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Análise da condição jurídica dos caracterizados refugiados ambientais do Haiti no Brasil

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12/08/2013 às 10:24
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4. Estudo de caso: deslocados haitianos no Brasil desde o início de 2010- Refugiados ou Migrantes?

Foi amplamente divulgado por todos os canais de comunicação, sendo um fato sabido, que o Haiti, país latino-americano localizado na ilha La Espaniola, em janeiro de 2010 foi atingido por um terremoto de intensidade 7,3 na escala Richter, especialmente nas proximidades da capital, Porto Príncipe, onde se concentra a maior parte da sua população, causando a morte de aproximadamente 222.570 pessoas, e deixando um pouco mais de 1,5 milhão das pessoas sobreviventes sem suas casas, ou seja, cerca de 80% da população, ocasionando um caos no país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Segundo reportes da ONU, há, ainda, em torno de 800.000 deslocados vivendo em condições miseráveis, sendo que, destes 800.000 deslocados, 380.000 são crianças, que ainda não tiveram condições de encontrar um novo lar. Embora o terremoto tenha sido momentâneo, seus efeitos foram duradouros para a população haitiana.

Vale ressaltar que o Haiti, antes mesmo da profunda tragédia que o atingiu, já vivia uma catástrofe social, fruto de sua recente trajetória política, delineada entre mudanças drásticas e violentas de governos, que levaram o Haiti ao empobrecimento. O terremoto físico apenas destruiu o pouco que havia de precária infraestrutura, construída no período compreendido entre os governos Duvalier até a transição de Jean Bertrand Aristide a René Préval, com a necessária intervenção de forças militares da ONU para garantir a ordem social. A história do Haiti foi marcada por violações dos direitos humanos e revoluções. Isto pode ser comprovado pelo elevado número de habitantes que migravam do país.

4.1. Histórico do Haiti

A ilha foi descoberta, em 1492, por Cristóvão Colombo. A partir de 1520 a colonização espanhola na região teve sua decadência. Nesta época, praticamente toda a população nativa, compostapelos índios aruaques, havia sido exterminada.

A partir de 1697, piratas franceses passaram a ocupar partes da ilha, e esta, finalmente, passou para o domínio francês. Durante o Século XVIII, franceses incrementaram a lavoura açucareira na região, trazendo uma grande quantidade de escravos africanos. No início da Revolução Francesa, viviam na ilha aproximadamente 500 mil negros, 24 mil mestiços e 32 mil brancos. Por sua rentabilidade, o Haiti foi apelidado de ‘Pérola do Caribe’, sendo sua produção açucareira tão expressiva que contribuiu significativamente para decadência da cultura canavieira no Brasil colônia.

Com a Revolução Francesa, ocorreram rebeliões e fuga em massa de escravos, que chegaram a massacrar seus senhores. Financiados pelos ingleses e espanhóis, inimigos dos franceses, negros e mulatos se uniram sob a liderança de L’Ouverture, um escravo negro. Em 1794, a França declarou a abolição da escravidão nas colônias, conseguindo que L’Ouverture passasse a apoiar as autoridades francesas. Bonaparte, porém, enviou o general Leclerc para tomar o lugar de L’Ouverture, que foi mandado ao exílio, e recuperar a colônia.

Um dos generais de Toussaint, o ex-escravo Jean-Jacques Dessalines, indignado com a situação, iniciou uma rebelião e expulsou as tropas francesas, proclamando a independência em 1804 e se autoproclamando imperador. A ex-colônia passou a se chamar Haiti, sendo a primeira República Negra das Américas e o primeiro país latino-americano a se declarar independente. A elite, composta por mulatos, ficou insatisfeita com a nova política instalada no país, e, em 1806, tomou o poder após o assassinato de Dessalines. O Haiti teve sua administração fragmentada, o norte sob domínio de Christophe e o sul governado por Pétion. Somente em 1820, sob o governo de Jean-Pierre Boyer, o país foi unificado.

A instabilidade do país levou os Estados Unidos a intervir no país. Em 1905, passaram a controlar as alfândegas e, em 1915, invadiram militarmente a ilha e assumiram o governo. A intervenção reorganizou as finanças e impulsionou o desenvolvimento da nação. Os americanos impuseram uma nova constituição e se comprometeram a respeitar a soberania do país. Seguiram-se sucessivos governos da elite mulata. A presença das tropas americanas parecia impedir a guerra civil, porém não puderam conter a constante oposição dos nacionalistas. Em 1934, os EUA retiraram suas tropas e, em 1941, abdicaram do controle alfandegário.

Em 1946, uma rebelião popular derrubou o presidente mulato Lescot, levando ao poder o negro Estimé, que foi destituído por um golpe militar liderado por Magloire em 1950. Durante o governo de Magloire, foi promulgada uma nova constituição que, pela primeira vez, deu ao povo haitiano o direito de eleger diretamente o presidente. Magloire, porém, decidiu perpetuar-se no poder com o apoio do exército, o que provocou uma violenta reação popular, resultando na renúncia do presidente. Segue-se novo período de instabilidade: nos nove meses seguintes à queda de Magloire, o Haiti conheceu sete governantes diferentes. Finalmente, em 1957, após eleições de validade duvidosa, foi eleito o médico negro François Duvalier.

Um dos períodos mais conturbados da história do Haiti teve início quando François “Papa Doc” Duvalier, como também era chamado, foi eleito presidente da nação, instalando um regime ditatorial baseado na repressão militar que perseguiu muitos opositores, inclusive a Igreja Católica, torturando-os e assassinando muitos deles. Sua guarda pessoal, denominada ‘bichos papões’, era responsável pelos massacres. Apoiado no vodu, Papa Doc foi morto em 1971, após ter conseguido que seu filho fosse declarado seu sucessor.

Seu filho Jean Claude Duvalier, também conhecido como Baby Doc, assumiu o poder aos 19 anos e deu continuidade ao regime de terror imposto pelo pai. O regime dos Duvalier, que durou até 1986, e foi marcado por sistemáticas violações aos direitos humanos. Centenas de prisioneiros políticos foram detidos em uma rede de prisões conhecidas como "triângulo da morte", e morreram em decorrência de maus tratos ou vítimas de execuções extrajudiciais. O governo de Duvalier repetidamente fechou jornais e estações de rádio independentes. Jornalistas foram espancados, em alguns casos até torturados, presos, e forçados a deixar o país.

Em 1986 Baby Doc foi deposto por um golpe militar. Os militares que assumiram o poder sucederam-se no governo por vários anos, em uma série de governos provisórios. Em 1987, uma nova constituição foi feita e, em dezembro de 1990, Jean-Bertrand Aristide foi eleito com 67% dos votos. Porém, poucos meses depois Aristide foi deposto por um novo golpe militar e a ditadura foi restaurada no Haiti. Em 1994, Aristide retornou ao poder, novamente com auxílio dos Estados Unidos. Porém, mesmo com um governo democrático, Aristide não conseguiu melhorar a vida da população, que vive em condição de miséria, vivendo com menos de um dólar por dia. Em dezembro de 2003, Aristide fugiu para a África e o Haiti, desde fevereiro de 2004, sofre intervenção de forças militares da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo o Brasil o país responsável pelo processo de pacificação no território.

O Haiti é a nação economicamente mais pobre das Américas e possui problemas socioeconômicos semelhantes aos de algumas nações africanas: os serviços de saneamento estão presentes apenas em uma pequena parcela dos domicílios, a população subnutrida corresponde a 58% do total, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é baixo, 45% dos habitantes são analfabetos, entre outros fatores. A economia nacional é pouco desenvolvida e se baseia em atividades primárias. O principal produto de exportação é o açúcar, o país também cultiva manga, banana, milho, entre outros. Esse segmento da economia emprega a maioria dos haitianos.

De acordo com pesquisas da ONU, somente 19% dos domicílios haitianos tem acesso a rede sanitária e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país é 0,404. Como comparação, o IDH do Brasil em 2011 era 0,718.

Tendo em vista este histórico conturbado, o Haiti não estava preparado para o terremoto que o atingiu, e não foi capaz de se recuperar imediatamente. Além da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH), que auxilia o país desde 2004, foram prometidos, por vários países, valores exorbitantes para ajudar a reconstruir o país. De acordo com o jornal The Guardian21 os países que prometeram as maiores somas para reconstrução foram a Venezuela e Estados Unidos, conforme se pode inferir do gráfico 1.

Embora tenham prometido valores que, juntos, perfaziam mais de US$ 1,8 bilhão, o valor efetivamente aplicado foi somente 24% pela parte da Venezuela e 30% por parte dos Estados Unidos. O Brasil, por outro lado, ofereceu US$ 163,6 milhões para ajudar na reconstrução do país, além de apoio do exército brasileiro. Até o momento, o país já entregou US$ 113,5 milhões de todo o valor prometido.Em relação ao direcionamento deste capital, 1% dos valores totais arrecadados foi endereçado ao governo do Haiti, 34% foi oferecido para organizações de ajuda ligadas aos governos dos países doadores e 25% foi remetido para ONGs.

Gráfico 1: Ajuda prometida e entregue para a reconstrução do Haiti

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Fonte: Jornal ‘The Guardian’22.

Muitos dos habitantes haitianos, diante da situação desesperadora que lhes atingia, sem abrigo, água e alimento, decidiram se deslocar daquele país para outros que, a seu ver, lhes dariam condições mais dignas de vida.

4.2. Perfil dos deslocados haitianos

Estima-se que, após o terremoto, o fluxo de haitianos direcionados ao Brasil tenha passado de quase inexistente para aproximadamente quatro mil migrantes ao ano. O Brasil se tornou o segundo maior destino de migrantes haitianos, atrás apenas dos Estados Unidos. Os deslocados haitianos aportam ao Brasil fazendo um longo caminho que chega a durar até quatro meses. A primeira parte do percurso é por via aérea, onde o deslocado faz escalas na República Dominicana, Panamá, Equador e Peru. Ao chegar neste último país, fazem um percurso que pode ser terrestre ou fluvial até Tabatinga, no Amazonas, ou Assis Brasil e Braziléia, no Acre. Há uma pequena parcela dos migrantes que se desloca do Peru à Bolívia e, lá, chega ao Brasil por Corumbá, no Mato Grosso. Segundo os migrantes, muitos são lesados pelos chamados ‘coiotes’, que são responsáveis pela organização de grande parte do deslocamento, e que chegam a cobrar até quatro mil dólares no trajeto.(COSTA, 2012, inf.pess.)23

Esta entrada clandestina, na opinião de Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, Procurador da República do Estado do Acre24, é propiciada pela ausência de uma política oficial do governo brasileiro consistente em formalizar o amparo legalizado de haitianos pelo Brasil. Sem um caminho formalizado e adequado, os haitianos caem na clandestinidade e passam a ser vítimas potenciais de toda espécie de criminalidade.

A maioria dessas pessoas segue um longo e desgastante caminho para chegar até o Brasil, o que debilita ainda mais suas condições físicas e psicológicas, além de agravar seu estado de vulnerabilidade. No mapa 1 é possível verificar as principais rotas percorridas pelos deslocados haitianos para chegar ao Brasil.

Vale ressaltar que o Brasil não é o destino específico dos haitianos. De acordo com o Padre Gelmino Costa(2012, inf.pess.), a primeira opção dos haitianos são os Estados Unidos, que abrigam aproximadamente dois milhões de haitianos, sendo 27 mil no Estado da Flórida. O motivo para esta prioridade é o salário que, nos EUA, é um pouco maior. Alguns migrantes haitianos também chegam ao Brasil após haverem tentado se estabelecer no Equador, porém saíram de lá pelo pouco oferecimento de trabalho, temperatura muito baixa e o alto índice de racismo.

Mapa 1: Principais rotas do fluxo migratório de haitianos para o Brasil

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Fonte: Brasil, haitianos e os desafios da Lei de Migrações, 201225.

Assim que chegam ao Brasil, a primeira ação que os deslocados haitianos realizam é solicitar refúgio perante a Polícia Federal. Após alguns dias, é fornecido ao migrante um protocolo confirmando que a sua solicitação será analisada pelas autoridades brasileiras e, no máximo em seis meses, haverá uma decisão sobre o caso. Com este documento, os haitianos normalmente se deslocam para Manaus, no Amazonas e, uma vez chegando à capital, buscam auxílio junto à Pastoral do Imigrante, na Paróquia de São Geraldo, e são orientados a providenciar Carteira de Trabalho e Comprovante de Pessoa Física (CPF).

Como explicado anteriormente, a solicitação de refúgio é analisada pelo CONARE, que avalia o amparo legal para a concessão do refúgio. A demanda é, na sua maioria, negada, por se tratar de uma situação onde a maior razão alegada relaciona-se às consequências do terremoto de janeiro de 2010, situação esta que não se enquadra na definição de refúgio da Convenção de 1951. No entanto, considerando a vulnerabilidade por que passam estes haitianos, agravada pelo terremoto e pelo surto de cólera que assolou o país26, o CONARE encaminha a documentação para o CNIg , que faz uma avaliação sobre a possibilidade de concessão de visto de permanência no Brasil, dentro das normas do CNIg.

Ao avaliar o primeiro conjunto de solicitações, o CNIg entendeu que, no caso dos haitianos, haveria suficientes elementos que permitiriam a concessão do visto de permanência aos haitianos, por razões humanitárias, com base na Resolução Normativa n. 27, de 1998, que disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo CNIg. Conforme afirma o artigo 1º da Resolução:

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Art. 1º Serão submetidas ao Conselho Nacional de Imigração as situações especiais e os casos omissos, a partir de análise individual.

§ 1º Serão consideradas como situações especiais aquelas que, embora não estejam expressamente definidas nas Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do visto ou permanência.

§ 2º Serão considerados casos omissos as hipóteses não previstas em Resoluções do Conselho Nacional de Imigração.27

O CNIg, com este procedimento, regularizou a situação de 379 haitianos até o fim de 2011.De acordo com dados do CNIg28, 434 deslocados haitianos solicitaram refúgio entre 19 de janeiro de 2010 e 27 de fevereiro de 2011 e que, após terem seus pedidos negados, tiveram seus processos encaminhados ao CNIg. Este número corresponde, vale ressaltar, a uma ínfima parcela dos aproximadamente quatro mil migrantes haitianos e, por isso, não devem ser considerados como válidos para todo o universo de haitianos atualmente no Brasil.

Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos e grande defensora da causa dos refugiados, em entrevista ao site Mundo Sustentável29, afirmou que até 23 de dezembro de 2011, o CONARE recebeu 3.396 solicitações de refúgio por parte dos haitianos. Segundo a diretora, haveria, ainda, quase dois mil haitianos na fronteira do Brasil aguardando para formalizar seus pedidos de refúgio.

Segundo o CNIg, de todas as 434 solicitações de refúgio retro- mencionadas, 95,5% foram apresentadas na Região Norte, sendo 58% dos pedidos realizados no Amazonas e 36,6% realizados no Acre. O tempo em que os migrantes levaram para realizar todo o percurso até o Brasil varia de menos de uma semana a 26 meses.

Gráfico 1: Faixa etária dos deslocados haitianos no Brasil

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Casos analisados: 434

Fonte dos dados: Conselho Nacional de Imigração- 201130

A idade destes solicitantes de refúgio varia de 18 a 62 anos, sendo que a grande maioria destes solicitantes tem entre 28 e 32 anos, seguida pelos solicitantes de 23 a 27 anos, mostrando que a maior parte destes deslocados é jovem. Há um número mínimo de migrantes acima de 47 anos, e não houve requisição de refúgio por menores de 18 anos. Pode-se analisar melhor estas pesquisas ao visualizar o gráfico 1.

Em relação ao nível de instrução, percebe-se que aproximadamente 60% deles concluíram o Ensino Fundamental e 12,7% deles concluíram o Ensino Médio. Quanto ao Ensino Superior, percebe-se que os que o iniciaram somados aos que o concluíram somam 7,9 dos migrantes.

Gráfico 2: Deslocados haitianos segundo nível de instrução

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Casos analisados: 434

Fonte: CNIg, 2011.31

Foi perguntado aos migrantes, também, em qual setor de ocupação estavam inseridos no Haiti. Da leitura do gráfico, é possível perceber que a maior parcela dos solicitantes trabalhava na Construção Civil, seguida dos Serviços e Comércio.

Gráfico 3: Setor Ocupacional Originário dos Deslocados Ambientais

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Casos analisados: 434

Fonte: CNIg, 2011.32

Em relação aos municípios de naturalidade dos solicitantes de refúgio, temos como principais pontos, além de Porto Príncipe, a capital, as cidades de Croix de Bouquets, Dessalines e Gonaives.

Mapa 2: Municípios de naturalidade dos deslocados haitianos

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Casos analisados: 434.

Fonte: Migración en la Frontera Norte de Brasil: flujos e nuevas redes-201133.

Vale ressaltar que a cidade de Gonaives, como muitas outras que originaram migrantes para o Brasil, situa-se fora da área atingida pelo terremoto de 2010. Porém, não foi registrada pela pesquisa a informação sobre a cidade onde os solicitantes de refúgio efetivamente moravam, não sendo possível saber se houve ou não alguma migração interna por parte dos solicitantes de refúgio.

4.3. Posicionamento brasileiro perante os deslocados haitianos

A situação lamentável pela qual os deslocados haitianos passam no Brasil é agravada pela conduta omissiva por parte da Administração Pública, visto que os custos do apoio humanitário prestado aos haitianos vêm sendo arcados quase que exclusivamente da própria comunidade. De acordo com o Padre Gelmino Costa, pároco da Paróquia de São Geraldo, ligado à Pastoral do Migrante, a Administração Municipal não contribuiu em nada para ajudar na alimentação e habitação dos migrantes. A Administração Estadual ofereceu 600 colchões, alimentos e 26 mil reais em viagens ao município de Tabatinga, para ajudar nos transportes dos deslocados haitianos. A Administração Federal, que havia prometido ajudar a custear os valores de aluguéis de casarões para a moradia provisória dos deslocados, bem como kits de saúde e higiene, contribuiu apenas com poucos valores. Nas palavras do Padre, “prometeu-se pouco e fez-se menos ainda”.

Segundo ele, foram arrecadados em doações aproximadamente 400 mil quilos em alimento, o que auxiliou os haitianos a sobreviverem em um primeiro momento. Além disso, foram oferecidos alguns cursos de português pelo CETAM e SENAI, o que possibilitou que alguns deslocados, após algumas aulas, ingressassem no mercado de trabalho. Para o Padre, a maior dificuldade em relação aos agora migrantes é a pouca oferta de emprego fixo, o que dificulta a possibilidade dos migrantes se sustentarem sozinhos. Porém, ele diz que a situação tende a mudar, tendo em vista que aproximadamente 1500 migrantes haitianos legais já se deslocaram de Manaus para cidades como Pato Branco, no Paraná, com emprego e moradia.

A situação no Estado do Acre é um pouco diferente. De acordocom Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, o Estado do Acre teria gasto, até dezembro de 2011, mais de seiscentos mil reais em sua busca de ajudar os haitianos, sem ajuda da União Federal.

Nas palavras do Procurador, “Os haitianos buscam no país proteção, sobrevivência e oportunidade de trabalho, sendo que a demora no registro e apreciação do pedido de refúgio inviabilizava o reconhecimento dos direitos a eles conferidos pelo arcabouço jurídico brasileiro e, por consequência, a possibilidade de retomada do curso normal de suas vidas, mesmo fora de seu país de origem”.

Perante a pressão tanto social interna quanto internacional, o Governo Brasileiro decidiu tomar uma atitude em relação à migração haitiana. No dia 12 de janeiro de 2012, foi publicada a Resolução Normativa n. 97, editada pelo CNIg, que regula a concessão de um visto humanitário aos haitianos, porém com o fechamento das fronteiras para os migrantes ilegais. A resolução informa que:

Art. 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16. da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos termo do art. 18. da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro.

Parágrafo único. Considera-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes de agravamento de condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010.

Art. 2º O visto disciplinado por esta Resolução Normativa tem caráter especial e será concedido pelo Ministério das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Porto Príncipe.

Parágrafo único. Poderão ser concedidos até 1.200 (mil e duzentos) vistos por ano, correspondendo a uma média de 100 (cem) concessões por mês, sem prejuízo das demais modalidades de vistos previstas nas disposições legais do País.34

Pode-se inferir da leitura que, embora o Governo Federal tenha decidido efetuar um apoio humanitário aos haitianos que se encontram no território nacional, a política de recebimento destes deslocados foi alterada drasticamente, de forma que a entrada de novos imigrantes haitianos, atualmente, está condicionada à apresentação de visto, negando a estes a possibilidade de solicitar refúgio. Desta forma, o haitiano que agora ingressar no Estado Brasileiro sem o visto humanitário estará condicionado à deportação.

Seguindo esta nova política imigratória, a Polícia Federal fechou as fronteiras brasileiras, impedindo a entrada de migrantes haitianos que, após uma longa viagem para chegar ao Brasil, se encontraram encurralados entre o Brasil e o Peru, tendo em vista que este país, no início de 2012, também tornou a entrada de haitianos condicionada à apresentação de visto.

Pode-se perceber, então, a modificação da política brasileira ante a entrada mais quantitativa de haitianos no país. Como nos informa Anselmo Henrique Cordeiro Lopes:

O grande problema retratado pelo Ministério Público Federal em seu inquérito civil era a falta de assistência humanitária aos refugiados haitianos pela União e a demora na expedição dos documentos legais. Com a alteração da política humanitária promovida pelo Governo Federal a partir de janeiro de 2012, determinou-se um corte temporal que discrimina a população haitiana entre aqueles que conseguiram ingressar no território brasileiro até 12 de janeiro de 2012 e aqueles que não haviam, naquele momento, logrado o ingresso. Para os primeiros, o Estado brasileiro prometeu um auxílio humanitário (moradia provisória, comida, água e serviços básicos de saúde) e a legalização de suas permanências no Brasil e, para os demais, determinou um endurecimento de tratamento, com fiscalização das fronteiras para impedir o ingresso de novos haitianos, com ameaças de deportação e com a limitação da expedição de vistos para haitianos, até o limite anual de 1.200 vistos. (2012, p. 13)35

A política americana em relação às pessoas provenientes do Haiti vem sendo um pouco distinta da brasileira. Enquanto o governo nacional, mesmo que de forma branda, auxilia a integração dos deslocados no país ou pelo menos os torna migrantes legais, o governo americano, o maior destino dos deslocados haitianos, ao capturar os migrantes haitianos ilegais em seu país, os deporta para o Haiti.

Após críticas da comunidade internacional, o Presidente Obama afirmou, em inúmeras entrevistas, que a política de sua administração seria priorizar as deportações de criminosos perigosos, apenas, para o Haiti. Porém, segundo pesquisas do Florida Center for Investigative Reporting36, um em cada dois haitianos abordados pelo governo americano não foram condenados por crimes nos Estados Unidos.

Segundo dados do Centro de Investigações, a Agência Americana para Imigração e Alfândega deportou, coercitivamente, 514 imigrantes de volta ao Haiti desde que iniciou suas deportações em janeiro de 2011.

Em resposta a questionamentos a respeito da possível caracterização dos deslocados haitianos como refugiados ambientais por parte da Organização Conectas Direitos Humanos, o Dr. Renato Zerbini Ribeiro Leão, Coordenador- Geral do CONARE, expediu o Ofício nº 042/CONARE/201237, informando à citada organização, bem como à sociedade em geral, os motivos para não considerar esta possível designação de refugiados aos haitianos.

Em relação à concessão do refúgio, o Coordenador afirmou que a obrigação pátria com relação ao refúgio provém, majoritariamente, da Convenção de 1951, bem como do Protocolo de 1967, somados à Lei n. 9.474/97. Conforme o Ofício:

Em que pese a precariedade da situação objetiva do Haiti, que se arrasta até os dias atuais, milhares de haitianos continuam a viver em abrigos, contando com a comunidade internacional para a reconstrução do país. Entretanto, à luz do direito internacional dos refugiados, o atual drama humanitário do Haiti, fincado em pilares naturais e econômicos, não é capaz de levar aos haitianos a serem reconhecidos como refugiados. Eis que nem a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e tampouco o seu Protocolo de 1967 estabelecem os desastres naturais e/ou dificuldades econômicas como fatores capazes de ensejar o refúgio. (...) No caso dos cidadãos haitianos o Estado brasileiro arquitetou uma proteção jurídica complementar de viés humanitário. Posição essa, alias, muito elogiada pelo ACNUR.

O Coordenador afirma, ainda, que a Lei n. 9.474/97 não contempla, também, a possibilidade de reconhecer um refugiado em decorrência de desastres naturais ou problemas econômicos. Para ser reconhecido como refugiado no Estado Brasileiro, é necessário que o solicitante apresente fundado temor de perseguição causado por seu Estado de origem ou seja nacional de um Estado que apresente uma grave e generalizada violação dos direitos humanos. Nas palavras do Coordenador, “todos os casos resolvidos pelo CONARE materializam, em maior ou menor grau, a importância crucial da perseguição materializada e/ou o fundado temor de perseguição consubstanciado por parte do solicitante para a concessão de refúgio face à Lei n. 9.474/97”.

Segundo o entendimento do CONARE, o conceito de grave e generalizada violação de direitos humanos alavanca-se em consequência das condições clássicas de inclusão previstas na elegibilidade do refúgio. À luz da prática jurisprudencial do CONARE este conceito possui, para sua materialização, três relevantes condições especialmente consideradas:

1) A total incapacidade de ação ou mesmo a inexistência de entes conformadores de um Estado Democrático de Direito, como podem ser as instituições representativas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de um Estado qualquer. Ou seja, a dificuldade mesmo em se identificar a existência de um Estado, tal qual conceituado pelo direito internacional público, em um território específico. 2) a observação naquele território da falta de uma paz estável e durável. 3) o reconhecimento, por parte da comunidade internacional, de que o Estado ou território em questão se encontra em uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos. (2010, p. 89)

Em relação à possibilidade de aplicação de ‘refugiado’ a todo aquele que, devido a grave e generaliza da violação dos direitos humanos, é obrigado a deixar seu país para buscar refúgio em outro, segundo o Coordenador:

A possibilidade de aplicação do inciso III, do artigo primeiro da Lei n. 9.474/97, no caso dos haitianos, foi e é discutida pelos membros do CONARE desde as primeiras solicitações de refúgio por parte de haitianos atingidos pelo terremoto de janeiro de 2010. Por isso, a finais de 2011, o plenário do CONARE é firme em sua opinião da não inclusão dos solicitantes haitianos na condição de refugiados à luz dos três incisos do artigo primeiro da Lei brasileira de refúgio38.

Tendo em vista o acima explicado, o Coordenador afirma que as situações mencionadas pelos haitianos, quando da solicitação de refúgio, não se enquadram nas cláusulas clássicas de inclusão do refúgio. Ainda assim, cada solicitação individual de refúgio será particularmente analisada, tendo em vista que o CONARE defere a solicitação de refúgio de forma particular, valendo-se da situação e percurso de cada solicitante.

A decisão do CONARE em não caracterizar os deslocados provindos do Haiti como refugiados foi tanto aplaudida quanto, em bem maior grau, condenada. As opiniões, que se confrontam, são fundamentadas em diversos motivos.

Os motivos que levam autores e até mesmo membros da sociedade em geral a concordar com o posicionamento do CONARE são variados. Como analisado no capítulo anterior, muitos autores temem que, ao ampliar-se o conceito de refugiado para abarcar, também, os refugiados ambientais, possa-se diminuir o valor e a efetividade deste instituto, não só porque será necessário repartir verbas já diminutas com este novo tipo de refúgio, mas também pela inclusão de um grande numero de pessoas que se enquadram no conceito original de “refugiado ambiental”.

Além desses motivos, há também os problemas que surgem com a chegada de novas pessoas, migrantes ou refugiados, em um local. A estes deslocados será necessário providenciar moradia, um emprego digno, acesso à educação, inclusão nos programas de saúde entre outros. Num país onde a população originária já recebe este tipo de recurso não deve ser difícil incluir os estrangeiros que, no Brasil, só perfazem 1% da população. Porém, num país acometido pela desigualdade social, grande parte da população pensa que é injusto ajudar um estrangeiro antes dos nacionais. De acordo com PENTINAT:

Os refugiados chegam muitas vezes a locais de baixa oferta e frágeis, colocando demandas que contribuem para os problemas existentes. Assim, a presença permanente de grandes massas de refugiados em áreas urbanas e rurais dos países em desenvolvimento submete à economia e ao meio ambiente dos países consideráveis?? pressões sociais e possíveis conflitos com populações locais acolhedoras dos refugiados. (2011, p. 23)39

Muitos são, também, os motivos que levam segmentos da população a discordarem do posicionamento do CONARE. O primeiro e mais marcante motivo está relacionado à dignidade humana. Vale lembrar que o ser humano, independente de sua condição, deve ter reconhecida sua dignidade humana, que não somente é fundamento da República, mas também de todos os direitos humanos. Este princípio visa resguardar a intangibilidade da vida do indivíduo, retirando-se daí, também, o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a existência de pressupostos materiais mínimos para viver e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade, independente da nacionalidade.

Carlos B. Vainer é da opinião que:

No mundo no qual parece se aproximar a realização plena da utopia neoliberal, muitos milhões são os deslocados compulsórios, os reassentados, os refugiados e repatriados e deportados, os expulsos e clandestinos. Proibidos de ficar, confinados, interditados de entrar, obrigados a sair, eles nos dizem da natureza perversa da liberdade operada sob a hegemonia da globalização contemporânea: o mundo desterritorializado e sem fronteiras de uns é o mesmo mundo territorializado e guetificado de outros. Entre estes dois mundos, regulando suas relações e controlando seus conflitos e confrontos, os Estados que, através de suas múltiplas agências, locais e multinacionais, se fazem mais presentes do que nunca (2001, p. 182).

É cristalino perceber que a dignidade humana não pode ser reconhecida apenas aos indivíduos nacionais. Se todos os seres humanos têm o mesmo valor e a mesma dignidade, todos eles devem ter plenamente reconhecido um núcleo básico de idênticos direitos, os quais devem ser gozados independentemente da nacionalidade ou de qualquer outra característica pessoal do indivíduo. Tais direitos básicos são justamente os direitos humanos, que devem ser dotados de universalidade subjetiva. Considerando a universalidade subjetiva, um direito não deve ser garantido pelo Estado somente a seus nacionais, mas a todos que se encontram, mesmo que momentaneamente, sujeitos a seu poder soberano. Não é cabível que haja uma distinção entre nacionais e internacionais em relação aos direitos humanos.

Entre os direitos humanos reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, encontram-se o direito à vida, à liberdade, de acesso ao trabalho, à moradia, alimentação e vestimenta adequadas, entre outros. Estes direitos, por serem direitos humanos, devem ser respeitados pelo Estado em relação tanto aos seus nacionais como aos estrangeiros localizados em seu território, não importando se lá ingressaram legal ou ilegalmente. Desta forma, percebe-se que não é discricionariedade do Estado, e sim um dever, decidir se deve ou não respeitar os direitos humanos dos migrantes haitianos localizados no Brasil, tendo em vista que a soberania brasileira não pode ultrapassar o conteúdo da Carta Magna e das normas de direitos humanos. Nas palavras de Anselmo Henrique Cordeiro Lopes:

Os migrantes haitianos que se encontram no Brasil, pelo mero fato de serem pessoas, merecem a proteção de todos os direitos humanos. E ainda, por estarem fisicamente no Estado Brasileiro, merecem sua proteção, (...) hajam ou não adentrado o território nacional de forma documentada e legal. (2012, p. 17)

O Procurador afirma, também, que o reconhecimento como refugiado só é relevante para o haitiano que se encontra fora das fronteiras brasileiras e pleiteia sua entrada no país como refugiado.

Como anteriormente mencionado, a garantia do refúgio e da proteção dos refugiados remete ao início da construção moderna da estrutura jurídica para a proteção de direitos humanos. Até pouco tempo atrás, entendia-se que a maior ameaça aos direitos humanos básicos residia nas situações de conflito militar e de distúrbio político. Dessa forma, numa busca de proteger as pessoas ameaçadas por essas situações especiais, concebeu-se o chamado Direito Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. Vale ressaltar que o espírito da Convenção de 1951, que trata sobre os refugiados, não foi dirimir a perseguição propriamente dita, mas amparar os indivíduos vítimas da crise humanitária decorrente de tal violação.

Naquele contexto histórico não se havia uma grande preocupação com o meio ambiente e com as consequências de sua destruição, pois não havia, na época, a alteração climática que ocorre hoje. O grande risco que os grupos humanos passaram a sofrer em razão de catástrofes naturais começou a ocorrer em razão das mudanças climáticas globais associadas a problemas regionais sociais, econômicos e políticos. Não se atentou naquele contexto, portanto, para o chamado refúgio ambiental.

Como explicado, o refúgio não é um instituto isolado no plano do Direito Internacional, mas deve ser compreendido como instrumento para efetivação dos direitos humanos. De acordo com a legislação brasileira, portanto, paralelo ao ‘refugiado político’, encontra-se o refugiado de grave e generalizada violação de direitos humanos. Essa ampliação do conceito denota a proteção ampla de direitos humanos no Brasil.

O caso dos Haitianos que migram ao Brasil é um exemplo nessa possível ampliação do conceito de refúgio. Diante de tanta pobreza e caos, causados pelos constantes golpes de Estado e pela catástrofe natural em 2010, a maior parte da população haitiana passou a se ver privada do efetivo gozo de seus direitos humanos mais primários, como à alimentação, à água potável, à moradia digna, à saúde, etc.

Assim, considerando que os haitianos não estão migrando para o Brasil por outro motivo que não a extrema necessidade de buscar uma vida mais digna, de fugir de uma situação de absoluta privação dos direitos humanos mais básicos, que representa uma “grave e generalizada violação de direitos humanos”, não é possível deixar de reconhecer a condição de refugiados desses migrantes.

Conforme a opinião do Procurador (2012, p. 22), “ao conceder ‘vistos humanitários’ aos haitianos, o Governo Brasileiro teve como objetivo mascarado impedir a entrada de haitianos no Brasil e reconhecer seu status de refugiados”.

Omar Ribeiro Thomaz e Sebastião Nascimentocorroboram com esta opinião, ao afirmar que:

Vozes oficiais insistem que estipular um limite de cem vistos mensais e vedar a entrada legal para os que estão na região seriam medidas humanitárias. Poucos conseguiram entender o raciocínio tortuoso que tenta transformar restrições em benesses. Sem qualquer novidade, requenta-se a política histórica de cerceamento à imigração oriunda de determinados países ou regiões. O limite foi estabelecido ao sabor do arbítrio. Ele não se apoiou em qualquer avaliação da demanda por mão de obra ou do tamanho da dinâmica da diáspora haitiana. (2012, p. 22)40

Não é necessário refletir por muito tempo para perceber que a migração haitiana é uma realidade que não irá ser estancada por meio de uma tentativa de fechamento das fronteiras pelo Brasil. Considerando-se a extensão da fronteira brasileira, não é possível crer que o Governo Brasileiro consiga eliminar a migração haitiana em razão de um simples ato de vontade política, especialmente se tomamos como comparação os Estados Unidos, um país com elevado grau de desenvolvimento e com fronteiras muito bem guardadas, mas que possui um elevado número de migrantes ilegais. Os haitianos, inevitavelmente, continuarão ingressando no Brasil, porém a política de marginalização dos haitianos implicará no aumento da vulnerabilidade desses refugiados, que passarão a ser obrigados a viver na clandestinidade no território brasileiro. Tal resultado é uma grave ameaça aos direitos humanos dos haitianos, uma vez que tal vulnerabilidade é fator que propicia diversas formas de exploração dos seres humanos.

Como afirmam MILESI e CARLET:

Se impõe como desafio atualíssimo formular políticas públicas pautadas por uma visão holística, capazes de garantir os direitos dos migrantes e refugiados através da incorporação das múltiplas dimensões da realidade migratória, tais como trabalho, seguridade social, saúde, educação, gênero, combate ao racismo, participação política, direito à diversidade entre outros. (...) É necessário estabelecer mecanismos que efetivem os direitos econômicos, sociais e culturais já reconhecidos na Constituição Brasileira e nos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos. (2007, p. 136-137)

Adotar uma postura frente às mudanças climáticas a partir do ponto de vista dos direitos humanos com base no princípio da dignidade inerente à pessoa implica que a cifra total de deslocados não seja o único que importa. Cada pessoa que se vê obrigada a abandonar seu lar contra sua vontade deve receber uma solução que respeite seus direitos, proteja-os e, se necessário, cumpra-os segundo reconhece a legislação internacional em matéria de direitos humanos.

Milhões e milhões de pessoas perderam e perdem diariamente suas casas devido a desastres naturais. Infelizmente, são poucos os que viram seus direitos respeitados, os que se beneficiaram com uma melhoria lenta e gradual de sua moradia e condições de vida depois de cessada a situação que provocou seu deslocamento. Segundo LECKIE (2010, p. 82), a história revela que o tratamento que a maioria dos países dispensa às vítimas quanto ao seu direito à moradia, à terra e à propriedade, nestes deslocamentos, é muito deficiente.

Por tais razões, torna-se necessário reconhecer que a legalização dos migrantes haitianos, por meio da condição jurídica de ‘refugiados’, é algo importante até mesmo para o interesse dos próprios nacionais brasileiros, tendo em vista que se baseia nos seus ideais de igualdade e fraternidade.

Têm sido tomados vários esforços no sentido de auxiliar e impelir a regulamentação dos refugiados ambientais. Entre eles destaca-se a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal do Estado do Acre, na pessoa do Procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, instaurada a partir do Inquérito Civil n. 1.10.00.000134/2011-90, destinado a acompanhar o tratamento dispensado pelas autoridades administrativas competentes aos haitianos que se encontram no Brasil, visando garantir o respeito aos seus direitos fundamentais. Atualmente, o processo corre em segredo de justiça.

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Sobre a autora
Anne Paiva de Alencar

Advogada Criminal, Professora de Direito e Legislação Ambiental, Advogada Dativa da Justiça Federal- Seção Judiciária do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Anne Paiva. Análise da condição jurídica dos caracterizados refugiados ambientais do Haiti no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3694, 12 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24288. Acesso em: 5 nov. 2024.

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