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A constitucionalização do direito de família

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8. PROJETO DE LEI Nº 1.151, DE 1995

Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei.

Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais.

§ 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo:

I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas;

II - prova de capacidade civil plena;

III - instrumento público de contrato de união civil.

§ 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil.

Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas.

Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio comum.

Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá:

I - pela morte de um dos contratantes;

II - mediante decretação judicial.

Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil:

I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;

II - alegando desinteresse na sua continuidade.

§ 1º - As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil.

§ 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido após decorridos 2 (dois) anos de sua constituição.

Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público.

Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes.

Art. 8º É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º.

Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações:

"Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um:

(...)

III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I - o registro:

(...)

35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato.

II - a averbação:

(...)

14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro."

Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990.

Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 16 (...)

§ 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo nos termos da lei.

Art. 17 (...)

§ 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado".

Art. 12 Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 217. (...)

c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei.

(...)

Art. 241. (...)

Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei."

Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do mesmo sexo.

Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994.

Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela.

Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 113. (...)

I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira".

Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário.


9. O PROJETO DO CÓDIGO CIVIL

O Anteprojeto do Código Civil foi encaminhado à Câmara dos Deputados em 1975, sob o número 634-B. É de autoria de uma comissão regida pelo Professor Miguel Reale e integrada pelos juristas José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis de Couto e Silva e Torquato Castro.

Tornou-se Projeto de Lei da Câmara (PLC) sob o número 118/84 e tramita no Senado Federal desde 1984, tendo como relator o então Senador Josaphat Marinho (PFL-BA).

O principal ponto positivo do novo Código é que ele consagra as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, as quais não recepcionaram alguns dispositivos do Código vigente.

Como o Projeto nasceu em 1975, a atualização, frente ao texto constitucional, só foi possível graças ao ilustre e saudoso Senador Nélson Carneiro, responsável por diversas emendas em matéria de Direito de Família[26].

O ilustre jurista Miguel Reale[27] apresenta as principais inovações do Projeto: consagração da igualdade absoluta dos cônjuges; consagração da igualdade absoluta dos filhos, fossem eles considerados pela Lei antiga legítimos, naturais, adulterinos, incestuosos ou adotivos; reconhecimento da união estável como entidade familiar, ficando assegurados direitos recíprocos aos companheiros.

O artigo 1509 do Projeto, em atendimento aos artigos 5º, I, e 226, § 5º da Carta Magna, assevera: "o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima".

Se, no dispositivo supra citado, a legislação avança ao igualar os cônjuges e caracterizar o casamento como "comunhão plena de vida", mantém o mesmo vício do Código anterior, ao dispor que o regime matrimonial "institui a família legítima".

Sobre casamento, em resposta ao art.226, § 2º da Constituição, o art. 1.512 do Projeto estabelece: "O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do civil, equipara-se a este, desde que inscrito em registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração".

O Projeto diferencia casamento (é o ato civil) e matrimônio (ato religioso).

Em atendimento à igualdade absoluta entre os cônjuges é que decorre uma outra alteração, consubstanciada no artigo 1556: o marido não poderá anular o casamento alegando o fato de ter descoberto que a esposa não era virgem.

É relativo tratar o ponto acima demonstrado como grande novidade, tendo em vista que o artigo 219, IV do atual Código Civil (anulação do casamento por erro essencial, quando o marido ignora o defloramento da mulher) não foi recepcionado pela Lei Maior.

Ainda em consonância com o princípio da igualdade, há a possibilidade do homem adotar o sobrenome da mulher depois do casamento e de casar-se com 16 anos (agora sem autorização prévia). Esta última alteração decorre, também, da redução da maioridade para 18 anos.

O pátrio poder passa a ser chamado de poder familiar, tendo em vista que o seu exercício é de igual atribuição do marido e da mulher em relação aos filhos menores.

A isonomia no tratamento dos filhos também decorre de princípio constitucional (artigo 226, § 6º).

Da mesma forma, consagra a união estável como entidade familiar (artigo 226, § 3º). Destarte, distingue concubinato de união estável. Nesse contexto, quanto a esta última, há retrocesso, volta-se a um regime semelhante ao da Lei nº 8.971/94, já que, para configurá-la, é necessário convivência entre pessoas sem impedimentos matrimoniais há, no mínimo, 5 anos consecutivos ou 3 anos, desde que haja filho comum (artigo 1735 do Projeto).

Já o concubinato é caracterizado como uma relação adulterina, sem efeitos para qualquer dos conviventes, efeitos estes que só podem decorrer da união estável, como o direito à herança. Assim dispõe o artigo 1739: "As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem o concubinato".

Outras mudanças ainda podem ser apontadas, como, por exemplo, o cônjuge adúltero não ser mais impedido legalmente de constituir novo casamento por conta do adúlterio (foi suprimido o artigo 183, VII do Código Civil vigente).

O Projeto poderia ir além, já que manteve a postura conservadora ao definir como causa para perda da guarda dos filhos na separação judicial o adultério.

Quanto à adoção, procurou-se uma idade intermediária entre a da adoção do Código Civil em vigência (30 anos) e a do Estatuto da Criança e do Adolescente (21 anos) e estabeleceu-se a idade de 25 anos para que alguém possa adotar.

O desejo do eminente Orlando Gomes em ver a irrevogabilidade do regime de bens derrogada foi atendido no artigo 1651, § 2º: "É admissível a alteração parcial do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

Entretanto, o regime legal continua sendo o da comunhão parcial. Nele, por força do artigo 1674 do Projeto, há uma presunção de que os bens imóveis foram adquiridos na constância do casamento quando não se pode provar que o foram em data anterior.

Apesar das boas novas, na sua maioria, o novo Código não estabelece grandes mudanças. Em verdade, conforme opinião do próprio Miguel Reale à época da elaboração, a intenção do Projeto era manter as premissas do Código de 1917.

No máximo, o novo (?) Código consolida várias legislações adotadas ao longo dos anos e os princípios consagrados na Constituição de 1988.

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Em verdade, talvez seja o mais antigo projeto de lei em tramitação. É reflexo do pensamento social de quase trinta anos atrás, em muito distante e inadequado às velozes mudanças por que experimentamos.

Assim, persiste em manter vícios e defeitos detectados no Código atual, o qual não atende às aspirações sociais contemporâneas.

O patrimônio, substrato da legislação de 1917, recebeu três livros específicos no "novo" Código, enquanto que a família mereceu apenas um.

Esse privilégio em relação aos bens é, indubitavelmente, atribuído ao sistema capitalista que rege as relações do mundo. O patrimônio está em primeira instância por força, inclusive, da Constituição, que atribui à propriedade uma função social.

Entretanto, até mesmo em relação à função social da propriedade, pouco se fez para que fosse promovido o seu desenvolvimento, em atendimento a interesses capitalistas, imperialistas e neoliberais.

Em alguns pontos, o Projeto chega a ser retrógrado, eliminando diversos avanços promovidos pela Constituição e pelas leis extravagantes.

Fixar tempo mínimo para caracterizar união estável é sepultar o avanço perpetrado pela Lei nº 9.278/96.

Não admitir os direitos de famílias que possuem apenas um chefe é não atender aos ditames do artigo 226, § 4º da Carta Magna.

Em outras passagens, desconsidera a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O "novo" Código Civil mantém os quatro personagens básicos que marcam presença na legislação de 1917 (o marido, o proprietário, o contratante e o testador), apenas acrescentando-lhes o empresário[28].

O Projeto, portanto, não atende a princípios constitucionais, precipuamente o da dignidade humana, mantendo uma visão formada a partir de elementos sócio-culturais prevalecentes há 30 anos, sem atualizar o texto codificado às necessidades do presente momento histórico, marcado pela diversidade e pluralismo, corolários da globalização[29].

É um Projeto que já nasce velho, defasado, sem criar o novo que tanto se pretende.

Omite-se ao não contemplar técnicas de reprodução, como a fertilização in vitro, a inseminação artificial e até mesmo a clonagem.

Não regulamenta, em nenhum momento, a união civil entre homossexuais, o que já é matéria do Projeto de Lei nº 1151/95.

Miguel Reale[30] apregoa que "é a própria Constituição que restringe a união estável entre o homem e a mulher. Assim sendo, sem reforma da Constituição não poderá ser atendida a pretensão dos homossexuais...".

Data maxima venia, a Constituição, em nenhum momento, proíbe a união civil entre pessoas do mesmo sexo, apenas rechaça a união estável disciplinada pelas leis extravagantes.

Por consequência, era possível (e necessário) que o "novo" Código trouxesse um capítulo destinado a tal matéria.

Novo Código Civil? O velho já morreu, mas o novo ainda não nasceu.

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Sobre o autor
Leonardo Barreto Moreira Alves

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Especialista em Direito Civil pela PUC/MG Mestre em Direito Privado pela PUC/MG Professor de Direito Processual Penal de cursos preparatórios Professor de Direito Processual Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais (FESMPMG) Membro do Conselho Editorial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais Membro do Conselho Editorial da Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A constitucionalização do direito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2441. Acesso em: 19 abr. 2024.

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