3. TESTAMENTO VITAL
3.1. GENERALIDADES
Deste longa data, objetivando conquistar segurança jurídica nas suas relações interpessoais, o homem se preocupou em eternizar a ocorrência dos mais variados fatos, inclusive a exteriorização de suas idéias, em um documento, tido como sendo toda coisa que, por força de uma atividade humana, seja capaz de representar um fato[54] ou na qual estejam inseridos símbolos que tenham aptidão para transmitir idéias ou demonstrar a ocorrência de fatos.[55]
Assim, aliado a percepção de que, “na hora da morte e do prolongamento da angústia de um indivíduo, o que ocorre é que parece haver desejo em não se respeitar a mesma dignidade garantida nos procedimentos da vida”,[56] nos tempos atuais é vigorosa a expansão do chamado testamento vital, conceituado pela tradicional doutrina como
documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento que deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade;[57]
instrumentos legales que expresan en forma escrita las preferencias de tratamientos o cuidados que se desean o que no se desean en caso de encontrarse en una situación que disminuya considerablemente o que elimine la capacidad de dar el propio consentimiento;[58]
documento em que a pessoa poderá esclarecer sua vontade quanto aos tipos de procedimentos médicos que deverão ser realizados no caso de encontrar-se doente, em estado terminal ou incurável, sem que possa transmitir seu interesse, podendo até manifestar-se pelo não tratamento;[59]
documento elaborado por uma determinada pessoa que, mediante diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental, declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento;[60] ou ainda
ato unilateral de vontade onde o declarante, com lucidez e convicção, atestadas por um especialista, expressa seu desejo, perante duas testemunhas de, em situações terminais, na hipótese de ser acometido de uma doença grave, ou no caso de um acidente que acarrete um quadro de inconsciência permanente, ser evitado o prolongamento da vida por meios artificiais.[61]
Ademais, também a Associação Médica Mundial definiu o que se entende por testamento vital: “documento escrito e assinado ou declaração verbal perante testemunhas no qual uma pessoa expressa seus desejos em relação à atenção médica que quer ou não receber se estiver inconsciente ou se não puder expressar sua vontade”.[62]
Dessa forma, caracteriza-se por ser aplicado nos casos de quadros clínicos terminais, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que não possibilite a capacidade de a pessoa se recuperar e tomar decisões, e é de suma importância para determinar que a pessoa não deseja submeter-se a tratamento para prolongamento da vida de modo artificial, às custas de sofrimento, evitando medidas invasivas contra a sua real vontade.
Ocorre que o testamento vital é apenas espécie do gênero diretivas antecipadas, que contempla ainda o mandado duradouro,[63] “documento no qual o paciente escolhe uma pessoa que deverá tomar decisões em seu nome, quando o próprio paciente não puder exprimir mais sua vontade”,[64] ou seja, “documento no qual o paciente nomeia um ou mais procuradores que deverão ser consultados pelos médicos na circunstância de sua incapacidade – terminal ou não –, para decidirem sobre o tratamento ou não”.[65]
Vê-se que o testamento vital é um documento mais abrangente que o mandado duradouro, na medida em que, não bastasse ser possível incluir em suas disposições a nomeação de um procurador, efetivamente contém as diretrizes sobre aceitação e recusa de tratamento, enquanto o mandado duradouro é apenas um instrumento de nomeação de um procurador.
Todavia, “o mandado duradouro tem um alcance mais amplo porque demonstra seus efeitos cada vez que a pessoa que o outorgou seja incapaz de tomar uma decisão, ainda que de forma temporária”,[66] ao passo em que o testamento vital somente produzirá efeito nos casos de incapacidade definitiva do paciente.
Por tal razão, alerta-se que, caso a pessoa queira fazer as duas modalidades de diretivas antecipadas, as faça separadamente, considerando que, aglutinando apenas no formato testamento vital a nomeação de um procurador e as diretrizes sobre aceitação e recusa de tratamento, a atuação do procurador em caso de incapacidade temporária do outorgante restaria inviabilizada.
Por fim, convém ressaltar que o termo testamento vital[67], tecnicamente, sob o ponto de vista jurídico, mostra-se inadequado, pois remete para o instituto do testamento[68] e, não obstante, prescinde da sua característica essencial, qual seja, ser negócio jurídico com efeito causa mortis, produzindo, ao contrário, efeitos inter vivos, ainda que imediatamente antes da ocorrência da morte.
Assim, tem-se como mais adequada a expressão “declaração prévia de vontade do paciente terminal”, haja vista que o “testamento vital” é, na realidade, uma declaração de vontade manifestada pelo paciente terminal anteriormente à situação de terminalidade. Entretanto, tendo em vista que “testamento vital” é o nome pelo qual no Brasil é mais conhecido, este continuará por nós a ser utilizado, apesar de sua imprecisão técnico-jurídica.
3.2. O DIREITO À MORTE DIGNA E O DIREITO DE MORRER
A elaboração do testamento vital como meio de se registrar a complexa decisão de não prolongar a própria vida importa em fazer a distinção entre o direito à morte digna e o “direito de morrer”, a fim de realçar, afinal, qual deles efetivamente é resguardado pelo instrumento de diretiva antecipada.
Como se sabe, a vida é considerada o bem jurídico de mais alto valor, direito inalienável e intransferível, exigindo-se dever geral de abstenção no sentido de não lesar e não perturbar. Ademais, depreende-se que a Carta Magna brasileira é terminantemente favorável ao direito à vida, que é, sem dúvida, o primeiro e mais importante de todos os direitos fundamentais do homem.[69]
Em face de tamanha importância, CARLOS ALBERTO BITTAR acrescenta:
o direito à vida integra-se à pessoa até o seu óbito, abrangendo o direito de nascer, o de continuar vivo e o de subsistência, mediante trabalho honesto (CF, art. 7º), ou prestação de alimentos (CF, art. 230), pouco importando que seja idosa (CF, art. 230), nascituro, criança, adolescente (CF, art. 227), portadora de anomalias físicas ou psíquicas (CF, arts. 203, IV, 227, § 1º, II), que esteja em coma ou que haja manutenção do estado vital por meio de processo mecânico.[70]
Entretanto, diante de todos os direitos fundamentais, não se deve ver o direito à vida isoladamente, cabendo considerar que tal direito não é absoluto nem exatamente um dever, sob pena de se transformar a vida em direito para quem a deseja e obrigação para quem não a quer.
Por tais razões, no âmbito da ética da vida, normalmente nos deparamos com dois tipos de discursos: o parenético e o científico. Naquele, a vida é verdadeira propriedade de Deus e ao homem incumbe apenas administrá-la, isto é, trata-se de um valor absoluto que só a Deus pertence e, consequentemente, o ser humano não tem nenhum direito sobre a vida própria e alheia; ao tempo em que, no segundo discurso, igualmente a vida é um dom recebido, porém fica à disposição daquele que o recebe, com a tarefa de valorizá-lo qualitativamente, o que nos permite reconhecer ser o homem protagonista da sua própria existência.[71]
Assim, quando se fala em sacralidade da vida, utiliza-se a explicação parenética e, ao se falar em qualidade de vida, o discurso científico, de tal modo que, naquele âmbito, o princípio fundamental é a inviolabilidade da vida e, com base na abordagem científica, a qualidade de vida é o valor fundamental.
Todavia, a sacralidade e a qualidade de vida não precisam ser dois vetores oponentes, sendo necessário, no atual estágio da civilização humana, conjugar as duas abordagens, conforme bem se posiciona HUBERT DOUCET:
O caráter sagrado da vida não se opõe necessariamente à qualidade de vida. Na tradição judaico-cristã as duas dimensões se comunicam. Em nossas sociedades ocidentais, saídas dessa tradição, a preservação da vida humana é um valor fundamental mas não absoluto. A presunção em favor da vida deve ser temperada, se não o absolutismo do princípio poderia conduzir ao desrespeito de certos doentes.[72]
Desse modo, é de se considerar a existência de uma disponibilidade controlada ou parcial da vida, tendo em vista que “quando a vida física é considerada um bem supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade, o amor natural pela vida se transforma em idolatria, [...] organizando a fase terminal como uma luta a todo custo contra a morte”[73], o que não significa, porém, legitimar o direito de morrer, mas, pelo contrário, ressaltar a dignidade no momento da morte.
Nesse ponto, então, a partir da noção de vida digna, analisada sob o prisma da saúde como qualidade de vida ou bem-estar biopsicossocial do ser humano, inserido em seu contexto histórico, sociocultural e ambiental, possibilitando o pleno desenvolvimento da pessoa,[74] ROXANA CARDOSO BRASILEIRO BORGES conceitua morte digna como
a recusa de se submeter às manobras tecnológicas que só fazem prolongar a agonia. É um apelo ao direito de viver uma morte de feição humana (...) significa o desejo de reapropriação de sua própria morte, não objeto da ciência, mas sujeito da existência.[75]
De mais a mais, morrer com dignidade é “a reivindicação por vários direitos, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, refere-se ao desejo de se ter uma morte humana, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil”.[76]
Não se trata de defender qualquer procedimento que antecipe ou cause a morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação, dando-lhe permissão para morrer com seu caráter, com sua personalidade e com seu estilo,[77] diferentemente do “direito de morrer”, que teoricamente seria o direito de o indivíduo, que esteja em estado terminal ou até mesmo saudável, submeter-se a procedimentos que causem ou antecipem a sua morte, a exemplo da eutanásia, o que, consoante outrora relatado, não se admite no Brasil.
O direito de morrer tampouco deve ser confundido e/ou fundamentado no direito que o paciente tem de não ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (CC/02, art. 15), na medida em que o que se visa através dessa regulamentação no Código Civil é justamente à preservação da integridade do corpo humano diante de situações em que um tratamento médico necessário a longo prazo para o restabelecimento do enfermo possa colocar em risco a sua própria vida, ou seja, o bem jurídico tutelado é a própria vida do cidadão, que estaria em risco por conta de um tratamento apontado como necessário.
Logo, a diferença entre o direito à morte digna e o direito de morrer é salutar, na medida em que o testamento vital, objetivando evitar o prolongamento da vida através de meios artificiais que põem em cheque o próprio bem estar do paciente, busca resguardar tão somente aquele, e não propriamente um suposto direito generalizado de o ser humano ceifar a própria vida, sobretudo quando não se concebe que o seu titular possa dela dispor, haja vista que a vida não é uma concessão jurídico-estatal nem tampouco um direito a si mesmo.[78]
3.3. O INSTITUTO NO DIREITO ALIENÍGENA
O testamento vital, embora no Brasil ainda sejam incipientes as discussões, tem sido objeto de estudos médicos e jurídicos em todo mundo, a ponto de em diversos países já haver legislação específica regulamentando o assunto.
Nessa esteira, cumpre analisar como o mesmo surgiu e vem sendo abordado nos principais ordenamentos jurídicos alienígenas, a fim de se verificar a viabilidade do instituto no ordenamento jurídico pátrio.
3.3.1. A experiência norte-americana
Nos Estados Unidos da América, o testamento vital, cunhado pela denominação living will, teve seu nascedouro no final da década de 1960, especificamente em 1967, quando a Sociedade Americana para a Eutanásia, pela primeira vez, propagou um documento de cuidados antecipados pelo qual o indivíduo poderia registrar seu desejo de interromper as intervenções médicas de manutenção da vida.[79]
Em 1969, foi proposto pelo advogado Louis Kutner um novo modelo, objetivando a solução de conflitos entre médicos, pacientes terminais e familiares sobre a tomada de decisão em relação aos tratamentos que o paciente em estado terminal deveria ser submetido, tendo sido sugerido ainda que o documento satisfizesse 4 (quatro) finalidades:
1) auxiliar a abordagem da temática nos tribunais, levando em conta a diferença entre o homicídio privilegiado por relevante valor moral e o qualificado por motivo torpe;
2) permitir ao paciente o direito de morrer por sua vontade;
3) propiciar ao paciente expressar seu desejo de morrer mesmo em ocasião em que esteja incapaz de dar seu consentimento; e
4) garantir ao paciente que sua vontade será respeitada e cumprida.[80]
Entretanto, somente em 1973 o primeiro caso de living will chegou aos tribunais norte-americanos[81] e, ainda no mesmo ano, editou-se o primeiro diploma legal que reconheceu o instituto: Natural Death Act, elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale, no Estado da Califórnia.
Com a aprovação do Natural Death Act, membros de algumas associações médicas californianas, com a finalidade de auxiliar os médicos no uso dos métodos artificiais de prolongamento da vida, elaboraram o Guidelines and Directive, o qual continha, em síntese, as seguintes disposições:
a) deve o paciente procurar auxílio de um advogado ou registrar em cartório a diretiva antecipada, bem como solicitar ao seu médico que esta faça parte de seu histórico clínico;
b) as 2 (duas) testemunhas que assinarem a diretiva não podem a) ter nenhum parentesco consanguíneo com o paciente, b) ser cônjuge do paciente, c) está beneficiadas no testamento do paciente, d) ter alguma demanda sobre bens da propriedade do paciente ou e) ser o médico ou qualquer pessoa que com ele trabalhe, nem tampouco nenhum dos funcionários do hospital, caso a diretiva tenha sido assinada neste estabelecimento;
c) apenas pessoas capazes e maiores de 18 (dezoito) anos podem redigir uma diretiva antecipada, e desde que a feitura documento tenha sido feita de forma livre;
d) a diretiva antecipada será válida por 5 (cinco) anos, não sendo válida, porém, durante a gravidez; e
e) o médico estará vinculado à diretiva antecipada somente quando tiver certeza da sua validade, outro médico tiver certificado o estado terminal do paciente e a condição de saúde deste tive sido informada há, pelo menos, 14 (catorze) dias.[82]
A partir da aprovação da lei californiana reconhecendo o living will, outros Estados norte-americanos também passaram a aprovar suas respectivas leis abordando o assunto e, em 1991, sob forte clamor público gerado pelo emblemático Caso Nancy Cruzan[83], finalmente o testamento vital adquiriu notoriedade em todo o país, com a aprovação da Patient Self-Determination Act, primeira lei federal dos Estados Unidos da América a reconhecer o direito à autodeterminação do paciente, regulando que as instituições médicas, no momento da internação de um paciente adulto, devem fornecê-lo informações sobre seus direitos, dentre os quais, o de elaborar um living will, com a finalidade de orientar de uma forma geral os cuidados médicos que serão despendidos.[84]
Atualmente, os Estados Unidos da América já focam seus olhares em torno de diretivas antecipadas que valham para todos os pacientes, e não apenas para aqueles em estado clínico terminal, bem como no Advance Care Planning, isto é, no planejamento antecipado de tratamentos.[85]
3.3.2. A experiência espanhola
Na Espanha, as discussões sobre as instrucciones previas, expressão pela qual o testamento vital é denominado na legislação federal do país, iniciaram-se em 1986, quando a Associación Pro Derecho a Morir Dignamente redigiu um modelo de tais documentos.[86]
Não obstante, somente em 1º de janeiro de 2000, com a entrada em vigor da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina[87] na Espanha, conhecida como Convênio de Oviedo, é que as instrucciones previas passaram a ter previsão legislativa nesse país, o que não significou, entretanto, a desnecessidade de elaboração de leis nas diversas comunidades autônomas, na medida em que cada uma tem especificidades que devem ser melhor detalhadas e normatizadas, motivo pelo qual comunidades como Galícia, Extremadura, Madrid, Aragón, La Rioja, Navarra, Catambria, Andaluzia, Valencia, dentre outras, também regularam o tema, com algumas peculiaridades entre uns e outros diplomas legislativos, a saber:
a) apenas 5 (cinco) das 16 (dezesseis) comunidades autônomas que possuem lei sobre o assunto utilizam a expressão “instruções prévias”, haja vista que nas demais o documento recebe a denominação “vontade antecipada”;
b) somente as comunidades autônomas de Andaluzia, Valencia e Navarra reconhecem a legitimidade do paciente menor de idade para fazer instrucciones previas;
c) apenas o diploma legislativo de Navarra aponta diferenças entre o testamento vital e as vontades antecipadas e somente o de Madrid diferencia as instruções prévias do mandado duradouro;
d) em todas as comunidades, além de obrigatoriamente serem manifestadas de forma escrita, as instruções prévias devem ser incorporadas ao histórico do paciente, e a figura do representante ou procurador está presente, inclusive em certas comunidades é necessário que sejam designados vários representantes ou procuradores; e
e) na maior parte dos diplomas, existe a possibilidade de o paciente dispor sobre a doação de órgãos e do destino de seu corpo após o falecimento.[88]
Em seguida, entrou em vigor a lei 41/2002, de 14 de novembro de 2002, que expressamente trata das instrucciones previas em seu artigo 11, in verbis:
Artículo 11. Instrucciones previas.
1. Por el documento de instrucciones previas, una persona mayor de edad, capaz y libre, manifiesta anticipadamente su voluntad, con objeto de que ésta se cumpla en el momento en que llegue a situaciones en cuyas circunstancias no sea capaz de expresarlos personalmente, sobre los cuidados y el tratamiento de su salud o, una vez llegado el fallecimiento, sobre el destino de su cuerpo o de los órganos del mismo. El otorgante del documento puede designar, además, un representante para que, llegado el caso, sirva como interlocutor suyo con el médico o el equipo sanitario para procurar el cumplimiento de las instrucciones previas.
2. Cada servicio de salud regulará el procedimiento adecuado para que, llegado el caso, se garantice el cumplimiento de las instrucciones previas de cada persona, que deberán constar siempre por escrito.
3. No serán aplicadas las instrucciones previas contrarias al ordenamiento jurídico, a la «lex artis», ni las que no se correspondan con el supuesto de hecho que el interesado haya previsto en el momento de manifestarlas. En la historia clínica del paciente quedará constancia razonada de las anotaciones relacionadas con estas previsiones.
4. Las instrucciones previas podrán revocarse libremente en cualquier momento dejando constancia por escrito.
5. Con el fin de asegurar la eficacia en todo el territorio nacional de las instrucciones previas manifestadas por los pacientes y formalizadas de acuerdo con lo dispuesto en la legislación de las respectivas Comunidades Autónomas, se creará en el Ministerio de Sanidad y Consumo el Registro nacional de instrucciones previas que se regirá por las normas que reglamentariamente se determinen, previo acuerdo del Consejo Interterritorial del Sistema Nacional de Salud.[89]
De acordo com a lei supramencionada, através do documento de instruções prévias se direciona à equipe médica o desejo de não se prolongar artificialmente a vida e existe a possibilidade de, nesse mesmo documento, o paciente nomear um terceiro como seu representante para agir nos casos em esteja impossibilitado de manifestar sua vontade. Poderá o paciente, também, disciplinar sobre a doação de seus órgãos e sobre o destino de seu corpo após o seu falecimento.
Note-se que as instruções prévias, obrigatoriamente, deverão ter forma escrita, e poderão ser feitas em Cartório perante o notário, um funcionário qualquer do Registro Nacional ou da Administração Pública, ou 3 (três) testemunhas; valendo destacar que as disposições contrárias ao ordenamento jurídico e/ou aquelas que não correspondem a manifestação de vontade do outorgante não serão admitidas.
Além disso, em que pese em algumas comunidades autônomas, tais como as comunidades da Andaluzia, Navarra e Valencia, os menores de idade tenham legitimidade para realizarem suas respectivas instruções prévias, segundo a lei 41/2002, é necessário que o outorgante seja uma pessoa maior, capaz e livre. Outrossim, as instruções prévias devem constar no histórico clínico do paciente e podem ser revogadas em qualquer momento pelo seu subscritor.
Por fim, o Decreto 124/2007[90], regulamentando o ponto 5 do artigo 11 (acima transcrito) da lei 41/2002, criou o Registro Nacional de Instruções Prévias e o respectivo arquivo automatizado de dados de caráter pessoal, e fixou as seguintes medidas:
a) o acesso ao Registro Nacional de Instruções Prévias será restrito a.1) ao autor das instruções prévias, ao seu representante legal ou a quem ele tenha designado exclusivamente para este fim; a.2) aos responsáveis pelos registros autônomos; e a.3) às pessoas designadas pela autoridade sanitária da comunidade autônoma correspondente ou pelo Ministerio de Sanidad y Consumo.
b) nas comunidades autônomas em que as instruções prévias não tenham sido ainda regulamentadas, o paciente deverá se apresentar perante a autoridade de tal comunidade autônoma portando o documento de instruções prévias e esta irá remeter a documentação ao Registro Nacional, onde será feito uma inscrição provisória e, após, a devida notificação de tal inscrição à comunidade autônoma correspondente; e
c) independentemente da comunidade autônoma a que pertença o paciente, a instrução prévia deve ser conhecida e executada, no momento oportuno, pela equipe médica que prestar cuidados ao outorgante.
3.3.3. A experiência uruguaia
Em franca expansão nas mais variadas áreas do globo terrestre, em 17 de março de 2009 nosso vizinho Uruguai também aprovou uma lei específica regulamentando a figura dos testamentos vitais.
Trata-se da lei 18.473/2009[91], composta por 11 artigos, segundo a qual toda pessoa maior de idade e psiquicamente apta, de forma voluntária, consciente e livre, tem direito de expressar antecipadamente sua vontade no sentido de não se submeter a futuros tratamentos ou procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma, caso se encontre enferma em razão de patologia terminal, incurável e irreversível.
Outrossim, a referida lei expressamente dispõe que o fato de a pessoa se valer da manifestação antecipada de vontade nos moldes acima delineados não significa que se opõe a receber a devida atenção sob a perspectiva dos cuidados paliativos, bem como inova ao permitir que a pessoa também poderá manifestar sua vontade no caminho de que não se opõe a aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida, mesmo em detrimento da qualidade desta, o que, ao nosso sentir, cuida-se de inegável retrocesso, porque deixa ampla margem para a prática da distanásia.
Quanto aos aspectos formais da manifestação antecipada de vontade a que a lei se refere, tem-se que
a) necessariamente deverá ser escrita, conter a firma do paciente e de 2 (duas) testemunhas e ser incorporada ao histórico clínico do paciente;
b) não poderão ser testemunhas o médico que está acompanhando o caso, qualquer de seus funcionários ou qualquer dos funcionários da instituição de saúde em que o paciente está internado;
c) a qualquer momento, de modo escrito ou verbal, poderá ser revogada pelo paciente, dado a devida ciência ao médico para este anotar no histórico clínico;
d) deverá sempre incluir a nomeação de um representante, maior de idade, para velar por seu cumprimento, nos casos em que o paciente esteja incapacitado de tomar decisões por si próprio.
Em todos os casos de suspensão de tratamento de que trata a lei 18.473/2009, a equipe médica deverá primeiramente comunicar o fato a Comissão de Bioética da instituição hospitalar, devendo, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar do recebimento da comunicação pela Comissão, decidir pela realização ou não do pedido, valendo ressaltar que, se não houver pronunciamento da Comissão dentro do prazo de 48 (quarenta e oito) horas, considera-se tacitamente aprovada a suspensão do tratamento.
Prevendo a possibilidade de o médico que acompanha o caso, por convicções pessoais, religiosas ou morais, alegar alguma objeção ao pedido expresso no testamento vital elaborado pelo paciente, o artigo 9 da lei uruguaia estabelece que tal médico deverá se fazer substituir por outro profissional que o corresponda.
Por fim, consta determinação dirigida às instituições públicas e privadas de prestação de serviço de saúde no sentido de que deverão garantir o cumprimento da vontade antecipada do paciente, bem como promover programas educacionais para seus funcionários e usuários acerca dos direitos dos pacientes constantes da lei 18.473/2009, devendo contar com o apoio do Ministério da Saúde para ampla divulgação. Ademais, aquelas instituições de saúde não poderão vincular a aceitação do paciente em seus estabelecimentos com base em ter ou não o paciente documentado suas diretivas antecipadas.