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O crime organizado transnacional e suas consequências socioeconômicas

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Conseqüências Socioeconômicas das Atividades Mafiosas

Callegari[42] faz uma observação importantíssima acerca das conseqüências da criminalidade econômica organizada para a humanidade ao dizer que,

Ao menos se pode concluir uma coisa: as conseqüências em termos de disfuncionalidade que o mecanismo do crime organizado produz no sistema de vida social e marcadamente no mercado. O peso específico alcançado pelo crime organizado termina, com efeito, em falsificar a liberdade do sistema econômico, alterando a igualdade e condições e as mesmas regras do jogo do mercado, de modo que os efeitos negativos da ingerência do tipo mafiosas no circuito econômico-financeiro se propagam em grande escala, numa sorte de diabólica reação em cadeia.

Dados estatísticos trazidos por Fernandes[43] deixam claro que os cartéis de crime organizado, levando-se em consideração apenas os Estados Unidos da América, movimentam a soma anual de mais de 600 bilhões de dólares, os quais são advindos, essencialmente da lavagem de dinheiro proveniente apenas do narcotráfico[44].

A Interpol avalia em 500 bilhões de dólares os prejuízos causados aos países da Europa Ocidental, somente no ano de 1996, pela criminalidade econômica organizada[45].

Como foi dito anteriormente, as atividades do crime organizado abrangem um espectro bastante extenso, do qual destacamos a lavagem de capitais, a principal atividade que reflete, nefastamente, na economia global.

Lavagem de dinheiro, ou money laundry é uma atividade que consiste em separar a origem dos bens – essencialmente ilícita – ocultando todos os rastros que poderiam permitir a descoberta de sua natureza ilegal, e reinserindo-os no mercado lícito, dando-lhe aparência de legalidade[46].

Assim, os cartéis do crime organizado retiram o dinheiro do país onde foi produzido através do narcotráfico, lenocínio, tráfico de órgãos de seres humanos, etc., e, através de um complexo mecanismo[47], o reintroduzem em outro mercado financeiro, mais propício a lucros utilizando-se, para tanto, das redes globais eletronicamente interligadas.

O que importa ressaltar é que todo este volume financeiro operacionalizado pelas organizações criminosas não chega a possuir qualquer vinculação socioeconômica, mas, ao invés de gerar empregos, distribuir rendas, fomentar o desenvolvimento, as organizações criminosas utilizam do seu capital ilegal, essencialmente, para o contínuo processo de expansão das suas atividades delitivas (compra e venda de drogas, por exemplo), e quando atuam na seara da legalidade, o fazem com uma vantagem incomensurável em relação às empresas legais que realizam os mesmos misteres, posto que “o lavador não necessita recorrer aos canais legítimos para buscar dinheiro, como por exemplo, o crédito bancário”[48], nem, tampouco, submeter-se às conseqüências sociais do emprego do seu capital. Um fato ainda mais grave: todo o volume financeiro advindo das organizações criminosas através da lavagem de capitais – cerca de 5% do Produto Interno Bruto Mundial, de acordo com Michel Camdessus, ex-diretor gerente do Fundo Monetário Internacional – quando é empregado em setores lícitos da economia do Estado onde se inserem, destina-se, na maioria das vezes, às aplicações financeiras de caráter flutuante, e.g. bolsa de valores, de forma que a qualquer momento e pela mais simples especulação de que o investimento reputar-se-á inconveniente ao objetivo do lucro astronômico, os cartéis do crime organizado, com a velocidade quase instantânea que os inserem na economia, os retiram, deixando, para o Estado, a difícil tarefa de conter os prejuízos advindos desta atividade.

Neste esteio, a organização criminosa transnacional tende a monopolizar o mercado financeiro mundial, alargando a possibilidade de falência de instituições bancárias, empresas lícitas, chegando ao ponto de criar enormes obstáculos para os Estados na fixação das taxas de juros e até mesmo, de sua política econômica. Assim, os criminosos manipulam, com êxito, quase todos os sistemas financeiros do mundo contemporâneo.

Ziegler[49] diz:

O crime organizado funciona à margem de toda transparência numa clandestinidade quase perfeita. Ele realiza a máxima “maximização” do lucro. Acumula a sua mais-valia a uma velocidade vertiginosa. Opera a cartelização ideal de suas atividades: nos territórios que dividem, os cartéis realizam em benefício próprio uma dominação monopolística. Melhor ainda, criam oligopólios. Os buyuk-baba turcos, diretores do BCCI, os bioardos cleoptocratas russos e os senhores chechenos escapam quase que completamente ao controle do poder público, de seu Estado, de suas leis. Suas riquezas fabulosas escapam do imposto. Eles não temem as sanções judiciárias nem as comissões de controle das bolsas. A noção de contrato social lhes é estranha. Agem no imediato e numa liberdade quase que total. Seus capitais atravessam as fronteiras cibernéticas do planeta sem qualquer obstáculo. [...] Ora, a eficácia dos mercados financeiros, dos mercados de investimentos, das operações da bolsa etc. depende em última instância da autovigilância e da cooperação dos protagonistas. Esta autovigilância e esta cooperação estão atualmente em falta.

Dados trazidos pela Agência de notícias da Tribune de Genèvre, em 11 de julho de 1997[50] estabelecem que o volume anual de negócios da Máfia Italiana gravita em torno de 50 bilhões de dólares, além seu patrimônio imobiliário superar 100 bilhões de dólares.

Poucas são as empresas multinacionais, ou até mesmo corporações transnacionais que detém tal poderio financeiro.

Pode-se, assim, agrupar alguns efeitos socioeconômicos advindos das atividades mafiosas[51]:

1.   Prejuízos ao setor privado: Por possuírem como atividade principal a atividade ilícita, seu capital não está ligado a qualquer obrigação tributária, de forma que ao ingressarem nas atividades lícitas da economia – em uma rede de farmácias, distribuidoras de alimentos, ou, até mesmo, pizzarias – os cartéis do crime organizado costumam oferecer seus produtos com preço abaixo da média do mercado, e, até mesmo, com o valor inferior ao do fabricante, dificultando senão impossibilitando a competitividade com empresas que atuem, licitamente, nas mesmas atividades. Com a contínua ampliação dos domínios das atividades “lícitas” os cartéis do crime organizado tendem a dominar o mercado privado, eliminando toda e qualquer concorrência.

2.   Prejuízos à integridade dos mercados financeiros: As organizações financeiras que trabalham – na maioria das vezes, inadvertidamente – com o capital advindo da lavagem de capitais podem ter profundos problemas no gerenciamento de seus ativos, passivos e operações, posto que o capital proveniente de lavagem pode desaparecer subitamente, sem qualquer aviso ou comunicação prévia dos investidores, de forma que isto pode afetar profundamente a liquidez das obrigações bancárias.

3. Perda do controle da Política Econômica, por parte dos Estados: Em alguns países emergentes, o volume financeiro advindo do capital mafioso pode chegar a um volume muito superior aos orçamentos governamentais, o que pode fazer com que o Estado tenha profundas dificuldades em controlar sua taxa de juros e sua política econômica em caso de refluxo dos capitais advindos da criminalidade econômica organizada.

4.  Instabilidade de distorções Econômicas: Como a meta essencial é a ocultação da origem ilícita do capital, a máfia transnacional costuma investir em atividades que não refletem diretamente nas necessidades econômicas e sociais do país onde se insere, criando um vácuo bastante profundo entre o volume de capital investido e o crescimento econômico que se espera com o ingresso de tamanha soma de dinheiro na economia.

5. Perda de Receita: Por não adimplir com suas obrigações tributárias, a máfia transnacional força o Estado a compensar o prejuízo causado pela sonegação fiscal aumentando a carga tributária aos verdadeiros contribuintes, o que pode gerar uma profunda recessão econômica.

6. Riscos aos esforços de privatização: Tendo como aliado o capitalismo neoliberal que preconiza a necessidade da privatização de determinados setores estatais, as organizações criminosas – beneficiadas pelos altíssimos lucros advindos de suas atividades ilegais – possuem recursos financeiros suficientes para vencer compradores legalizados em uma disputa para a compra de uma empresa estatal, o que pode ocasionar, em um futuro próximo, que as atividades essenciais prestadas à população através do setor privado esteja sob o controle das máfias.

7.  Riscos à reputação do mercado Financeiro Interno dos Estados: À medida que a criminalidade econômica organizada transnacional domina grande parte do mercado financeiro interno dos Estados, o capital financeiro lícito, produtivo, que poderia servir como instrumento de desenvolvimento social e econômico tende a desaparecer face, justamente, à reputação negativa, em âmbito global, dos Estados em que a criminalidade  econômica organizada atua. 

8. Custos Sociais: Com a lavagem de dinheiro, o poder deixa de ser um dos atributos do Estado, conferido legitimamente pelos seus cidadãos, e transfere-se a uma pequena elite global criminosa, contrariando todos os princípios éticos e morais que sustentam uma sociedade. Assim, o Estado transforma-se em um governante virtual, marionete nas mãos dos senhores do crime organizado.

Além dos incomensuráveis efeitos negativos para o Estado, anteriormente mencionados, a criminalidade econômica organizada transnacional é responsável pela morte de milhões de pessoas ao redor do globo terrestre, através das suas atividades ilícitas [principalmente em conseqüência do tráfico de substâncias entorpecentes e da exploração sexual.


Conclusão

Pelo abordado ao longo do texto, consegue-se observar, claramente, que as organizações criminosas, antes de serem algo "residual" ou "atuação localizada", têm-se transformado em um gigante mecanismo para-estatal - senão, até mesmo, um contraordenamento jurídico dentro de um Estado já, juridamente, organizado.

Observa-se, ainda, o crescente e alarmante poderio econômico-financeiro destas "empresas", bem como o elevado grau de danosidade socio-econômica de suas atividades. Grandes questões podem ser levantadas após a leitura do texto: O que o Estado poderá (ou deverá) fazer para conter a expansão desta máfia? A legislação atual, bem como  e o aparato Estatal são suficientes e eficazes para garantir a persecução e punição dos crimes praticados pelas organizações criminosas? O Direito na contemporaneidade conseguirá enfrentar este novo desafio que lhe é imposto?


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Sobre o autor
Antonio Carlos Iranlei Toscano Moura Domingues

Professor da Universidade Federal da Paraíba, da Escola Superior da Magistratura da Paraíba e da Pós-Graduação em Ciências Criminais da UNIPE e Fesmip. Especialista em Direito Penal e Criminologia e Mestre em Direito Penal Econômico. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGUES, Antonio Carlos Iranlei Toscano Moura. O crime organizado transnacional e suas consequências socioeconômicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3617, 27 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24538. Acesso em: 22 nov. 2024.

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