Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a concessão do beneficio da assistência judiciária gratuita em prol das pessoas jurídicas sem fins lucrativos, no âmbito da Justiça do Trabalho. Além de um breve estudo sobre o instituto da pessoa jurídica, faz-se uma pormenorizada análise sobre as disposições gerais, os objetivos e os efeitos do aludido benefício. Por fim, demonstra-se a necessidade de aplicação, no âmbito da Justiça do Trabalho, da inteligência do Superior Tribunal de Justiça, acerca da presunção de miserabilidade e da dispensabilidade de produção de provas. Para pesquisa do tema utilizou-se o método de linha dogmática de pesquisa jurídica.
Palavras-chave: Assistência Judiciária Gratuita. Pessoa Jurídica sem fins lucrativos. Presunção da dificuldade financeira. Dispensabilidade de prova.
Sumário: Introdução; 1. Da Assistência Judiciária Gratuita; 1.1 Disposições Gerais; 1.2 Da Abrangência da Assistência Judiciária Gratuita; 2. Das Pessoas Jurídicas; 2.1 Conceito; 2.2 Das Pessoas Jurídicas Com e Sem Fins Lucrativos; 2.2.1 Pessoas Jurídicas sem fins lucrativos; 3. Da Assistência Judiciária para as Pessoas Jurídicas Sem Fins Lucrativos; 3.1. Da Problemática envolvendo as entidades sindicais; 4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas
Introdução
Na Justiça do Trabalho, tem lugar importante discussão acerca da hipossuficiência dos empregados, a partir de presunções no sentido de que apenas estes não possuem capacidade financeira de manter um processo judicial, com o pagamento de todas as custas provenientes, sem que isso traga algum prejuízo pecuniário para o mesmo ou para a sua família.
Para a aplicação dessa presunção, a própria legislação infraconstitucional trabalhista prevê que a simples alegação de incapacidade financeira do empregado é suficiente para o deferimento da assistência judiciária gratuita, sem que se faça necessário qualquer prova material ou testemunhal para tanto.
A grande problemática envolvendo a concessão do benefício da gratuidade na Justiça do Trabalho está, no entanto, quando a parte que a requer for pessoa jurídica. Isso porque, conforme veremos ao longo deste artigo, a lei que trata a assistência judiciária gratuita prevê, expressamente, a sua concessão apenas às pessoas físicas, sem considerar, portanto, a possibilidade de sua extensão àquelas entidades.
Sobre tal ponto, alguns juízes afirmam que o beneficio em foco somente pode ser concedidos aos empregados, não sendo possível a sua concessão para as pessoas jurídicas, argumentando que essa lei, ao conceituar o “necessitado”, utiliza-se de expressões típicas das chamadas pessoas físicas, como por exemplo, “nacionais ou estrangeiros residentes no território nacional” e “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.
Outros, no entanto, valem-se, como argumento, do quanto disposto na Constituição Federal, e concluem pela extensão às pessoas jurídicas. No entanto, para serem agraciadas por esse beneficio, terão, diferentemente do que ocorre com os trabalhadores, que apresentar provas acerca da insuficiência financeira, no sentido de que não poderão arcar com as custas de um processo judicial, sem que seja prejudicado o seu funcionamento.
Ocorre que essa prova é de difícil realização em uma ação trabalhista, já que, no Direito do Trabalho, o principio da hipossuficiência dos empregados está presente, sendo raro o entendimento entre os juízes de que é possível haver dificuldade financeira entre as pessoas jurídicas empregadoras, que, na maioria das vezes, são criadas com o objetivo de obter lucros.
No entanto, apesar da maioria das empresas empregadoras possuírem o animus lucrandi, existem outros tipos de pessoas jurídicas que não a possuem, ao qual a legislação denominou de pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
A essas pessoas, a Carta Magna e outras legislações infraconstitucionais conferiram alguns benefícios, tendo em vista a sua relevante atuação na sociedade, como ocorre, por exemplo, no direito tributário, que concede imunidade tributaria a diversas pessoas jurídicas que atuam como verdadeiros alicerces do Estado, tais como as entidades filantrópicas e os partidos políticos. No Estatuto do Idoso também há previsão benéfica às instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de serviço ao idoso, quando prevê, em um dos seus dispositivos, que terão direito à assistência judiciária gratuita, independentemente de prova apresentada.
Nesses dois casos apresentados, as previsões benéficas em prol das pessoas jurídicas sem fins lucrativos estão relacionadas principalmente ao principio da dignidade da pessoa humana, o princípio da prevalência do direito publico sobre o direito privado e também sobre o principio da hipossuficiência dessas pessoas frente às outras pessoas jurídicas privadas que possuem fins lucrativos.
Ademais, para o Estado, essas pessoas que não possuem o intuito lucrativo atuam para o bem social comum, dependendo muitas vezes de doações particulares e de concessão de dinheiro publico, e, exatamente em virtude deste papel relevante e de difícil atuação, é que merecem tratamento diferenciado.
O objetivo deste artigo, assim, se perfaz na necessidade de se configurar um tratamento diferenciado em face das pessoas jurídicas sem fins lucrativos, que, apesar de previsto em diversos ramos do Direito, não estão presentes no Direito do Trabalho.
No caso específico aqui analisado, defenderemos o tratamento diferenciado quando essas pessoas jurídicas requerem a concessão do benefício.
Esse posicionamento, todavia, não é adotado na maioria da jurisprudência trabalhista, que não separa as pessoas jurídicas conforme possuam ou não intuito lucrativo; não promovem nenhuma distinção entre elas que, por isso mesmo, precisam apresentar prova vasta, capaz de convencer o juiz da sua dificuldade financeira em arcar com as custas de um processo, para que, somente assim, consigam beneficiar-se da justiça gratuita.
1. Da Assistência Judiciária Gratuita
1.1. Disposições Gerais
A assistência judiciária é conceituada por Plácido e Silva (2007, p.151) como:
[...] faculdade que, por lei, se assegura, às pessoas provadamente pobres, que não estiverem em condições de pagar as despesas e as custas judiciais, sem prejuízo do sustento próprio e da sua família, de virem pleitear o beneficio da gratuidade da justiça, para que demandem ou defendam os seus direitos.
Tal benefício, conjuntamente com o auxílio das defensorias públicas, trata-se de um dos principais esforços para incrementar o acesso à justiça daqueles que não a podem custear, obtendo, desse modo, importante instrumento de acesso à justiça previsto na Carta Magna vigente.
A Constituição de 1988, que demonstra clara preocupação com os aspectos sociais dos brasileiros, inseriu como fundamentais, entre outros, os direitos à segurança, à liberdade, à igualdade e à justiça, não se abstendo de dar acesso aos mais necessitados, que não teriam recursos financeiros hábeis a custear a proteção dos seus interesses no Poder Judiciário.
Lima (2002, p.208-209), ao tratar das medidas instituídas constitucionalmente para que os cidadãos possam defender seus interesses, dispõe sobre a assistência judiciária gratuita, quando diz que:
Não bastaria à Constituição instituir o Judiciário e disponibilizar medidas ao cidadão para defender seus interesses se não levasse em consideração a real situação social, onde o nível de pobreza é altíssimo e as despesas com o processo podem inviabilizar o acesso à jurisdição. Num país em que milhões de pessoas vivem em estado de extrema miséria é preciso assegurar aos necessitados o direito de demandar perante o Poder Público, sob pena de, assim não o fazendo, excluí-los do processo democrático e do direito de participação – mais do que isso, do direito instrumental (garantias) de defender seus interesses em juízo; seria, enfim, negar aos pobres a eficácia dos direitos conferidos pela Constituição.
Nesse aspecto, a necessidade de se proporcionar a assistência judiciária àqueles que não possuem recursos financeiros constitui direito vital de todos, o que justifica a previsão constitucional.
Esse tratamento diferenciado é facilmente justificado, especialmente em face do princípio da isonomia, no sentido de que certas pessoas, consideradas desiguais numa determinada relação, possam ter as mesmas condições de fato e de direito quando estiverem protegendo seus objetivos em conflito. Trata-se, inclusive, de uma conclusão lógica, sendo muito comum, em determinados processos, que uma das partes tenha uma relação de disparidade em face do adversário.
Capeletti (1988, p.21) discorre sobre a desigualdade entre as partes:
Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar. Podem, além disso, suportar as delongas do litígio. Cada uma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaça de litígio torna-se tanto plausível quanto efetiva. De modo similar, umas das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado, apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente.
Além da previsão de tratamento igualitário entre as partes, a assistência judiciária gratuita também é justificada em face do princípio constitucional do amplo acesso à justiça, do qual decorre o direito de ação, e que garante a todos que tenham o seu direito lesionado, sem qualquer distinção de origem, raça, sexo, cor e idade, a possibilidade de acionar o aparelho jurisdicional para resolver as lides decorrentes, tendo o Poder Judiciário, diante do conflito, o dever de pronunciamento a respeito.
Nesse aspecto, Van Holthe (2008, p.331) apud Nelson Nery Jr, demonstra que:
Qualquer medida destinada a impedir ou mesmo dificultar sobremaneira o direito de ação ou de defesa no processo viola o principio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, não podendo igualmente o aplicador do Direito dar à lei processual interpretação que dificulte a concessão da tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.
Ademais, a ampla defesa e os direitos de representação e de petição também são garantidos pela Constituição, sendo conferido a todos os cidadãos a possibilidade de protestar livremente contra abusos de autoridade, bem como de manifestar-se em defesa de seus direitos ou do interesse coletivo.
Por isso, prevê o art. 5º, LXXIV da Constituição Federal que “o estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos”.
Além do quanto disposto na Carta Magna, o legislador, ainda, previu a possibilidade de utilização da assistência jurídica para os necessitados, consoante normas dispostas na Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950.
A referida Lei enumera o nível de abrangência da assistência judiciária, bem como informa o conceito de necessitado, ao afirmar, no seu art. 2º, parágrafo único, que “considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.
Em outros termos, para que se alcance os benefícios da assistência judiciária gratuita, não é preciso que o individuo viva na miserabilidade crônica; basta que esteja em situação que possa deixar perecer o seu direito por falta de meios financeiros para fazê-lo valer em juízo, ou ter que desviá-los para o custeio da demanda, tratando-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou dos seus familiares.
Fácil, portanto, perceber a importância dessa Lei; deve o magistrado, em cada caso concreto, avaliar o conceito de necessitado antes de conceder os benefícios à parte que os pleitear.
Ocorre que, além de tratar de conceitos indispensáveis, tais como os mencionados acima, a Lei em foco também possui previsão contrária ao texto constitucional, o que traz certa discussão na doutrina e jurisprudência. Isso porque, diferentemente do quanto exposto na Constituição, dispõe também, no seu artigo 4º, que a concessão dos referidos benefícios ocorre mediante simples afirmação na própria petição inicial.
Assim, enquanto a Carta Magna exige, expressamente, a comprovação da insuficiência de recursos para que seja concedida a assistência judiciária gratuita, na Lei destacada basta a simples afirmação daquele que pretende obter o beneficio, de que é hipossuficiente.
Apesar de tais disposições aparentemente serem contrárias entre si, a mencionada norma não foi considerada inconstitucional. Pelo contrário; a jurisprudência e a doutrina majoritárias afirmam que a proposição final do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição da República de 1988 não pode ser interpretada de forma literal, a exigir que a parte requerente faça prova da sua insuficiência financeira, sob pena da produção de retrocesso social em matéria de âmbito de acesso à ordem jurídica justa.
Analisando o dispositivo mencionado, Moraes apud José Carlos Barbosa Moreira demonstra a incompatibilidade de uma interpretação literal em face da promoção dos direitos fundamentais do cidadão hipossuficiente financeiramente, quando diz que:
Sucede que alguns estão pretendendo vislumbrar no texto constitucional um sinal de retrocesso, na medida em que interpretam literalmente a cláusula da Constituição de 1988, segundo o qual o Estado prestará assistência aos que comprovarem insuficiência de recursos. Dá-se ao texto uma interpretação literal, para concluir-se que a Constituição de 1988 teria revogado aquela disposição introduzida pela Lei n. 7.510, que dispensava a comprovação. A mim não parece razoável. Ela peca por ser estreitamente literalista. É óbvio que a Constituição de 1988 jamais pretendeu restringir a concessão do benefício; ao contrário, ela quis ampliá-lo. Com todos os seus defeitos, é uma Constituição marcada pela preocupação social. É possível que em alguns pontos, tenha ficado aquém do que devia, e é até possível também que, noutros momentos, ela tenha tido o seu quê de utópica, mas importa: o fato central, a verdade inquestionável, é que ela procurou assegurar o avanço da comunidade brasileira no sentido de uma organização social mais equânime, menos marcada por desníveis intoleráveis; e não iria, certamente, dar marcha-à-ré nesse processo evolutivo. Temos de interpretar o texto com o espírito aberto ao sentido geral da Constituição. A meu ver, continua sendo perfeitamente possível, e até diria obrigatório, ao juiz aplicar a disciplina dada pela Lei n. 7.510. A Lei 7.510 pura e simplesmente considerou – digamos assim, atecnicamente, não importa – bastante como prova a declaração do interessado, prova essa sujeita eventualmente à prova do contrário.
Percebe-se, assim, que, ainda que a Constituição Federal preveja expressamente a necessidade de produção probatória da miserabilidade econômica da parte solicitante da assistência, o entendimento pacificado é no sentido de que a simples afirmação dessa condição já é o suficiente, ainda mais quando a referida comprovação é de difícil prova.
No caso da Justiça do Trabalho existem, ainda, algumas peculiaridades a respeito, que nos fazem concluir, de fato, pela dispensabilidade de prova da miserabilidade econômica da parte.
Primeiramente, a Lei nº 5.584 de 1970 exigia a comprovação da dificuldade econômica por meio de um atestado de pobreza, senão vejamos:
Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.
§ 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
§ 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado.
Posteriormente, a Lei n. 7.115, de 1983, revogando tacitamente a disposição acima, disciplinou a não obrigatoriedade de apresentação do atestado de pobreza para que fosse prestada a referida justiça gratuita; basta (ainda está em vigor) que o interessado, de próprio punho, ou por procurador com poderes específicos, sob as penas da lei, declare na petição inicial que não tem condições de arcar com as custas e as despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, como se constata nos dispositivos transcritos:
Art. 1º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interesse ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira.
Parágrafo único - O dispositivo neste artigo não se aplica para fins de prova em processo penal.
Art. 2º - Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação aplicável.
Art. 3º - A declaração mencionará expressamente a responsabilidade do declarante.
Art . 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário.
Além das disposições acima transcritas, não podemos esquecer que na Justiça do Trabalho vigora o princípio da proteção ao trabalhador em face da sua hipossuficiência e da possibilidade de inversão do ônus da prova. Como o trabalhador estaria em uma relação de desigualdade enquanto demandar contra o seu empregador, o ônus de provar a referida situação financeira poderia ser invertido, cabendo, portanto, a este último demonstrar a inexistência dos requisitos formais exigidos para o deferimento da assistência judiciária gratuita.
Forçoso reconhecer, por conseguinte, a importância do debate sobre o tema, principalmente no âmbito trabalhista, conforme trataremos ao longo deste artigo
1.2. Da Abrangência da Assistência Judiciária Gratuita
Como visto, a assistência judiciária gratuita é concedida predominantemente para as pessoas físicas consideradas pobres, que não têm condições financeiras de arcar com as despesas de um processo, sendo certo que, sem esse beneficio, certamente teria o seu direito comprometido.
A Constituição Federal não fez qualquer distinção nesse sentido, já que suas disposições não identificam, exclusivamente, a pessoa física como única beneficiaria da assistência judiciária gratuita. Pelo contrário; dispõe, apenas, que serão os beneficiários desse instituto aqueles que, genericamente falando, comprovarem a insuficiência de recursos financeiros. Nesses termos, é possível concluir que, na teoria, em face exclusivamente do texto constitucional, a pessoa jurídica poderia ser facilmente abrangida por esse auxilio.
Ocorre que, normalmente, as pessoas jurídicas não são agraciadas pelo benefício da assistência judiciária gratuita, havendo divergências doutrinárias e jurisprudenciais em torno do tema. Na Justiça do Trabalho essa dificuldade aumenta, em face da disparidade econômica comumente existente entre empregadores e empregados.
Há magistrados que, invocando a leitura fria da Lei 1.060/50, afirmam ser incabível a concessão da assistência jurídica ora estudada, haja vista que o artigo 2º da referida Lei dispõe que os beneficiários seriam as pessoas físicas nacionais ou estrangeiras residentes no território nacional, que não tenham condições econômicas de pagar as despesas de um processo sem prejuízo próprio ou da sua família, senão vejamos:
Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.
Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
Em outras palavras, a teor do dispositivo supracitado, não seria possível conceder o referido beneficio para pessoas jurídicas, e sim apenas às pessoas físicas, nacionais ou estrangeiras residentes no Brasil com dificuldades financeiras. Nesse sentido, alguns acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região:
Ementa: JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA - A pessoa jurídica não faz jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita a que alude o art.14 da Lei 5.584/70, nem às da justiça gratuita a que se reporta o art.2º da Lei 1.060/50, uma vez que não possui elementos de caráter individual condizentes com a dignidade da pessoa humana. Processo 0073400-45.2009.5.05.0009 RecOrd, ac. nº 030310/2010, Relator Desembargador LUIZ TADEU LEITE VIEIRA, 1ª. TURMA, DJ 01/10/2010;
Ementa: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA/ PESSOA JURÍDICA. Na qualidade de pessoa jurídica, não pode a parte querer se beneficiar dos benefícios outorgados às pessoas físicas pela Lei 1.060/50 e 5.584/70 uma vez que não atendidos os pressupostos legais. Processo 0078900-95.2009.5.05.0008 RecOrd, ac. nº 010702/2010, Relator Desembargador VALTÉRCIO DE OLIVEIRA, 4ª. TURMA, DJ 22/04/2010;
Ementa: Não se concede assistência judiciária gratuita assegurada pelo art. 4º da Lei nº 1.060/50, a empregador, pessoa jurídica, pois a Lei n° 5.584/70, que disciplina a matéria em sede da Justiça do Trabalho, em seus artigos 14 e 19, faz menção unicamente a empregado. Processo 0104540-63.2007.5.05.0431 AIRO, ac. nº 020605/2009, Relatora Desembargadora MARIA ADNA AGUIAR, 5ª. TURMA, DJ 26/08/2009.
Outros intérpretes da lei, no entanto, entendem que seria possível a concessão deste benefício em prol das pessoas jurídicas, acaso comprovassem documentalmente que estão passando por dificuldades financeiras tais capazes de comprometer o seu livre funcionamento. Nesse sentido, vejamos outras ementas, também retiradas do banco de dados do Tribunal Regional do Trabalho da 5ºª Região:
Ementa: JUSTIÇA GRATUITA. SINDICATO. PESSOA JURÍDICA. NÃO CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS. Nos termos do que dispõe o art. 5o, LXXIV, da hodierna Carta Política, a assistência judiciária nele garantida estende-se àqueles "...que provarem a insuficiência de recursos", situação patrimonial não comprovada sob qualquer forma pelo Sindicato autor. Observe-se que não há, no bojo dos presentes autos, qualquer prova da dificuldade enfrentada pela pessoa jurídica, quer sejam títulos protestados, escrituração contábil ou declaração de imposto de renda ou qualquer elemento que permita a comprovação inequívoca da insuficiência de recursos e a sua condição de necessitada. No que concerne à Lei n. 1.060/50, o art. 2o menciona o benefício aos "...residentes no país...", o que, em função do conceito de residência ser próprio apenas da pessoa física, força concluir que a gratuidade em questão não pode ser extensiva à pessoa jurídica. Acolhe-se a preliminar de inadmissibilidade do recurso por deserção. Processo 0091900-69.2007.5.05.0191 RecOrd, ac. nº 058275/2011, Relator Desembargador ESEQUIAS DE OLIVEIRA, 5ª. TURMA, DJ 03/05/2011;
Ementa: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. DESERÇÃO. 1. A pessoa jurídica que exerce atividade empresarial pode pleitear os benefícios da assistência judiciária, tal como a pessoa física, mas, para tanto, é necessária a declaração e comprovação efetiva da falta de condições financeiras para arcar com as despesas processuais, sem prejuízo de sua própria existência. 2. O preparo é pressuposto objetivo de admissibilidade do recurso. A sua inobservância implica no não conhecimento do apelo. Processo 0062500-88.2009.5.05.0013 RecOrd, ac. nº 014919/2010, Relator Desembargador JEFERSON MURICY, 5ª. TURMA, DJ 14/07/2010.
O entendimento acima demonstrado constitui importante inovação jurídica, ainda que parcialmente contestada neste artigo, haja vista que amplia o disposto na lei da assistência judiciária gratuita e traz como beneficiário não apenas a pessoa física, nacional ou estrangeira, mas também as pessoas jurídicas que comprovarem, por meio de documentos, a sua dificuldade em pagar as custas decorrentes de um processo judicial. Tais magistrados, normalmente, partem do pressuposto que a Constituição Federal não limita quais serão os beneficiários, podendo ser tanto as pessoas naturais quanto as jurídicas.
Para esses casos, os juízes indicam a necessidade de produção probatória quanto a situação econômica, a partir da presunção relativa de que as pessoas jurídicas, em virtude da sua natureza, podem arcar com custas processuais, o que não ocorre, no entanto, com as pessoas físicas, tendo em vista que, conforme já vimos acima, a simples afirmação da miserabilidade econômica já é o suficiente para a concessão do beneficio da assistência judiciária gratuita.
Posicionamento no mesmo sentido é adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se, nesse sentido, a seguinte decisão, da lavra do Ministro Celso de Mello:
BENEFÍCIO DA GRATUIDADE – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO – POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DO ESTADO DE INCAPACIDADE ECONÔMICA – CONSEQÜENTE INVIABILIDADE DE ACOLHIMENTO DESSE PLEITO – RECURSO IMPROVIDO. O benefício da gratuidade – que se qualifica como prerrogativa destinada a viabilizar, dentre outras finalidades, o acesso à tutela jurisdicional do Estado – constitui direito público subjetivo reconhecido tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica de direito privado, independentemente de esta possuir, ou não, fins lucrativos. Precedentes. - Tratando-se de entidade de direito privado – com ou sem fins lucrativos -, impõe-se-lhe, para efeito de acesso ao benefício da gratuidade, o ônus de comprovar a sua alegada incapacidade financeira (RT 787/359 - RT 806/129 – RT 833/264 – RF 343/364), não sendo suficiente, portanto, ao contrário do que sucede com a pessoa física ou natural (RTJ 158/963-964 - RT 828/388 – RT 834/296), a mera afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios. Precedentes. (RE 192715 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo 455, 5-9/fev. de 2007).
Ocorre que essa segunda teoria, ao ser invocada, não diferencia qualquer dos tipos de pessoas jurídicas existentes no nosso ordenamento jurídico, não sendo correto presumir que todas elas, indistintamente, possuem condições financeiras de arcar com as custas provenientes de um processo.
Para entender essa situação, cabe fazermos uma analise, primeiramente, do instituto jurídico da pessoa jurídica, seus diversos tipos e diferenças, para depois analisarmos os tratamentos diferenciados que devem ser levados em conta para cada uma delas.