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Motivos para rebater a redução da maioridade penal

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Resumo:


  • O debate sobre a redução da maioridade penal frequentemente ressurge após atos infracionais graves cometidos por menores de 18 anos, gerando propostas movidas por reações emocionais e comoção social.

  • Argumentos equivocados sobre a legislação brasileira menorista, como a ideia de impunidade proporcionada pelo ECA e a equiparação da criminalidade juvenil à dos adultos, são comuns entre os defensores da redução da idade penal.

  • A redução da maioridade penal é uma medida incompatível com a doutrina da proteção integral, enfrenta questões de inconstitucionalidade e não se alinha com as tendências internacionais, além de não ser uma solução eficaz para o problema da delinquência juvenil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO 3

RAZÕES QUE IMPEDEM A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

3.1 A desnecessária redução da maioridade penal

O debate sobre a redução da maioridade penal sempre cresce e tem grande repercussão toda vez que algum delito de natureza grave é praticado por criança ou adolescente. A morte do menino João Hélio, de 6 anos de idade, após ser arrastado por um carro guiado por um adolescente, na ocasião de um assalto no Rio de Janeiro no ano de 2007, reacendeu esse debate.

Diante desses eventuais casos surgem diversos aproveitadores, especialmente profissionais dos meios de comunicação social e políticos, que incitam a população a acreditar que diminuir a idade penal é a solução para a crescente criminalidade infantil.

Os defensores da redução da maioridade penal geralmente cometem dois grandes equívocos: o primeiro é que a prática de delitos por menores acontece em razão de uma inexistente impunidade proporcionada pelo ECA, e o segundo é que o agravamento das punições aos adolescentes em conflito com a lei constitui meio hábil para atenuar a criminalidade.

Foi destacado desde o início dessa obra que o ECA não é uma lei permissiva à impunidade. A sua incorreta aplicação é que gera a sensação de impunidade.

O então Deputado Federal Luiz Antônio Fleury, autor da Proposta de Emenda Constitucional n? 68/99, visando a redução da maioridade penal para 16 anos e o aumento de 3 para 6 anos o prazo máximo da medida socioeducativa de internação, chegou a conceder entrevista afirmando que a ausência de política sociais eficazes no combate à prática de delitos representa uma das principais vias de acesso do jovem à criminalidade. Fleury defendeu ainda que a diminuição da idade penal se tratava de uma medida “[...] inevitável ao controle de uma situação instalada a que o Estatuto da Criança e do Adolescente não consegue responder de forma adequada”[47].

Fleury acabou “disparando um tiro no seu próprio pé”, pois acabou reconhecendo categoricamente nessa mesma entrevista a hipótese de os adolescentes se tornarem infratores “[...] não por culpa própria, mas como resposta a uma realidade que lhes foi imposta”[48].

Não é verdade que ECA seja uma lei permissiva à impunidade. O Estatuto é sim um instrumento legal de extrema importância e que se aplicado de maneira adequada produz resultados fantásticos. Se o adolescente torna-se infrator é porque geralmente os demais atores sociais falharam em assegurar e efetivar os seus direitos fundamentais.

O pedido de recrudescimento das sanções aos infratores é um dos reflexos dos sentimentos de revolta, perplexidade e desesperança da sociedade diante da crescente quantidade e gravidade de delitos cometidos por adolescentes. Para Maurício Neves de Jesus:

Não há motivo plausível para a mudança da idade penal. Se o que se deseja é uma punição mais severa do que as medidas socioeducativas, não é necessário procurá-las nas proposições de emenda constitucional e nos projetos de lei. Basta olhar para o interior das emblemáticas unidades da Febem de São Paulo. Lá, junto aos adolescentes confinados, está a cultura do cárcere e a sanha de vingança do movimento de lei e ordem. Mas a maioria das pessoas não olha para as unidades de internação (a imagem é desagradável), e quem olha não vê. Só a cegueira explica: pede-se a redução da idade penal que já foi reduzida na prática. Porém, se o que se deseja é uma nova proposta de tratamento estatal aos atos infracionais, ela já está pronta. Chama-se rol de medidas socioeducativas e está no Estatuto da Criança e do Adolescente, à espera (de mais de uma década) de implementação [...] a pretensão de se diminuir a criminalidade com a redução da idade penal, é igualmente simplista e só resiste porque explora e potencializa o medo e a sanção de insegurança[49].

É possível concluir que é mais fácil para o poder público publicar leis de satisfação simbólica e imediatista à sociedade do que trabalhar com o escopo de erradicar as desigualdades sociais e regionais. Esse, por sinal, constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o artigo 3?, inciso III, da nossa Carta Magna.

Alberto Silva Franco ainda observa que:

Dramatizar a violência é bem mais fácil e, além disso, à sua retaguarda, há todo um processo de politização (movimento de lei e ordem) que atende aos interesses de segmentos sociais hegemônicos que visam aumentar, através de expedientes repressivos, o grau de controle da sociedade[50].

3.2 O perfil do adolescente em conflito com a lei e a natureza dos atos infracionais cometidos

O Brasil ainda carece de pesquisas e dados precisos sobre a questão da delinqüência juvenil, vez que a maioria das informações colhidas até então decorreram de estudos localizados em alguns Estados. Mesmo assim, os dados levantados permitem se ter uma boa ideia do perfil predominante do adolescente infrator nesse país.

Para termos uma noção da participação de adolescentes na criminalidade do nosso país, faz-se necessário enfatizar que, segundo o censo de 2000, 15% da população brasileira era constituída por adolescentes[51].

A Subsecretaria de promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), revelou que em 2004 menos de 1% da população de adolescentes cumpria medida socioeducativa[52].

Especialmente a partir da década de 1980, os menores de idade, rotulados de menores de rua, ganharam visibilidade urbana e cotidiana. Esse fenômeno social é apontado por estudiosos como um dos reflexos do fracasso das políticas adotadas pelo Estado em relação aos jovens[53]. Crianças e adolescentes de famílias desestruturadas passaram a viver nas ruas buscando alternativas para sobreviverem, vindo a serem associados à malandragem e à criminalidade. Sem dúvida alguma, a pobreza é o principal motivo que leva os menores de idade às ruas.

Pesquisas indicam que somente 10% das crianças de rua são meninas e que 50% das crianças de rua vivem com os dois pais e 33,5% delas vivem com apenas um deles, geralmente com a mãe[54]. A maioria dos menores trabalha, muitos como vendedor ambulante, engraxate e guarda-carros (flanelinhas). A mendicância e a delinquência, comumente de pequenos delitos, correspondem a um número bem menor do que as atividades trabalhistas.

Segundo pesquisa realizada por Mário Volpi[55], consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que analisou o perfil de 4.245 adolescentes privados de liberdade nos 26 Estados do país e no Distrito Federal, entre outubro de 1995 e abril de 1996:

A.                61% dos adolescentes entrevistados não estavam matriculados em instituições de ensino quando praticaram o ato infracional que os levaram à internação;

B.                 96,6% não tinham concluído o ensino fundamental;

C.                15,4% eram analfabetos;

D.                0,1% tinham terminado o ensino médio;

E.                 95% eram do sexo masculino;

F.                 73,3% vinham de família de renda mensal de até 2 salários mínimos;

G.                52% assumiram ser usuários de drogas;

H.                9% foram internados por delitos análogos ao da lei de combate a substâncias entorpecentes;

I.                   57,3% estavam internados por terem praticado ato infracional contra o patrimônio;

J.                   19,1% praticaram delito contra a pessoa e

K.                Cerca de 50% estavam na faixa etária entre os 16 e os 17 anos.

Curioso destacar que 5 internos tinham menos de 12 anos, ou seja, eram crianças e pela lei deviam ter sido submetidos às medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA, jamais terem sido internados.

Mary Del Priori[56] destaca alguns dados colhidos nas primeiras pesquisas estatísticas sobre a participação de crianças e adolescentes com a criminalidade no Brasil, realizadas entre 1904 e 1906. Vejamos:

A.                20% eram autores do então crime de vadiagem;

B.                 17% cometeram o “delito” de embriaguez;

C.                16% praticaram furtos ou roubos;

D.                Apenas 6,9% dos homicídios eram cometidos por menores de 18 anos de idade.

A respeito desse último dado, constata-se que mais de um século depois da referida pesquisa os índices se mantém semelhantes, embora as desigualdades sociais e o perfil da criminalidade violenta tenham se acentuado. Para se ter uma ideia, pesquisa publicada em 2001 concluiu que apenas 275 dos mais de 5 mil homicídios na cidade de São Paulo em 1996 foram cometidos por adolescentes, ou seja, cerca de 5,5% do total. A mesma pesquisa revelou que 73,8% dos atos infracionais cometidos eram análogos aos crimes contra o patrimônio, a maioria deles praticados sem grave ameaça ou violência[57].

Pesquisa realizada pela Segunda Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro em 1995 apontou que 57% dos adolescentes internados cometeram delitos contra o patrimônio; 18,6% dos delitos violentos foram de latrocínio e homicídio e 10% dos delitos foram contra a pessoa[58].

Em 1999 pesquisa revelou que a maioria dos adolescentes internados em Santa Catarina tinha 17 anos de idade; 59,18% não estudavam à época da infração; 51,53% cumpriam a medida por furto e 32% deles moravam nas ruas[59].

Em 2002, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelou que os adolescentes desse Estado eram responsáveis por 18,7% dos casos de porte de substâncias entorpecentes, 11,8% por porte ilegal de arma e 9,6% por tráfico de drogas; 2,7% dos fatos típicos registrados pela polícia foram praticados por adolescentes; 65,08% tinham entre 16 e 17 anos; 89% dos adolescentes internos eram do sexo masculino; 81,44% estudaram apenas até o ensino fundamental[60].

Outra pesquisa, agora do ano de 2003, realizada com 6.270 internos da FEBEM (atual Fundação Casa) de São Paulo, revelou que o tráfico de drogas já era a segunda causa de internamento, ficando atrás somente do roubo. Em 2000, o tráfico era apenas a quinta causa.

Na pesquisa denominada de “Responsabilidade e Garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência”, já destacada nesse trabalho, analisou-se casos judiciais dos Estados de São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Rio Grande do Sul. Essa pesquisa utilizou a metodologia qualitativa, como o acompanhamento das audiências, e quantitativa. O foco da investigação foi centrado na imposição de medidas de internação, buscando-se traçar as principais tendências jurisprudenciais.

Nesse levantamento, que fora realizado em 2009 pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL), o tráfico de drogas passou a ser a principal infração praticada por adolescentes no Estado de São Paulo, como se vê no quadro abaixo:

TIPO DE ATO INFRACIONAL

OCORRÊNCIAS

PORCENTAGEM

Lesão Corporal

2

4,76%

Roubo

13

30,95%

Furto

4

9,52%

Tráfico de Entorpecentes

16

38,10%

Associação para o Tráfico

2

4,76%

Porte de Substância Entorpecente

2

4,76%

Outros

3

7,15%

TOTAL:

42

100%

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

Seguem-se adiante outros dados levantados pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) perante outros Tribunais de Justiça, relativos às espécies de infrações cometidas por adolescentes no ano de 2009:

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA

ATO INFRACIONAL

PORCENTAGEM

Roubo

58,3%

Tráfico de Entorpecentes

8,4%

Lesão Corporal

8,4%

Latrocínio

8,3%

Homicídio

8,3%

Atentado contra a segurança de meio de transporte

8,3%

TOTAL:

100%

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

O brilhante trabalho realizado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) abrangeu ainda a análise de decisões relacionadas à aplicação e execução de medida socioeducativa de internação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permitindo-nos observar quais são as principais temáticas que hoje ocupam a instância superior em matéria de interpretação e aplicação do ECA. Vejamos abaixo a natureza das infrações apreciadas pelo STJ ao longo de 2009:

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ATO INFRACIONAL

PORCENTAGEM

Roubo

25,56%

Tráfico de entorpecentes

23,33%

Furto

14,44%

Homicídio

7,78%

Porte ilegal de arma

7,78%

Lesão Corporal

3,33%

Latrocínio

2,78%

Associação para o tráfico

2,22%

Outros

12,78%

TOTAL:

100%

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

Além dos dados apresentados acima, o mencionado estudo executado pela SAL revelou a origem dos recursos apresentados ao STJ, demonstrando de quais Estados da Federação origina-se o debate.

De fato, São Paulo ocupa a primeira posição no número de adolescentes internados no país (4.328 adolescentes na época) e também no número de recursos impetrados, o equivalente a 44,91% da amostra.  Já a segunda posição em número de recursos pertence ao Rio de Janeiro, 15,57% que em número de adolescentes está em 4º lugar, com 664 adolescentes privados de liberdade, até então. O Rio Grande do Sul é o terceiro em número de recursos, 12,57% e de adolescentes internados, com 880 jovens nestas condições.

Muito embora o Estado de Pernambuco concentrasse um número alto de adolescentes cumprindo medida de internação (1.027 adolescentes), esta realidade não se espelha no conjunto de recursos oriundos dessa Unidade da Federação. Nesse caso, ou as questões estão pacificadas na interpretação do ECA naquele Estado ou há baixa discussão e questionamento por parte da Defesa no referido Estado.

Adiante verifica-se a origem dos recursos apresentados ao STJ em 2009, referentes à prática de atos infracionais:

ESTADO

PORCENTAGEM

SP

44,91%

RJ

15,57%

RS

12,57%

DF

8,38%

MG

5,39%

PI

4,19%

MS

2,99%

PE

1,80%

ES

1,80%

Outros

2,40%

TOTAL:

100%

Fonte: BRASIL. Série pensando o Direito. Sumário Executivo Relatório de Pesquisa responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional: uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência. Brasília/Salvador, 2010.

Na realidade, adolescentes são mais vítimas do que autores quando o assunto é violência. Estudo revelou que dos mais de 40 mil homicídios registrados no ano 2000 no Brasil, apenas 448 foram cometidos por adolescentes, enquanto isso, 3.800 adolescentes foram assassinados. Aliás, 75% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos foram violentas, demonstrando que adolescentes são muito mais vítimas do que perpetradores de violência nesse país[61].

O Mapa da Violência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o estudo Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil (1980-2002), do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), publicados em 2006, constatou que os adolescentes e jovens são as principais vítimas dos crimes de homicídio. De acordo com estes levantamentos, em 2002, os homicídios passaram a corresponder por cerca de 40% das mortes desse público no Brasil[62].

A ausência de dados sobre o perfil dos adolescentes em conflito com a lei pertencentes às classes média e alta é outro traço marcante da criminalidade juvenil. Esse fato mostra que também é visível o tratamento discriminatório entre menores infratores pobres e ricos, conforme se observa adiante:

[...] as pesquisas não alcançam os adolescentes das classes média e alta. Por isso, embora seja de conhecimento público a sua participação em atos infracionais – principalmente os análogos aos delitos de transito e aos da lei de tóxicos – eles não constam das estatísticas. Via de regra, a eles é aplicada a medida de advertência com extinção do processo. Também é freqüente que a investigação não ultrapasse a esfera policial, encerrando-se na própria delegacia. A mesma seletividade verificada no Direito Penal acontece em relação aos adolescentes, gerando uma cifra negra a partir dos diferentes extratos sociais[63].

Em suma, essas são as principais características dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil: eles cometem delitos patrimoniais ou relacionados com o consumo de bens materiais; são oriundos de família de baixa renda; apresentam baixo nível de escolaridade e já se envolveram com o tráfico de drogas.

A identificação das supramencionadas características consiste num relevante mecanismo para a implantação de políticas públicas voltadas à ressocialização do menor infrator e o bem-estar também dos demais jovens. A implementação de políticas preventivas da criminalidade infantil é matéria que deve ser tratada com relevância e urgência.

3.3 A não redução da maioridade penal como instrumento de política criminal

A fixação da idade penal em 18 anos de idade foi ratificada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, por meio da Resolução n? 05, de 19 de julho de 1999, tendo o seu art. 13 determinado como diretriz básica “repudiar propostas como a pena de morte, pena perpétua e redução da idade penal limite para a responsabilização penal”.

A referida Resolução confirmou o item 23 da Exposição de Motivos do Código Penal, Lei n? 7.209/84, que justificou a manutenção da inimputabilidade penal aos menores de 18 anos como opção apoiada em critérios de política criminal. Desse modo, o menor de idade, mesmo que entenda o caráter ilícito do delito praticado, será considerado inimputável.

Verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema biológico, que não leva em consideração o desenvolvimento mental do adolescente, para fixar o marco inicial da maioridade penal. O critério adotado gera uma maior segurança jurídica, já que se estabelece objetivamente que toda pessoa até os 18 anos não será submetida à legislação criminal. Sobre essa escolha, concordo com a seguinte opinião de Marília Montenegro Pessoa de Mello:

Apesar das críticas feitas à adoção pelo Código Penal pátrio do sistema biológico em relação à menoridade penal, este parece ser o critério mais coerente. Determinar se uma adolescente tinha ou não capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, ou seja, avaliar em cada caso prático se o adolescente tinha ou não discernimento para avaliar sua conduta, parece ser por demais subjetivo[64].

Os defensores da redução da maioridade penal estão equivocados, pois essa medida não reflete o espírito de uma verdadeira política criminal. Conforme Tulio Kahn, o problema da delinquência juvenil se resolve aumentando oportunidades e não reduzindo a idade penal[65]. Não é a inimputabilidade que gera impunidade, porém é para a questão da inimputabilidade que os desinformados e oportunistas voltam seus olhos, quando se deveria buscar a solução para o problema da desigualdade social.

Na primeira semana do mês de novembro de 2003, o casal de jovens Liana Friedenbarch e Felipe Caffé foram assassinados no interior de São Paulo por um grupo liderado por um adolescente de 16 anos de idade, reascendendo o debate sobre a diminuição da idade penal. Diversas manifestações populares foram feitas, recebendo inclusive o apoio do então governador do Estado, Geraldo Alckmin. Esse acontecimento ganhou grande destaque na mídia por causa da imensa carga emocional demonstrada pelos familiares, amigos e até mesmo por anônimos[66].

Esse assassinato motivou a criação de uma comissão na Câmara dos Deputados que assumiu a missão de analisar possíveis alterações na CF/88 e no ECA. O trabalho desse grupo foi iniciado em 26 de novembro de 2003 e em 30 de junho de 2004 o relator, Deputado Federal Vitor Cascione[67], apresentou o relatório contendo a absurda proposta de aumento do prazo máximo da medida socioeducativa de internação de 3 para 27 anos, de acordo com a gravidade da infração[68].

Essa proposta, assim como a redução da maioridade penal, transgride os preceitos da doutrina da proteção integral e do princípio da dignidade da pessoa humana. Não faz sentido manter no cárcere, por quase três décadas, um adolescente que a própria lei classifica como sujeito na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Afinal, que desenvolvimento terá um jovem que venha a passar cerca de metade da sua vida privado da liberdade?

3.4 A criança e o adolescente como longa manus das organizações criminosas

Um fato sempre mencionado pelos defensores da redução da maioridade penal é a utilização de menores de idade por associações criminosas para a execução, na maioria dos casos, de pequenos serviços. Entretanto, sabe-se que o adolescente não passa de mero subordinado do adulto, que é sem dúvida o “ator principal” dessa trama.

Não é correto culpar e punir apenas o adolescente pelas falhas da legislação, pela conivência do Poder Executivo e pela ineficiência do Poder Judiciário no processamento dos feitos criminais. Faz-se necessário combater a criminalidade a partir da prisão e da punição adequada dos membros do alto escalão dos grupos organizados, especialmente voltados ao tráfico de substâncias entorpecentes, para afastar o ingresso de novos jovens na marginalidade.

Atestando o crescente grau de envolvimento do adolescente com o tráfico de substâncias entorpecentes no Rio de Janeiro, uma pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que no início da década de 1990 a média de idade dos adolescentes recrutados para o crime era de 15 a 17 anos. Atualmente, a média reduziu para a faixa etária de 12 a 13 anos, fato que comprova a ineficácia do Estado brasileiro de reprimir o avanço do tráfico, especialmente causado pela ausência de políticas sociais e de punição aos criminosos adultos.

Sobre a questão da diminuição da idade penal por causa da participação de crianças e adolescentes em grupos organizados para o tráfico, filio-me à opinião de Tulio Kahn:

Rebaixar a idade penal para que os indivíduos com menos de 18 anos não sejam utilizados pelo crime organizado equivale a jogar no mundo do crime jovens cada vez menores: adote-se o critério de 16 e os traficantes recrutarão os de 15, reduza-se para 11 e na manhã seguinte os de 10 serão aplicados como soldados do tráfico[69].

O fato mencionado acima certamente culminaria com uma infindável modificação legislativa que poria em risco a segurança jurídica.

Diante do exposto, fica evidente que crianças e adolescentes não podem, exclusivamente, ser responsabilizados pela participação em sociedades criminosas, haja vista que eles também são vítimas da insegurança. Muitas vezes eles nasceram e cresceram num ambiente marginalizado, fato que compromete profundamente seu desenvolvimento.

3.5              A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal

A diminuição da idade penal esbarra num importante aspecto jurídico: as cláusulas pétreas. Essas cláusulas são vedações materiais estabelecidas pelo legislador constituinte originário e formam o núcleo intangível da Constituição Federal. Isso quer dizer que elas são matérias insuscetíveis de qualquer deliberação e/ou proposta de modificação, mesmo que por meio de Emenda Constitucional (EC), tendentes a abolir, de acordo com o artigo 60, § 4?, inciso IV, da CF/88:

I – a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Ferreira Mendes aponta que tais cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do legislador constituinte para garantir a integridade do texto constitucional, impedindo que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade[70].

Nos termos do artigo 228 da CF/88 “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Diante desse texto é possível fazer a seguinte indagação: uma EC que vise à redução da maioridade penal viola a cláusula pétrea prevista no artigo 60, § 4?, inciso IV, da CF/88?

Inicialmente, salientamos que a existência de cláusulas pétreas ou limitações materiais implícitas é motivo de controvérsia na doutrina jurídica. O certo é que o rol do artigo 5? da CF/88 não é taxativo. Não é necessário, portanto, que o direito ou a garantia individual esteja elencada expressamente no referido artigo para impedir a deliberação da proposta. Por sinal, nossa atual Carta Magna, em seu art. 5º, § 2º, assevera que:

Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Não resta dúvida de que ser processado, julgado e responsabilizado de acordo com as normas de uma legislação especial diferenciada da dos adultos são garantias fundamentais do menor de idade. Por essa natureza, encontra-se a vedação da redução da maioridade penal sob o amparo das cláusulas pétreas.

Há quem entenda de maneira contrária. Exemplo disso é o professor Pedro Lenza, que enxerga a possibilidade de diminuir a idade penal mínima, conforme se visualiza a seguir:

A nossa posição pessoal é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.

Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir[71].

Contudo, humildemente discordo do posicionamento do brilhante autor acima. Não quis o legislador constituinte originário assegurar ao menor apenas a garantia à inimputabilidade penal, mas também assegurar objetivamente uma idade penal mínima. Afinal, se o legislador constituinte originário realmente quisesse proteger apenas o direito à inimputabilidade penal, não haveria razão para que a própria Constituição Federal estabelecesse o mencionado patamar etário, tarefa essa que ficaria a cargo da legislação ordinária, cujo processo de modificação é bem mais flexível.

Portanto, objetivou o legislador constitucional originário assegurar tanto o direito à inimputabilidade penal quanto a idade penal mínima em 18 anos, não havendo qualquer possibilidade de se excepcionar ou suprimir essa garantia fundamental elevada ao status de cláusula pétrea.

3.6              Breves considerações sobre a tramitação da PEC 20/99 e seus principais personagens

A tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/99, que altera o artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo para 16 anos a idade penal, praticamente encontra-se parada no Senado Federal desde o mês de abril de 2011. Essa PEC, que foi apresentada em 25 de março de 1999 pelo ex-Senador José Roberto Arruda, além de reduzir a idade penal, pretende acrescentar o parágrafo único ao art. 228 da CF/88 dispondo que os menores de 18 e maiores de 16 anos são penalmente imputáveis, quando constatado o seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei.

Pela proposição acima, o jovem com idade entre 16 e 18 anos que delinquir será criminalmente responsabilizado, desde que comprovada sua capacidade de entender a ilicitude do seu ato, voltando-se, assim, a adoção do critério biopsicológico.

O texto chegou ao plenário com a redação proposta pelo também ex-Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que já foi Procurador da Justiça e Secretário de Segurança Pública de Goiás. A tese de que a criminalidade entre os jovens surge, na maioria dos casos, em decorrência da miséria foi um dos motivos de resistência à aprovação da proposta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Invocando sua experiência em Segurança Pública, Demóstenes Torres sustentou, durante o exame da PEC naquela comissão, que a criminalidade é um assunto de fundo moral. Para ele, um jovem entre 16 e 18 anos tem plena capacidade de identificar o ato criminoso e a pobreza não é causa determinante da criminalidade[72].

Na justificação do projeto, arguiu-se que os jovens de hoje em dia tem muito mais acesso aos meios de comunicação, e por isso muito mais discernimento sobre aquilo que é certo e o que é errado. Além disso, argumentou-se que o sistema biológico, que estabeleceu a maioridade penal em 18 anos, provém da década de 1940, e, portanto, não possui consonância com os atuais paradigmas sociais.

Por sua vez, no parecer do então presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Demóstenes Torres, datado de 26 de abril de 2007, foi apresentada a seguinte conclusão:

Entendo que a melhor saída, diante das propostas analisadas, e do grave quadro de insegurança hoje vivido, e para não incorrer nos vícios anteriormente citados, é a redução da maioridade penal para os dezesseis anos, prevendo-se, contudo, aplicação de pena com rigor penitenciário apenas aos maiores de dezesseis anos que cometerem crimes eivados de hediondez.

Como se observa, há mais de uma década a mencionada proposta tramita no Senado Federal, deixando evidente que a matéria somente recebe atenção quando eventualmente ocorre algum delito de grande repercussão na mídia, cuja prática envolva a participação de menores de idade.

Os protagonistas da PEC 20/99, ou seja, os ex-Senadores José Roberto Arruda (autor) e Demóstenes Torres (Relator), são parlamentares ícones do falso moralismo que cerca os debates acerca da redução da maioridade penal.

José Roberto Arruda foi eleito Senador, Deputado Federal e Governador pelo Distrito Federal. Sua vida política foi tumultuada, ficando marcada, sobretudo, pelo episódio da sua renúncia ao cargo de Senador em 2001, após o escândalo de adulteração do painel de votação do Senado, quando atuou ao lado de Antônio Carlos Magalhães e, em 2010, pela descoberta de um grande esquema de corrupção no governo do Distrito Federal, conhecido como “Mensalão do DEM”.

No decurso das investigações, Arruda foi preso preventivamente, tornando-se o primeiro governador do Brasil a ser encarcerado durante o mandato. Ele foi afastado do governo por ordem judicial e ficou preso de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010 na carceragem da Polícia Federal em Brasília.

No dia 16 de março de 2010 teve seu mandato cassado pelo TRE do Distrito Federal por infidelidade partidária[73].

Por sua vez, Demóstenes Torres foi cassado em 11 de julho de 2012, por 56 Senadores Federais, ficando ilegível até 2027, pelo fato de usar o mandato para favorecer o “bicheiro” Carlos Augusto de Almeida Ramos, o “Carlinhos Cachoeira”, preso pela Polícia Federal sob a acusação de comandar um esquema de jogo ilegal em Goiás.

O Senador cassado foi acusado de quebra de decoro parlamentar por suspeita de ter utilizado o mandato para auxiliar nos negócios do contraventor, que foi preso pela Polícia Federal no fim de fevereiro durante a “Operação Monte Carlo”, sob a acusação de explorar jogos ilegais e cometer corrupção. Poucos dias após da prisão de “Carlinhos Cachoeira” surgiram notícias do envolvimento do Senador Demóstenes Torres com o contraventor[74].

O objetivo dessa breve explanação é mostrar ao leitor o perfil dos principais parlamentares que tomaram a frente no debate sobre a redução da maioridade penal. Os dois ex-Senadores mencionados acima representam a “banda podre” da política nacional. Ambos demostraram que não são dignos do papel de representantes do povo brasileiro.

As atitudes dessas duas pessoas certamente causaram muito mais danos à sociedade do que a infinita maioria dos nossos adolescentes. A redução da maioridade penal é sem dúvida um dos maiores “bodes expiatórios” quando o assunto é o combate à criminalidade.

São sujeitos como os dois acima que levantam a bandeira da redução da maioridade penal e tentam se aproveitar do sofrimento das vítimas da violência. Esses indivíduos deveriam ter honrado seus ex-cargos, devido à importância e ao elevado custo que têm, trabalhando incessantemente para solucionar problemas sociais como a criminalidade.

Não é remediando que o problema da criminalidade infantil será solucionado. A saída é pesquisar, analisar e tratar a origem dessa questão social. É imensamente fácil propor projetos como a minoração da idade penal, se aproveitando de determinado momento de comoção social. É imprescindível observar o que de fato acontece nas ruas, qual é de fato a causa da criminalidade infantil, e qual será a consequência da aprovação de projetos como o que está sendo comentado nesse trabalho.

O povo brasileiro está cansado dessa forma de se fazer política. Mais que isso, o povo está fortalecendo cada vez mais seu senso crítico e sua atenção para com os ocupantes de cargos eleitorais.

O combate à criminalidade no Brasil começa impedindo o acesso e afastando dos cargos pessoas portadoras de “ficha-suja”. São esses elementos os maiores criminosos do nosso país e é justamente para esses que as punições devem ser fortalecidas.

Devemos ficar atentos às condutas e as posições adotadas por nossos representantes, pois geralmente suas propostas visam atingir prejudicialmente a sociedade e não os seus semelhantes de função, pois é muito mais fácil reprimir e condenar os excluídos e marginalizados.

3.7              Críticas aos argumentos pró-redução da maioridade penal

Os defensores da redução da maioridade penal utilizam, em suma, os seguintes argumentos para justificar a diminuição da idade penal:

A.                É injusta e incorreta a interpretação acerca da inimputabilidade penal do menor;

B.                 O ECA é uma lei paternalista e permissiva à impunidade, à reincidência e ao crescimento da criminalidade juvenil;

C.                Se o menor tem capacidade para casar e votar, por exemplo, teria capacidade suficiente de entender o caráter ilícito de suas atitudes;

D.                A redução da maioridade penal é medida capaz de reduzir a violência juvenil;

E.                 Devido à incapacidade e ineficiência do Estado, a medida mais viável e imediata para reduzir a violência é prender e punir os autores de atos ilícitos, em vez de se esperar anos para que os resultados das políticas sociais (quando implantadas) comecem a aparecer;

F.                 O jovem de hoje em dia tem muito mais acesso aos meios de informação e por isso entende mais precocemente o que é certo e o que é errado;

G.                Os índices infracionais juvenis são altos e de gravidade semelhante aos vistos em relação aos adultos;

H.                A legislação menorista ajuda a proteger jovens bandidos e a desproteger a sociedade, sendo essa mais vítima do que aqueles.

Entretanto, esses fundamentos não se sustentam, pois são oriundos de análises superficiais e que geralmente se propalam após a prática de algum delito cometido mediante grave ameaça ou violência por adolescente.

A inimputabilidade penal dos menores de 18 anos de idade no nosso ordenamento jurídico trata-se de um critério de política criminal e de adoção pátria da doutrina da proteção integral. Esses fatores sustentam a manutenção ou até mesmo a elevação da idade penal.

O ECA não é uma lei permissiva à impunidade. Na verdade ela é uma ferramenta que prevê várias formas de responsabilização do adolescente infrator, levando-se em consideração a gravidade da conduta e as circunstâncias que o levou a praticá-la. Através do Estatuto também é possível mensurar qual é a medida mais adequada a cada caso concreto.

A grande vantagem dessas sanções, denominadas medidas socioeducativas, é seu caráter pedagógico e ressocializador. A idéia de que o Estatuto da Criança e do Adolescente serve de escudo à impunidade é fruto do desconhecimento e do descaso para com os jovens.

 A capacidade para casar e para votar antes dos 18 anos de idade não deve prevalecer na análise da redução da maioridade penal, haja vista que esses dois fenômenos jurídicos referem-se a ramos distintos do direito. Ademais, o voto ao menor entre 16 e 18 anos de idade é um direito cujo exercício é facultativo, também não podendo ele se candidatar nem se eleger para qualquer cargo. Por outro lado, a responsabilização do menor de 18 anos, autor de ato infracional, consiste num ônus, vez que ele é obrigado a cumprir uma das medidas socioeducativas impostas pelo magistrado, não podendo optar pelo cumprimento ou não da mesma.

Não é verdade também que a prisão reprime a criminalidade. Não é retirando das pessoas sua liberdade que a violência e os demais problemas sociais irão ser resolvidos. Aumentar as oportunidades, acabar com a exclusão social, investir em educação e na profissionalização dos jovens são medidas que realmente poderão surtir o efeito desejado.

Não há dados que confirmem que a redução da maioridade penal contribui para a redução da violência. É certo que ela ajuda a agravar o problema da criminalidade, pois a prisão só ajuda a marginalizar e excluir aquele que errou perante a sociedade, sobretudo os mais pobres, e a aumentar a reincidência delituosa. A propósito, dados de 2004 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) estimam apenas em 20% a reincidência dentro do sistema socioeducativo, enquanto que no sistema penitenciário esse percentual chega a 60%[75].

Investir em policiamento e na melhoria das condições das unidades prisionais e promover o agravamento das punições são medidas importantes, porém não as únicas no combate à violência. Priorizar a redução da idade penal significa apresentar à sociedade uma resposta imediata, momentânea e simbólica. A criminalidade continuará aumentando se o Estado não investir em programas sociais que possibilitem a melhoria das condições de vida das pessoas, afastando-as da marginalidade.

Concordo que os meios de informação estão mais acessíveis aos jovens de hoje do que na década de 1940, por exemplo, época em que foi instituído o Código Penal Brasileiro. Mas isso não significa que os adolescentes de hoje são mais bem informados do que os do passado. O aumento da quantidade não significa necessariamente aumento da qualidade das informações recebidas e não assegura que essas estejam sendo bem absorvidas pela população.

A quantidade de delitos praticados por adolescentes é notoriamente menor do que é cometido por adultos e grande parte dessas infrações é de natureza leve. Os índices de reincidência mostram bem a diferença entre os dois lados: o percentual de reincidência é bem menor referente aos adolescentes do que aos adultos. Isso acontece porque é mais fácil recuperar uma pessoa enquanto ela ainda se encontra numa fase de amadurecimento, de desenvolvimento físico e mental, do que quando ela já apresenta marcas profundas da violência em sua vida, e que geralmente ficam mais visíveis com o passar do tempo. Daí a necessidade de se tratar adolescente e adulto de maneira diferente um do outro.

Por fim, vale reforçar que, comprovadamente, a juventude do nosso país ocupa mais a posição de vítima do que de autor quando o assunto é a criminalidade.

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Sobre o autor
José Valério da Silva Júnior

advogado, bacharel em Direito pela Faculdade ASCES (Caruaru-PE), pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, ex-estagiário do Banco do Nordeste do Brasil e do Ministério Público de Pernambuco e desde 2012 é membro do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Caruaru-PE (COMDICA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, José Valério. Motivos para rebater a redução da maioridade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24233. Acesso em: 23 dez. 2024.

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