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Liberdade de expressão "versus" direitos fundamentais

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20/06/2013 às 11:09
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5. CONCLUSÃO

Do desenvolvimento do tema, foram extraídas as seguintes conclusões:

1. Direitos Fundamentais são direitos inerentes ao ser humano, necessários e indispensáveis à sua digna existência. São exemplos: o direito à vida, às liberdades, à igualdade, à privacidade; o direito à saúde, à educação, à cultura, dentre outros.   

2. A liberdade de expressão é um dos principais Direitos Fundamentais, porquanto dela advêm vários outros Direitos Fundamentais, essenciais à concretização e preservação do Estado Democrático de Direito.

3. A liberdade de expressão permite ao indivíduo externar suas ideias, pensamentos, sentimentos, opiniões, convicções filosóficas, políticas, religiosas, além de abranger toda manifestação artística, cultural e científica. Consiste, outrossim, no direito de se informar e de ser informado; de se associar e de permanecer associado, como, inclusive, no próprio direito ao silêncio. Desta forma, franqueia ao ser humano interação e integração em relação ao meio social em que vive; educando e sendo educado; apreendendo e repassando conhecimentos, experiências, ideais. A liberdade de expressão faz do ser humano um agente produtor e transformador da realidade que o circunscreve.

4. A liberdade de expressão, haja vista seu alcance, atua como pressuposto necessário à concretização, manutenção e aperfeiçoamento regime democrático e dos demais Direitos Fundamentais. É por meio da liberdade de expressão que emergem o pluralismo de ideias, a oposição ao governo, a liberdade de imprensa, o direito de educar e de ser educado, a crítica, a opinião, a denúncia e ações organizadas contra possível arbítrio. A liberdade de expressão é, portanto, o pulmão e o cérebro da democracia. Sem liberdade de expressão não há democracia; a recíproca é verdadeira. 

5. A liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social é uma das formas de liberdade de expressão, mas não a única. Sem liberdade de expressão em seus múltiplos níveis, mediante um processo de comunicação em sociedade dinâmico, complexo e pluralista, não há indivíduos perspicazes e sagazes, aptos a filtrarem aquilo que lhes é ditado como “verdades” pelos meios de comunicação. Não há cidadania em sua acepção jurídica e sociológica. Haverá, em contraste, indivíduos reféns de discursos dirigidos a determinado objetivo, nem sempre dotados de isenção político-econômico-ideológica. Isto, por seu turno, pode conduzir a um círculo vicioso de alienação, dominação e aparente democracia, em detrimento de uma democracia efetiva.   

6. Não existem direitos absolutos, ainda que se trate de Direitos Fundamentais. Sendo assim, a liberdade de expressão, em determinadas situações, poderá ceder diante de certas contingências e circunstâncias, sem que isto importe em “censura”, o que, aliás, é vedado pela Constituição.

7. A liberdade de expressão somente poderá ceder se estiver em rota de colisão com outros Direitos Fundamentais, caso da dignidade humana, da intimidade, da vida privada, do direito à vida etc., observadas certas condições e critérios jurídico-constitucionais.  

8. Havendo colisão entre liberdade de expressão e outros Direitos Fundamentais, a solução deverá ser encontrada com base no princípio da proporcionalidade, a partir dos critérios de “adequação”, “necessidade” e “proporcionalidade em sentido estrito”. Para isto, deverá ser cotejada a situação fática subjacente em cotejo com o conteúdo densificado dos princípios em confronto (“núcleo essencial”), a partir do qual se poderá concluir qual bem jurídico, naquele caso e diante das particularidades concretas, deverá prevalecer.  

9. Esse critério permite que não se rompa com a unidade do sistema, tampouco estabelece, de modo rígido, a primazia de determinado bem jurídico sobre outro. Do mesmo modo, não indica que, em outros casos, atentando-se para as especificidades destes, poder-se-á chegar a soluções diversas, sem que se incorra em contradições. A coerência deve ser obtida a partir das diretrizes principiológicas e das peculiaridades que envolvem o caso em si, em conformidade com o sopesamento de bens jurídicos em conflito com base das diretrizes jurídico-constitucionais, cujas premissas fáticas e jurídicas deverão estar expressas na decisão judicial correspondente.


6. REFERÊNCIAS  

ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Drieito Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar jul./set, 1999.

 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Os Pensadores. Trad. de Leonel Vallandro. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

ÀVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Jan./Mar, 2004.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000.  

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.     

HONESKO, Vitor Hugo Nicastro. O estado de exceção e a crise da democracia brasileira. Unopar científica: ciências jurídicas e empresariais. Londrina, v.6, n. 1, p. 31-37, mar. 2005.      

MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. Coimbra: Coimbra Ed., 2002.

MELLO, Marco Aurélio. Liberdade de Expressão, Dignidade Humana e Estado Democrático de Direito. Tratado Luso-brasileiro da Dignidade Humana. Coordenação Jorge Miranda e Marco Antônio Marques da Silva. São Paulo: Quartier Latin., 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1998.  

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

STRECK, Lênio. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da Possibilidade à Necessidade de Respostas Corretas em Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.


Notas

[1] Segundo Jorge Miranda “por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição”. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Ed., 1998. p. 07. 

[2] Nesse sentido, Luís Roberto Barroso que “distingue as liberdades de informação e de expressão, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser dele informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar idéias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano” BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 235/1-36. Jan./Mar. 2004, pp. 18/19.

[3] HONESKO, Vitor Hugo Nicastro. O estado de exceção e a crise da democracia brasileira. Unopar científica: ciências jurídicas e empresariais. Londrina, v.6, n. 1, p. 31-37, mar. 2005.

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p. 32.

[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 287.

[5] MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. Coimbra: Coimbra Ed, 2002. p. 259-260.

[6] Para José Afonso da Silva: “a democracia é o regime de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem. Como, no entanto, os direitos econômicos e sociais são conhecidos, hoje, como indispensáveis à concretização dos direitos individuais, chega-se à conclusão de que garanti-los é missão de um regime democrático eficiente.” SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 136.

[7] Para Jónatas E. M Machado: “a diversidade de opiniões significa um leque mais vasto de possibilidades e alternativas, e consequentemente, uma maior liberdade na formação de preferências e convicções na tomada de opções.” Com isso, combate-se “o conformismo gregário, acrítico e alienante dos cidadãos”, o que “é importante que diferentes ideias circulem e se contraponham dialogicamente e que sejam os indivíduos a avaliar criticamente o seu mérito intrínseco. Para além da defesa da autonomia individual, a capacidade de progresso social e de enriquecimento cultural depende disso.” MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão….p. 279-281. 

[8] A expressão é de Lênio Streck. STRECK, Lênio. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e teorias Discursivas da Possibilidade à Necessidade de Respostas Corretas em Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 572.

[9] Para Vieira de Andrade: “haverá colisão ou conflito sempre que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta. A esfera de proteção de um certo direito é constitucionalmente protegida em termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma norma ou princípio constitucional. O problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos) se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais”.  ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 220.

[10] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

[11] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 32.

[12] ÁVILA, Humberto. ÀVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 163. 

[13] CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional…., p. 269-270. 

[14] ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Drieito Democrática. Revista de Direitos Administrativo, 217: I  VI, Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 1999, p. 78.

[15] MELLO, Marco Aurélio. Liberdade de Expressão, Dignidade Humana e Estado Democrático de Direito. Tratado Luso-brasileiro da Dignidade Humana. Coord. Jorge Miranda e Marco Antônio Marques da Silva. São Paulo: Quartier Latin., 2008. p. 243.

[16] MELLO, Marco Aurélio. Liberdade de Expressão…..p. 243.

[17] MENDES, Gilmar Ferreira. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 80.

[18] ALEXY, Robert. Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, “apud” Gilmar Mendes. Direitos Fundamentais e Controle…. p. 26.


ABSTRACT: The aim of this article is to study of fundamental rights and freedom of expression. It begins with an analysis of what is meant by fundamental rights. Further, examines the bond and characteristics the freedom of expression and their interconnection and interdependence with others fundamental rights, including with the Democratic State of law.  It  also analyzes the legal criteria which should guide the interpreter and enforcer of the law when there is a collision between free speech and other fundamental rights.

Keywords: Fundamental Rights – Freedom of Expression – Democracy – Collision between Fundamental Rights.

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Sobre o autor
José Ricardo Alvarez Vianna

Juiz de Direito no Paraná. Doutor pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre pela UEL. Professor da Escola da Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Liberdade de expressão "versus" direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24266. Acesso em: 26 abr. 2024.

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