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O valor probatório relativo do inquérito civil público

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16/06/2013 às 15:36
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As provas e as informações produzidas no inquérito civil possuem validade relativa, por terem sido produzidas de forma unilateral pela parte instrumental que o conduz sem o crivo do contraditório.

As provas e as informações produzidas no inquérito civil possuem validade relativa, por terem sido produzidas de forma unilateral pela parte instrumental que o conduz sem o crivo do contraditório, no caso os órgãos de execução do Ministério Público, que são os promotores ou procuradores de Justiça e os procuradores, subprocuradores e o procurador-geral da República.

Anota-se aqui se considerar como parte em sentido instrumental no dizer de Carnelutti nas suas Leciones sobre el Proceso Penal, Bosch, Buenos Aires, 1950, vol. I/227-228, pois os órgãos de execução do parquet agem nos processos e procedimentos, sendo as conclusões de Manzini definitivas também nesse sentido in Tratado de Derecho Procesal Penal”, Buenos Aires, 1949, vol. II/4-5 e 312 e seguintes ao definir que: “La pretensión punitiva del Estado que el Ministério Público hace valer ante el juez, no está vinculada a un derecho subjetivo, sino al poder-deber de actuar objetivamente la voluntad soberana de la ley”.

É por conta dessa característica, ou seja, a de ser uma parte instrumental, mesmo em se tratando de um órgão de estado constitucionalmente criado para essa finalidade, que Hugo Nigro Mazzilli[1] averba: “O valor do inquérito civil como prova em juízo decorre de ser uma investigação pública e de caráter oficial.”

Mesmo tendo valor relativo de prova, sabe-se que os elementos colhidos no inquérito civil podem ser ratificados em juízo, bem como contraditados pela parte interessada. As perícias e inquirições no inquérito civil não seguem o rigor do processo judicial, pois por serem realizadas de forma unilateral servem para o membro do Ministério Público formar a sua opinio sobre a investigação civil que se encontra sob sua presidência.

Ainda que sirva inicialmente o inquérito civil para preparar a convicção do autor da futura ação (Ministério Público) as informações nele contidas devem ser debatidas amplamente na esfera judicial, por não ter sido, necessariamente, obedecido o crivo do contraditório nessa fase administrativa de investigação, não possuindo valor de hierarquia superior àquelas provas que são produzidas em juízo.

Não há dúvida de que o inquérito civil possui natureza inquisitória já que nele, como regra, a autoridade que preside o procedimento leva a efeito a busca das provas que entender necessárias, sem permitir que o sujeito de investigação as contradiga, uma vez que serve em última análise para formar o convencimento do representante ministerial, razão porque as suas provas possuem valor relativo e em etapa posterior processual deve ser confirmadas, ratificadas ou até mesmo inutilizadas perante o Poder Judiciário.

Desse modo, impugnada a prova produzida unilateralmente no inquérito civil pela parte instrumental que o dirige, é certo que deve ser repetida integralmente em juízo, para que não haja violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, pois com isso se garante a paridade de armas e se evita que eventuais ilegalidades na demonstração do fato contaminem a apreciação imparcial do órgão que tem o poder de dizer o direito no caso concreto definitivamente.

Não resta dúvida que o investigado possui desvantagem na posição pré-processual do inquérito civil, por ser unilateral e inquisitivo o respectivo procedimento, conduzido diretamente pelo Ministério Público. Mesmo sendo de competência exclusiva do parquet, tem-se que ele não poderá afastar o princípio da legalidade, produzindo ou criando situações ilícitas, que serão declaradas imprestáveis perante o Poder Judiciário, tomando-se como exemplo o caso do afastamento do sigilo de dados do investigado, que somente poderá ser implementado mediante autorização judicial.

Apesar de ser o condutor da investigação, o representante do Ministério Público não poderá violar a ética e nem tão pouco a legalidade, para a qualquer custo produzir a prova que entende ser a necessária para a elucidação de sua apuração na busca da sua verdade. Assim, se a mesma for produzida com vício de legalidade será considerada prova ilícita, sem validade para a propositura da futura ação civil pública.

Os meios empregados para chegar à verdade necessária ao disparo da ação civil, com referência a determinados fatos em apuração nessa fase inicial administrativa, devem ser produzidos de forma lícita e eficiente por parte do Ministério Público, sob pena das provas serem declaradas posteriormente imprestáveis na Justiça em razão dos vícios na sua produção e colheita.

Nessa situação, tem-se que é “pela prova, procura-se averiguar a verdade dos fatos alegados pelos litigantes”,[2] e por essa razão ela deve ser produzida de forma lícita, como a legalmente permitida e admitida pelo ordenamento jurídico, para que os seus efeitos sejam amplos e eficazes, e possam produzir o desejado pela parte responsável pela sua produção.

Vale ressaltar que o direito à prova não é absoluto em nosso sistema jurídico, existindo limites que devem ser respeitados para que ela seja considerada como válida, servindo para o fim almejado pela parte que a produziu, na forma do art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.

A obrigação da prova ser colhida de maneira lícita diz com a premente necessidade de se preservar os direitos individuais e as garantias constitucionais, observando-se os princípios legais para a sua validade, sendo essa uma diretriz mundial, cultuada por todos os países que elegeram as suas Constituições sob o fundamento do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, fazendo a colheita no direito comparado pode-se citar as seguintes decisões jurisprudenciais:

ARGENTINA: “La regla es la exclusión de cualquier medio probatório obtenido por vias ilegítimas, porque de lo contrario se desconocería el derecho el debido processo que tiene todo habitante de acuerdo con las garantias otorgadas por nuestra Constitución Nacional” (CSJN, “Rayford, Reginald y outros”, 13/05/86, Fallos 308:733, LL 1998 – B – 444).

“No es posible aprovechar las pruebas obtenidas com desconocimiento de garantias constitucionales, pues ello importaría una violación a las garantias del debido proceso y de defesa en juicio, que exigen que todo habitante sea sometido a un juicio en el marco de reglas objetivas que permitan descubrir la verdad, partiendo del estado de inocencia, de modo tal que solo se reprima a quien sea culpable, es deir a aquél a quienla acción punible le pueda ser atribuída, tanto objetiva como subjetivamente...” (CSJN, “Gordon, Aníbal y outro, 04/10/88, Fallos 311-2045, J. A 1997 – III – 1135)

ALEMANHA: “No es un municipio de la ley procesal penal el que se tenga que investigar la verdad a cualquier precio. Esto tine como consequencia que importantes médios, en determinadas circunstancias los únicos para el esclarecimento de los hechos punibles, quedan inservibles. Sin embargo, esto tiene que ser aceptado.” (BGHST, sentença de 14.06.60. Em igual sentido BGHST, 14, 358, 365).

“El objetivo del processo penal proprio de un Estado de Derecho es proceder contra el inculpado solo de forma respetuosa con su dignidad humana, garantizando por tanto, aquellos derechos más fundamentales de la persona debe ser excluida com indiferencia de la gravedad de la acusación.” (BGHST, 14, 358, 365)

ESPANHA: “No puedem los órganos judiciales conceder eficacia probatória a una prueba obtenida ilicitamente. Deben los jueces y tribunales prescindir de la prueba obtenida ilicitamente, dada su nulidad derivada de la vulneración de un derecho fundamental reconocido por la constitución.” (STC 85/1994, J.A. 1997 – III – 1144).

“La afirmación interina de Inocência, consagrada por nuestra Constitución, solo puede ser enervada por prueba que haya llegado com las debidas garantias al proceso.” (STC 55/82, JÁ 1997 – III – 1144)

ITÁLIA: “Los actos ejecutados com desprecio de los derechos fundamentales del ciudadano, no pueden ser aceptados como justificación y fundamento de actos procesales de quien haya padecido aquella actividad constitucionalmente ilegítima.” (TC, sentença n.º 34, 06.04.1973).

No nosso país, deixando de lado a circunstância da unilateralidade da prova produzida pela parte instrumental em fase administrativa de investigação dos fatos, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que a prova colhida no inquérito civil inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, apesar de possuir valor probatório relativo, podendo ser contraditada pela contraprova de hierarquia superior, ou seja, aquela produzida em respeito ao contraditório, verbis:

“Processo Civil. Ação Civil Pública. Inquérito Civil: Valor Probatório. 1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e  informações para o ajuizamento de ação civil pública. 2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório. 3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las, observando as regras processuais pertinentes à distribuição do ônus da prova. 4. Recurso especial provido.”[3]

Nesse julgado superior ficou demonstrado que a validade da prova produzida no inquérito civil, como já dito, é relativa, servindo apenas para demonstrar se há, em um primeiro momento, justa causa para o ajuizamento da ação civil pública correspondente, cabendo aos órgãos judicantes fazer sua mais cabal análise de acordo com as regras processuais.

Assim sendo, ela serve apenas e tão somente como indício da prática de um ato ilícito, quando presentes a autoria e a materialidade, não podendo concorrer com as provas colhidas sob as garantias do contraditório e da ampla defesa na fase processual e presidida pelo magistrado, como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no respectivo julgado já declinado.

Por essa razão, entende-se que o julgador deve se cercar de todos os cuidados necessários para evitar exageros na verificação do contexto probatório, recebendo com ressalvas a prova colhida no inquérito civil, visto que essa ao ser carreada à ação civil pública deverá ser analisada pela outra parte, que não teve a oportunidade de contraditá-la ou de produzir prova em sentido contrário.

Dessa forma, deve o magistrado atuar com muita cautela e prudência, principalmente antes de deferir medidas urgentes e extremas requeridas pelo Ministério Público, avaliando suas reais necessidades, e sempre que possível franquear a parte contrária vistas dos autos para que possa exercitar o contraditório e a ampla defesa.

Se de um lado, o magistrado não deve em um primeiro momento receber o acervo probatório colhido no inquérito civil sem ressalvas, também não deve recusar a prova nele produzida, visto que ela servirá de baliza para o início da demanda, até que seja aberta a fase de produção de provas na fase da instrução do processo judicial.

E é certo que, se for impugnada a prova produzida no inquérito, ela deve ser repetida em juízo, tendo em vista que a sua validade é relativa, além de ser direito da parte ter acesso ao contraditório e a ampla defesa, compreendida nesse contexto processual, a liberdade de demonstrar, através da prova que pretende produzir, a verdade ou a inverdade dos fatos articulados na petição inicial do Ministério Público.

Sobreleva registrar que em outro julgado o Superior Tribunal de Justiça[4] novamente manteve o entendimento de que as provas colhidas no inquérito civil devem ser analisadas e valoradas pelo julgador, não se sobrepondo aquelas produzidas sob o crivo do contraditório judicial:

“Processo Civil. Ação civil de reparação de danos. Inquérito civil público. Natureza inquisitiva. Valor probatório. 1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003). 3. As provas colhidas no inquérito civil, uma vez que instruem a peça vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo julgador. 4. Recurso especial conhecido e provido.”

Portanto, como se trata de investigação de caráter inquisitivo, o valor do acervo probatório no inquérito civil não é absoluto, tal qual ocorre em outros procedimentos administrativos, como o inquérito penal, o processo administrativo tributário e o processo administrativo disciplinar, onde os fatos e fundamentos da decisão administrativa, diante de argumentos e provas robustas, podem ser amplamente revistos perante a esfera judicial.

Nosso ordenamento jurídico possibilita que quaisquer provas ou informações produzidas nos processos ou procedimentos administrativos podem ser revistos perante o Poder Judiciário, com as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, vigorando o princípio do livre convencimento motivado do magistrado para decidir sobre a validade relativa (juris tantum) da prova colhida fora do escopo do Poder Judiciário.

É certo que a prova indiciária do inquérito civil se não for infirmada no processo judicial a ser instaurado por meio da produção de novas provas ou do silêncio da parte ré, terá valor de peso na decisão do magistrado, quando de seus julgamento sobre a quaestio, porquanto produzida por órgão estatal a quem incumbe a fiscalização da lei, de sorte que os réus da ações civis públicas não podem permitir tal concretização.

Verifica-se que ainda que a prova produzida pela parte instrumental geralmente é aceita de forma integral pelos juízes, que lhes atribuem maior valoração do que as provas produzidas pelos advogados, apesar desses últimos exercerem o mesmo munus público de buscar a verdade real, para que a justiça seja concretizada nos processos (art. 133, da Constituição Federal).

Na prática forense, não é difícil observar que as forças são desiguais no desenvolver do inquérito civil, que é conduzido e presidido pelos representantes do Ministério Público, sem que a parte investigada tenha direito de produzir outras provas senão aquelas que o órgão ministerial permita de acordo com sua discricionariedade parcial.

E para piorar a situação, mesmo quando há requerimento expresso dos advogados contraditando a prova unilateralmente produzida e pedindo o seu refazimento no âmbito do Processo judicial, alguns juízes admitem na sua plenitude as unilaterais provas produzidas pelo Ministério Público no bojo do inquérito civil público e encerram a instrução dos processos indeferindo as provas requeridas pela parte passiva na ação civil pública, preconizando o julgamento antecipado da lide, na forma do artigo 330, I, do Código de Processo Civil.

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Tal situação processual, fere de morte o plasmado de ampla defesa e contraditório, cerceando a própria defesa, demonstrando determinada preferência do magistrado pelos argumentos trazidos pelo Ministério Público, apesar dele ter a obrigação de ser equidistante e imparcial, tendo como uma das suas mais dignificantes missões possibilitar que as partes tenham o mesmo tratamento processual.

Não há como se admitir sejam consideradas como plenas as provas produzidas pelo Ministério Público em sede de inquérito civil nos processos judicializados, pois elas devem ser debatidas sempre que contraditadas perante o Poder Judiciário para que a defesa não seja cerceada e injustiças não sejam oficializadas pelo órgão julgador.

A prova é o coração do processo e deve ser produzida livremente pelas partes, sob o crivo do contraditório. Por essa razão, os juízes não devem dar mais valor ao que os membros do Ministério Público escrevem ou produzem como matéria probatória em detrimento do que os advogados argumentam e pedem para demonstrar o contrário, porquanto o magistrado para distribuir justiça, em primeiro lugar, tem que oportunizar o mesmo tratamento para as partes, estabelecendo o contraditório nas provas produzidas no inquérito civil, através da produção ampla de provas no processo judicial.

Apesar de haver a desproporcionalidade entre a acusação e a defesa na ação civil pública, pois há a possibilidade da parte instrumental autora produzir antecipadamente na fase administrativa o lastro probatório de sua petição inicial, o Superior Tribunal de Justiça vem prestigiando o julgamento antecipado da lide nas demandas que versam sobre improbidade administrativa, mantendo como válido o indeferimento da produção de provas requerida pela parte demandada na ação, em algumas situações jurídicas.

Sabe-se que já assentou a Corte Superior que “a produção de provas está vinculada à livre convicção do magistrado, nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil, segundo o qual ‘caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias’, e constituiu meio auxiliar ao juízo e, não, das partes.”[5]

Contudo, há de se ressalvar que, se a prova pleiteada é requerida no momento correto e não é deferida ou realizada, não pode o magistrado, julgando antecipadamente a lide, apreciar o pedido em favor do autor ou do réu, sob o fundamento da ausência de provas das alegações da parte.  Ora, se foi o próprio órgão judicante quem não permitiu que a parte pudesse demonstrar os fatos que alegou ou infirmar os fatos alegados pela parte contrária, como é que se pode dar validade lógica a essa conclusão para ter por procedente ou improcedente uma demanda?[6]

Essa situação toma maior vulto nas ações de improbidade administrativa, onde o elemento subjetivo do tipo da conduta da parte passiva na demanda tem que estar invencivelmente demonstrado (essencial), por meio da produção de provas robustas e eficazes, pois a presunção de culpabilidade objetiva não se admite na espécie para um juízo condenatório. Ainda mais quando o tipo descrito na demanda judicial versar sobre lesão ao erário, onde o dano não poderá ser presumido, ele deve ser efetivo e real.

Outrossim, condenação imposta sob o argumento de dano presumido, sem a comprovação do mesmo e com o indeferimento de produção de prova para se julgar antecipadamente, não é admitida para lastrear um juízo condenatório como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.º 1228306/PB:[7]

“Processo Civil. Improbidade Administrativa. Julgamento antecipado da lide. Violação do art. 330, I, do CPC. Procedência da ação com base  na ausência de provas. Impossibilidade. Retorno dos autos à origem. Instrução probatória. Art. 10 da LIA. Dano Presumido. Exigência da comprovação do dano. Desvio de verbas. Revisão de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. 1. Embora seja permitido o indeferimento do pedido de produção de prova para se julgar antecipadamente a lide, não é aceitável que a condenação assente-se exatamente na falta da comprovação do direito que se pretendia provar, sob pena de contrariedade ao direito de defesa e ao art. 330 do CPC. Precedentes. 2. Na hipótese, apesar de a Corte de origem ter atestado a desnecessidade da prova pericial - o que evidentemente não pode ser revisado no apelo nobre, ante o óbice da Súmula 7/STJ - a condenação não se fundamentou nos elementos probatórios já existentes nos autos, mas na ausência de comprovação do direito da parte prejudicada. Isso está evidenciado no seguinte trecho do decisum: "Também deve ser mantida a condenação do primeiro apelante (art. 10, LIA) (...) já que o recorrente não trouxe nenhum fundamento, tampouco uma prova que demonstre o contrário" (e-STJ fl. 819). Nesse cenário, não é possível aplicar os precedentes exarados pelas Turmas de direito público que obstam, no recurso especial, o reexame das conclusões da instância ordinária quanto às hipóteses do art. 330, I e II, do CPC. O acolhimento dessa preliminar quanto a um dos recorrentes dispensa a análise dos demais tópicos recursais a ele relativos e confere-lhe o direito à reabertura da instrução probatória. 3. As condutas descritas no art. 10 da LIA demandam a comprovação de dano efetivo ao erário público, não sendo possível caracterizá-las por mera presunção. O acórdão recorrido concluiu, quanto aos demais recorrentes, que a mera realização de despesa pública sem o prévio empenho caracteriza ato de improbidade ensejador de lesão ao erário, admitindo a existência de dano presumido, por impedir o controle dos gastos públicos. Esse entendimento destoa da jurisprudência do STJ, devendo ser afastada a condenação nesse particular. 4. No tocante ao desvio de verbas imputado a uma das recorrentes, a Corte Estadual reconheceu a existência de dano efetivo ao erário, quantificando-o com base nas provas existentes nos autos. Nesse aspecto, as considerações tecidas pelo Tribunal a quo são soberanas, sendo vedado reexaminar os elementos fático-probatórios da lide no âmbito do apelo nobre. Aplica-se o óbice constante na Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial interposto por Fábio Fernandes Fonseca provido para anular o acórdão recorrido e determinar a abertura da instrução probatória. Recurso especial de Izabel Cristina Veloso Pinto Costa provido. Recurso de Vera Lúcia Meira Araújo provido em parte.”

Essa atuação judicial limitadora do direito ao contraditório e a ampla defesa, por si só, cerceia a defesa do agente público ou do terceiro acusado na ação de improbidade administrativa, tendo em vista que somente através da livre produção de prova é que o réu poderia demonstrar não só a sua inocência, como a inconsistência das provas carreadas aos autos pelo Ministério Público.

Mesmo sendo a direção do processo de responsabilidade do magistrado, a quem compete, entre outros deveres, assegurar às partes tratamento igualitário, isonômico, é evidente que tal discricionarismo não se presta ao fim de cercear ou de até mesmo impedir ou negar a defesa dos agentes públicos que forem acusados em geral nas lides civis públicas. Evidentemente, que nessas situações, o cerceamento de defesa aniquila o direito do Réu de demonstrar a lisura de seus atos.

A prova pré-constituída pela parte autora instrumental por meio do inquérito civil (representante do Ministério Público), sempre voltada à demonstrar a culpabilidade da parte passiva (investigada), exige a demonstração bilateral de sua veracidade, o que somente será possível após o esgotamento do contraditório e da possibilidade de produção de todos os meios de prova admissíveis em direito (art. 332, do CPC), disponibilizados para as partes da demanda no processo judicial.

O que se pode destacar, portanto, é que ao proferir o julgamento da ação civil pública sob o prisma do art. 330, I, do CPC, resolvendo o seu mérito pela rejeição sumária da tese deduzida na resposta, justamente à falta de provas dos fatos relatados na defesa, tem-se que isso compromete não somente a decisão objurgada no seu encadeamento lógico, já que o magistrado não permitiu a dilação probatória, mas também solapa direito fundamental a essa atuação processual consagrado nos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Daí porque a teoria da causa madura nesse tipo de lide deve ser vista com reservas e não pode servir de argumento dos Tribunais para cercear o direito de defesa do réu. Mais importante do que açodadamente confirmar uma decisão condenatória em tais casos é realçar a necessidade da busca da prova do espírito da verdade no julgador, evitando-se a consagração de injustiças pela aplicação eficaz do contraditório e ampla defesa.[8]

Lembra-se que a palavra prova deriva do latim probare e significa convencer, tornar crível, ou seja, estabelecer uma verdade, comprovar um fato, uma alegação ou uma afirmação. Afinal, o que se pugna com sua demonstração é o exercício irrestrito do direito constitucional da ampla defesa, consubstanciado no art. 5º, LV da Constituição Federal.

Em termos de valoração da prova, o Código de Processo Civil adota o sistema da persuasão racional ou livre convencimento motivado, ou seja, o julgamento proferido pelo magistrado deve ser fruto de uma operação lógica, derivada de elementos de convicção existentes nos autos, mostrando os fundamentos de fato e de direito pelos quais decidiu.

Dessa forma, o que se espera é que o julgador forme seu convencimento com base no contingente probatório ofertado tanto pelo autor da ação como também pela parte passiva, tomando por base todos os fatos, declarações, depoimentos, documentos e perícias carreados aos autos, e ainda, os não aduzidos pelas partes, em atenção ao comando legal do art. 131, do CPC.

Não se pode olvidar que a prova, antes de ser um direito da parte, desempenha papel fundamental na busca processual de gerar a consistência da certeza e a inabalável convicção no espírito do julgador, o que, inarredavelmente, realça a sua importância. A prova é do Juízo, e a ele auxilia. Se o lastro probatório amplo for negado ao agente público acusado pelo Ministério Público, certamente a prestação jurisdicional de mérito será defeituosa.

Por outro lado, urge esclarecer que as ações civis públicas por ato de improbidade administrativa possuem forte característica penal, onde suas fortes sanções, dentre outras, possuem o condão de suspender os direitos políticos, demitir do serviço público o agente, impedir de contratar, pagar multa, etc. Enfim, atinge um complexo de situações pessoais e constritivas que atingem de forma dura e direta tanto os réus como seus familiares.

Também é de curial importância destacar que tal qual o inquérito penal, o inquérito civil é unilateral e inquisitivo, onde o Ministério Público produz a prova que lhe interesse e entende como bastante em si para encontrar a autoria e a materialidade do delito civil, não se preocupando em produzir prova em benefício da defesa do investigado, que em verdade é apenas um indivíduo sob persecução oficial.

Essa analogia do inquérito civil com o inquérito penal é de grande relevância, pois os respectivos procedimentos administrativos seguem na essência o mesmo princípio da unilateralidade, onde as provas são produzidas sob a tutela do órgão acusador, sem o crivo do contraditório, do exercício da dialética pela defesa técnica de um advogado. Assim sendo, ainda que haja posicionamento em contrário, conclui-se ser vedada a condenação baseada exclusivamente em provas produzidas no inquérito civil, assim como sói acontecer no inquérito policial, conforme o disposto no art. 155, caput, do Código de Processo Penal.[9]

Aliás, esse posicionamento no caso do inquérito policial está sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito tempo, que não “admite condenação baseada exclusivamente, em provas colhidas na fase policial.”.[10] Portanto, mesmo que a prova auxilie o juiz em sua formação de convicção, a prolatação de decreto condenatório exclusivamente firmado com base em elementos de provas colhidas durante a investigação preliminar (inquérito policial), que é produzido sem o crivo do contraditório, tal qual o inquérito civil, é considerada como ilegal e deve ser rechaçada pelo magistrado.

Nesse sentido, valiosa é a lição da ementa do HC n.º 230922/RS:[11]

“Processo Penal. Habeas Corpus. Substitutivo de Recurso Especial. Impetração que deve ser compreendida dentro dos limites recursais. Adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Condenação fundamentada exclusivamente em elementos informativos colhidos no inquérito policial. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida

(...) IV. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento no sentido de ser inadmissível a prolação de decreto condenatório exclusivamente com base em notícias colhidas durante investigações preliminares, que não tenham sido submetidas ao crivo do devido processo legal, em seus consectários do contraditório e da ampla defesa. V. Vige em nosso ordenamento jurídico o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual o magistrado pode livremente apreciar as provas, adotá-las ou recusá-las mediante convicção motivada. Contudo, há proibição expressa de fundamentação exclusiva nos elementos do inquérito, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Inteligência do art. 155 do Código de Processo Penal. VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.”

De tudo se conclui que, não tendo o inquérito civil, tal qual o inquérito policial, a força de prova judicializada, é dever da acusação, como parte instrumental, quer seja no crime, quer seja no cível, transformar os elementos do inquérito em elementos judiciais, por meio da ratificação do que fora produzido na fase administrativa extrajudicial, a fim de surtirem os devidos efeitos legais.[12]

Pensar de modo contrário é retirar a força da premente jurisdicialização da prova, bem como da paridade de armas nesse mister perante a demanda judicial. A prova para que tenha valor válido, deve ser produzida na jurisdição do juiz competente, com as garantias constitucionais e legais, sob pena de se reinstituir o nefasto período da verdade sabida, onde os procedimentos administrativos e penais militares eram gerados para acobertar o arbítrio do Ato Institucional que aboliu os direitos e as garantias individuais dos acusados em geral, acabando com a democracia, em prol da ditadura.

Inúmeras pessoas foram injustiçadas nesse período, onde o legislador estabeleceu na Lei de Anistia a reparação cível da violência jurídica imposta naquela época. Reeditar esse período, agora na democracia da Carta Cidadã é mais grave e perigoso, pois a acusação não pode ser unilateral e inquisitiva, capaz por si só de controlar a produção de prova, sem que a mesma seja devidamente judicializada.

Deve ser reafirmado que a jurisdicialização da prova, antes de mais nada, exige que o equidistante, imparcial e diligente julgador permita não somente que a parte acusada possa produzir livremente a sua prova, mas também que a acusação tenha o dever de transformar os elementos contidos no inquérito civil ou policial em elementos de convicção demonstradores da verdade para o juiz.

Sendo informativo o inquérito civil e o inquérito policial, sem o crivo do contraditório, como já dito alhures, a condenação com base em seus fundamentos de prova é nula de pleno direito, tendo em vista ser necessária a sua convalidação perante o órgão judicante para sustentar o decreto condenatório.

Essa tese é invencivelmente defendida pelo Superior Tribunal de Justiça, na esfera criminal em inúmeros precedentes, podendo ser citados os seguintes julgados:

“Habeas Corpus. Processual Penal. Crime de roubo circunstanciado. Absolvição em Primeiro Grau. Acórdão condenatório, amparado em provas produzidas exclusivamente na fase inquisitorial. Impossibilidade. Violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 1. O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da ampla defesa, afigurando-se, portanto, nulo o decreto condenatório que não produz, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova hábil para fundamentá-lo. Precedentes desta Corte. 2. O Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo ministerial para condenar os Pacientes, amparou-se no auto de prisão em flagrante, auto de apreensão, depoimento da vítima colhido na fase inquisitorial, bem como na confissão extrajudicial de um dos acusados, que não restou ratificada em juízo. Não houve, assim, qualquer prova desfavorável produzida na fase judicial, evidenciado, com isso, flagrante constrangimento ilegal na condenação imposta. 3. Ordem concedida para, cassando o acórdão atacado, restabelecer a sentença de primeiro grau que absolveu os ora Pacientes.”[13]

“Habeas Corpus. Latrocínio e roubos qualificados. Condenação baseada exclusivamente em provas produzidas na fase inquisitorial. Constrangimento Ilegal. Ordem Concedida. 1. É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte de que é vedada a condenação baseada exclusivamente em provas produzidas na fase inquisitorial, sem a garantia do contraditório, se os elementos de convicção colhidos em juízo não confirmam sua veracidade. 2. Ordem concedida.”[14]

“Habeas Corpus. Direito Penal. Furto Qualificado. Sentença. Absolvição. Acórdão condenação com base na prova produzida na fase inquisitorial. Incabimento. 1. Fundada a condenação, na prova produzida no inquérito policial, é de rigor a sua desconstituição, por violado o due process of law.

2.  Ordem concedida.”[15]

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal também pacificou o entendimento de que os elementos probatórios contidos no inquérito podem influir na formação do livre convencimento do magistrado para decisão da causa somente quando completam outras provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo.[16] Nesse rumo de interpretação se tem que somente os elementos coligidos na fase de inquérito policial não são suficientes para embasar um pronunciamento condenatório, como também decidido pelo STF no HC n.º 96356/RS.[17]

O posicionamento do Excelso Pretório prestigia sobremaneira as provas produzidas na fase judicial, por serem geradas na presença das partes, que podem se opor contra a forma e o conteúdo das mesmas, além de terem a oportunidade de requerer ao julgador todos os tipos de provas admitidos em direito para consolidar as suas teses de acusação e de defesa.

Não resta dúvida que os elementos colhidos na fase extrajudicial podem ser adotados em uma futura sentença, “mas desde que estes elementos não sejam os únicos a embasar o decreto condenatório.”[18] Dar maior valor as provas colacionadas pela autoridade pública em sede administrativa, quando essa é a sua destinatária para fins de formação de opinio para o disparo de ação civil pública, é contrariar os princípios fartamente citados do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

Igualmente, apesar do entendimento jurisprudencial supracitado ser direcionado inicialmente para os julgamentos criminais, não é menos correto afirmar-se que a conclusão jurídica é a mesma para as ações civis públicas, onde o inquérito civil possui as mesmas características legais do inquérito policial, calcadas na unilateralidade da produção da prova, na inquisitorialidade, na falta de defesa do investigado e na ausência do contraditório e da ampla defesa do mesmo.

Outro ponto de contato dessa tese igualitária, é que, como já dito acima, vige em nosso ordenamento jurídico o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz, tanto na esfera penal, como na esfera cível ou administrativa, que não pode ser jamais desconsiderado pelo magistrado ao se deparar com as questões decisórias.

Mitigar tal princípio, tão importante para a distribuição da justiça, com a finalidade de negar sua aplicação para os inquéritos civis, é o mesmo que reconhecer a total falência do sistema processual, onde o acusado passa a ser um mero personagem coadjuvante, tornando-se efetivamente objeto de investigação e não sujeito de direitos.

Ora, a igualdade de forças no processo é a garantia mínima de que a justiça será perseguida, sem privilégios ou preconceitos, razão porque é chegada a hora de se unificar a aplicação do entendimento de ser vedada não somente a condenação baseada exclusivamente em provas produzidas no inquérito policial, mas também as produzidas no inquérito civil pelo órgão ministerial, pois essas solitariamente e sem passar pelo contraditório não se prestam para tal fim na ação civil pública, notadamente naquelas em que é investigada a prática de ato de improbidade administrativa.

Não há como se distinguir uma situação da outra, por serem rigorosamente análogas, no que concerne ao direito da parte acusada ou investigada somente poder ser considerada como culpada após ocorrer a jurisdicionalização da prova, onde lhe é disponibilizado o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

Por oportuno, mutatis mutandis, é de se trazer ao debate as preciosas considerações feitas pelo Ministro Sepúlveda Pertence no voto proferido no HC n.º 74.368/MG, acerca da necessidade das provas que embasaram uma condenação se submeterem, obrigatoriamente, ao contraditório:[19]

“Prova idônea é apenas, portanto, a obtida sob o fogo cruzado do contraditório ou, quando impossível esta produção contraditória originária, ao menos – e é o que sucede, por exemplo, nas perícias sobre vestígios passageiros do fato – quando posteriormente possam ser submetidos à crítica do contraditório das partes. Como acentua Magalhães Gomes Filho, na monografia preciosa que acaba de publicar – O Direito à Prova no Processo Penal. Ed. RT, p. 135-, o contraditório não é qualidade acidental, mas constitui nota essencial do conceito mesmo do processo.”

Por outro lado, é de se observar que nos inquéritos civis que servem de suporte para o ajuizamento de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, maior razão assiste que a prova produzida pela parte instrumental, isoladamente não deve servir para o juízo de condenação, por esse tipo de demanda possuir forte conotação penal, onde os Tribunais Superiores já sedimentam a necessidade de jurisdicionalização da prova colhida no inquérito policial.

Sobre a conotação penal da Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), seguem as considerações de Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, ao atualizarem a obra de Hely Lopes Meirelles:[20] “(...) é inegável que a chamada ação de improbidade administrativa tem cunho civil (ressaltados, obviamente, os aspectos criminais da Lei nº 8.429/92, a serem perseguidos em ação penal própria, que não se confunde com a ação civil de improbidade, aqui abordada). (...) tais características no entanto, fazem da ação de improbidade administrativa uma ação civil de forte conteúdo penal, e com inegáveis aspectos políticos.”

Dentre os diversos e relevantes argumentos para a identificação das ilicitudes descritas na Lei nº 8.429/92 como autênticos “crimes de responsabilidade”, adotamos as eruditas considerações do Ministro GILMAR MENDES e do Jurista ARNOLDO WALD, em artigo intitulado “Competência para Julgar Ação de Improbidade Administrativa”,[21] publicado na Revista de Informação Legislativa nº 138/213, que se tornou verdadeiro paradigma sobre a questão e por isso merece integral transcrição:

“Não é preciso dizer, também, que muitos dos ilícitos descritos na Lei de Improbidade configuram, igualmente, ilícitos penais, que também podem dar ensejo à perda do cargo ou da função pública como efeito da condenação, como fica evidenciado pelo simples confronto entre o elenco de “atos de improbidade”, constante do art. 9, da Lei nº 8.429/92, e os delitos contra a Administração praticados por funcionário público (Código Penal, arts. 312 e seguintes, especialmente os crimes de peculato, art. 312, concussão, art. 316, corrupção passiva, art. 317, prevaricação, art. 319, e advocacia administrativa, art. 321). Tal coincidência ressalta a possibilidade de incongruências entre as decisões na esfera criminal e na “ação civil”, com sérias conseqüências para todo o sistema jurídico. Com efeito, será que alguém, em sã consciência, consideraria razoável que, em um sistema constitucional que consagra a prerrogativa de foro, um Ministro de Estado, um parlamentar, ou até mesmo o Presidente do Supremo Tribunal Federal pudesse ter os seus direitos suspensos e decretada a perda de seu cargo por decisão de um juiz de primeiro grau? Se essa indagação provoca dificuldades, como admitir a proliferação de “ações civis de improbidade” contra autoridades submetidas à competência originária de Cortes Superiores perante juízes de primeiro grau? A matéria não é meramente acadêmica, pois consta que já houve um processo no qual um juiz de primeira instância intimou o Presidente do STF a proceder a determinados pagamentos, sob as pressas da lei, o que evidencia a verdadeira subversão do sistema.”

Reitera-se que a utilização de prova produzida de forma unilateral, sem o crivo do contraditório, para atender única e exclusivamente o interesse de quem a produz na qualidade de futuro titular de ação civil pública, não pode ser permitida como única fonte de fundamento probatório para a condenação nas ações de improbidade administrativa, sem que a parte passiva possa produzir as suas provas e a parte autora ratificar o que antes fora produzido por si própria em procedimento investigativo.

Entender diferente seria romper definitivamente com a simetria de forças igualitárias no processo, colocando em risco todo o sistema de princípios do nosso ordenamento jurídico, que não foi concebido para se permitir massacrar uma parte em detrimento da outra em termos probatórios, além de em encontra partida gerar para o Ministério Público uma posição de superioridade na demanda judicial, em que atua como parte instrumental.

Enfim, a judicialização da prova produzida no inquérito civil é medida obrigatória, instransponível, que visa salvaguardar as prescrições de garantia dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, bem como a boa ordem jurídica e processual. Não há como se defender validamente posição contrária, pois seria afirmar que a atuação administrativa na produção da prova pelo Ministério Público, possui valoração superior ao pleito da parte ré para essa mesma atividade probatória perante o juiz na ação de improbidade administrativa.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. O valor probatório relativo do inquérito civil público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3637, 16 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24562. Acesso em: 22 dez. 2024.

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