Conclusões
O processo penal de um estado de direito é ao mesmo tempo pressuposto necessário à eventual aplicação da pena e limitador do arbítrio. Nesse diapasão, conforme já afirmou o BGH alemão a busca pela verdade não pode ocorrer a qualquer custo,[21] de modo que a produção de provas tem de ocorrer com certos limites.
O acusado não pode mais ser encarado como mero objeto do processo e sim um sujeito ativo do mesmo que, diretamente ou com o auxílio do defensor, tem a prerrogativa de influir na conformação da decisão judicial.
Nesse cenário, para que a confissão do acusado seja utilizada com o adequado respeito aos seus direitos fundamentais, é necessário que se respeite a mais ampla liberdade do acusado de prestá-las ou não, sem que a sua negativa seja interpretada em seu desfavor, bem como tenha sido precedida da devida instrução acerca dos fatos apurados e dos seus direitos, além da imprescindível orientação de defensor.
Outrossim, é mister ainda que apenas as declarações prestadas oralmente perante o órgão julgador em audiência sejam valoradas, bem como se evite que os juízes tenham contato com as declarações anteriores para evitar que tais declarações não valoráveis influenciem a sua percepção da prova produzida em audiência.
Em que pese entendermos que a forma de aproveitamento das declarações do acusado acima exposta represente o modelo ótimo de proteção às garantias do acusado, seria exagerado afirmar que em nenhuma hipótese a confissão extrajudicial pode ser utilizada como prova em seu desfavor.
Consideramos que,desde que respeitada a autodeterminação do acusado e que o mesmo tenha sido devidamente informado de seus direitos, bem como esteja acompanhado e seja orientado por defensor, que é verdadeira conditio sine qua non da efetividade das demais garantias[22], é possível admitir-se a sua utilização sem que tal fato represente uma restrição irrazoável às garantias do acusado.
Bibliografia
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Notas
[1] Não se olvida que tais direitos possuem existência autônoma, mas, in casu, serão analisados como correlatos à prerrogativa contra a auto-incriminação.
[2] Em que pese não ser objeto do presente artigo, necessário registrar que a posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos não é pacífica. Além de intensa polêmica no âmbito doutrinário, o STF ainda oscila em sua posição, havendo julgados que os consideram como norma supralegal (RE 466.343) e como norma constitucional (HC 87.585-8). Contudo, é inconteste que suas normas aplicam-se ao Direito Brasileiro.
[3] Existe polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de investigações preliminares poderem ser realizadas por outros órgãos, nomeadamente o Ministério Público, entretanto o esmiuçar desta questão foge aos objetivos do presente texto.
[4] Mesmo após o interrogatório, as partes podem requerer diligências para esclarecer fatos ou circunstâncias originados da instrução (art. 402 do CPP).
[5] Note-se que lei não utiliza a expressão prova para os elementos colhidos na fase policial, reservando tal nomenclatura para os produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório.
[6] Nesse sentido FERNANDES, Antonio Scarance. Tipicidade e sucedâneos de prova. In FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de. Provas no Processo Penal: estudo comparado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 35; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. V. I. 3º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 285-289.
[7] Nesse sentido STJ HC 146.603 e, implicitamente, STF HC 91.654.
[8] Nesse sentido STF HC 84.517 e HC 85.457.
[9] No mesmo sentido CARDOSO, Helena Schiessi. O inquérito policial no anteprojeto do Código de Processo Penal: será possível abrir mão do defensor no interrogatório policial? In COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de (org). O novo processo penal à luz da constituição: análise crítica do projeto de lei nº 156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 65-67.
[10] QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio “nemo tenetur se detegere” e suas decorrências no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012. p.150. sugere que poderia haver comprovação de leitura mediante entrega de rol escrito.
[11] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2° ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 520-521.
[12] SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. V. I. 6ª ed. Lisboa: Babel, 2010. p. 73.
[13] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: cada parte no seu lugar constitucionalmente demarcado. In COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de (org). O novo processo penal à luz da constituição: análise crítica do projeto de lei nº 156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1-17.
[14] SILVA, Germano Marques da. cit V. I. 6ª ed. Lisboa: Babel, 2010. p. 74.
[15] BINDER, Alberto. Introducción al derecho procesal penal. apud MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (org). Processo Penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 155.
[16] DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 377.
[17] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974 (2004 reimpressão). p. 232.
[18] SILVA, Germano Marques da. cit V. I. 6ª ed. Lisboa: Babel, 2010. p. 104-105.
[19] SILVA, Germano Marques da. cit V. I. 6ª ed. Lisboa: Babel, 2010. p. 92.
[20] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 253.
[21] Apud ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p.117.
[22] PALMA, Maria Fernanda et al. Parecer do IDPCC sobre as propostas de lei n° 77/XXIII/1° (gov) e n° 266/XII/1° (PCP), 2012. disponível em www.idpcc.pt p. 6-7.