, a motivação deve ser a mais perversa de todas. 

A par dessa crise de legitimidade de escolhas estatais, as opções feitas pelas pessoas livremente, sem coação de qualquer sorte, são as mais propícias a levarem dignidade a elas próprias.

Assim, toda intenção, ainda que virtualmente benéfica, e que sabemos que não são benéficas, eis que o objetivo maior dos representantes governamentais é o enriquecimento ilícito (e nisso não há nenhum uso da generalização, já que a presunção em assuntos públicos deve ser contrário ao interesses do “Leviatã”), podemos claramente concluir que o Estado trabalha contra o individuo, em que pese a alegada motivação, sempre calcada no famigerado “interesse público”, que eu batizo de “interesse do agente público”.

A tributação perversa, a fim de atender determinada classe ou “geração”, para satisfazer direitos sociais, sacrifica os indivíduos que demandam outros direitos, e indivíduos de próximas gerações. 

No primeiro caso, pessoas que escolheram outros objetivos de vida e aspiram à outra categoria de opções e são obrigadas a suportar ônus que não anuíram. No segundo, pessoas que ainda não suportam pesos fiscais, mas no longo prazo, terão que arcar com essa oneração.  

Nisso consiste o autoritarismo o qual chamo a atenção. 

Ainda citando Bastiat: “Todos querem viver à custa do governo, mas esquecem que o governo vive à custa de todos”.

E nem se usa aqui o argumento moral da tributação, ou seja, que exação se constitui em ilegítimo meio de ação estatal (roubo).

A tributação, sempre maligna, faz a substituição dos ativos monetários privados, advindos da produção econômica efetiva, pelo dinheiro das impressoras do Governo, que são ativos virtuais e fictícios; disso decorre o problema da inflação, que corrói o poder de compra, e destrói com a vida financeira dos mais necessitados. 

Considero que o real atendimento às necessidades sociais seria o enfrentamento dessa questão, por exemplo.

Além do que, a tributação sempre subtrai renda das pessoas, e no Brasil, já se sabe que os pobres são tributados mais ferozmente.

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Compreende-se o porquê das políticas sociais acarretam mais prejuízos aos necessitados que benefícios. A justiça social que tais políticas de efetivações de direitos pregam é mentirosa, e os agentes que assim pregam, também falaciam, às vezes por ignorância e falta de estudo, apenas.

Realmente, é mais fácil dar o peixe que ensinar pescar. Isto cria a relação de dependências que os governantes desejam para concretizarem projetos de poder pessoais. Parto cheio para oportunistas.

 Acho que situações imperiosas demandam atenção cuidadosa do governo, em minha analogia, o caso da pessoa ter tanta fome, que não tem força de segurar a vara, nem de prestar atenção nas instruções para a pesca. Há casos e casos. Não faça radicalismos nem sou um fanático libertário.

Sou contra fazer isso uma “política de Estado”, perpetuando a miséria civil, que é mais abrangente que a miséria financeira de um povo. No país da bagunça institucional, sem lição de casa feita, a comunidade jurídica quer fazer média social, isso, para mim, importa em inadmissibilidade.

Quem prega que é um grande mito o papel do Estado como garantidor das liberdades básicas, cabendo à iniciativa privada a prestação dos direitos sociais e econômicos e que deva ser perseguida a intervenção burocrática no sentido de promover a distribuição da riqueza flerta apaixonadamente com a ignorância.

Busco em Milton Friedman sua épica frase: “There’s no such thing as a free lunch”: “Não existe almoço grátis”, ou na versão abrasileirada machadiana: “Não se pode ir à Glória sem pagar o bonde”.

É uma norma básica desconhecida de toda essa comunidade jurídica manualista mainstream, importando dizer que toda opção tem e deve ter seu custo, para que a sociedade não se sobrecarregue, e que os bens da vida aparentemente gratuitos na verdade são financiados por muitas pessoas, quero dizer, há muita gente alocando recursos próprios para que seja viabilizada essa fruição. 

Creio também que a Análise Econômica do Direito pode dar sua contribuição ao debate, de forma muito honesta.  

Essa análise tem como um dos objetivos principais verificar a eficiência no caso jurídico concreto, com relação a normas, programas jurídicos, sistemas normativos, etc.

Aplicando a AED ao caso jurídico concreto, configura-se um poderoso aliado para que operadores de Direito possam maximizar com eficiência a tomada de decisões com repercussões jurídicas, como esses programas de gerações de direitos. Segundo Richard Posner: “explorar os recursos econômicos de tal maneira que seu valor seja maximizado (Economic Analysis of Law. 7ª ed. Boston, 2007. p. 10). 

Assim, da análise dos custos da decisão, supostos benefícios à coletividade, especulações consequencialistas, pode haver grande contribuição dessa Ciência a esta discussão, a qual eu faço minhas sinceras recomendações.  

O princípio da "reserva do possível" (ou da Reserva de Consistência) dispõe que a possibilidade da atuação do Estado no tocante à efetivação de direitos sociais, econômicos, e outras prestações estatais é condicionada pela existência de públicos disponíveis e suficientes.

Criado pela doutrina alemã ("Vorbehalt des Möglichen"), a teoria faz menção entre a existência de direitos fundamentais e a permissibilidade da peça orçamentária estatal.

Basicamente, relaciona a efetivação de direitos de caráter social com a disponibilidade financeira do Estado, o que sempre terá que contar com nossa observância.

Assim, nota predominante nesta particular análise é a existência da proporcionalidade e razoabilidade na relação implicada, no que todo atendimento social pelo Estado deve inexoravelmente a elas se enquadrar, e com relação à toda argumentação exarada em linhas superiores, máxime com relação ao argumento consequencialista alinhavado, fica difícil pugnar pela razoabilidade de certos programas estatais erroneamente definidos em “gerações de direitos”.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Gustavo Miquelin. A falácia das gerações de direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3569, 9 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24150. Acesso em: 25 abr. 2024.

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