4. Responsabilidade da concessionária perante terceiros e perante o Poder Público.
O Estado muitas vezes causa danos ou prejuízos aos indivíduos, gerando a obrigação de reparação patrimonial, decorrente da responsabilidade civil. Assim, enquanto sujeito de direito, o Estado submete-se a responsabilidade civil, prevendo a Constituição Federal que "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa" (CF, art. 37, § 6°).
Essa responsabilidade não se confunde com a responsabilidade civil contratual do Estado que deve ser analisada sobre a ótica dos contratos administrativos.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado passou por constantes alterações e evoluções, em cada período histórico:
1ª fase: Irresponsabilidade - "O Rei nunca erra" - Observe-se, porém, que mesmo nesses casos não ficavam os indivíduos a descoberto de qualquer proteção, pois, em atuando os agentes públicos com dolo ou culpa, estes responderiam, individualmente, por seus atos, mesmo quando no exercício de cargo público. Isso porque, em violando o direito, não agiam em nome do Estado, como seu preposto, mas em nome próprio.
2ª fase: Responsabilidade subjetiva – doutrina civilista: essa teoria dividia-se em relação a atos de gestão ou ato de império do Poder Público. Em relação aos primeiros, havia responsabilidade civil do Estado desde que houvesse, no caso concreto, culpa do agente público.
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3ª fase: Publicização da culpa – Teoria francesa da culpa administrativa ou da faute du service (falta do serviço): decorre de quatro pontos principais, e não diferencia atos de gestão de atos de império, mas sim da correta ou incorreta atuação do serviço público. A falta do serviço público não depende de falta do agente, mas do funcionamento defeituoso do serviço, do qual decorre o dano. Assim, a falto do serviço ocorre quando o serviço público não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do direito civil e a responsabilidade objetiva. Dessa forma, a faute du service era fundamentada ou na culpa individual do agente causador do dano, ou na culpa do próprio serviço, culpa anônima, já que não é possível individualizá-la., cabendo a vítima comprovar a não prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, consequentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo.
4ª fase: Responsabilidade objetiva - a teoria do risco administrativo fez surgir a responsabilidade objetiva do Estado, segundo a qual, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente
5ª fase: Responsabilidade objetivam - a teoria do risco integral: o Estado é responsável por qualquer dano causado ao indivíduo, na gestão de seus serviços, independentemente, da culpa da própria vítima ou de caso fortuito ou força maior.
A Constituição Federal adotou, em seu artigo 37, §6º, a teoria objetiva do risco administrativo, ao prever que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Essa responsabilidade engloba todas as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam funções públicas delegadas, sob a forma de entidade paraestatais ou de empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos.
Assim, as características básicas do preceito constitucional consagrador da responsabilidade civil objetiva do Poder Público (CF, §6°, do art. 37) são:
as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;
a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deve reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa;
os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus damni e a ação ou omissão do agente público ou do prestador de serviço público; a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado;
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no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima;
havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilidade do Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado deverá ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenização;
a responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa dos agentes públicos, por tratar-se de instâncias independentes. Asssim, a absolvição do servidor no juízo criminal, não afastará a responsabilidade civil do Estado, se não ficar comprovada culpa exclusiva da vítima;
a indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, e o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo do Poder Público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária, e juros de mora se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5°, V, da Constituição Federal, será possível a indenização por danos morais;
a Constituição Federal prevê ação regressiva contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Ocorre, porém, que a premissa constitucional para aplicação da Teoria da Responsabilização Objetiva do Risco Administrativo, refere-se, como já verificado, à existência de uma prestação de serviço público, o que inexiste nas hipóteses de exploração de petróleo e gás natural, seja por parte do Poder Público, seja por parte, à partir da EC n.º 9/95, da pessoa jurídica de direito privado, concessionário do Poder do Poder Público.
Trata-se, na hipótese, conforme analisado no item 2 de atividade econômica e não de serviço público e, consequentemente, conforme verificado no item 5, de concessão de exploração de bem público e não de concessão de serviço público.
Essa premissa também é salientada por Di Pietro, que adverte: "a responsabilidade do concessionário por prejuízos causados a terceiros, em decorrência da execução de serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição vigente, que estendeu essa normas às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos".20
Portanto, nos parece que o artigo 37, §6º, da Constituição Federal não se aplica em relação a responsabilidade da concessionária perante terceiros e perante o Poder Público, devendo ser aplicada a teoria da responsabilização subjetiva, por ausência da necessária previsão constitucional que consagre a responsabilidade objetiva também nessa hipótese.
Nesse mesmo sentido, manifestou-se Gastão Alves de Toledo, ao afirmar que "toda teoria sobre a responsabilidade objetiva do Estado se radica na sua exigibilidade, enquanto o mesmo é prestador de serviços públicos.... Ao mesmo tempo em que o Texto Constitucional ampliou os destinatários da norma, para incluir, não só as pessoas jurídicas de direito público, mas, igualmente, as de direito privado, também qualifico, restritivamente, a atividade cujo desempenho ficou submetido a esta violenta responsabilidade. Ora, não pode a lei comum ampliar a aplicação de um instituto, em si mesmo, excepcional, captado pela Constituição para gravar a atuação do Estado nesse campo (serviços públicos). Se ela (Constituição) pretendesse que outros ramos da atividade estatal fosse abrangidos pela responsabilidade objetiva extracontratual, não teria se utilizado daquela expressão, excludente dos demais setores onde ele opera. No que respeita a atuação do Estado (latu sensu), somente a Constituição pode estabelecer o grau, de responsabilidade a que estará sujeito, e bem assim, seus concessionários, pessoas de direito privado".21
Igualmente concordamos com o citado autor, quando aponta a inconstitucionalidade do art. 44, V, da Lei 9.478/97, que estipulou a responsabilidade objetiva nessas hipóteses.
5. O papel da ANP na atividade de exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos
A principal finalidade da criação da ANP – Agência Nacional do Petróleo – foi garantir a manutenção de várias prerrogativas do Poder Público na alteração de sistemas de exploração do petróleo. Assim, a passagem de um sistema tradicional de monopólio para um novo modelo, onde se permite a concorrência, tornou necessária a criação da ANP, para proteção do Poder Público.
A ANP foi instituída sob a natureza jurídica de autarquia especial, nos termos da Lei n.º 9.478;97.
Dessa forma, enquanto autarquia especial, a ANP sujeita-se à todos os princípios gerais de direito público.
Assim, prevê o artigo 7º da citada lei, que "fica instituída a Agência Nacional do Petróleo – ANP, entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia".
Igualmente, em seu artigo 8º, estipula as competências da ANP, para que possa cumprir sua finalidade de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo.
Para alcançar sua finalidade legal, deverá a ANP:
Implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás natural, contida na política energética nacional, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo em todo o território nacional e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos;
Promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão das atividades de exploração, desenvolvimento e produção;
Regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospeção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas;
Elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução;
Autorizar a prática das atividades de refinação, processamento, transporte, importação e exportação, na forma estabelecida nesta Lei e sua regulamentação;
Estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário e arbitrar seus valores, nos casos e da forma previstos nesta lei;
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Fiscalizar diretamente, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal, as atividades integrantes da indústria do petróleo, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato;
Instruir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, construção de refinarias, de dutos e de terminais;
Fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, dos derivados e do gás natural e de preservação do meio ambiente;
Estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e processamento;
Organizar e manter o acervo das informações e dados técnicos relativos às atividades da indústria do petróleo;
Consolidar anualmente as informações sobre as reservas nacionais de petróleo e gás natural transmitidas pelas empresas, responsabilizando-se por sua divulgação;
Fiscalizar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques estratégicos de Combustíveis de que trata o art. 4º da Lei 8.176, de 08.02.1991;
Articular-se com os outros órgãos reguladores do setor energético sobre matérias de interesse comum, inclusive para efeito de apoio técnico ao CNPE;
Regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.
Percebe-se, claramente, pelo rol de funções da ANP que a mesma passou a assumir o papel que caberia ao Poder Público, ao planejar, implementar e promover a política nacional de petróleo e gás natural, e ainda, celebrar contratos, fiscalizar e aplicar penalidades.
A ANP, portanto, é uma pessoa jurídica de direito público – autarquia especial – com competência para atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal que dispõe que "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado".
Assim, a ANP deve atuar como agente normativo, nos moldes definidos por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem, "como agente normativo, cabe ao Estado fixar diretrizes para a economia. Igualmente, realizar aquilo que os economistas denominam de intervenção conforme. Ou seja, a que orienta os agentes econômicos e os influencia por meio de uma política global, financeira, monetária, social, sem lhes eliminar a livre determinação. É a que atua sobre as grandes linhas da atividade econômica – nível de demanda, condições de repartição etc.".22