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O tributo oculto na contraprestação de serviços de uso compulsório: uma análise do serviço de saneamento básico

07/05/2013 às 09:42
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É inconstitucional a remuneração de serviço de saneamento básico mediante um tributo oculto, instituído à margem da lei, pelo Poder Executivo. Trata-se, em essência, de taxa, e não de tarifa, pois o serviço é de utilização compulsória.

Resumo: O presente estudo aborda qual a natureza jurídica do valor cobrado pelos serviços de saneamento básico, questionando a possibilidade de serem cobrados mediante taxa ou tarifa.


INTRODUÇÃO

Os serviços públicos são patrimônio de toda a coletividade, sendo sua atividade instrumento para satisfação dos direitos fundamentais do homem, diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana, cujo fundamento se encontra no art. 1? da nossa Carta Magna.

O  Poder Público cobra o uso de serviços de uso compulsório, entre eles, o serviço de saneamento básico, denominando tal cobrança de tarifa.

Ao analisar a natureza jurídica das taxas e tarifas, questiona-se a remuneração mediante tarifa do serviço de uso compulsório de saneamento básico como uma configuração de um tributo oculto, considerando a compulsoriedade na sua utilização e sua constitucionalidade.

Assim, da maneira em que são cobrados tais serviços, o Estado se vale de sua soberania, impondo uma prestação que deveria ser declarada inconstitucional.


1. O SERVIÇO PÚBLICO

A Constituição Federal, em seu artigo 175, dispõe expressamente que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos.

Diversos são os conceitos de serviço público, uma vez que doutrinadores concordam não ser fácil conceituar o que vem a ser efetivamente um serviço dito público, uma vez que apresenta vários aspectos diferentes entre os elementos que o compõem.

Alguns autores adotam o conceito amplo de serviço público, enquanto outros preferem adotar o conceito em sentido estrito. Todavia, nas duas hipóteses de conceituação combinam-se três elementos para a definição: o elemento orgânico, formal e material.

O elemento orgânico ou subjetivo é aquele pelo qual o serviço público é prestado pelo próprio Estado, conforme expresso no art. 175 da Carta Magna, diretamente, por meio dos órgãos públicos, ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão.

O critério formal é, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello,

[...] aquele que confere caráter jurídico à noção (elevando-a do mundo dos fatos ao mundo do direito): estar submetido a uma específica disciplina de direito público, que (...) se caracteriza pela existência de prerrogativas e sujeições específicas, instituídas umas e outras para a proteção dos interesses da coletividade substanciados nos serviços em apreço (MELLO, 2009)

Por fim, tem-se o elemento material, que visa definir o serviço público por seu objeto, ou seja, a atividade de interesse coletivo. A respeito deste último elemento, há unanimidade entre os doutrinadores em afirmar que o serviço público corresponde em atividade de interesse público. Eis o enfoque dado por CARVALHO FILHO (2007, p. 280): “Serviço público seria aquele que atendesse direta e essencialmente à comunidade”.

Segundo ALEXANDRINO e PAULO (2008, p. 564),

[...] o Brasil, segundo entendimento doutrinário dominante, filia-se à corrente formalista, vale dizer, em nosso país, a atividade em si não permite decidirmos se um serviço é ou não público, uma vez que há atividades essenciais, como a educação, que são exploradas por particulares sem regime de delegação, e há serviços totalmente dispensáveis, a exemplo das loterias, que são prestados pelo Estado como serviço público.

O mesmo autor traz à baila a definição de serviço público, conceituando-o como

[...] toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado o por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor de interesses que houver definido como próprios no sistema normativo (MELLO, 2005, p. 628).

Os serviços públicos propriamente estatais são serviços em cuja prestação o Estado atua no exercício de sua soberania. São indelegáveis e só podem ser remunerados por taxa (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 566).

Mister distinguir os serviços públicos não propriamente estatais, os que são apenas de utilidade pública e os que são essenciais ao interesse público. Os de utilidade pública são aqueles teoricamente prescindíveis, como o serviço postal, por exemplo. Já os serviços públicos essenciais ao interesse público são os absolutamente imprescindíveis, como os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Estes “são prestados no interesse da comunidade, remunerados mediante taxa, que incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do serviço, desde que, nesta última hipótese, haja lei que defina o serviço como de utilização compulsória” (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 567).

Ainda, os autores supracitados classificam os serviços públicos não essenciais como delegáveis, podendo ser remunerados por preço público (2008, p. 567).

Quanto à sua forma de fruição, a doutrina costuma a classificar os serviços públicos em duas categorias: em serviços uti singuli e serviços uti universe.

Os serviços uti singuli são os serviços que têm usuários determinados, sendo possível a mensuração do quantum que foi utilizado, como por exemplo, serviço de água e esgoto, de energia elétrica e telefone. “Tais serviços, sob a óptica da utilização pelo usuário, são ditos divisíveis, ou seja, são passiveis de utilização, separadamente, por cada um dos usuários e essa utilização é mensurável” (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 568).

Já os serviços uti universi são os serviços “prestados a grupamentos indeterminados de indivíduos, de acordo com as opções e prioridades da Administração, em conformidade com os recursos de que disponha” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 284), atendendo, desta forma, a coletividade como um todo, não sendo possível mensurar sua utilização, como, a iluminação pública, ou calçamento, por exemplo.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, somente os serviços uti singuli se enquadram no conceito de serviço público. Entendendo de forma contrária, Marçal Justen Filho entende que a forma de fruição, seja esta individual ou coletiva, é comum aos serviços públicos.


2. O SERVIÇO PÚBLICO DE SANEAMENTO BÁSICO

 O conceito de saneamento básico está disposto no artigo 3º da Lei nº. 11.445 de 2007, sendo definido como o “conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas”.

A mencionada lei “estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, bem como a política federal para o setor, possui ampla abrangência, uma vez que integra os sistemas públicos de abastecimento de água e esgoto sanitário, em conjunto com o manejo de águas pluviais e o gerenciamento de resíduos sólidos” ( MILARÉ, 2007, p.606)

O saneamento básico está ligado aos direitos humanos e expressamente reconhecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, em seu artigo 8º, in verbis:

Art. 8?- Os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.

Assim, como o serviço de saneamento básico é um recurso básico e um serviço de saúde, faz parte da realização plena dos direitos humanos, sendo elencado na Constituição Federal com natureza de serviço público.

No que tange ao saneamento básico como serviço público, DINIZ (2007), afirma que:

O serviço de saneamento básico, fato de equilíbrio aos ecossistemas, abrange o fornecimento de elemento vital, imprescindível à perpetuação da vida e crucial ao desenvolvimento das atividades humanas. É prestado para alcançar interesses tutelados pelo Estado – a saúde pública e a sobrevivência digna. É essencial, portanto, à dignidade da pessoa humana e, como tal, é considerado serviço público.

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Ademais, o artigo 2º da Lei 11.445/2007 concebe como princípios fundamentais do serviço de saneamento básico a universalização do acesso e a integridade,

[...] compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados.

A respeito da competência em matéria de saneamento básico, DINIZ (2007) cita Cid Tomanik Pompeu, que sintetiza:

Em saneamento básico, a competência está assim equacionada: a União: elabora e executa planos nacionais e regionais de ordenação do território de desenvolvimento econômico e social e institui diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e  transportes urbanos; o Município: legisla sobre assuntos de interesse local; suplementa a legislação federal e a estadual, no que couber; organiza e presta diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local; e promove, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; o Estado: exerce todas as competências que não lhe forem vedadas pela Constituição, entre as quais estão as não concorrentes ou comuns, cometidas à União e aos Municípios pela mesma Constituição; o Distrito Federal: exerce as competências legislativas reservadas aos Municípios (DINIZ, apud POMPEU, 2006, p.303).

Deste modo, o saneamento básico, ou saneamento ambiental como muitos autores assim o definem, trata-se de um serviço essencial, tendo em vista a necessidade imperiosa de tal serviço por parte da população e sua importância para a saúde e o meio ambiente de toda a sociedade.


-O TRIBUTO OCULTO

O serviço público colocado à disposição do usuário, por mais básico que seja, é essencial para uma vida digna.

Os conceitos de taxa e tarifa não se confundem. Enquanto a tarifa é regida pelo direito privado, a taxa é regida pelo direito público. Destarte, a tarifa é um preço a ser pago voluntariamente, e a taxa é um tributo compulsório.

Tarifa é o valor cobrado para remunerar serviço prestado em regime de concessão ou diretamente, pelo regime de direito privado, tendo como parametros de sua fixação o do equilibrio econômico-financeiro.

De acordo com o art. 145 da Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir taxas, em razão de exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. É inconstitucional a taxa que apresenta em seu antecedente qualquer outra situação que não as suprarreferidas.

Não obstante, deve-se definir o conceito de tributo oculto. Nas palavras de Hugo de Brito, “este é instituido de forma oculta quando o Estado foge inteiramente aos limites consubstanciados no sistema tributário, sendo indiscutivelmente inconstitucional, na medida em que amesquinha visivelmente o direito fundamental de somente ser tributado nos termos da Constituição” (in  MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros.)

A maioria dos Estados e Municípios conferem o caráter tarifário na contraprestação de serviços de uso compulsório pela sua praticidade e comodidade, como ocorre, por exemplo, no setor de águas e de esgoto, unificando a conta de esgotos com a de água.

Deste modo, os serviços de uso compulsório não podem estar submetidos ao regime de direito privado, mas ao regime tributário, devido sua configuração de serviço público de utilização compulsória.

A remuneração desses serviços por meio de tarifa atenta conta os princípios próprios do Direito Tributário, devendo ser considerados inconstitucionais.

A contrapartida dos serviços públicos em geral pode ser a tarifa, mas, excepcionalmente, para os serviços públicos de utilização compulsória a contrapartida deve ser sempre taxa.

Deste modo, só será obrigado a pagar o tributo se este tiver contrapartida na Constituição Federal, que consagra princípios específicos, entre os quais destaca-se o princípio da legalidade, segundo o qual a determinação do valor a ser pago há de ser feita por critérios estabelecidos na própria lei, e não por fixação unilateral do Poder Público.

Tal tarifa, que se considera inconstitucional, é instituida pelo Poder Executivo. Como na realidade é cobrada uma taxa, ao invés de tarifa, a tributação só pode ocorrer com apoio na Constituição, esta que determina que os tributos devem ser instiuidos pelo Poder Legislativo.


- CONCLUSAO

Deverá ser declarada inconstitucional a remuneração de serviço de saneamento básico mediante um tributo oculto, uma vez que o contribuinte só será obrigado a pagar o tributo se este tiver contrapartida na Constituição Federal, que consagra os princípios específicos, entre os quais se destaca o principio da legalidade, segundo o qual a determinação do valor a ser pago há de ser feita por critérios estabelecidos na própria lei, e não por fixação unilateral do Poder Público.

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Sobre a autora
Giselle Leite Franklin

Advogada em Vitória (ES). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho - Universidade Anhanguera - Uniderp. Mestranda em Direito Privado - PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANKLIN, Giselle Leite. O tributo oculto na contraprestação de serviços de uso compulsório: uma análise do serviço de saneamento básico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3597, 7 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24374. Acesso em: 21 nov. 2024.

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