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A “justiça” gratuita no Brasil

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Notas

[1] Precisa recordar que a tutela jurisdicional efetiva constitui o direito fundamental que tem todo cidadão de aceder a um processo com todas as garantias constitucionais e que culmine com uma decisão de fundo devidamente motivada, o que desde logo não significa  o direito a obter uma decisão de mérito favorável, senão unicamente um pronunciamiento fundamentado em que se decida sua pretensão. Nesse sentido, a tutela jurisdicional efetiva é uma garantia constitucional processual que deve estar presente desde o momento em que se acede ao aparato judicial até que se executa de forma definitiva a decisão ditada no caso concreto.

[2] DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DEFENSORIA PÚBLICA. EXCLUSIVIDADE DA LEGITIMIDADE PARA REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. ARGUMENTO QUE NÃO PROCEDE. LEI Nº 1.060/95 E LC Nº 132/09. REQUERIMENTO MEDIANTE SIMPLES DECLARAÇÃO. ADVOGADO PRIVADO QUE ACEITA O ENCARGO. PREFERÊNCIA. RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE.1.Da literalidade dos artigos a da Lei nº 1.060/50 e artigo 4º da Lei Complr nº 132/09, infere-se que aos que não possuem condições de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios e, mediante simples declaração nesse sentido, requeiram ao Judiciário a dispensa do pagamento de tais despesas, é deferido o benefício da gratuidade da justiça. Deflui das citadas normas, ademais, que o juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, deferindo-o, determinando ao serviço de assistência judiciária mantido pelo Estado que indique advogado para patrocinar a causa do cidadão beneficiário da gratuidade em apreço. 2.É pacífico na jurisprudência o entendimento segundo o qual a concessão da gratuidade da justiça é deferida mediante apresentação de simples requerimento instruído com declaração do estado de pobreza alegado, resguardada ao Juízo, à obviedade, a possibilidade de indeferi-lo quando houver fundadas razões para fazê-lo. 3.In casu, a Magistrada de 1º Grau indeferiu o pedido de gratuidade judiciária formulado pelos ora agravantes não em virtude da ciência de provas que atestassem a ausência de veracidade da pobreza alegada, mas com fundamento em tese segundo a qual, havendo Defensoria Pública organizada no Estado, a ela compete, com exclusividade, o pedido de assistência judiciária, posicionamento este com o qual discordo, por entendê-lo restritivo do direito de acesso à Justiça, sabidamente norteador da edição da Lei nº 1.060/50, cujos dispositivos, a despeito da organização da Defensoria Pública nos Estados e Municípios, continuam em vigor e garantem aos cidadãos, ainda que não representados em Juízo por defensores públicos, a gratuidade da justiça, desde que carentes de recursos e impossibilitados de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem comprometer sua subsistência... 5.À unanimidade de votos, deu-se provimento ao presente recurso, deferindo-se em favor dos ora agravantes o benefício da gratuidade da justiça, neste Juízo e na instância a quo, até ulterior decisão. (Processo:AI 17189520108170660 PE 0020427-87.2011.8.17.0000 Relator(a): Luiz Carlos Figueirêdo Julgamento:27/03/2012 Órgão Julgador:7ª Câmara Cível).

[3]AGRAVO DE INSTRUMENTO. Assistência judiciária. Não tendo a Constituição Federal de 1988 recepcionado integralmente a Lei n.º 1060/50, a isenção do recolhimento de custas e da taxa judiciária só cabe quando a parte beneficiada é assistida pela Defensoria pública. Inteligência do disposto no artigo 30, da Constituição Estadual. Decisão Confirmada. (Acórdão de 15.02.1995, lavrado por decisão unânime da Quinta Câmara do Tribunal de Alçada Cível, sendo relator o Exmo. Juiz Jair Pinto de Almeida, no Agravo de Instrumento n.º 1.344/93, confirmando decisão do Juízo da 4ª Vara Cível). AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de Cobrança de Despesas Condominiais. Indeferimento dos benefícios da Justiça Gratuita porque a Agravante não apresentou declaração do imposto de renda do último exercício fiscal e contratou advogado particular. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO( Processo: AI 127051620128260000 SP 0012705-16.2012.8.26.0000 Relator(a):Francisco Orlando Julgamento:15/02/2012 Órgão Julgador:26ª Câmara de Direito Privado). JUSTIÇA GRATUITA Benefício indeferido de plano Capacidade econômica duvidosa Comprovação que pode ocorrer no curso do feito ou em eventual incidente autônomo Presunção de veracidade acerca da impossibilidade de arcar com o pagamento das despesas processuais Contratação de advogado particular que, a princípio, não afasta a presunção Agravo provido.(Processo: AI 574629520128260000 SP 0057462-95.2012.8.26.0000 Relator(a): Carlos Henrique Miguel Trevisan Julgamento: 26/04/2012 Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado).

[4] Não analisaremos aqui os problemas relacionados com os inconvenientes, os limites e a natureza essencialmente subjetiva da “ponderação” como técnica argumentativa. Admitimos, contudo – para os efeitos deste artigo -, que a ponderação consiste simplesmente em um processo (subjetivo) de valoração das razões para interpretar a norma de uma ou de outra maneira, no contexto de suas interpretações possíveis. Porque, e aqui está o dado decisivo, nem os princípios pesam “em si” nem as circunstâncias do caso pesam “em si”; o respectivo “peso” dá o juiz, ao “sopesá-los”. Para uma discussão sobre este tema cf.: ATIENZA, M. y GARCÍA AMADO, J. A. Un debate sobre la ponderación,  Lima-Bogotá: Temis, 2012. 

[5] Também implica uma resposta imediata a qualquer pergunta sobre ricos e pobres: em caso de dúvida, há que favorecer ao pobre. Temos intuições morais acerca das diferenças entre o rico e o pobre, mas estas intuições dependem  de um ponto de referência arbitrário e não tem que ver com o problema real. Este problema – a questão acerca dos estados reais do mundo – é o de quanto deve pagar o Estado ( e a sociedade) para manter uma justiça gratuita real e eficaz. Não temos intuições morais que nos ensinem a resolver este problema. Nossas preferências, nossos sentimentos e intuições morais se acham adstritos a marcos  ideológicos, a meras descrições da realidade mais que à  realidade mesma (KAHNEMAN, D. Pensar rápido, pensar despacio, Barcelona: Debate, 2012).  

[6] ATRAN, S. “Moral Moonshine: Sam Harris's Guide to Nearly Everything", THE NATIONAL INTEREST, March/April 2011.

[7] O qual também pode estar relacionado com a denominada “cognição cultural”, quer dizer, com a tendência dos indivíduos a ajustar suas percepções sobre fatos com consequências jurídicas aos compromissos sustentados por seus grupos de referência. Por outro lado, embora essencial para a justiça, a igualdade não é tudo. Por exemplo, o juízo de Salomão, tantas vezes citado, não se baseou na justiça, senão na psicologia. Ou melhor dito, somente foi justo seu segundo juízo, quando devolveu a criança a sua verdadeira mãe e renunciou assim à igualdade (abstrata e indiscriminada). Se houvesse decidido cortar a criança em duas, não teria sido um ato de justiça, senão de pura barbárie (COMTE-SPONVILLE, A. Petit traité des grandes vertus, Paris: Presses Universitaires de France, 1995). Em resumo, justiça e igualdade não significam ausência de desníveis e assimetrias, já que os indivíduos são sempre ontologicamente diferentes, mas sim, e muito particularmente, ausência de exploração (ou interferência arbitrária) de uns sobre outros. Daí que tratar como iguais aos indivíduos não necessariamente entranha um trato idêntico: não implica (necessariamente), por exemplo, que todos recebam uma porção igual do bem, qualquer que seja que a comunidade política trate de subministrar, senão mais bem a direitos ajustados às diversas condições (DWORKIN, R. Los derechos en serio, Barcelona: Ariel, 1989). Como recorda Peter Singer, a existência de profundas diferenças entre os seres humanos deve levar a certas diferenças nos direitos a serem atribuídos a uns e outros. Quando se invoca um princípio de igualdade ou equidade (presente na maioria das teorias contemporâneas da justiça) não se está em absoluto pretendendo que deva conduzir a uma identidade absoluta de direitos: da mesma maneira que é absurdo conceder a liberdade de aborto a um homem, o é a pretensão de dar a liberdade a uma mulher para contrair matrimônio, por exemplo, com um porco. É a “consideração” a que deve ser mantida por igual; a consideração que merecem diferentes seres conduz a distintos direitos (SINGER, P. Compendio de Ética, Madrid: Alianza, 2010). 

[8] PASTOR, S.  Ah de la Justicia! Política Judicial y Economía, Madrid: Ed. Civitas, 1993.

[9] Como recorda Martins de Sousa ao tratar dos Juizados especiais, a “gratuidade do processo para o autor da ação é outro ponto que merece ser revisto. Hoje tentar a sorte em uma ação infundada nos juizados especiais é melhor do que jogar na Mega-Sena, uma vez que nas loterias é preciso pagar para apostar. A banalização do instituto do dano moral e a judicialização das relações de consumo, quando somadas à disposição contida no artigo 54 da lei 9.099/95, geram como resultado a multiplicação dos processos nos Juizados Especiais. Atualmente, qualquer aborrecimento ou dissabor dá origem a uma ação de indenização por dano moral.” (SOUSA, Ulisses César Martins de. Juizados especiais, pesadelo de justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3338, 21ago. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22460>.)

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[10] Sobre o o crescimento da litigiosidade motivado pelo benefício de litigar sem gastos, especialmente em relação ao abuso na utilização da carta de pobreza, cf. GALVÃO, Márcio Pirôpo. O crescimento da litigiosidade também é motivada pela utilização abusiva da Justiça gratuita. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22466>. Segundo Pirôpo Galvão: “Apesar da nobre finalidade constitucional da Justiça Gratuita, é notório que muitas pessoas utilizam esse benefício para propor ações temerárias e aventureiras junto ao Poder Judiciário. Apesar de esse não ser o único fator que contribui para a litigiosidade, constata-se o crescimento do número de demandas aventureiras e também desnecessárias, que poderiam ter sido solucionadas com simples medidas administrativas.[...] A concessão imoderada e facilitada do benefício de litigar sem gastos, acrescida da ausência de riscos para se demandar junto ao Poder Judiciário, é um dos fatores que provoca o crescimento do número de pessoas que estão abusando do direito e propondo ações meramente protelatórias, abusivas, aventureiras e irresponsáveis.”

[11] PASTOR, S.  Ah de la Justicia! Política Judicial y Economía, Madrid: Ed. Civitas, 1993.

[12] Segundo Gloria Origgi, a caconomia [ou “Kakonomia”, palavra que procede de uma voz grega, Kakos (pior, mau), com  a que se vem a designar “economia do pior” ou “economia do medíocre”] descreve um estranho tipo de situação em que há uma muito difundida predileção pelos intercâmbios medíocres que se mantêm ao menos enquanto ninguém se queixe da situação: algo assim como uma silenciosa preferência pela mediocridade ou pelas normas que regulam os intercâmbios da pior maneira possível. Os mundos caconômicos são mundos em que a gente não somente convive com o escasso rigor próprio e alheio senão que espera realmente que esse seja o comportamento geral: confio em que o outro não cumprirá plenamente suas promessas porque quero ter a liberdade de não cumprir eu as minhas e, ademais, não sentir-me culpado por isso. O que determina que este seja um caso tão interessante como estranho é o fato de que em todos os intercâmbios de natureza caconômica ambas as partes parecem haver estabelecido um duplo acordo: por um lado, um pacto oficial pelo qual os dois intervenientes declaram ter a intenção de realizar um ou mais intercâmbios com um elevado nível de qualidade e, por outro, um acordo tácito pelo qual não somente se permitem rebaixar essa suposta qualidade senão que coincidem inclusive em esperá-las. Deste modo, ninguém se aproveita do outro, já que a Kakonomia se acha regulada pela mútua assunção de um resultado medíocre (ou serôdio), ainda que alguns se aventurem a afirmar publicamente que o intercâmbio teve em realidade um alto nível de qualidade. Cf. ORIGGI, G. Kakonomics, in BROCKMAN, J. (Ed.) This Will Make You Smarter, New York: HarperCollins Publishers, 2012.      

[13] “Além do desvio de finalidade, a doutrina também aponta a lesividade causada à administração da Justiça como outro caracterizador do abuso processual. Nesse sentido, Taruffo também afirma que a movimentação desnecessária da máquina do Judiciário contribui sensivelmente ao mau funcionamento da administração da Justiça. No mesmo sentido, José Olympio de Castro Filho aponta que: “Era, e é, o indivíduo servindo-se do Estado, através dos órgãos jurisdicionais, para prejudicar a outrem, ou para obter resultados ilícitos e inatingíveis sem o concurso do mesmo Estado. § É essa invocação injustificada ou maliciosa dos órgãos jurisdicionais que autoriza reprimir o abuso do direito ainda quando não haja dano à parte contrária. A repressão se efetua, não porque resulte, ou possa resultar, em dano alheio, senão porque representa, o abuso, por si só, um dano ao Estado. A manutenção da Justiça custa dinheiro, e não é justo que o dinheiro do povo seja empregado para satisfazer a má-fé, a temeridade, o capricho, ou o erro grosseiro de um indivíduo. Por outro lado, supondo que procedessem as partes com correção e lisura no processo, dizendo logo a verdade e só a verdade, muito menor seria o gasto de tempo e de despesas para a solução da controvérsia, pelo mesmo motivo reprime-se a infração da regra de dizer a verdade, ainda quando não haja dano à parte contrária, porque, também aí, há sempre o dano ao Estado.”(GALVÃO, Márcio Pirôpo. O crescimento da litigiosidade também é motivada pela utilização abusiva da Justiça gratuita. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22466>).

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Sobre os autores
Atahualpa Fernandez

Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher.

Athus Fernandez

Advogado proprietário do escritório Athus Fernandez Advocacia em Ribeirão Preto/SP; Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP; Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho do Curso PROORDEM em Ribeirão Preto/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Atahualpa ; FERNANDEZ, Athus. A “justiça” gratuita no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3680, 29 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24633. Acesso em: 19 abr. 2024.

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