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Redução da maioridade penal: tema antigo, debate atual

20/06/2013 às 10:58
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Antes de efetivar a redução da maioridade penal, o Estado deveria investir na construção de presídios especiais, onde cumpririam pena apenas os criminosos entre dezesseis e dezoito anos de idade incompletos.

Introdução

Não é de hoje que a maioridade penal acarreta ásperas discussões no ceio da nossa sociedade, sendo que este assunto ganha força toda vez que nós nos deparamos com um ato infracional grave praticado por um adolescente. Foi o que aconteceu recentemente em São Paulo, onde um estudante foi assassinado na porta de casa por um menor de idade que tentava roubar seu aparelho de telefone celular. Detalhe: o adolescente em questão tinha 17 anos e trezentos e sessenta e dois dias de vida, ou seja, estava na iminência de atingir a maioridade penal.

Dito isso, salientamos que o objeto deste estudo é nos posicionar sobre o tema e oferecer alguns caminhos que podem ser trilhados pelos nossos legisladores. Diante de uma onda crescente de violência, especialmente no Estado de São Paulo, algo precisa ser feito para proteger os cidadãos de bem, o que não significa, num primeiro momento, que somos a favor da redução da maioridade penal.

 


Contextualização

De acordo com o artigo 228 da Constituição da República, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial. A legislação a que faz menção o texto constitucional foi criada em 1990. Trata-se do Estatuto da Criança e do Adolescente, que no seu artigo 2° reitera a menoridade penal aos 18 anos de idade incompletos.

Esse mesmo dispositivo faz uma distinção entre criança (menor até doze anos de idade incompletos) e adolescente. Independentemente dessa distinção, devemos consignar que menores de idade não cometem crime, mas ato infracional. Consequentemente, não podem ser presos, estando sujeitos apenas às medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA.


Redução da Maioridade Penal: análise jurídica

Feitas as ponderações acima, concluímos que apenas os maiores de dezoito anos de idade podem responder penalmente por suas condutas. Assim, para que possamos evoluir no assunto, precisamos responder à seguinte pergunta: a maioridade penal aos dezoito anos constitui um direito fundamental? Se a resposta for positiva, estaremos diante de uma cláusula pétrea, o que inviabilizaria o prosseguimento do debate, uma vez que ela não poderia sofrer alteração. 

Em outubro de 2012, o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, ao ser sabatinado no Senado Federal, afirmou que a maioridade penal não seria uma cláusula pétrea. De acordo com o Ministro, que na época ainda era aspirante ao cargo, as cláusulas pétreas devem ser analisadas de maneira restritiva, sendo que esta interpretação sobre o tema favoreceria a adaptação da Constituição à dinâmica das mudanças sociais, o que valorizaria, inclusive, o trabalho realizado pelo próprio Congresso Nacional.[1]

Estamos de pleno acordo com o raciocínio desenvolvido pelo Ministro. Ora, a Constituição foi promulgada há mais de vinte anos, sendo que, desde então, muita coisa mudou, especialmente a sociedade. Como é natural, houve uma evolução. O que era inadequado em 1988, não é mais em 2013. Hodiernamente, graças ao avanço da internet, os jovens dispõem de diversos meios de informação, o que, em última análise, consolida o seu desenvolvimento psicológico muito antes dos dezoito anos de idade. Filmes, novelas, desenhos, vídeo games etc., ilustram, exaustivamente, a violência na sociedade, sendo quase impossível que um adolescente de dezesseis anos não tenha a perfeita noção dos atos que pratica.

Uma Constituição rígida como a nossa garante que instabilidades democráticas não afetem de maneira significativa o projeto traçado pelo legislador constituinte originário. Nesse sentido, o processo de alteração da Constituição é bem dificultoso, sendo o seu conteúdo material protegido pelas cláusulas pétreas, formando, assim, uma espécie de núcleo imutável.

Gilmar Mendes e outros ensinam que a “cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro”.[2]

Não nos parece que a maioridade penal esteja inserida nesse contexto, especialmente por se tratar, conforme já demonstrado, de uma matéria extremamente instável e que deve ser interpretada de acordo com a evolução do tempo. Claro que, seguindo esse raciocínio, dentro de alguns séculos nós defenderemos a maioridade penal aos doze ou dez anos de idade. Não é essa a nossa ideia. Tudo tem limite! Porém, as coisas não podem ficar como estão. A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.

Mister salientar, nesse ponto, que os direitos fundamentais derivam e gravitam em torno do princípio da dignidade da pessoa humana. O objetivo dos direitos fundamentais é assegurar a existência digna do ser humano. Nesse diapasão, Ingo Sarlet nos ensina ser correta “a premissa de que os direitos fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa humana, por via de conseqüência e, ao menos em princípio (já que exceções são admissíveis, consoante já frisado), em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa”.[3]

Isto posto, não temos dúvida de que a fixação de um limite para a responsabilização penal constitui, sim, um direito fundamental e, portanto, uma cláusula pétrea, haja vista que o indivíduo tem o direito de saber a partir de que ponto ele pode ser responsabilizado criminalmente. Para que fique claro, é este o direito protegido pela cláusula pétrea.

Destaque-se, todavia, que esse direito não abrange o termo inicial da responsabilidade penal, hoje fixado em dezoito anos. Perenizar a maioridade penal nesta faixa etária seria fechar os olhos para a evolução da humanidade. O Direito não é uma ciência exata, não podendo ficar parado no tempo, devendo se adaptar às mudanças e às necessidades da sociedade.

Subsidiando esse entendimento, consignamos que, ao estabelecer a maioridade penal aos dezoito anos, o legislador se utilizou de um critério puramente biológico  e político, relegando a um segundo plano a avaliação psicológica do infrator e o seu grau de discernimento sobre o fato criminoso. Convenhamos, caros leitores, qual a diferença existente entre um indivíduo de dezessete anos e trezentos e sessenta e três dias de idade e outro de dezoito anos e um dia? Percebe-se, assim, que a fixação da maioridade penal não pode ficar imune a mudanças, devendo ser modificada de acordo com a realidade.

Sem embargo do exposto, para aqueles que ainda não estiverem satisfeitos com os argumentos utilizados, defendemos o entendimento de que as cláusulas pétreas também podem ser modificadas por meio de plebiscito ou referendo.

Como é cediço, tais formas de consulta popular constituem o pilar da nossa democracia. Oxalá nós tivéssemos mais plebiscitos e referendos para discutir e solucionar assuntos tão importantes como este. Considerando que o titular do poder constituinte originário é o povo, não há qualquer inconstitucionalidade se o próprio povo optar pela alteração da Constituição. Aliás, nada mais justo que a sociedade se manifeste sobre essa questão, pois, assim, ninguém poderia questionar a legitimidade da escolha efetuada.

Tal entendimento é defendido por José Carlos Francisco. Para o autor, as cláusulas pétreas não podem ser consideradas absolutamente imutáveis, impedindo totalmente o exercício do poder constituinte derivado reformador, sendo necessária a existência de mecanismos ágeis e econômicos de alteração do núcleo das constituições sem o recurso à elaboração de toda uma nova Constituição.[4] Entretanto, deve ficar claro que para que essa alteração seja efetivada, ela deve ser precedida de um processo democrático de consultar popular que lhe dê legitimidade.

Superada essa questão envolvendo a natureza jurídica da maioridade penal aos dezoito anos (se cláusula pétrea ou não), outro ponto precisaria ser analisado: as funções da pena.

Quando falamos em redução da maioridade penal, as principais manifestações sobre o tema fazem referência à gravidade do crime e a reiteração de condutas criminosas pelo adolescente. Nesse sentido, os defensores da tese vinculam a punição do menor aos crimes cometidos mediante violência física ou grave ameaça e à reincidência do infrator.

Com a devida vênia, ousamos discordar desses posicionamentos. Quando falamos de sanção penal, que, automaticamente, nos remete ao direito fundamental de liberdade de locomoção, não podemos nos prender em aspectos abstratos e genéricos. Explicamos. Em nosso entendimento, não cabe ao legislador, de maneira abstrata, definir os casos em que o menor poderá ser penalizado. Esta missão – extremamente importante, diga-se – cabe ao Poder Judiciário. É o Juiz que deve analisar, de acordo com o caso concreto, a necessidade e a adequação da punição. Ao legislador cabe tão somente fornecer ao Magistrado as ferramentas para que ele possa neutralizar lesões ou ameaças a direitos.

Assim, fatores como a gravidade do crime, motivos do crime, conseqüências do crime, condições pessoais do agente, reincidência etc., devem ser sopesados pelo Juiz no momento da aplicação da pena e não pelo legislador quando da elaboração da lei. É impossível e imprudente estabelecer a punição dos menores de dezoito anos de maneira genérica, com base apenas na gravidade do crime e no fato de o menor ser reincidente.

Mas não é só isso. Para que tenhamos uma evolução em termos de segurança pública, não basta a redução da maioridade penal. Junto com ela devem ser implementadas políticas sociais que valorizem a educação e a profissionalização dos adolescentes. É dever do Estado oportunizar aos jovens acesso a cultura e a educação, pois só assim eles poderão se tornar pessoas dignas no futuro.

Como exemplo, sugerimos que os governantes invistam em escolas em período integral, com foco nos esportes e outras atividades ligadas ao lazer e à cultura. Quanto mais tempo as crianças passarem nesses ambientes, mais longe do crime elas estarão.

Ademais, é preciso que toda a sociedade faça uma reflexão sobre a nossa contribuição para a violência. Ninguém questiona o fato de que hoje em dia nós vivemos em uma sociedade extremamente segregadora, intolerante e preconceituosa.

Diante desse quadro, destacamos o princípio da coculpabilidade, que é definido por Zaffaroni e Pierangeli da seguinte forma: “todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em conseqüência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento de reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘co-culpabilidade’, com a qual a própria sociedade  deve arcar.”[5]

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Em outras palavras, a mencionada teoria aponta a parcela de responsabilidade do Estado pela não inserção social de indivíduos que cresceram em um ambiente sem muitas oportunidades, sendo a sua personalidade criminosa fruto dessa desigualdade. Para Zaffaroni e Pierangeli, essa carga de valores sociais negativos deve ser considerada pelo juiz no momento da sentença, como uma atenuante inominada (art.66, CP).

Por fim, não podemos concluir este estudo sem mencionar a premente necessidade de mudanças em nosso sistema penitenciário. Se a redução da maioridade penal não vier acompanhada de medidas que possibilitem que a pena efetivamente cumpra a sua função de ressocializar o preso, é melhor que nada mude.

Todos sabemos que o sistema carcerário brasileiro é extremamente falho. As penitenciárias vivem lotadas, os presos, muitas vezes, vivem em condições desumanas, sendo tratados como objeto pelo Estado, o que acaba provocando um ódio ainda maior ao sistema por parte dos detentos.

Com a redução da maioridade penal, haveria um aumento significativo na nossa já sobrecarregada população carcerária, o que inviabilizaria ainda mais a ressocialização do preso. Submeter jovens delinqüentes ao cumprimento de pena ao lado de criminosos perigosos e experientes, com certeza seria contraproducente. Não temos dúvida de que nessas condições o criminoso sairia da prisão pior do que entrou.

Sendo assim, apresentamos uma solução para mais esse problema. Antes de efetivar a redução da maioridade penal, o Estado deveria investir na construção de presídios especiais, onde cumpririam pena apenas os criminosos entre dezesseis e dezoito anos de idade incompletos. Vejam, nesse caso seria levado em consideração o momento da prática do crime. Praticado o crime dentro dessa faixa etária, toda a pena seria cumprida nesses presídios especiais.

Pensamos que dessa forma nós evitaríamos o temido contato entre criminosos inveterados e aqueles que estão debutando na vida do crime. Demais disso, no interior dessas penitenciárias também deveriam ser implementadas políticas ressocializadoras, tais como atendimento psicológico, religioso, médico e profissionalizante.

Concluindo esse estudo, defendemos o entendimento de que é possível a redução da maioridade penal e somos favoráveis a esta medida. Contudo, temos a certeza de que ela, por si só, não surtirá os efeitos desejados em termos de segurança pública. É preciso que diversas medidas sejam adotadas em paralelo pelos nossos governantes. Do contrário, é melhor deixar tudo como está, pois “uma andorinha só, não faz verão”!


Referências

FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocêncio; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FRANCISCO, José Carlos. Emendas constitucionais e limites flexíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

WOLFGANG SARLET, Ingo. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 7ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. 7ª. ed.  São Paulo: RT, 2007.


Notas

[1] Disponível em:  http://senado.jusbrasil.com.br/noticias/100129338/maioridade-penal-nao-e-clausula-petrea-diz-teori-zavascki-aprovado-pela-ccj . Acesso em 15/04/2013.

[2] FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocêncio; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. p.219.

[3] WOLFGANG SARLET, Ingo. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. p.93.

[4] FRANCISCO, José Carlos. Emendas constitucionais e limites flexíveis. p.168.

[5] ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. p.525.

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Sobre o autor
Francisco Sannini Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado com especialização em Direito Público. Professor Concursado da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Professor da Pós-Graduação em Segurança Pública do Curso Supremo. Professor do Damásio Educacional. Professor do QConcursos. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANNINI NETO, Francisco Sannini Neto. Redução da maioridade penal: tema antigo, debate atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24746. Acesso em: 24 dez. 2024.

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