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Liberdade de expressão "versus" direitos fundamentais

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20/06/2013 às 11:09

Resumo:


  • Estudo dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão, analisando sua importância para o Estado Democrático de Direito e os critérios jurídicos para resolver conflitos entre liberdade de expressão e outros direitos fundamentais.

  • Abordagem da liberdade de expressão como direito fundamental essencial para a manutenção e aperfeiçoamento da democracia, que deve ser exercida sem descontextualização ou abusos que violem outros direitos igualmente protegidos.

  • Discussão sobre a não absolutidade dos direitos fundamentais, utilizando o princípio da proporcionalidade para ponderar entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais em situações de colisão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A liberdade de expressão somente poderá ceder se estiver em rota de colisão com outros direitos fundamentais, caso da dignidade humana, da intimidade, da vida privada, do direito à vida etc., observadas certas condições e critérios jurídico-constitucionais.

Resumo: O artigo tem por objeto o estudo dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão. Inicia-se com uma breve análise do que se entende por direitos fundamentais para, na sequência, examinar as premissas que alicerçam e caracterizam a liberdade de expressão em sua interconexão e interdependência para com os demais direitos fundamentais e com o próprio Estado Democrático de Direito. Analisa, ainda, quais critérios jurídicos devem orientar o intérprete e o aplicador do Direito quando houver colisão entre liberdade de expressão para com outros direitos fundamentais.    

Palavras-chave: Direitos Fundamentais – Liberdade de Expressão – Democracia – Colisão entre Direitos Fundamentais.


1. INTRODUÇÃO

Este artigo visa examinar em que consistem os direitos fundamentais, a liberdade de expressão – espécie daqueles –, a interdependência de ambos para com o Estado Democrático de Direito, bem como a possível colisão entre direitos fundamentais e liberdade de expressão, apresentando os métodos e critérios jurídicos para a solução destas, de maneira a não abalar o sistema jurídico.   

A escolha do tema foi motivada pela constatação de que muitas vezes a liberdade de expressão, essencial à manutenção, concretização e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, é empregada de maneira descontextualizada, seja para se opor à existência de uma alegada censura, quando desta não se trata; seja para que determinados emissores que venham perpetrar atos lesivos a terceiros não permaneçam impunes, o que implicaria clara violação a outros Direitos Fundamentais, também constitucionalmente protegidos, caso do direito à honra, à intimidade ou à privacidade. Não bastasse isso, há quem pretenda cercear a liberdade de expressão – aqui, sim, em manifesto ato de censura –, embora não se empregue este vocábulo, e sim o argumento vago e ambíguo de preservação de ordem pública, dos bons costumes, do bem comum ou para a proteção de Direitos Humano”.  Em suma, como se percebe o tema é um campo aberto para uma retórica sofística, motivada apenas em albergar intesses de quem esteja de um dos lados do confronte, sem maior compromisso para com a essência e finalidade de cada um desses Direitos Fundamentais, tão caros ao Estado Democrático de Direito.

Assim posta a questão, visa-sa contribuir para a densificação dos elementos que compõem a temática, tomando por base premissas jurídico-constitucionais, a fim de obter o equacionamento dos bens jurídicos que constituem a essência de cada qual.  

O trabalho está estruturado em 3 (três) partes. Inicialmente, informa o que se deve entender por Direitos Fundamentais, bem como por liberdade de expressão. Na sequência, realça a importância destes para o Estado Democrático de Direito. Ato contínuo, externa critérios jurídicos que devem equacionar possíveis colisões entre liberdade de expressão e outros Direitos Fundamentais, sem sacrifício ou prevalência absoluta de um sobre o outro, e sim conforme as peculiaridades do caso concreto. Busca-se preservar, desta forma, a unidade e coerência; lógica e coerência, harmonia, estrutura e coesão do sistema jurídico.     


2. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

Direitos Fundamentais são aqueles inerentes ao ser humano, caso do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à dignidade; do direito de se expressar; do direito ao trabalho; do direito à educação, à saúde, dentre outros. São direitos que se integram à pessoa, afirmando-se como pressupostos elementares de sua existência digna. Toda pessoa faz jus aos Direitos Fundamentais; necessários e indispensáveis a uma vida digna.[1]

Já a liberdade de expressão, espécie do gênero Direito fundamental, é a base de onde emanam inúmeros outros direitos de liberdade. É a partir dela que o indivíduo tem a possibilidade de externar, expressar seus pensamentos, suas ideias, seus sentimentos e emoções, suas opiniões sobre os mais variados temas, desde convicções filosóficas, políticas, religiosas, bem como se manifestar cultural, artística e cientificamente, o que lhe permite uma interação com o meio social; comunicando-se, transmitindo e recebendo informações[2]; educando e sendo educado; adquirindo e repassando o conhecimento. Isto faz do ser humano não um mero espectador passivo e inerte da vida em sociedade, mas um efetivo integrante; um agente produtor e transformador da realidade que o circunda.

A liberdade de expressão pode se manifestar das mais variadas formas, seja pela palavra escrita ou falada; seja pelos sinais, símbolos, alegorias ou até pelo silêncio. Inclui-se na liberdade de imprensa, assim como no discurso acadêmico, publicitário ou político. Abrange o direito de crítica e de discordância, próprios de uma sociedade pluralista, que, em contato com o diferente, exercita elevado grau de tolerância, o que lhe permite reais condições de crescimento intelectual e humanístico, de modo a apreender à realidade de maneira perspicaz, além de contribuir para a efetiva democracia que, por sua vez, está interconectada com os Direitos Fundamentais, concretizando-se-lhes; permitindo que saltem das letras mudas da lei e avancem para a realidade da vida.

A liberdade de expressão, por vezes, transcende aos limites internos (psíquicos) e externos (mera exteriorização do pensamento) dos indivíduos para repercutir em atos coletivos, abrangendo grupos, classes ou categorias de pessoas. Isto ocorre, por exemplo, ao se conferir ao indivíduo a possibilidade de participar de eventos sociais e comunitários das mais variadas formas e gêneros; de se associar a clubes, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos; de se filiar a partidos políticos, e, neste último caso, até de concorrer a cargos públicos eletivos, próprios da representação democrática; permite, mais, exercer a iniciativa econômica, seja sob o aspecto empresarial, por meio de sociedades mercantis; seja na própria escolha de seu trabalho, ofício ou profissão; na faculdade de seguir determinada crença religiosa, seja ela qual for (católica, judaica, muçulmana, budista, taoísta, hinduísta etc.).

Como se pode perceber, o expressar-se é um direito do indivíduo, e não um dever. Assim, inclui-se, também, na essência da liberdade de expressão o direito de não externar quaisquer de suas ideias, convicções, posicionamentos seja de qual natureza for; assegura, pois, o direito ao silêncio ou o direito de não se associar a qualquer entidade de classe ou equivalente, bem como de não professar qualquer religião ou de não integrar quadro de entidades políticas, esportivas. E a escolha deve ser individual, sem pressões externas, sobretudo da sociedade ou dos poderes político ou econômico ou de quem quer que seja.  

 O indivíduo é, nesta conformação, livre para suas escolhas. Esta é a premissa da liberdade de expressão. Contudo, cumpre salientar que, assim como os demais Direitos Fundamentais, a liberdade de expresão não se caracteriza como um direito absoluto. Em certas circunstâncias ela concorrerá ou estará em rota de colisão com outros Direitos Fundamentais, o que deverá ser dirimido mediante um juízo de ponderação, a ser realizado no caso concreto e de acordo com as peculiaridades da situação fático-subjacente, porém sem se afastar das premissas e sinalizadores jurídicos pré-estabelecidos, de modo a evitar um juízo de oportunidade ou conveniência de quem melhor argumenta (retórica), o que pode abalar a segurança jurídica, um dos fundamentos do Direito.

Apontar quais são e como esses critérios jurídicos se aplicam é um dos objetivos desta investigação e será objeto de exposição mais adiante.


3. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Ao se pensar em democracia é inevitável se pensar na Grécia Clássica, especificamente Atenas, considerada seu berço, no Século V a.C., com a reforma de Clístenes, que reconheceu aos cidadãos o direito de participar das decisões da Polis (cidade, metrópole).[3]

O vocábulo democracia deriva da junção dos radicais gregos Demói (cidadãos) e Kratos (poder, força), daí a conhecida “Fórmula de Lincoln”: “democracia – governo do povo, pelo povo e para o povo”.[4]

O regime democrático, no entanto, não elimina ou previne em tom aboluto  s mazelas da sociedade, daí a célebre frase de Winston Churchill: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

A democracia, nesse diapasão, deve ser considerada como um processo, dinâmico e atento, e que acompanha as mudanças sociais e econômicas da sociedade, quer no âmbito local, quer no cenário global, moldando-se de acordo com as necessidades que emerge, sem jamais perder sua essência e fundamento: “todo poder emana do povo”.

É neste viés que a democracia mantém vínculo de proximidade estreito para com os Direitos Fundamentais e, em especial, com a liberdade de expressão. Sim, porque, na mesma medida em que os regimes democráticos têm como pressupostos os Direitos Fundamentais, a democracia somente se realiza se houver a concretização desses Direitos Fundamentais em suas mais diversas dimensões, sobretudo na não violação às liberdades, individuais e coletivas; no cumprimento das prestações sociais, afetas à educação, saúde, previdência e cultura; e, na materialização dos direitos transindividuais ou metaindividuais.

Isto demonstra a correlação indissociável entre Direitos Fundamentais e democracia, que, por sua vez, indica um caminho de mão dupla, exigindo vigilância, atenção e atuação perene entre governantes e governados. Nesta empreitada fiscalizatória do poder e concretizadora dos Direitos Fundamentais, a liberdade de expressão, como já salientado, exerce importância singular. Afinal, é por intermédio dela que emanam uma série de outras liberdades individuais e coletivas, necessárias ao aperfeiçoamento e manutenção do regime democrático. É por meio da liberdade de expressão que advém o pluralismo de ideias, a oposição ao governo, a liberdade de imprensa, o direito de informar e de ser informado, o que permite o despertar de um olhar crítico e a tomada de providências que se afigurem necessárias a impedir e afastar o arbítrio; o despotismo.

A liberdade de expressão é o pulmão e o cérebro da democracia; é o que lhe fornece força e juízo crítico, necessários à ação e à preservação do equilíbrio de forças entre povo e poder. Sobre o tema, as palavras de Jónatas E. M. Machado:

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A liberdade de expressão em sentido amplo é um elemento estruturante da ordem democrática constitucional. Não admira que alguma doutrina tenha avançado com a ideia de ‘Democracia Comunicativa’ (‘Kommunikative Demokratie’) e conferido à garantia dos Direitos fundamentais da comunicação o estatuto jurídico-dogmático de subprincípio concretizador do princípio democrático. A ligação que se estabelece entre liberdade de expressão e a democracia é uma verdade evidente por si mesma no seio da toda a jurisprudência e doutrina constitucionais, encontrando-se referida em praticamente todas as obras que versa sobre aquele direito fundamental.[5]

Não por acaso uma das primeiras medidas de regimes autoritários costuma ser implantação de censura, de maneira a cercear quaisquer formas de liberdade de expressão, seja de ordem artística, cultural, educacional ou jornalística, como meio para ter a sociedade desinformada e não esclarecida acerca dos reais problemas vivenciados, obstando-lhe qualquer debate, reflexão, opinião, pesquisa, investigação, oposição, confirmação ou filtragem; perpetuando um círculo vicioso e antidemocrático. Assim tem sido em países como Coréia do Norte, China, Irã apenas para citar alguns.

 Medidas contra a imprensa, primeiro passo para o cerceamento da liberdade de expressão, tem sido tomadas em países da América Latina, como Venezuela onde, em 2007, o então Presidente Hugo Chávez não renovou a concessão da emissora de TV Rádio Caracas Televisão (RCTV), uma das mais fortes naquele país, mas que lhe fazia oposição; no Equador onde foi apresentado projeto de lei que obrigava empresas de comunicação a cadastro prévio para obtenção de licença provisória para funcionamento, além de permitir ao governo controle sobre o conteúdo das matérias exibidas; na Bolívia, em que o Presidente Evo Morales reestruturou imprensa oficial para rebater críticas a seu governo. Há, ainda, episódios em Honduras e Nicarágua, em que foi determinado o fechamento de empresas de comunicação, além de ameaças, não veladas, a jornalistas.

Isto demonstra que a máxima “one man, one vote” está longe de, por si só,  concretizar a democracia, sobretudo se houver cerceamento dos Direitos Fundamentais, com especial destaque para a liberdade de expressão e de todas liberdades que dela derivam. A liberdade de expressão, para fins de preservação, aprimoramento e concretização de um Estado Democrático, é a que mais se destaca, porquanto é ela o veículo que permite a relação governo e povo e vice-versa, franqueando informações, fomentado o debate político-econômico-social, permitindo que surjam providências e atitudes, de governo e governados, não para o atendimento de interesses pessoais, mas, sempre, em prol da realização de uma sociedade livre, justa e solidária; que garanta o desenvolvimento nacional; que atue na erradicação da pobreza e da marginalização; que reduza as desigualdades sociais e regionais; que promova o bem comum, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.[6]/[7]

Logo, sem liberdade de expressão; sem uma atuação efetiva, organizada, ciente e consciente da sociedade civil, em conformidade com seus direitos e deveres constitucionais, a democracia representativa se reduz a mera abstração; simples figura decorativa de uma Constituição que diz que algo é sem que, talvez, nunca venha a ser ou tenha sido.

Esses aspectos deixam explícitos que quaisquer restrições ou limitações à liberdade de expressão devem encontrar fudamentos nos valores e princípios democráticos insertos na própria Constituição. Mais que isso, devem ser criteriosamente sopesados em especial nas hipóteses em que haja colisão para com outros Direitos Fundamentais, tudo com vistas a permitir a “resposta constitucionamente adequada”[8] para o caso “sub examine”, sob pena de importar mecanismo de burla não à liberdade de expressão em si, mas à Democracia, em sua dimensão formal e material.


4. COLISÃO DE DIREITOS ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A liberdade de expressão, em suas mais variadas faces, pode entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais, igualmente protegidos pela Constituição, sejam individuais, caso do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem; sejam de ordem pública, caso de atos que albergue em si possível discurso odioso (“hate speech”). A superação destas colisões exige do profissional do direito uma análise cautelosa, individualizada e, sobretudo, fundada em premissas jurídico-constitucionais.[9]   

É aqui que emerge o princípio da proporcionalidade, o qual irá atuar como genuíno mediador para se desvelar qual a solução adequada do conflito dos bens jurídicos antes assinalados. É o princípio da proporcionalidade que permitirá restabelecer a coerência, a unidade, a harmonia e a coesão que devem caracterizar o sistema jurídico.

A ideia de proporção remete a própria concepção de Justiça dos Romanos, conforme a máxima de Ulpiano, que afirmou que esta consiste na “vontade firme e permanente de dar a cada um o seu direito” (justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere). Assim também a concepção de “Justiça Distributiva”, formulada por Aristóteles, no capítulo 5, de Ética a Nicômaco.[10]

Os próprios símbolos da Justiça, seja o empregado pelos Gregos, com a Deusa Diké (filha de Zeus e Themis), que, de olhos bem abertos, na mão direita, segurava a espada; e, na mão esquerda, a balança, com os dois pratos, sem o fiel, declarava existir o justo somente se os pratos estivessem em equilíbrio, ou seja, em “íson”, daí a expressão isonomia; seja aquele dos Romanos, com a Deusa “Iustitia”, que da mesma forma segurava, com as duas mãos, uma balança, com dois pratos e o fiel ao meio, de olhos vendados, pela qual declarava somente haver Justiça (“jus”) se o fiel estivesse em posição completamente vertical, reto de cima a baixo (“de + rectum”), daí o vocábulo “Direito”.[11]

Dessa simbologia se conclui que o próprio princípio da igualdade, expresso na máxima “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, induz à ideia de justiça ou de justa proporção, isto é, de equilíbrio; harmonia; justiça, nem que, para tanto, seja necessário, em determinados casos, adaptações, retificações, concessões, exclusões, exceções, de modo a realamente tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades como forma de restabelecer a igualdade material e substancial entre os protagonistas do caso.  

Todavia, ao laborar com o princípio da proporcionalidade, o profissional do direito deve se pautar por critérios jurídicos, e não de acordo com circunstâncias que não estejam pré-demarcadas pela Constituição, sob pena de fazer de referido princípio uma válvula para o arbítrio; para a opinião e vontade pessoal; para a manipulação de linguagem, para redefinição de sentidos dos termos empregados nos enunciados normativos, o que não encontra respaldo jurídico; ao contrário, agride-o.

Para que isto não ocorra, tem-se que, a aplicação do princípio da proporcionalidade, deve-se levar em conta os seguintes elementos: a)- adequação, conformidade ou idoneidade; b)- necessidade ou exigibilidade; c)- proporcionalidade em sentido estrito.[12],[13]

No que alude à adequação é necessário a conciliação entre meios e fins. Como se sabe, a liberdade de expressão não autoriza que o emissor, seja ele quem for, possa tudo. Não se justifica, “e.g.”, que alguém ofenda, gratuita e aleatoriamente, a honra de um desafeto seu, exclusivamente, por motivos de foro íntimo, sob o manto protetor da liberdade de expressão.

A liberdade de expressão viabiliza o exercício de um direito aos membros da sociedade: o direito de externar suas convicções, sentimentos, pensamentos, sonhos, objetivos, críticas, ideias, teorias, bem como de se opor a tudo aquilo que repute inadequado, incorreto, imoral, amoral ou injusto. O exercício desse direito, porém, deve se manifestar de maneira regular. Sem abusos; sem excessos. Deve haver uma compatibilidade sensata, razoável e coerente entre meios e fins.

Para ser mais claro: o fim expressar-se, interagir em sociedade, não pode legitimar excessos desproporcionais e abusivos em sua veiculação (meio). O fim não pode servir como pretexto para ofensas aleatórias, exacerbadas, descontextualizadas que venham a ferir a honra de outrem.

Nesta ordem de ideias, revela-se inadequado, mediante o exame de compatibilidade de meios e fins, que, por exemplo, um jornalista, ao divulgar notícia de suposto erro médico, invista contra o profissional de saúde e passe adjetivá-lo como incompetente, burro, imbecil, monstro etc.

Note-se que esses adjetivos (meios) são desnecessários à informação (fim), excedendo aos limites da notícia, convertendo-se em ataque pessoal à honra de uma pessoa. Se isto ocorrer, não haverá compatibilização entre meios e fins.  

Aliado à informação ou sob o pretexto de informar, houve agressão a direitos da personalidade que excede os limites da informação propriamente dito, o que não se compatibilidade com a essência e fundamento da liberdade de imprensa.

No que concerne à necessidade ou exigibilidade, deve-se aquilatar se, na situação concreta, justifica-se a restrição ou limitação da liberdade de expressão ou de outro direito fundamental em rota de colisão com aquela. Ou seja, se a restrição ou limitação se apresenta como indispensável no caso, lembrando que a ideia deve ser, sempre, a de menor restrição ou limitação possível. Por conta disso, antes de se implementar qualquer medida que confira maior relevância a um bem jurídico sobre outro, antes se deve buscar à exaustão a compatibilização, a conciliação de ambos bens jurídicos. A restrição somente pode ocorrer como último recurso; como medida excepcional; como única forma para dirimir o conflito instalado.

Para este exame deverá o operador do direito, antes de qualquer medida, tentar fazer um prognóstico dos possíveis efeitos adversos que a medida restritiva-limitativa poderá resultar; deverá avaliar sua efetiva e real necessidade para solução da matéria. É neste contexto que Robert Alexy adverte: “quanto mais grave é a intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que o justifiquem”.[14]

Um exemplo ilustra o que se quer dizer. Suponha-se que determinada autoridade judicial, em razão de sua atuação funcional, venha a ter acesso a material de imprensa, cuja exibição está agendada para os próximos dias, o que não conta com aval dos protagonistas nela mencionados, os quais, por sua vez, pretendem a não divulgação do assunto por reputarem que há ofensas às suas honras.

Pois bem. Suponha-se, agora, que o juiz, ao examinar o conteúdo do material, conclui que, de fato, há excesso no teor da reportagem, o que implicará em ofensa  direitos fundamentais, como honra, privacidade ou intimidade dos sujeitos, objeto da matéria. Nesta situação, excepcionalmente, e por inteira necessidade em prevenir e impedir danos a honra dos potenciais ofendidos, como também por não vislumbrar interesse público relevante a justificar a divulgação, poderá a autoridade judicial obstar a exibição da matéria. Note-se que, no caso hipotético, a princípio, não havia outra alternativa a não ser a restrição para evitar um mal maior: lesão a outros Direitos Fundamentais, o que, por seu turno, encontra respaldo jurídico, inclusive, no art. 20, do Código Civil. Em suma, o que se pretende dizer é que a medida era a única possível e necessária para preservar um bem maior no contexto vislumbrado.

Por fim, está a proporcionalidade em sentido estrito, por vezes nominada como justa medida. É esta que irá permitir ao órgão decisor, responsável pelo sopesamento dos bens jurídicos em conflito, sejam ponderados, lado a lado, de modo a dizer, de modo sensível e percuciente, qual desses bens deverá prevalecer, de acordo com os valores e premissas Constitucionais. Aqui se realiza, portanto, a ponderação propriamente dita. Aqui se investiga o núcleo essencial, o núcleo de proteção, de cada bem jurídico então em rota de colisão, como forma de permitir a convivência harmônica entre ambos. Será, pois, com base nesta premissa que se formulará a solução que mais atenda aos ideais, princípios, valores e aspirações democráticas tal como expostas no texto Constitucional. Isto, por sua vez, exige do intérprete e aplicador do Direito expressa motivação quanto ao “iter” decisório a ser levado a efeito. Significa dizer: deverá o juiz externar qual bem jurídico deverá prevalecer na lide e por qual motivo. Deverá, por outras palavras deixar expresso as premissas fático-jurídicas que o conduziram à decisão trilhada, mediante uma linguagem clara e objetiva; transparente e sindicável.  

Cumpre repetir que esta operação deverá ser realizada tomando por base o “núcleo essencial” de cada um dos bens jurídicos em conflito, e não segundo as convicções pessoais do operador do direito. Para tanto, este mesmo profissional deverá se valer,  inclusive, de orientação doutrinária e jurisprudencial a fim de perscrutar e descobrir esse “núcleo essencial” de cada um dos Direitos Fundamentais em confronto.

Esta escolha – frise-se – deve expressar uma verdade consensual, estabelecida objetivamente em determinado tempo e local, acerca dos bens e valores jurídicos em conflito.  

A proporcionalidade propriamente dita visa evitar medidas excessivas, razão pela qual também é chamada de proibição do excesso. Dessa maneira, ao examinar o caso real, o operador do direito deverá atentar se a medida deflagrada não se apresenta como demasiadamente drástica para a finalidade a que se destina. Neste particular, tome-se o mesmo exemplo da matéria jornalística em que se postulou sua não exibição para se prevenir (tutela preventiva) lesão à honra, intimidade, privacidade; porém, desta feita, ao contrário da hipótese veiculada, tenha-se que o juiz não detivesse acesso ao conteúdo do material a ser veiculado. Em tal situação, em tese, não haverá elementos para se deferir a medida, especialmente porque sua restrição poderá implicar – agora, sim – em censura, o que é vedado pela Constituição (CF/88, art. 220, § 2º).

A medida, pois, revelar-se-ia excessiva, de modo que, entre optar pela liberdade de expressão em seu sentido amplo ou adotar uma postura que se caracterize, direta ou indiretamente, como censura, deve-se optar pela menos gravosa. No caso, a divulgação da matéria, com base na liberdade de expressão, sujeitando-se os responsáveis às sanções legais (civis ou criminais) posteriormente, se danos houver.

Em síntese, deve-se buscar a solução menos excessiva e/ou drástica. Deve-se almejar aquela que, entre texto normativo e contexto fático, melhor represente e traduza as disposições e o espírito Constitucional.

Sobre o tema, as palavras do Ministro Marco Aurélio Mello, do STF:

A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim, de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decididos, com base no caso concreto e nas cicunstâncias da hipótese, qual direito deverá ter primazia. Trata-se do mecanismo de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje amplamente divulgado no Direito Constitucional Comparado e utilizado pelas Cortes Constitucionais no mundo.[15]

E prossegue:

Essa ponderação de valores ou concordância prática entre os princípios de direitos fundamentais é um exercício que, em nenhum momento, afasta ou ignora os elementos da situação concreta, uma vez que a hipótese de fato dá configuração real a tais direitos.[16]

É de se notar que em todas as dimensões – adequação, necessidade e ponderação em sentido estrito – deve-se analisar, em minúcia os fatos, e, a partir do dimensionamento mais preciso possível destes, cotejá-los com os princípios insertos na Constituição, contextualizando a via pela qual se está a exercer a liberdade de expressão e – mais – se esta posição pode, de alguma forma, macular, arranhar, ferir ou afrontar outros princípios constitucionais, caso da dignidade humana, da honra, da privacidade, da intimidade; ou se, ao contrário disso, apesar de se confrontar para com tais bens jurídicos, deverá, ainda assim prevalecer, em vista do interesse público inerente à temática.

Essa ponderação se torna mais difícil na medida em que a Constituição deve ser lida e interpretada como unidade, o que, “prima facie”, não permite concluir pela existência de hierarquia rígida entre os diversos Direitos Fundamentais nela previstos, o que poderia desnaturar a própria concepção de sistema que é ínsita e lhe dá suporte.[17]

A Constituição assegura o direito à imagem, à intimidade e à privacidade das pessoas, de maneira que, em linhas gerais, a liberdade de expressão, principalmente quando veiculada pelos meios de comunicação e se contiver excessos em seu conteúdo, desviando-lhe de sua essência, deve ceder de modo a possibilitar o equilíbrio necessário para não violar outros bens jurídicos, igualmente reconhecidos pela Constituição, caso dos  mencionados.

Nesta perspectiva, poder-se-ia supor que o direito à imagem, à intimidade e à privacidade se sobrepõem à liberdade de expressão. Mas não é necessariamente assim. Em verdade, não há bens jurídicos que contenham conteúdo de direito absoluto. Por exemplo, se se estiver diante de pessoas públicas – artistas, por exemplo – dificilmente poder-se-á falar em direito à imagem nas mesmas condições de um sujeito que não disponha dessa fama. É que a imagem da pessoa pública já está incorporada e fluída no meio social, por vontade prévia e expressa de seu próprio titular que, ao exercer sua atividade profissional artística e pública, tacitamente, abdicou de parcela de sua individualidade.

Isto se aplica, por igual razão, às autoridades públicas. A princípio, estas também fazem jus à intimidade e à privacidade no que tange às suas vidas privadas. Todavia, em determinadas circunstâncias, cumpre aquilatar se esses direitos individuais não conflitam com o interesse público que perpassa pela sociedade; em caso positivo, será o interesse público que deverá prevalecer.

Tome-se como exemplo um parlamentar, que, em dia e horário de regular expediente, desprovido de qualquer licença ou justificativa funcional, encontre-se em casa de veraneio de amigos, local onde se realiza uma festa que envolva prostituição, inclusive infantil, e consumo de drogas ilícitas. Nesta hipótese, é quase evidente que o parlamentar não poderá se apegar ao argumento de invasão à sua vida privada. Primeiro porque, naquele dia e horário, deveria estar cumprindo seu mister público para o qual foi eleito pelo voto popular e em razão do qual percebe, como contraprestação dos serviços, numerário provindo do erário. Segundo: o conteúdo da informação a respeito da conduta privada de um homem público que, em tese, viola preceitos éticos e de decoro, incluindo práticas delituosas, reveste-se de interesse público, razão pela qual deve prevalecer sobre o direito individual.

Novamente, cumpre se valer das palavras de Robert Alexy:

A teoria dos princípios logra não apenas a solução de colisões de direitos, mas a estruturação de solução das colisões de direito. Esta teoria tem uma outra qualidade que é extremamente relevante para o problema teórico do Direito Constitucional. Ela permite uma via intermediária entre vinculação e flexibilidade. A teoria da regra somente conhece a alternativa validade ou invalidade.

E completa: “assim, a teoria dos princípios apresenta não apenas uma solução para o problema da colisão, como também para o problema da vinculação dos direitos fundamentais”.[18]  

Em suma, se a liberdade de expressão estiver em confronto com outro(s) Direito(s) Fundamental(is), o caso deverá ser dirimido à luz do princípio da proporcionalidade, mediante os elementos que o compõem (adequação, necessidade e proporcionalidade propriamente dita), os quais irão franquear a solução jurídica e Constitucional que deve imperar no episódio. Isto não implica em dizer, em contrapartida, que um bem jurídico que preveleceu determinado caso sempre irá prevalecer. Muito ao contrário disso, a solução de cada caso levará em conta suas especificidades, tomando-se por base as diretrizes jurídicas antes apontadas.   

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Sobre o autor
José Ricardo Alvarez Vianna

Juiz de Direito no Paraná. Doutor pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre pela UEL. Professor da Escola da Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Liberdade de expressão "versus" direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24266. Acesso em: 22 dez. 2024.

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