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Análise da condição jurídica dos caracterizados refugiados ambientais do Haiti no Brasil

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12/08/2013 às 10:24
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3. Mobilidade populacional e desastres ambientais: a definição jurídica de refugiados ambientais e possibilidade de flexibilização da definição de refugiado.

Tem-se percebido, nas últimas décadas, um sensível aumento no número de pessoas que foram levadas a sair de suas casas, regiões, ou até mesmo a mudar de país por razões ambientais ou climáticas, como desastres naturais, mudanças em relação ao clima ou alterações no meio ambiente. Trata-se de pessoas em busca de refúgio e proteção, impossibilitadas de regressar, de forma temporária ou definitiva, às áreas de sua residência pela destruição de sua terra, em casos como terremotos, tsunami, enchentes ou até mesmo pela elevação do nível do mar.

Obviamente, o deslocamento forçado devido à degradação do meio ambiente não é um fenômeno recente. Desde a Antiguidade, populações foram forçadas a se deslocar pela degradação ou por desastres naturais, que impossibilitaram que tirassem sustento de sua terra. A modificação na atualidade se dá na quantidade de população a se deslocar, bem como o esgotamento total de recursos e a destruição irreversível do meio ambiente. Nas palavras de Fernando Malta (2011, p. 163), “a grande diferenciação dos refugiados como fenômeno da modernidade é justamente a concepção estatal da homogeneidade de sua população, quase um pressuposto à efetivação do imaginário coletivo da nação”.

Levando-se em conta a atual integração entre os Estados, é impossível conceber a ideia de um Estado visualizar esta grave violação de direitos humanos em outro país e não se mobilizar para dirimi-la.

Ao versar sobre o tema, Susana Borràs Pentinat afirma que:

Nos últimos anos, os desastres naturais produziram, pela primeira vez na história, mais movimentos de população do que as guerras e os conflitos armados de vários tipos.Segundo a FederaçãoInternacional da Cruz Vermelha e a Sociedade do CrescenteVermelho,uma média de[211] milhões depessoas foram afetadasanualmentedurante a última décadapor desastres naturais, triplicando a médiada décadaanterior esendocincovezes o número depessoas afetadaspor conflitos armados(2011, p. 12) 15.

O que se vê, atualmente, é um choque cada vez maior entre o homem e a natureza, que leva, em alguns casos, sociedades inteiras a deixarem seus países em busca de um lugar que lhes dê não só sustento, mas também moradia e a mínima possibilidade de sobreviver. É necessário que estas pessoas, que claramente não se enquadram na definição de ‘migrante’, tendo em vista seu deslocamento não ser voluntário, sejam protegidas por algum mecanismo, de forma internacional, para que se possa dirimir não só seu sofrimento, mas também o sobrecarregamento de apenas alguns países receptores com o fluxo de pessoas ali direcionadas.

Estes migrantes forçados são popularmente chamados, por falta de um termo técnico para denominá-los, de ‘refugiados ambientais’, embora esta expressão não seja universalmente conhecida, especialmente por não ser passível de encaixe na Convenção de Genebra. Tendo em vista esta deficiência, é necessário analisar o status jurídico destes migrantes forçados que, mesmo passando por situações análogas às dos refugiados clássicos, não são amparados de forma adequada pelos instrumentos internacionais de proteção, para ampliar o conceito tradicional de refugiado e estender esta proteção internacional aos refugiados ambientais.

3.1. Possíveis motivos para o deslocamento populacional

Além do questionamento a respeito da possível flexibilização do termo ‘refugiado’ na Convenção de Genebra para abarcar os também denominados ‘refugiados ambientais’, é importante refletir a respeito das razões que levam estes migrantes a se deslocarem de seus lares: seriam seus motivos puramente ambientais ou climáticos, ou este deslocamento é simplesmente o estopim de uma condição de vulnerabilidade que não tem tanta relação com o meio ambiente?

As causas para este deslocamento forçado de população são as mais variadas, podendo tanto ser derivadas da atividade humana como exclusivamente naturais.

As causas derivadas da atividade humana podem ser baseadas em um crescimento populacional desmedido, na situação de pobreza em que se encontra a população ou na escassez de recursos naturais. Dentro das causas derivadas da atividade humana, existem, ainda, as atividades bélicas e nucleares. Exemplificando estas causas, temos o caso de Chernobyl, na Ucrânia, cujas pesquisas mostram que, mesmo 26 anos após o acidente, os níveis de material radioativo ainda estão muito altos, impossibilitando que os sobreviventes do desastre, que se deslocaram para outras partes da antiga União Soviética, voltem à cidade. Estas causas podem gerar uma degradação ambiental gradual, como a desertificação, ou definitiva, como as construções que desflorestam toda uma área.

Dentre as causas exclusivamente naturais, temos como exemplo as atividades sísmicas, normalmente exemplificadas por terremotos e erupções vulcânicas, atividades atmosféricas, cujos maiores exemplos são os tornados e furacões, e hidrológicas, exemplificadas pelas inundações. Estas causas normalmente trazem muito mais danos à região que atingem, especialmente se a área afetada for menos desenvolvida economicamente e não dispor de meios para detectar estes possíveis desastres naturais, nem para diminuir suas consequências.

Existe um debate entre aqueles que enfatizam o impacto direto do ambiente sobre os movimentos da população e aqueles que destacam o papel determinante do contexto social, econômico e político na vida da sociedade afetada pelo desastre ambiental, sendo o nexo entre mudanças ambientais, deslocamentos populacionais e a situação de vulnerabilidade social em que se encontram as populações atingidas salientado por inúmeros autores, que afirmam este terceiro fator ser determinante no que diz respeito às estratégias de adaptação e possibilidade de migrar.

Fernando Malta, em sua reflexão sobre o tema, afirma que:

Esta vulnerabilidade é acirrada pelas anomalias do conceito de ‘refugiados ambientais’ em relação ao moderno sistema internacional de Estados e ao conceito ‘clássico’ de refugiado, o que dificulta o reconhecimento internacional e pode agravar as consequências sociais de um fenômeno que, conforme os prognósticos, tende a se tornar mais frequente e atingir um número crescente de pessoas. (2011, p. 175)

É possível perceber que, em países atingidos por extrema pobreza ou forte desigualdade social, o desastre ambiental ou a mudança climática é o ápice do problema. Numa sociedade com problemas sociais, a mudança no meio ambiente somente transforma uma situação difícil em insustentável, forçando os habitantes do local a se deslocar por falta de comida ou impossibilidade de trabalhar, tendo em vista a dependência econômica da criação de animais ou agricultura.

Susana Borràs Pentinat (2011, p. 13), em seu texto, afirma que “um estudo da ONU em 1998 estimou que 96% das mortes causadaspor desastresocorrem em 66% da populaçãodos países mais pobresdo mundo”.Combater a pobreza, para ela, é a melhor maneira dereduzir o número decorpos que seráremovidodos escombros,lama, inundações e secas16.

Numerosos autores partilham da opinião de que as populações que sofrem mais drasticamente os impactos ambientais são as de com menor renda. Cecilia Tacoli afirma que:

São osgrupos mais pobres, aqueles que muitas vezes sãoforçados a viverem locais perigosos, comoencostas íngremes ou assentamentos 'informais' com pouca ou nenhumadisposição paradrenagem de águas pluviais, acesso limitado dos serviços de emergência, como ambulâncias ecaminhões de bombeiros,distantes decentros de saúde e com habitaçõescheias e inadequadas,que mais sofrem. Eventos extremos, quando afetam as pessoascom altos níveis devulnerabilidade, se tornamdesastres.Com relação à mobilidade,na maioria dos casosas pessoas voltamo mais rápido possívelpara reconstruir suas casase meios de subsistência. Se e o quãorapidamenteeles são capazes de fazê-lo depende muito donível de apoioque recebem dosgovernos e da sociedade civil17. (2011, p. 114-115)

Resta cristalino que as pessoas mais influenciadas pelos impactos no meio ambiente são, naturalmente, as que necessitam dele como meio de subsistência. É óbvio verificar que são mais afetadas pela desertificação e degradação do solo as pessoas do meio rural, que dependem primordialmente do ambiente para plantar, do que as pessoas do meio ambiente urbano, geralmente mais abastadas e possuidoras de outro modo de produzir sua renda. Vale ressaltar, também, eventos como secas severas ou chuvas intensas, que tem um impacto a longo prazo na economia local.

Apesar de estar constatado que esta emergência humanitária crescente existe e suas possíveis conseqüências serão devastadoras, não há nenhum meio de proteção internacional para estas populações que perderam suas casas, família, nacionalidade, tudo, posto que, formalmente, não há uma proteção internacional específica para essa categoria de pessoas. É comprovado que estes desastres repentinos ou até mesmo a degradação paulatina do meio ambiente não provocam somente o deslocamento de um crescente número de pessoas, mas também uma grave, porém velada, violação aos direitos humanos e fundamentais destes deslocados. Não é incomum ouvir em televisões ou ler em revistas sobre a morte de deslocados, tanto migrantes quanto refugiados que, sem outra opção visível, buscam cruzar fronteiras e passar por rotas migratórias, porém sendo atingidos pela militarização ou por políticas restritivas a respeito da migração em diversos países.

O exemplo mais marcante sobre o tema é o fechamento das barreiras perante os estrangeiros na fronteira entre o México e Estados Unidos, nos estados americanos de Arizona e Novo México, onde morrem centenas de pessoas todos os anos. O número de pessoas que tenta atravessar os três mil quilômetros de fronteira entre o México e os Estados Unidos, a cada ano, já atinge a casa dos milhões. A patrulha de fronteira americana informa que anualmente, 775 mil imigrantes ilegais são detidos apenas no Arizona. Grande parte é enviada de volta, mas a maioria tenta atravessar a fronteira outra vez. As causas das mortes destas pessoas que tentam atravessar a fronteira são bem abrangentes. O caso mais comum é a desidratação, tendo em vista que os migrantes necessitam passar por um deserto na fronteira do estado do Arizona. Todavia, também existem casos de capotamento de carros ao atravessar o deserto e outros acidentes. Também existem casos em que segmentos da população americana, tomados pelo preconceito aos migrantes, buscam parar este fluxo de pessoas matando-os, como ocorreu em agosto de 2010. Na ocasião, dentre os 72 supostos migrantes ilegais assassinados, quatro eram brasileiros, segundo informações do Itamaraty.

3.2. Desastres ambientais emblemáticos

O fator que caracteriza melhor a possível abertura do termo ‘refugiado’ para abranger também os refugiados ambientais é a sua condição de deslocados forçados, ou seja, o fato de serem pessoas constrangidas a abandonar seu ambiente natural por uma grave ameaça a sua sobrevivência e aos seus direitos, e não apenas porque acreditam que seu país de destino ofereça mais oportunidades de emprego ou de sustento do que seu país de origem. Esta característica auxilia na distinção entre os refugiados ambientais e migrantes econômicos, que abandonam voluntariamente suas casas em busca de condições melhores de vida, mas que têm a opção de regressar a seu país de origem sem sofrer perseguições nem ter seus direitos violados.

É possível, também, distinguir os migrantes econômicos dos refugiados ambientais ao visualizar a vulnerabilidade destes ante a natureza. Em muitos casos, os refugiados ambientais necessitam sair de seus países de origem por não ter mais possibilidade de encontrar água, alimento ou até mesmo pela inundação ou instabilidade do solo. Sua principal característica é a vulnerabilidade, e esta é evidenciada ao percebermos o crescente número de desastres ambientais, tanto previstos quanto não, nos últimos anos.

O primeiro grande desastre a nos fazer perceber a força da natureza ante a população humana foi o terremoto submarino de Sumatra-Andaman, que ocorreu no Oceano Índico em 2004, com epicentro na costa oeste de Sumatra, na Indonésia, e que teve como consequência o tsunami do Oceano Índico. O terremoto desencadeou uma série de tsunamis devastadores ao longo das costas da maioria dos continentes banhados pelo Oceano Índico, matando mais de 230 000 pessoas em quatorze países diferentes e inundando comunidades costeiras com ondas de até 30 metros de altura. Foi um dos mais mortais desastres naturais da história, sendo a Indonésia o Estado mais atingido, seguido pelo Sri Lanka, Índia e Tailândia. O fator que mais ajudou a maximizar os danos causados por este terremoto foi, sem dúvida, a impossibilidade de prever a sua chegada, tendo em vista que os países atingidos não possuíam capacidade financeira para arcar com os custos de instrumentos de controle meteorológico.

Um pouco após este evento, em 2005, os Estados Unidos, especificamente no Estado da Louisiana, foram atingidos pelo Furacão Katrina, mostrando ao mundo que todos os países, e não só os menos desenvolvidos, correm o risco de serem atingidos por um grande desastre ambiental. O Furacão Katrina, que chegou a alcançar a categoria 5 da Escala de Furacões de Saffir-Simpson, foi o responsável por aproximadamente duas mil mortes, sendo descrito por muitos como a pior catástrofe a atingir os Estados Unidos. Katrina foi responsável pela migração de mais de um milhão de pessoas na região da Louisiana e em outros lugares nos Estados Unidos, sendo o maior deslocamento interno conhecido na história dos Estados Unidos. Porém, mesmo com este grande número de deslocados, ainda não há comparação com um desastre ocorrido em um país menos desenvolvido.

Porém existem ocasiões em que estes desastres naturais podem ser previamente detectados e antecipados, para não causar aos habitantes dos lugares onde ocorrem graves danos, como mortes ou acidentes. Um caso em que houve efetividade nos sistemas de controle e previsão foi em fevereiro de 2011, quando o Furacão Yasi passou por Queensland, na Austrália, destruindo edifícios e casas, mas sem atingir nenhuma pessoa. Como houve a possibilidade de prever o percurso que o furacão iria fazer, tendo em vista a Austrália ser equipada por mecanismos de previsão de furacões, foram evacuadas mais de 300 mil pessoas de suas casas, fazendo que este fosse um dos poucos furacões a passar por um local habitado e não fazer nenhuma vítima.

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A situação dos pequenos Estados insulares é especialmente grave. O aumento do nível do mar intensifica inundações, erosão e outros fenômenos que ameaçam diariamente os assentamentos e instalações de cuja subsistência dependem estas comunidades. No caso das Ilhas Carteret, por exemplo, os moradores praticamente não têm água potável para beber, pois a água salgada invade os sistemas de canalização e a atinge. Também o solo fica improdutivo, as plantas não vingam e as palmeiras morrem. Além disso, as mudanças climáticas tornaram os furacões mais frequentes e estes já devastaram algumas ilhas do arquipélago.

Entre as nações especialmente ameaçadas pela elevação do nível dos mares se encontram a Federação dos Estados da Micronésia, Tuvalu, Fiji e as Ilhas Maldivas, entre outros. No arquipélago da Indonésia, por exemplo, somente durante a última década já desapareceram um pouco mais de vinte ilhas e a previsão é que mais uma centena de suas 17.000 ilhas desapareça até o fim deste século. Este é só um caso dentre vários, tendo em vista que estes pequenos Estados enfrentam uma contínua perda de território, que levará a inevitável desaparição do país e, consequentemente, de todas as competências que este país exerce sobre sua população. Vale ressaltar que a perda de território não é o único problema pelo qual os moradores destas ilhas passam.

Com o fim de proteger a população que seria futuramente afetada, o governo da Ilha de Tuvalu realizou um acordo com a Nova Zelândia para transladar seus 11.000 habitantes para este país, após realizar estudos acerca do nível do mar e perceber que seus habitantes seriam vítimas, num futuro próximo, de uma inundação devido à elevação deste nível. Estando aproximadamente 3m acima do nível do mar, é previsto que esta ilha desapareça nos próximos 50 anos.

Outro país fora do continente asiático, mas com grandes chances de ter um desastre derivado das mudanças climáticas é o Egito. Dono de uma costa baixa sucedida por planícies não mais elevadas e de um dos deltas historicamente mais famosos do mundo, em um país de alta densidade demográfica e com contínuo crescimento populacional, próximo do maior deserto do mundo e em comprovado processo de desertificação, não há um cenário favorável ao país, tendo sido declarado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em 2007, um dos lugares mais vulneráveis à elevação do nível do mar. Como exemplo desta vulnerabilidade, temos a região do Delta do Nilo que, de acordo com o documento “3784: Adaptation to Climate Change in the Nile Delta through Integrated Coastal Zone Management”, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com o Ministério de Recursos da Água e Irrigação do Egito, de uma população de 40,2 milhões de pessoas, caso inundada apenas 2 metros afetaria cerca de 10,7 milhões de pessoas, ou mais 25% da região, que não teria alternativa que não o deslocamento. Ademais, mais de 1/3 dos 1,5 milhões de hectares de terra cultivada na região seria igualmente perdida, enfraquecendo severamente a produção de alimentos no país e afetando de forma grave a vida da população egípcia.

Temos, ainda, o exemplo recente do terremoto seguido de um tsunami, seguido ainda de um desastre nuclear no Japão, em 2011. Localizado exatamente no limite da placa tectônica Euroasiática, o Japão é um país comumente atingido por terremotos e tsunamis, sendo que dois em cada dez terremotos no mundo com magnitude superior a 6 graus na escala Richter atingem o país. No entanto, no dia 11 de março de 2011, o país foi atingido por um terremoto de magnitude de 9 graus na escala Richter, segundo informações do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). O abalo sísmico ocorreu a 24 quilômetros de profundidade, a 160 quilômetros da costa, desencadeando um tsunami com ondas de até 10 metros de altura que atingiram a costa nordeste do Japão. As ondas invadiram a cidade e provocaram mortes e a destruição de casas e ruas. Milhões de residências ficaram sem energia elétrica. Autoridades japonesas divulgaram que 9.079 pessoas morreram e milhares ficaram feridos em consequência do terremoto e do tsunami.

O terremoto e o consequente tsunami provocaram, ainda, danos na usina nuclear de Fukushima. Vazamentos radioativos foram registrados e a comunidade internacional preparou-se para um iminente desastre nuclear. Os níveis de radiação no entorno da usina superaram em oito vezes o limite de segurança, forçando a evacuação da população em um raio de 20 km ao redor da usina, porém, felizmente, não houveram mortes causadas pelo vazamento radioativo. Esses danos, tão graves, foram considerados pequenos se em comparação com outros acidentes do mesmo tipo. Embora não tivesse previsto o desastre, o país teve danos ‘mínimos’ por possuir construções de boa qualidade e realizar simulações de ação perante terremotos com a população.

Em muitas situações catastróficas, os deslocados retornam a seus lares assim que as circunstâncias os permitem e iniciam rapidamente a árdua e difícil tarefa de reconstruir sua condição de vida anterior. Em outros casos, impede-se aos deslocados, de maneira arbitrária ou ilegal, de regressar e recuperar seu lar. Por exemplo, no Sri Lanka e Aceh, segue-se impedindo fisicamente a milhões deles de regressarem a seus lares depois do Tsunami asiático de 2004, apesar de seu evidente desejo de fazê-lo. Ainda que se tenha dedicado consideráveis esforços para tratar o deslocamento e o retorno no contexto de conflitos armados, faz muito pouco que os profissionais começaram a explorar os vínculos essenciais entre o deslocamento, os desastres naturais e meio-ambientais e as soluções duradouras relativas ao deslocamento no marco dos direitos humanos.

Os exemplos acima servem para demonstrar que, num futuro próximo, qualquer país, mesmo com boa condição econômica, poderá enfrentar graves problemas derivados de desastres ambientais, especialmente em relação aos deslocamentos de pessoas.

Conforme explicitado acima, é possível ver uma conexão entre as situações de degradação ambiental e migração. Os deslocados não passam somente por mudanças em relação ao desenraizamento de sua cultura antiga para novo aculturamento, mas também em relação à desintegração familiar e social, porque, muitas vezes, estão obrigados a se separar de pessoas muito próximas.

O deslocamento forçado de uma pessoa implica em muito mais do que apenas na mudança do local de residência. O Juiz A. A. Cançado Trindade, em voto na audiência pública perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos em 08 de agosto de 2000, referente ao caso dos haitianos e dos dominicanos de origem haitiana na República Dominicana afirma que:

Com o desenraizamento, uma pessoa perde, por exemplo, a familiaridade do cotidiano, o idioma materno como forma espontânea de expressão das ideias e sentimentos, e o trabalho que da a cada um o sentido da vida e a utilidade aos demais na comunidade em que vive. A pessoa perde seus meios genuínos de comunicação com o mundo exterior, assim como a possibilidade de desenvolver um projeto de vida. É, então, um problema que concerne todo o gênero humano, que envolve a totalidade dos direitos humanos e, sobretudo, que tem uma dimensão espiritual que não pode ser esquecida, especialmente no mundo desumanizado de nossos dias.

O problema do desenraizamento deve ser considerado em um marco da ação orientada a erradicação da exclusão social e pobreza extrema - se é que se deseja chegar a suas causas e não somente combater seus sintomas. Impõe-se o desenvolvimento de respostas a novas demandas de proteção, ainda que não estejam literalmente contempladas nos instrumentos internacionais de proteção do ser humano vigentes. O problema só pode ser enfrentado adequadamente tendo sempre presença a indivisibilidade de todos os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais)18.

Ao ser forçosamente deslocado de seu país natal para outro, estrangeiro, o indivíduo não perde somente seus familiares e seus bens, mas também o seu modo de viver. Ao ser transportado para outro país, ele perde sua cultura, sua vida como era até o momento do desastre, sua caracterização como indivíduo pertencente a certo grupo de pessoas. Tendo em vista a função primordial destes fatores na vida de um indivíduo, chega a ser impossível acreditar que exista uma reparação para compensar esta perda cultural que os deslocados sofrem, ou que, ao receber uma casa ou um emprego em outro lugar, esta pessoa se considere indenizada pelo dano que sofreu.

Para dirimir os grandes prejuízos que estes indivíduos sofreram imotivadamente, é necessário que se outorgue a eles, um status equivalente ao de outros refugiados, que, em geral, inclui proteção legal, assistência sanitária, asilo e ajuda para regressar a seu país de origem, caso seja possível regressar a ele.

Conforme já visto, a Convenção de Genebra especifica quatro elementos que auxiliam a definir o termo ‘refugiado’, afirmando que este deve estar fora de seu país de origem, seu país de origem deve ser incapaz de lhe proporcionar proteção ou facilitar o retorno, esta incapacidade deve se atribuir a uma causa inevitável que provocou o deslocamento e, por fim, que esta causa se baseie em razões de raça, nacionalidade, grupo social ou questões políticas.

Porém, este caráter restringente da Convenção não deveria ser obstáculo para a adoção de políticas estatais mais liberais, tendo em vista que, a partir dos anos setenta, novas circunstâncias acerca do refúgio obrigaram os Estados a fazerem uma interpretação diferente a respeito do termo. Os conflitos armados e a violência generalizada forçaram os Estados a ampliar o conceito previsto na Convenção de Genebra por meio de outros instrumentos, como a Convenção da Organização para a Unidade Africana e a Declaração de Cartagena sobre Refugiados.

3.3. Origem do termo ‘refugiado ambiental’ e sua atual classificação

O termo “refugiado ambiental” foi abordado pela primeira vez em 1985, num informe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), elaborado por Essam El- Hinnawi, professor do Egyptian National Research Centre, do Cairo, e popularizado por Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz. De acordo com o informe, Essam El- Hinnawi definiu originalmente “refugiados ambientais” como:

Pessoas que foram forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporariamente ou permanentemente, por uma destruição ambiental, natural ou acionada por pessoas, que botou em xeque sua existência e/ou seriamente afetou a qualidade de sua vida. Por “destruição ambiental”, entende-se qualquer mudança física, química e/ou biológica no ecossistema (ou na fonte de recursos) que o torna, temporária ou permanentemente, incapaz de manter a vida humana. (1985, p. 4)19

Uma das maiores críticas ao conceito de “refugiado ambiental”, compartilhada por Diane Bates (2002, p. 465) é a opinião de que ele é um pouco vago. Nesta definição, na opinião de Bates, o autor simplesmente generalizou o termo criado, não utilizando formas de distinguir os refugiados ambientais de outros tipos de migrantes nem especificando diferenças entre os próprios tipos de refugiados ambientais. Não há, por exemplo, diferença entre os refugiados por um terremoto e os refugiados pela gradativa evolução do nível do mar na definição de El-Hinnawi, mesmo que nós vejamos muitas diferenças entre estes dois tipos de migrantes, como se verá a seguir. Este problema corrobora a opinião dos autores que acreditam que, por ser um termo tão abrangente, a proteção dos refugiados ambientais não terá muito valor prático.

Para aperfeiçoar o uso do termo, BATES (2002, p. 467) criou uma classificação prática de tipos de refugiados ambientais. Para ela, existem três tipos de refugiados ambientais enquadrados na classificação original de El-Hinnawi: Os primeiros são os temporariamente deslocados por desastres, podendo ser naturais ou antropogênicos. Os segundos são os permanentemente deslocados por mudanças ambientais drásticas, como a construção de usinas hidrelétricas. Os terceiros, por fim, são os que migram baseados na deterioração gradual das condições ambientais. Levando em conta as situações descritas por El-Winnawi, a autora decidiu basear sua classificação em critérios relacionados à origem, à intenção e à duração da destruição ambiental. Para melhor visualização da classificação de BATES, foi criada, por Fernando Malta (2011, p. 166), um quadro explicativo de sua teoria, que será explicada adiante:

Quadro 1: Tipos de Refugiados Ambientais a Partir da Classificação de Bates

Desastres

Expropriações

Deteriorações

Um evento catastrófico não intencional causa migração humana

A destruição intencional do meio ambiente o torna desapropriado para habitação humana

Deterioração gradual do ambiente compele à migração ao dificultar a sobrevivência humana

Sub-Categoria

Natural

Tecnológico

Desenvolvimento

Ecocídio

Poluição

Depleção

Origem

Natural

Antropogênica

Antropogênica

Antropogênica

Antropogênica

Antropogênica

Intenção

Não intencional

Não intencional

Intencional

Intencional

Não intencional

Não intencional

Duração

Abrupto

Abrupto

Abrupto

Abrupto

Gradual

Gradual

Prazo de Retorno

Curto/ Médio

Longo/ -

Não há retorno

Longo/ -

Médio/ Longo

Médio/ Longo

Causalidade

Uni/ Multicasual

Uni/ Multicasual

Unicasual

Unicasual

Multicasual

Multicasual

Exemplo

Terremoto

Acidente Nuclear

Hidrelétrica

Desfolhação

Aquec. Global

Desflorestamento

Exemplo Real

Haiti

Chernobyl

Três Gargantas

Vietnã

Bangladesh

Amazônia Equat.

Fonte: MALTA, Fernando. A anomalia da anomalia: os refugiados ambientais como problemática teórica, metodológica e prática. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana. V. 19, n. 36. p.166, jan-jun/ 2011.

As destruições que dão origem aos fluxos migratórios podem ser divididas em três categorias: desastres, expropriações e deterioração. Os desastres são eventos abruptos sem a intenção de produzir fluxos migratórios, e podem ser causados por eventos naturais ou acidentes tecnológicos. As expropriações são resultado, também, de um evento abrupto, porém deslocam a população intencionalmente, e podem ser resultado do desenvolvimento econômico ou de guerras. A deterioração, por fim, é o resultado de uma mudança gradual e antropogênica no ambiente que não tinha a intenção de produzir deslocamento da população. Este último grupo tende a ter ecossistemas que foram degradados, gradualmente, pela diminuição ou depleção, até um ponto que a população não pode tirar seu sustento de seu habitat natural.

Como afirmado anteriormente, os desastres são as destruições abruptas do meio ambiente que causam migração não planejada. Normalmente, produzem refugiados que retornam após pouco tempo. Podem ter origem natural ou antropogênica, ou ainda uma mescla das duas.

Os desastres naturais se distinguem dos antropogênicos por uma diferença significante na sua origem. Estes desastres são o resultado de furacões, inundações, terremotos e outros eventos climáticos ou geológicos que tornem um local, previamente habitado, incapaz de abrigar a vida humana, de forma permanente ou temporária.

Os desastres tecnológicos são inteiramente antropogênicos, mas como os naturais, são abruptos e não intencionais. Diferentemente dos desastres naturais, o tecnológicos resultam mais das escolhas humanas a respeito das tecnologias do que de eventos causados por condições naturais.

Porém nem todos os desastres estão posicionados dentro da categoria de natural ou tecnológico, por existirem desastres que resultam de uma interação entre a destruição natural e antropogênica no meio-ambiente. São eventos naturais cujos efeitos são ampliados por atividades humanas como, por exemplo, a destruição da usina nuclear de Fukushima.

Os refugiados por desapropriação são deslocados para que seu habitat tenha algum outro uso ou porque se tornou incompatível para sua residência. Estes refugiados são permanentemente relocados, normalmente com ajuda governamental. A situação é normalmente abrupta, antropogênica e o deslocamento é intencional. A desapropriação pode ser causada para o desenvolvimento, como para uma construção de usina hidroelétrica, ou por motivos de guerra, nos casos da destruição do meio ambiente humano para relocar ou retirar a população em uma guerra. Temos como exemplo o deslocamento dos vietnamitas que moravam na área rural do Vietnã durante os anos 1970 e que foram deslocados pelo uso de herbicidas que destruíram os recursos florestais pelos Estados Unidos, causando um ‘ecocídio’.

Os refugiados pela deterioração são aqueles afetados pela deterioração paulatina do meio ambiente pela alteração antropogênica. A migração causada pela deterioração não é planejada, embora a destruição do meio ambiente seja feita de forma deliberada, tendo em vista a sociedade compreender o que suas atitudes ocasionarão. Por este tipo de destruição ser ocasionado de forma paulatina, é extremamente difícil caracterizar este último grupo como refugiados, e não como migrantes. Normalmente, as pessoas tipificadas dentro desta classificação são consideradas refugiadas somente nos casos em que a deterioração se torna um desastre.

A deterioração antropogênica do ecossistema pode ser causada tanto pela poluição quanto pela depleção, que é a remoção gradual de partes do ecossistema, como o desmatamento. Até recentemente, a concentração de poluição nas regiões desenvolvidas nos levava a acreditar que as doenças derivadas da contaminação iriam aparecer primeiramente lá, porém é possível perceber, hoje, que a poluição não atinge somente uma região, mas todo o planeta. A degradação gradual da atmosfera pelo dióxido de carbono e outros gases que causam o efeito estufa pode causar aumentos do nível do mar que, de acordo com algumas pesquisas, causará um possível alagamento e diminuição de terras para cultivo em todo o planeta.

A degradação do meio-ambiente afeta a migração humana, mas isso pode resultar de uma pressão externa ou da decisão feita pelo próprio migrante. A decisão de se relocar, geralmente feita no nível individual ou com todo o núcleo familiar, caracteriza a migração voluntária. Esta migração tem como motivo mais comum o desejo de melhora econômica. Outros migrantes são forçados a se relocar por forças externas. Estes são os refugiados.

3.4. Posicionamentos acerca da possível ampliação do termo

Embora haja várias opiniões no sentido de ampliar a Convenção de 1951 para incluir os refugiados ambientais, dentre elas Janaína Freiberger Benkendorf Peixer e Fabiano Menezes, outros autores e organismos internacionais não partilham da mesma opinião.

Enquanto MENEZES (2010, p. 97-109) protege a ampliação do conceito por verificar a patente responsabilidade do Estado ao falhar diretamente na proteção dos seus cidadãos em face dos impactos ambientais, bem como a responsabilidade dos Estados mais poluidores, por contribuírem diretamente para as mudanças climáticas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por exemplo, considera que é possível que qualquer iniciativa para modificar esta definição cause o risco de uma renegociação da Convenção de 1951, o que, no momento atual, pode dar lugar a uma redução das normas de proteção do refugiado ou ainda apagar todo o regime de proteção internacional do refugiado.

Outros autores apoiam o posicionamento do ACNUR, como CASTLES (2002, p. 10), que acredita que a expansão da definição irá afetar e tornar mais dificultosa a proteção dos refugiados que buscam abrigo fugindo de situações de violência. Maria Oliveira (2010, p.125) afirma, também, que o reconhecimento da categoria de refugiados ambientais poderá causar uma desvalorização na atual proteção dos refugiados, bem como uma necessária intervenção na soberania interna dos Estados, pois a maioria dos deslocamentos populacionais ocasionados por mudanças climáticas ocorre dentro dos limites Estatais.

De acordo com o pensamento de PENTINAT (2011, p.29), é possível perceber duas restrições para criar a figura jurídica do refugiado ambiental. A primeira se centra na desvalorização que teria esta nova denominação, posto que os asilados na grande maioria dos casos são considerados desta maneira pelas distintas opressões políticas, ao que o termo ‘refugiado’ também cabe às pessoas vítimas de pobreza ou outras questões culturais ou sociais. A segunda razão se dá pelo fato de a maior parte das pessoas deslocadas o serem dentro do seu próprio país, e não cruzando fronteiras. Por isso, uma nova definição do termo refugiado não iria abranger estas pessoas, ocasionando, ainda, uma alteração jurídica com pouca aplicação prática.

A extensão do reconhecimento do Estatuto do Refugiado aos deslocados ambientais suporia, além de excluir a situação dos deslocados internos por causas ambientais, a possibilidade de aplicar as mesmas soluções que são aplicadas aos refugiados políticos, ou seja, a repatriação voluntária ou o retorno voluntário ao país de origem, ou o translado dos refugiados a um terceiro país e a integração local no país que lhes deu acolhida. Esta solução, ao ver de PENTINAT, é impossível, pois os recursos disponíveis para quem sofre perseguições políticas, religiosas ou de outra índole já são insuficientes. A seu ver, a extensão do termo iria somente diminuir a capacidade de apoio aos já considerados refugiados.

Porém, vale lembrar que a ampliação do conceito de ‘refugiado’ já foi efetuada de forma regional, através tanto da Convenção da Organização para a Unidade Africana quando da Declaração de Cartagena de 1984.

Em relação ao quesito dos refugiados internos, o ACNUR, a Organização Internacional da Migração e o Grupo Político dos Refugiados optaram por não utilizar a denominação ‘refugiado ambiental’, e sim a denominação ‘pessoas ambientalmente deslocadas’, entendendo este termo se referir tanto às pessoas deslocadas dentro de seus próprios países quanto às pessoas que se deslocaram através de fronteiras internacionais devido à degradação ou destruição do meio ambiente.

Embora não haja nenhuma Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nem nenhum outro instrumento protegendo este tipo específico de refugiado, é possível preencher esta lacuna jurídica por meio da aplicação dos princípios do Direito Internacional do Meio Ambiente, bem como os Direitos Humanos.

Desde a Convenção de Genebra, em 1951, a visão que se tinha a respeito dos refugiados mudou drasticamente. Agora, o refugiado não é somente aquele que foge de regimes políticos repressivos ou de conflitos armados. Os novos processos de migração devem ser tomados em conta, buscando reconceituar o conceito de ‘refugiado’, lembrando sempre de vinculá-lo à proteção dos Direitos Humanos.

Ante a lacuna jurídica existente no Direito Internacional dos Refugiados, a proteção destes deslocados ambientais poderia vir pela aplicação da teoria dos Direitos Humanos e dos princípios do Direito Internacional do Meio Ambiente, como possível via de proteção jurídica ao refugiado ambiental. Embora não seja possível responsabilizar os Estados por desastres como furacões e terremotos, o direito à vida e outros importantes direitos humanos criam obrigações positivas para os Estados, que devem tomar as medidas adequadas para proteger a vida, a integridade física e os bens de quem se encontra abrangido pela sua jurisdição. Se for possível prever um desastre e o Estado puder prevenir as possíveis ameaças para a vida e propriedade das pessoas, deve tomar as medidas adequadas, tendo em vista suas obrigações perante o direito à vida de seus cidadãos.

Neste sentido, vale ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece em seu artigo 25 que “toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como a sua família, saúde e bem estar”. Em seu artigo 13, reconhece o “direito de todas as pessoas de circular livremente e escolher sua residência em um território do Estado”. De acordo com esta disposição, a pessoa deslocada ou que se encontra em risco de deslocamento por razões ambientais goza de liberdade de circulação, incluindo o direito de optar livremente por regressar a sua casa, fixar-se em qualquer outro lugar do país ou integrar-se localmente no lugar em que tiver sido deslocada.

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 também fazem referência ao direito inerente a toda pessoa de desfrutar e utilizar plena e livremente dos recursos naturais, bem como o fato de nenhuma pessoa poder ser privada de seus meios de subsistência. Desta forma, os dois pactos garantem ao indivíduo um meio ambiente saudável.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, na Resolução nº 45/1994, de 14 de dezembro de 1990, declara, também, que todas as pessoas têm direito a viver em um meio ambiente adequado para garantir sua saúde e bem estar.

Toda esta prática jurídica estabelece a progressiva vinculação entre a proteção dos direitos humanos e a proteção do meio ambiente, permitindo uma ampliação da proteção jurídica da Convenção de Genebra também aos refugiados ambientais.

Renato Zerbini Ribeiro Leão afirma a importância de analisar atentamente os casos de solicitação de refúgio com um particular interesse na possível ou patente violação de direitos humanos, conforme segue:

À luz das reiteradas manifestações sobre o campo conceitual do refúgio, em sua dimensão mais ampla, por parte da Presidência e do Pleno do CONARE, é crucial destacar que a configuração do refúgio está intimamente vinculada a duas circunstâncias que se podem dar individualmente, consequentemente e/ou simultaneamente: a perseguição materializada e/ou o fundado temor de perseguição consubstanciado da parte da/o solicitante. Esta vinculação conceitual, ou seja, a concessão do refúgio ao fato da perseguição consubstanciada e/ou o fundado temor de perseguição, é tão cristalina que, que sempre e quando fatos novos apresentados posteriormente à conclusão de algum caso forem capazes de caracterizar a perseguição e/ou o seu fundado temor, o CONARE, costumeiramente e em sessão plenária, entende que este caso em questão poderá ser reaberto para uma nova apreciação. (2010, p. 75).

Esta afirmação mostra que, tendo em vista a questão humanitária emergencial que envolve o instituto do refúgio, é necessário que ele seja avaliado sempre levando em conta a proteção dos direitos humanos do estrangeiro.

Como alternativa à possível não alteração da Convenção de 1951, tendo em vista que esta atitude geraria muita insegurança jurídica por parte do Direito Internacional dos Refugiados, é proposto por muitos autores o adendo de um novo protocolo para a Convenção, que leve à adoção de uma nova normativa internacional para esta matéria. É reconhecida a importância de promover uma norma jurídica internacional para dar proteção às vítimas das mudanças climáticas que, até agora, estão marginalizadas de qualquer instrumento de proteção do Direito Internacional.

Promover e defender os direitos humanos de migrantes é garantir também às pessoas desterritorializadas que lhes seja assegurada a dignidade humana e o acesso aos processos de respeito à vida e aos direitos inalienáveis. Trata-se de garantir a migrantes, refugiados e todas as pessoas itinerantes o direito a ter direitos, independente de sua condição de mobilidade e que tais direitos sejam reconhecidos pela lei e não somente pela indignação, suscitada pela sua violação.

Embora não haja uma limitação política para o instrumento do refúgio, é possível perceber que ele é fundamentalmente utilizado neste sentido. Liliana Lyra Jubilut (2005, p. 144-145) brilhantemente afirma que “para efeitos de proteção, verifica-se que as organizações e os Estados privilegiam os casos ligados a violações de direitos civis e políticos, em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais”.

Na busca de uma regulamentação internacional a respeito do tema, a Delegação do Brasil, durante a Sexagésima- Quarta Sessão da Assembleia Geral do Sexto Comitê da ONU, questionou a possível aplicação do conceito no Direito Internacional. Conforme afirmado em relatório:

A Legislação Internacional exibe uma distinta inadequação no campo mencionado. O problema se origina da dificuldade para separar a migração normal do refúgio, ou seja, as pessoas que estão fora de seus países pela perseguição ou fundado medo de perseguição por diferentes razões; então, esta definição não inclui os refugiados ambientais e nunca foi conferida existência a este grupo. O ACNUR, em um documento chamado ‘Os deslocamentos ambientalmente induzidos da população e os impactos ambientais que resultam das migrações em massa’ enfatiza que a migração é normalmente causada por mais de uma razão, como econômica, cultural, política, étnica, religiosa e outras. No mesmo documento, o ACNUR enfatiza como o meio ambiente e suas mudanças podem influenciar o deslocamento de pessoas.20

A Delegação Brasileira afirma, ainda, que o “Brasil tem notado, de forma alarmante, que normalmente os desastres ambientais são resultado de decisões econômicas e políticas das Nações Poderosas. (...) O Brasil esta convencido que os refugiados ambientais são gerados pela condução errônea das políticas energéticas.” No final do relatório, a Delegação Brasileira requer ao Sexto Comitê que, em conformidade com a deficiência da teoria sobre os refugiados ambientais, elabore um projeto com a intenção de, em conjunto com o ACNUR, regulamentar a nova condição de refugiado. É possível verificar, desta forma, a intenção do governo brasileiro de regulamentar o tema.

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Sobre a autora
Anne Paiva de Alencar

Advogada Criminal, Professora de Direito e Legislação Ambiental, Advogada Dativa da Justiça Federal- Seção Judiciária do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Anne Paiva. Análise da condição jurídica dos caracterizados refugiados ambientais do Haiti no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3694, 12 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24288. Acesso em: 24 nov. 2024.

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