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Por que sou contra a PEC 37

(conhecida como PEC da impunidade – o próprio “apelido” já sugere)

13/04/2013 às 08:42
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Investigar nada mais é do que ouvir pessoas, juntar documentos, proceder a realização de perícias e outras diligências. O Ministério Público, autor da ação, não pode fazer isso? Será que falta aos Promotores de Justiça capacidade para tanto?

Quero atuar num Ministério Público efetivamente autônomo e independente, um órgão em condições de defender a sociedade contra a criminalidade e a violação da lei.

Como titular privativo da ação penal pública, exerço, como Promotor de Justiça, parcela de soberania, e nada mais coerente que eu possa investigar para bem cumprir a minha missão.

Não se pode esquecer que uma das finalidades da investigação é evitar acusações infundadas, acusação esta a ser protagonizada pelo Ministério Público.

Vale lembrar, aqui, a teoria dos poderes implícitos: quando uma Constituição atribui funções a seus órgãos, são igualmente atribuídos os meios e instrumentos necessários para o cumprimento do que fora determinado constitucionalmente.

O Ministério Público quer continuar podendo investigar (jamais assumir a presidência do inquérito policial ou sobrepor-se às polícias civil e federal).

Investigar nada mais é do que ouvir pessoas, juntar documentos, proceder a realização de perícias e outras diligências. O Ministério Público, autor da ação, não pode fazer isso? Será que falta aos Promotores de Justiça capacidade para tanto?

Dizem que não pode porque a atividade de investigação é exclusiva da polícia (art. 144, § 1º, da CF/88). O art. 144, § 1º, IV, da CF não anuncia a exclusividade da investigação criminal para as polícias. O referido artigo utiliza a expressão “exclusividade” com a finalidade de retirar das polícias estaduais a função de polícia judiciária da União. A própria CF/88 prevê que a investigação pode ser conduzida por outros órgãos (dentre eles, a própria Polícia Militar). Se vários órgãos investigam (Comissão de Valores Mobiliários, Agência Brasileira de Inteligência, COAF, Tribunal de Contas, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – criado pela Lei 4.319/64), por que só o Ministério Público, titular da ação penal, deve ser impedido?

Como se nota, o inquérito policial é exclusivo, mas não a investigação (por isso, a redação do artigo 4º parágrafo unico do CPP)!

A tese da exclusividade de investigação pela polícia há anos vem sendo afastada no cenário internacional, inclusive por Tratados Internacionais já pactuados pelo Brasil, sempre com a preocupação de proteção de direitos humanos (cf. Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e Estatuto de Roma). Aliás, faz bem lembrar que já foi recomendação da ONU durante visita ao Brasil que “Os promotores de justiça devem, rotineiramente, conduzir as suas próprias investigações sobre a legalidade das mortes por policiais”.

Dizem que o sistema acusatório impede a investigação do Ministério Público. Ora, quem anuncia essa tese não conhece o citado sistema. Por meio do sistema acusatório triparte-se a função dentro da persecução penal em três: acusar (em regra, exercida pelo Ministério Público), defender (exercida por Advogado Público ou não) e julgar (exclusiva do magistrado). Em que momento foi entregue para personagem específico a tarefa de investigar?

Dizem que a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público carece de previsão legal. Essa tese ignora o art. 129, I, VI, VIII e IX da CF/88, os arts. 7º, 8º e 38 da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), art. 26 da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), todos conferindo ao Ministério Público a autorização para a condução de procedimentos investigatórios.

Temos, ainda, o art. 29 da Lei 7.492/86 (Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), que dispõe: “O órgão do Ministério Público, sempre que julgar necessário,poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta lei”.

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) não possui previsão de inquérito policial para investigações de crimes eleitorais, alertando seu art. 356, § 2º, que a investigação será feita pelo Ministério Público.

A Lei de Abuso de Autoridade prevê a atuação do Ministério Público na apuração dos crimes de abuso de poder (art. 2º).

A mesma atribuição é conferida ao Ministério Público pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 201, VII) e Estatuto de Idoso (art. 74).

Por fim, a resolução nº 13 do CNMP (com força normativa) disciplinou o procedimento investigatório criminal conduzido pelo Promotor de Justiça/Procurador da República.

Conclusão: tanto a CF quanto a Lei autorizam a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público!

Dizem que o Ministério Público investigando perde a imparcialidade. Contudo, no cível, o Ministério Público preside o inquérito civil e, apesar de ter lido muitos artigos sobre o tema, não vi um sequer argumentando que o Promotor de Justiça perde a imparcialidade. Ora, se preserva a imparcialidade na investigação extrapenal, porque a perde na criminal?

Dizem que a investigação ministerial provocará o desequilíbrio do sistema processual penal (quebra de paridade de armas). Paridade de armas? A experiência demonstra que o desequilíbrio é em favor do autor do crime, sempre em vantagem em relação ao Estado que o investiga, pois o criminoso conhece o fato praticado, já o Estado não.

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Outro dia ouvi um jurista bradando que a sociedade perde com um Ministério Público com tanto poder! A sociedade perde? Como? Será que essa PEC passa pelo crivo da sociedade, do povo, aquele que a CF/88 diz ser o real detentor do poder? Será que a sociedade ratificaria essa PEC num plebiscito ou referendo?

São estas as minhas impressões, escritas com o devido respeito que merecem as polícias civil e federal, órgãos tão importantes quanto o Ministério Público no combate ao crime (em especial, o organizado, que hoje aparece como um expectador torcendo pela aprovação da PEC).

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Sobre o autor
Rogério Sanches Cunha

Promotor de Justiça em São Paulo. Professor da Escola Superior do Ministerio Público de São Paulo, do Mato Grosso e de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Rogério Sanches. Por que sou contra a PEC 37: (conhecida como PEC da impunidade – o próprio “apelido” já sugere). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3573, 13 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24184. Acesso em: 5 nov. 2024.

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