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Contribuição de melhoria: uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira

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18/04/2013 às 15:14
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O Estado estaria incorrendo em inconstitucionalidade por omissão se não instituísse contribuição de melhoria quando da construção de obra pública que causasse mais valia imobiliária aos particulares vizinhos?

Resumo: Trata o presente trabalho do tema contribuição de melhoria, mais especificamente pelo viés de ser ela uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira. De início, esmiuçamos as origens da contribuição de melhoria, tanto no panorama internacional, tendo suas bases históricas se originado na Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos e na Alemanha, quanto na sua criação na legislação brasileira, que deu-se a partir das antigas fintas do Império, passando por sua introdução na Constituição Federal de 1934 e culminando em sua previsão na atual Carta Magna de 1988, que recepcionou, como leis complementares, as legislações anteriores sobre o tema, quais sejam, o Código Tributário Nacional, de 1966, e o Decreto-Lei 195 de 1967. No capítulo seguinte, abordamos as características da contribuição de melhoria, passando por seu conceito, pelos caracteres que lhe atribuem a condição de tributo, pelos requisitos inerentes a sua instituição, pelas diferenças entre obra pública e serviço público, por sua hipótese de incidência e fato gerador, pela inexistência de base de cálculo e alíquota na contribuição de melhoria e seus limites tributários, pelos seus sistemas de cobrança, pela definição de seus sujeitos ativo e passivo, pela caracterização da contribuição de melhoria como tributo autônomo e distinto dos demais e pela jurisprudência de nossos Tribunais Superiores acerca do tributo em debate. E, por fim, no capítulo derradeiro, tratamos da contribuição de melhoria como uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira, expondo as razões do insucesso deste tributo em nosso país, as vantagens provenientes da utilização da contribuição de melhoria no Brasil e da obrigatoriedade da instituição do tributo em tela pelos entes estatais pátrios, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade por omissão.

Palavras-chave: Contribuição de melhoria. Origens. Características. Conceito. Tributo. Incremento. Infraestrutura brasileira. Insucesso. Vantagens. Obrigatoriedade. Inconstitucionalidade por omissão.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. HISTÓRICO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. 1.1. Surgimento internacional da contribuição de melhoria. 1.2. Implementação e desenvolvimento no Brasil das normas legais atinentes à contribuição de melhoria. 2. CARACTERÍSTICAS DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. 2.1. Conceito. 2.2. Características de tributo da contribuição de melhoria. 2.3. Requisitos da contribuição de melhoria. 2.4. Diferenças de obra pública para serviço público. 2.5. Hipótese de incidência e fato gerador. 2.6. A inexistência de base de cálculo e alíquota e os limites tributários dacontribuição de melhoria. 2.7. Os sistemas de cobrança. 2.8. Sujeitos ativo e passivo. 2.9. A contribuição de melhoria como tributo autônomo e distinto dos demais. 2.10. Jurisprudência dos Tribunais Superiores. 3. A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O INCREMENTO DA INFRAESTRUTURA BRASILEIRA. 3.1. Do insucesso da contribuição de melhoria em nosso país. 3.2. Das vantagens da utilização da contribuição de melhoria no Brasil. 3.3. Da obrigatoriedade da instituição da contribuição de melhoria pelos entesestatais sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade por omissão. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


"É insuficiente e injusto o sistema tributário que não reconheça êste instituto jurídico. Não reconhecê-lo e não explorá-lo importam no mesmo. Insuficiente porque desprezará preciosa forma de financiamento de obras públicas das quais tanta necessidade tem a sociedade moderna. Injusto porque onerará desigualmente os cidadãos e não respeitará as elementares exigências de justiça distributiva, abandonando sólidos indícios científicos de proporcionalidade, asseguradores de um sistema équo de repartição de encargos tributários."

(ATALIBA, Geraldo. Natureza jurídica da contribuição de melhoria. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964)


INTRODUÇÃO

Buscaremos, com o presente trabalho, demonstrar a importância da contribuição de melhoria para o incremento da infraestrutura brasileira.

Primeiramente, descortinaremos suas origens no âmbito internacional, em que tal tributo teve sua criação sua criação primeira quando das obras de retificação das margens do Rio Tâmisa, em Londres, Inglaterra, seguindo-se a sua criação em Florença, Itália, em razão das obras de ampliação de uma praça pública, tendo, em seguida, surgido a legislação norte americana que, pela primeira vez, estabeleceu as normas gerais de instituição deste tributo em face de qualquer obra pública valorizadora dos imóveis particulares em seu entorno, destaca-se, ainda, a criação da contribuição de melhoria na Alemanha, sendo o tributo anglo-saxônico e o germânico os mais importantes modelos históricos do tributo em tela, tendo, ambos, em muito, influenciado o legislador brasileiro, que criou um sistema misto ou mitigado, em que devem ser observados os dois limites, individual e total, criados por estas duas legislações estrangeiras. E, no que tange à criação de tal tributo em terras brasileiras, descobriremos que esta é proveniente da antiga cobrança das fintas do Império, passando a ser regulada constitucionalmente a partir da Carta Magna de 1934, evoluindo através de diversos instrumentos legislativos até passar a figurar em nossa atual Constituição Federal de 1988, que recepcionou, como leis complementares, as legislações que antes tratavam do tema, quais sejam, o Código Tributário Nacional, de 1966, e o Decreto-Lei 195 de 1967.

Posteriormente, passaremos a tratar das características da contribuição de melhoria pátria. Estudaremos seu conceito, os caracteres que lhe atribuem a condição de tributo, os requisitos essenciais a sua instituição, as diferenças entre obra pública e serviço público, sua hipótese de incidência e seu fato gerador, a inexistência de base de cálculo e alíquota na contribuição de melhoria e seus limites tributários, seus sistemas de cobrança, a definição de seus sujeitos ativo e passivo, a caracterização da contribuição de melhoria como tributo sui generis e distinto dos demais e a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores acerca do tributo em questão.

Ao final, analisaremos a possibilidade da contribuição de melhoria ser uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira, demonstraremos as razões do insucesso deste tributo em nosso país, explicitaremos as vantagens provenientes da efetiva utilização da contribuição de melhoria no Brasil e verificaremos a existência da obrigatoriedade da instituição do tributo em tela que possa levar os entes políticos competentes, no caso da não instituição do tributo quando presente seu fato gerador, ao cometimento de inconstitucionalidade por omissão.


1. HISTÓRICO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

Antes de adentrarmos mais profundamente na discussão do que seja e de quais são as características da contribuição de melhoria, importa-nos conhecer suas raízes históricas. Vamos a elas.

1.1. Surgimento internacional da contribuição de melhoria

A contribuição de melhoria tem como raiz histórica mais longínqua a sua instituição em Londres, no início do século XVII, mais precisamente em 1605, para fazer frente aos gastos públicos dispendidos na obra de retificação das margens do rio Tâmisa. A Câmara dos Lordes local ao perceber que tal obra gerou grande valorização aos imóveis circunvizinhos a ela, editou lei criando a contribuição de melhoria, lá intitulada betterment tax, com o fito de fazer com que os particulares beneficiados pela valorização arcassem com o custo da obra que lhe deu ensejo.

Sobre este episódio, bem nos esclarece Robson Luiz Rosa Lima:

A rainha da Inglaterra determinou a feitura das obras no rio Tâmisa num raio de aproximadamente 120 km, pois Londres era uma cidade vulnerável a enchentes e inundações em virtude da ausência de diques contentores no rio, todavia, a obra custou muito aos cofres públicos da época.

Por conseguinte, vários imóveis de particulares que se situavam às margens do rio Tâmisa e que então não passavam de terrenos pantanosos e alagadiços, perceberam extraordinária valorização ante a feitura da obra pública.

O fato da valorização não passou desapercebido e veio da Câmara dos Lords a idéia de se cobrar um tributo (contribuição de melhoria) pela valorização dos imóveis, a ser paga pelos proprietários, pois não seria justo que alguns particulares obtivessem mais valia (valorização) às custas do dinheiro público, já que a obra do rio Tâmisa havia sido financiada por toda a sociedade.[1]

Ainda relativamente a este episódio, Geraldo Ataliba nos traz excelente excerto da lei de regência da novel exação inglesa, já demonstrando a sua importância e pertinência para o sistema tributário, in verbis:

Provecta lei inglesa que se propunha a facilitar a navegação de Londres a Oxford, já consagrava êsse instituto, com fundamentos claros e definidos; dizia um de seus consideranda: “É razoável, justo e equânime que aquêles que participam do benefício decorrente de obra pública, contribuam, em proporção conveniente, ao custo da dita obra”.[2]

E, por fim, Sérgio Guerreiro conclui a intrínseca relação entre o surgimento deste tributo anglo-saxônico e o princípio da igualdade ou equidade, sendo a implementação prática deste princípio o objetivo primordial da instituição da betterment tax, ou, contribuição de melhoria.[3]

A partir de então, a contribuição de melhoria foi utilizada também na Itália, em razão da ampliação de uma praça em Florença. Todavia, só veio a ser legislada de maneira geral, de forma a abarcar quaisquer obras públicas que gerassem valorização imobiliária no seu entorno, em 1691 no direito norte-americano, onde foi chamada de special assessment. Este tributo era dividido em dois subtipos nos Estados Unidos, o cost assessment e o benefit assessment, sendo que somente este último guarda semelhança com a contribuição de melhoria utilizada no Brasil, eis que tem como fato gerador o benefício criado para os contribuinte pela construção de uma obra pública, ao revés do cost assessment que apenas pretende reaver o montante do gasto público, sem vinculá-lo a qualquer benefício criado para os contribuintes.[4]

Dentre os modelos históricos da contribuição de melhoria, os mais importantes, certamente, são o anglo-saxônico e o germânico, havendo entre eles uma grande dicotomia em relação ao fato gerador de sua cobrança. É que o modelo anglo-saxônico tem por base a cobrança da mais valia imobiliária gerada pela construção de uma obra pública, o que funciona como meio de implantação da equidade fiscal e do princípio do não locupletamento ilícito, de forma que aqueles beneficiados diretamente pela valorização imobiliária decorrente de obras públicas financiadas por toda a coletividade deveriam pagar por esse plus, por essa mais valia que se incrementou em seus imóveis particulares. Já, o modelo germânico, abandona qualquer relação com a mais valia imobiliária criada pelas obras públicas, tendo como base de sua cobrança unicamente a distribuição dos custos da obra em questão, tratando-se apenas da reparação dos gastos públicos. Como se verá adiante, a contribuição de melhoria brasileira guarda relação muito mais com o modelo histórico anglo-saxônico do que com o germânico.[5]

Em verdade, assevera Robson Luiz Rosa Lima que: “No Brasil foi adotado um sistema misto (mitigado ou heterogêneo), no qual a contribuição de melhoria é cobrada do contribuinte através do critério de valorização imobiliária, tendo como limite total o custo da obra”.[6]

Cumpre explicitar, ainda, que a experiência mais profícua e bem sucedida com a contribuição de melhoria até os dias de hoje é a norte-americana, que, segundo afirma Aliomar Baleeiro, chegou a lucrar cerca de US$ 31.000.000,00 nas cidades americanas com mais de 25 mil habitantes, somente no ano de 1946.[7]

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1.2. Implementação e desenvolvimento no Brasil das normas legais atinentes à contribuição de melhoria

A origem da contribuição de melhoria no Brasil remonta às fintas do Império, cobradas para ressarcimento das despesas com obras públicas nos estados de Minas Gerais e Bahia.[8] Já, no início do século passado, em 1905 foi publicado o Decreto 1.209/1905 cobrando a contribuição de melhoria em razão da pavimentação de ruas no Distrito Federal, seguido este pelo Decreto 21.390/1932, de caráter genérico, dirigido a todos os entes federados.[9]

Porém, constitucionalmente, a contribuição de melhoria só foi surgir no Brasil na Constituição Federal de 1934, em seu artigo 124, que rezava que: “Provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a Administração, que as tiver efetuado, poderá cobrar dos beneficiados contribuição de melhoria”. No entanto, diferente da contribuição de melhoria atual, aquela criada pelo artigo 124 da CF/34 não estabelecia quaisquer limites para a exação, sendo suficiente para sua cobrança a prova da valorização imobiliária ocasionada por obra pública. Entretanto, já à época, foram criadas algumas restrições a imposição de dito tributo, dentre elas desponta a obrigatoriedade de respeitar-se o princípio da igualdade. Este foi o marco inicial da construção dos pilares da nossa atual contribuição de melhoria, já sendo esta definida como um tributo autônomo, com características sui generis, que o diferenciam de qualquer outra espécie tributária, especialmente das taxas, com as quais guarda algumas semelhanças.[10]

Apesar de esquecida pela Constituição de 1937, retorna a contribuição de melhoria, com todo o vigor, a figurar no sistema tributário pátrio por meio da sua instituição na Constituição de 1946, quando então passou a ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Acerca disto, esclarece Hely Lopes Meirelles que:

O texto constitucional de 1946 estabelecia, no parágrafo único do art. 30, um limite à sua cobrança – que não poderia ser superior à despesa realizada, nem ao acréscimo de valor que da obra decorresse para o imóvel beneficiado -, mas não reproduzido na Constituição vigente.[11]

Seguiu-se a Emenda Constitucional nº. 18/1965 que assim descreveu a contribuição de melhoria:

Art. 19. Compete […] cobrar contribuição de melhoria para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.[12]

Já, em 1949, foi promulgada a Lei nº. 854/49, que tratou da matéria em âmbito nacional.[13]

Em 1966 foi publicado o nosso atual Código Tributário Nacional, por meio da Lei nº. 5.172/66, que em seus artigos 81 e 82 tratou da contribuição de melhoria, assim dispondo:

Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:

I - publicação prévia dos seguintes elementos:

a) memorial descritivo do projeto;

b) orçamento do custo da obra;

c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;

d) delimitação da zona beneficiada;

e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;

II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;

III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.

§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.

§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.[14]

Na sequência, veio a publicação da Constituição Federal de 1967, a qual, após a alteração advinda da Emenda Constitucional nº. 01 de 1969, passou a disciplinar a contribuição de melhoria da seguinte forma:

Art. 18. Compete […] instituir:

[…]

II – Contribuição de melhoria, arrecadada dos proprietários dos imóveis valorizados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.[15]

Logo após o advento da Constituição Federal de 1967, foi publicado o Decreto-Lei nº. 195/67, que estabeleceu normas específicas sobre a contribuição de melhoria, muitas das quais já previstas anteriormente na Lei n.º 854/49, que fora revogada expressamente pelo art. 19 do dito Decreto, vindo a complementar o Código Tributário Nacional.[16]

Posteriormente, adveio a Emenda Constitucional nº. 23 de 1983, que alterou a redação da norma, retirando-lhe o termo valorização, embora tendo referido-se a imóveis beneficiados. Veja-se: “Art. 23. Contribuição de melhoria arrecadada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada”.[17]

Por fim, sobreveio a promulgação e publicação da atual Constituição Federal de 1988, a qual, ao tratar da contribuição de melhoria, foi bastante sucinta, não fazendo menção nem ao seu limite total, nem ao limite individual de arrecadação. Eis a redação do seu art. 145, III, atinente à contribuição de melhoria:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[…]

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.[18]

Em razão destas muitas mudanças legislativas acerca da matéria, sobrevieram diversas correntes de teorias doutrinárias acerca da revogação e da recepção constitucional, ou não, dos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional e do Decreto-Lei nº. 195/67. É o que veremos a seguir.

Na corrente que advoga a não recepção de ambas as legislações citadas pela Constituição de 1967, em função de sua Emenda Constitucional nº. 23 de 1983, a qual não referiu-se ao limite individual, mas apenas ao limite total, e, por conseguinte, a não recepção dos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional e do Decreto-Lei nº. 195/67, encontra-se Paulo de Barros Carvalho, que diz:

Permite a Constituição Federal que as pessoas políticas de direito constitucional interno – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – além dos impostos que lhes foram outorgados e das taxas previstas no art. 145, II, instituam contribuições de melhoria, arrecadadas dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas. Na ordem jurídica anterior firmava-se a diretriz expressa de que o montante exigido não poderia exceder o valor total da obra realizada. Aliás, na vigência da Constituição de 1967, operou-se uma redução, porquanto os limites sempre foram dois: um, total – a importância final da obra; e outro individual – não se poderia cobrar de cada contribuinte quantia que superasse o acréscimo de valorização experimentado por seu imóvel. Foi a Emenda Constitucional n. 23, de 1º de dezembro de 1983, que fixou apenas o limite global.

Hoje, no entanto, a competência é posta em termos amplos e genéricos, bastando que a obra pública acarrete melhoria dos imóveis circundantes, mas é óbvio que à lei complementar mencionada no art. 146 caberá estabelecer de que modo, dentro de que limites e debaixo de que condições específicas a contribuição de melhoria poderá ser criada.

[…]

Dúvidas não existem de que o legislador complementar tem poderes para estipular minuciosa disciplina, ao tratar dessa matéria. Há algo, todavia, que deverá respeitar: o quantum de acréscimo patrimonial individualmente verificado. Ninguém pode ser compelido a recolher, a esse título, quantia superior à vantagem que sobreveio a seu imóvel, por virtude da realização da obra pública. Extrapassar esse limite representaria ferir, frontalmente, o princípio da capacidade contributiva, substância semântica sobre que se funda a implantação do primado da igualdade, no campo das relações tributárias.[19]

Pelo fato de ter o autor referido a necessidade de criação de lei complementar para regular a matéria, podemos depreender que ele não reconhece o Código Tributário Nacional e o Decreto-Lei nº. 195/67 com o caráter de leis complementares bastantes para tanto, eis que considera que tais normas, no tocante à contribuição de melhoria, não foram recepcionadas nem pela Constituição de 1967 e sua Emenda Constitucional nº. 23/83, nem pela atual Constituição Federal vigente, de 1988.

Outro eminente jurista que defende essa corrente doutrinária é Sacha Calmon Navarro Coelho, que assim narra:

O decreto lei nº 195/67 caducou antes da Constituição de 1988. É que este diploma legal regulava, com caráter de lei complementar, uma contribuição de melhoria baseada no critério valorização, como previsto na constituição de 1967 e na Emenda nº 1/69. Ocorre que em 1983 a Emenda Constitucional nº 23 de 01/12, a chamada emenda Passos Porto, alterou fundamentalmente o tipo de contribuição de melhoria existente, optando pelo critério custo. A redação passou a ser a seguinte. Poderiam as pessoas políticas instituir: Contribuição de melhoria arrecada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada. Duas alterações introduziu a emenda em relação ao texto anterior: (a) substitui-se a expressão “imóveis valorizados” por imóveis beneficiados e (b) omitiu-se a expressão “tendo como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”.

A intenção era claríssima: substituir o critério valorização pelo critério custo. Em sendo assim, desde aquela época, o Dec. - Lei 195/67 tornou -se incompatível - vênia permissa das opiniões em contrário - com a Constituição de 1967. Tê-lo como vigente agora, implicaria repristinação atípica, o que é pior, em subordinar a Constituição vigente a um texto anterior até mesmo à Carta outorgada em 1967, antecipando a escolha do tipo de contribuição pelo legislador complementar, que poderá até omitir-se, deixando a escolha às pessoas políticas. A melhor exegese está em considerar de eficácia contível o art. 145, III, da CF vigente, do contrário estar-se-ia a presumir que o legislador disse o que não quis dizer. Onde a Constituição não distingue, quando podia fazê-lo, não cabe ao intérprete distinguir. O minus dixit na espécie seria temeridade. Isto posto, os municípios são competentes, assim como os Estados e a União para adotarem o tipo de contribuição de melhoria que julgarem conveniente, até e enquanto não sobrevenha lei complementar.[20]

Dada a máxima vênia aos ilustres doutrinadores que compõem a supra citada corrente doutrinária, não podemos concordar com suas conclusões, eis que a doutrina majoritária e a jurisprudência pátria já se consolidaram no sentido contrário. Ou seja, em verdade, tanto o Código Tributário Nacional, em seus artigos 81 e 82, como o Decreto-Lei nº. 195/67 não só foram recepcionados pelas Constituições Federais de 1967 e 1988, como o foram com o caráter de leis complementares. É o que depreendemos da lição de Arx da Costa Tourinho:

O argumento de Sacha Calmon de que a emenda Passos Porto (EC nº 23/83) alterou o tipo de contribuição existente, substituindo a expressão “imóveis valorizados” por “imóveis beneficiados” e omitindo-se na adoção de expressão constitucional anterior “tendo como limite anterior individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado” e dessa maneira, o decreto estaria revogado, não nos parece aceitável, permissa vênia.

O objetivo da Emenda Passos Porto foi o de facilitar ao poder público e utilização da contribuição de melhoria. E nó górdio, em verdade, está num ponto: a valorização do imóvel. Como se estabelecer um critério simples para tanto foi sempre a preocupação do legislador e da doutrina. A aludida emenda cuidando, apenas, de benefício agregado ao imóvel e excluindo o denominado “acréscimo de valor, realmente facilitou, porém, não houve legislação infraconstitucional nesse sentido. Mas daí dizer que o Decreto-Lei nº 195/67 jaz incompatível com a norma constitucional, parece-nos existir grande distância”.

Note-se que a citada Emenda tratando de “benefício” não exclui a hipótese de valorização. Já o dissemos anteriormente que “toda valorização” é benefício, mas nem todo benefício é valorização. Ora, quando o Decreto-Lei nº 195/67 disciplina o critério de valorização, não se pode afirmar que está cuidando do aspecto benefício! Se fosse editado ato normativo posterior ao Decreto-Lei nº 195/67 e cuidasse, apenas, de benefício, excluindo valorização, aí, sim, não sobreviveria mais o mencionado decreto-lei. Isso não ocorreu, porém.

Jamais se pode afirmar que o decreto-lei esteve incompatível com a Emenda Passos Porto ou que não foi recepcionado pela Constituição de 1988.

Enquanto o poder legislativo não se dignar a elaborar lei, permanece eficaz o Decreto-Lei nº 195/67, que não contrariou, até hoje, qualquer texto constitucional.[21]

Corroborando este pensamento, assevera Célio Armando Janczescki:

O delinde da questão deve iniciar na análise da compatibilidade do artigo 3º do Decreto-Lei 195/67 e do artigo 81 do Código Tributário Nacional com a Carta de 1988. Parece razoável se afirmar que, encontrando-se prevista no Decreto-Lei 195/67 e no Código Tributário Nacional a exigência de observância do limite individual e do limite total, o simples silêncio da Constituição atual não tem o condão de torná-los incompatíveis com a nova ordem instalada. Afinal, como pontifica Celso Ribeiro Bastos, as leis anteriores continuam válidas ou em vigor mesmo que a Constituição nova seja omissa a respeito, ou seja, “com a entrada em vigor da Constituição, cessa a eficácia da norma constitucional, o mesmo não se dando com a legislação ordinária anterior, a qual não cessa de viger, embora o novo fundamento da validade venha informado pelos princípios materiais da nova Constituição. O único obstáculo a transpor é não ser contrária à nova Constituição. Dá-se portanto uma novação, o que significa que as normas ordinárias são recepcionadas pela nova ordem constitucional e submetidas a um novo fundamento de validade”. Amparando a tese da recepção, também o parágrafo 5º do artigo 34 do ADCT, que assenta: “Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação de legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos parágrafos 3º e 4º”.

Recepcionada pela Constituição de 1988, a única interpretação possível é a que decorre da dicção do artigo 81 do CTN, pormenorizado pelo artigo 3º do Decreto-Lei 195/67, ou seja, as duas determinantes para a apuração da base de cálculo da contribuição de melhoria são o custo da obra e a valorização imobiliária. Aliás, os dois limites legalmente previstos fazem parte do próprio perfil do tributo, implicitamente presentes na Carta Constitucional atual. Afinal, “cobrar mais do que o custo da obra, a título de contribuição de melhoria, tendo-se como limite apenas a valorização imobiliária, é cobrar imposto sobre aquela valorização, sem previsão constitucional. Só a União poderia fazê-lo, atendidos os requisitos constitucionais para o exercício de sua competência residual. A modificação do texto constitucional operou-se apenas para excluir o que era desnecessário, porque implícito, em virtude da própria especificidade da exação em tela”. Até porque, “não faz sentido o poder público arrecadar valor que seja superior ao custo da obra. O poder tributante agiria ultrapassando os limites da razoabilidade e o excesso pago pelos contribuintes estaria além de contribuição de melhoria. Seria recebido a outro título, diverso deste tributo”.[22]

Ainda nessa corrente doutrinária majoritária, encontram-se Luciano Amaro[23], Eduardo Marcial Ferreira Jardim[24]. De suas lições, podemos depreender que, apesar da Emenda Constitucional nº. 23 de 1983 ter substituído a expressão valorização de imóveis por imóveis beneficiados e da Constituição de 1988 não ter citado nenhuma dessas expressões, a valorização imobiliária decorrente da construção de obra pública é elemento ínsito à contribuição de melhoria, não podendo ser inobservado quando de sua utilização, devendo servir-lhe como limite individual ainda hodiernamente, como decidiu a jurisprudência pacífica do STF[25]. E, ainda, podemos concluir de suas obras que a Constituição Federal de 1988 recepcionou, como leis complementares, tanto o Código Tributário Nacional como o Decreto-Lei 195/67.

E, para concluir este ponto, resta-nos colacionar a contundente conclusão de Aliomar Baleeiro à qual nos filiamos, in verbis:

O confronto rápido dos sucessivos dispositivos constitucionais acima referidos revela que a contribuição de melhoria no Brasil, tradicionalmente, prendeu-se ao modelo anglo-saxão, marcado pela especial evolução que lhe emprestaram os norte-americanos, e longamente relatada por Aliomar Baleeiro. Os fundamentos do tributo são: realização de obra pública, da qual resulte valorização para o imóvel do contribuinte. O custo da obra sempre foi o limite global de cobrança, que se reparte individualmente, em proporção à valorização dela decorrente para cada proprietário. Sendo assim, em nenhum momento, aceitou-se, entre nós, como limite quantitativo isolado do tributo, apenas a valorização causada pela obra, ou o seu custo. O dilema custo ou valorização ou benefício, em nosso País, é juridicamente falso. Aliás, a expressão melhoria, que aderiu à nomenclatura da espécie tributária, bem indica que o benefício (vantagem ou valorização imobiliária) lhe é requisito essencial.[26]

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Sobre a autora
Vanessa Kiewel Cordeiro

Advogada atuante nas áreas cível, imobiliária e tributária. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho - UGF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Vanessa Kiewel. Contribuição de melhoria: uma alternativa viável para o incremento da infraestrutura brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3578, 18 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24196. Acesso em: 18 abr. 2024.

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