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Direito comunitário europeu

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05/07/2013 às 15:56
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A POSSIBILIDADE DE EFEITO DIRETO NO MERCOSUL

 Quando analisada a questão da supranacionalidade no âmbito do bloco sul-americano, constatamos uma aparente antinomia entre dois dispositivos do Protocolo de Ouro Preto[15].

 Por um lado, o artigo 40 estabelece que, uma vez aprovada a norma, os Estados membros adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional, que entrará em vigor simultaneamente nos Estados, mas apenas após todos comunicarem sua incorporação à Secretaria Administrativa do Mercosul.

 Todavia, em possível contradição, o artigo 42 do mesmo documento normativo é expresso ao dispor que "as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país".

 A conclusão de que, em seu art. 40, vem aceita a necessidade de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados Partes, como a forma de entrada em vigor das normas mercosulinas em cada um dos países, é imperativa. Nisso reside uma substituição ao princípio da aplicação imediata, evitando-se a incerteza daqueles que pretendem criar vínculos jurídicos nos Estados Partes quanto à efetiva vigência das normas mercosulinas.

 Igualmente, importante é o artigo 2º do referido Protocolo, que estabelece que "são órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul".

 Em sua estrutura, portanto, não se encontram instituições de caráter supranacional, mas órgãos de natureza intergovernamental, cujas decisões se amparam no princípio da cooperação entre os Estados membros e, apesar de seu caráter imperativo, não constituem qualquer óbice à existência de normas internas que lhes sejam incompatíveis ou que as revoguem.

 A intergovernamentabilidade, adotada pelo processo de integração do Mercosul, tem como característica manter atrelada as decisões do bloco econômico à vontade política dos Estados-membros. As decisões resultam exclusivamente do consenso, sua estrutura institucional e seus funcionários dependentes exclusivamente dos interesses dos Estados-Partes. Em decorrência da adoção da intergovernamentabilidade as normas produzidas no âmbito integracionista devem ser internalizadas para produzirem efeitos jurídicos.

 Assim, ausente no Mercosul a característica da supremacia do Direito de Integração Comunitário, os conflitos entre as normas internas e as normas do Mercosul são solucionados da mesma forma que os conflitos envolvendo os tradicionais tratados de Direito Internacional, ou seja, pela aplicação da teoria monista, com a primazia do direito interno ou do direito internacional, ou pela prevalência da teoria dualista, pela qual as duas ordens convivem sem qualquer relação de hierarquia entre elas.


CONCLUSÃO

A história costuma determinar rumos aos povos, por suas experiências exitosas ou catastróficas de sobrevivência ou de expansão. Não foi diferente o que aconteceu na Europa, após o final da Segunda Grande Guerra Mundial, onde a destruição absurda trouxe aos Estados a necessidade de busca de alternativas para a sobrevivência conjunta, o desenvolvimento produtivo e a salvaguarda de suas identidades.

A cooperação mostrou-se um método seguro e eficaz, sendo que o Direito acompanhou esta trajetória, ensejando o nascimento de um denominado Direito Comunitário, constituído de normas criadas pelos próprios Estados em um modelo autônomo que não prejudica a s suas soberanias particulares. A supranacionalidade nasce, pois, como um elemento agregador dos Estados, fora dos Estados, mas que atua diretamente nos entes públicos e sobre seus particulares, de forma autônoma e com primazia sobre os ordenamentos jurídicos internos, inclusive constitucionais.

Houve a criação de uma estrutura paralela aos Estados para o funcionamento e desenvolvimento desta supranacionalidade, com competências legislativas, executivas e jurisdicionais autônomas, independentes, exclusivas, imperativas.

Não é o que dispomos no Mercosul até o presente instante, talvez por que nossa história não nos tenha imposto uma necessidade de sobrevivência e cooperação tão incisiva quanto àquela aplicada á Europa. No Sul das Américas, a intergovernabilidade é o método vigente, em um processo de integração destinado ao aperfeiçoamento e a tentativa de otimização de ganhos comerciais e produtivos, através de intercâmbios de bens, serviços e pessoas. Não há um propósito de unificação, proteção ou manutenção. Há um proposto de estímulo comercial e produtivo, e, para isto, a sistemática intergovernamental é plenamente satisfatória, não deixando espaços para a supranacionalidade propriamente dita.

Mas, para atingir-se este grau de reconhecimento de métodos, é imperioso que se tenha a perfeita delimitação daquilo que a Europa inovou juridicamente, inclusive para aferir-se sua conveniência de incorporação futura aos demais sistemas, inclusive o mercosulino, e, neste aspecto, o presente estudo logrou atingir seu propósito final.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] SOARES, Mario Lúcio Quintão. Direitos fundamentais e direito comunitário. Belo Horizonte, 2000, p. 189.

[2] SOARES, Mario Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 300.

[3] Assinado em Luxemburgo em 18 de abril de 1951, ele entrou em vigor em 23 de julho de 1952 e expirou em 23.07.2002, sendo que as negociações foram capitaneadas pelo então Ministro do Exterior da França, Robert Schuman, que visava substituir rivalidades históricas entre os países signatários do pacto, em uma verdadeira comunhão de interesses econômicos.

[4] Em 1º de maio de 2004 ocorreu a maior ampliação que tem se dado na União Europeia, com a entrada de dez novos países-membros, quais sejam Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Checa, Hungria, Eslováquia, Eslovênia, Malta e Chipre. Posteriormente, em 1º de janeiro de 2007, dois novos países passaram a fazer parte do bloco, Bulgária e Romênia.

[5] A Convenção Européia dos Direitos do Homem (CEDH) entrou em vigor em 03 de setembro de 1953. A convenção previu a criação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, instalado em Estrasburgo (França), composto por juízes nomeados por cada um dos países que são membros da Convenção. Qualquer pessoa que teve seus direitos violados no âmbito da Convenção por um Estado signatário pode levar o caso ao Tribunal. As violações vinculam os Estados e eles são obrigados a cumprir as determinações do Tribunal.

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[6] FONTOURA, Jorge. A Construção Jurisprudencial do Direito Comunitário Europeu. In: Revista de Ciência Jurídica e Social. Unipar, vol. 2, n. 1: jan/jul 1999, p. 68.

[7] Op. cit, p. 71.

[8] Disponível em: <http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/decisionmaking_process/l14548_pt.htm>. Acesso em 25 de março de 2013.

[9] Disponível em: <http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32020.pdf>. Acesso em 25 de março de 2013.

[10] Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61977CJ0106:PT:PDF>. Acesso em 26.03.2013.

[11] O sistema de reenvio prejudicial previsto atualmente no art. 267 do Tratado é um mecanismo fundamental no sistema europeu, por meio do qual os tribunais nacionais podem encaminhar solicitações ao TJUE no sentido de esclarecer dúvidas sobre a aplicação do direito da UE. Por meio do reenvio se almeja, portanto, alcançar a correta interpretação dos dispositivos comunitários. O TJUE analisa o caso suscitado e diz do direito aplicável, de maneira a assegurar sua interpretação e aplicação uniformes. Após o TJUE interpretar o direito da União ou se pronunciar sobre sua validade, caberá ao juiz nacional aplicar a decisão à situação de fato.

[12] CUNHA, Paulo de P. e RUIZ, Nuno. O Ordenamento Comunitário e o Direito Interno Português. In: Seminários de Estudos sobre Direito Comunitário, Università degli Studi di Camerino (Itália), pp. 341-352, setembro 2005, p. 347-348.

[13] Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61962CJ0026:PT:PDF>. Acesso em 25 de março de 2013.

[14] O caso que motivou o reenvio a título prejudicial e a posterior elaboração do acórdão foi o questionamento por parte de Yvonne van Duyn, cidadã holandesa, sobre a sua expulsão do Reino Unido para seu país de origem, quando tentava ali adentrar para exercer a função de secretária na Igreja da Cientologia da Califórnia, cuja sede se localizava em East Grinstead (Condado de Sussex, em Saint Hill Manor). Na ocasião, a justificativa para sua expulsão foi o fato de que o Secretário de Estado considerava inoportuno autorizar a entrada no Reino Unido de qualquer pessoa que trabalhe para a Cientologia organização ou que se encontre ao seu serviço. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/caracterizacao_oj_comunitaria.pdf>. Acesso em 25 de março de 2013.

[15] O Protocolo de Ouro Preto (Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul) foi assinado em 17 de dezembro de 1994, na cidade de Ouro Preto/MG, Brasil, com vistas a dar cumprimento ao disposto no art. 18 do Tratado de Assunção ("Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões"), tendo definido a estrutura orgânica definitiva do MERCOSUL, instituindo o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC), a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL (CPCM), o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) e a Secretaria Administrativa (SA).

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Sobre o autor
Antonio Carlos Pontes Borges

Advogado, Especialista em Direito Constitucional Aplicado e Mestrando em Direito das Relações Internacionais e da Integração na América Latina, da Universidad de La Empresa (U.D.E.).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Antonio Carlos Pontes. Direito comunitário europeu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3656, 5 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24873. Acesso em: 25 abr. 2024.

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