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Ausência de indiciamento e absolvição antecipada no curso do processo administrativo disciplinar no rito processual da Lei nº 8.112/90

10/07/2013 às 17:00
Leia nesta página:

No processo disciplinar, se a autoridade julgadora não estiver convencida da absolvição antecipada, sentindo falta de indiciação e defesa escrita, deve declarar a instrução incompleta, anulando o relatório final da comissão e designando novas providências.

O indiciamento, como último ato da instrução processual, é o instrumento de acusação formal do servidor inicialmente notificado para acompanhar o processo administrativo disciplinar (PAD), refletindo convicção preliminar da comissão de que ele cometeu irregularidade. Nesse sentido é a dicção do artigo 161 da Lei nº 8.112/90:

“Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.”

No entanto, fato que constantemente ocorre no curso de processos administrativos disciplinaresno âmbito da Administração Pública Federal, é que a tríade processante designada, liminarmente, ou seja, sem sequer proceder ao indiciamento (leia-se: sem apresentação de defesa escrita pelo investigado), propõe o arquivamento dos autos por entender ausentes elementos suficientes quanto à autoria e a materialidade de eventual irregularidade praticada por servidor público.

Nesses casos, pode ocorrer de a autoridade julgadora discordar do entendimento da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD) quanto à proposta de arquivamento,por não se sentir segura ou convencida para o julgamento ou por entender que as provas carreadas aos autos,antes da elaboração do indiciamento, são cristalinas no sentido de demonstrarem o descumprimento de um dos deveres insculpidos no artigo 116, incisoI ao XII ou a violação de uma das proibiçõesdescritas no artigo 117 inciso I ao IX, todos da Lei nº 8.112/90, que transcrevemos:

“Art. 116. São deveres do servidor:

I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;

II - ser leal às instituições a que servir;

III - observar as normas legais e regulamentares;

IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

V - atender com presteza:

a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;

b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal;

c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública.

VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração; (Redação dada pela Lei nº 12.527, de 2011)

VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público;

VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;

IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;

X - ser assíduo e pontual ao serviço;

XI - tratar com urbanidade as pessoas;

XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Art. 117. Ao servidor é proibido:

I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato;

II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição;

III - recusar fé a documentos públicos;

IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço;

V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;

VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;

VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político;

VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 2008

XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro;

XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;

XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas;

XV - proceder de forma desidiosa;

XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares;

XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias;

XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;

XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.

Deve-se dizer que tal hipótese cinge-se ao disposto no § 4º[1] do art. 167 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual tal posicionamento por parte da autoridade somente se justifica se a proposta de arquivamento for flagrantemente contrária à prova dos autos, poisnos termos do art. 168[2] da Lei nº 8.112/90, a princípio, o relatório apresentado pela CPAD é de ser acatado.

Na seqüência de tal hipótese, em respeito às garantias fundamentais da pessoa humana respaldadas nos princípios constitucionais do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório, tem-se que a autoridade não pode julgar pela responsabilização, uma vez que não houve formalização da acusação (indiciação) e, conseqüentemente, o servidor não se defendeu dos fatos, sob pena de nulidade.

Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Mandado de Segurança nº 12.927/DF[3], in verbis:

“Ementa: (...) II – a descrição minuciosa dos fatos se faz necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na qual são efetivamente apurados, e não na portaria de instauração ou citação inicial (...)”

Sobre o assunto também se posicionou o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.321[4], que transcrevemos, em parte:

“(...) a defesa do indiciado em processo administrativo disciplinar, como ocorre no processo penal, se faz com relação aos fatos que lhe são imputados, e não quanto a enquadramento legal (...)”

E por fim, citamos o entendimento do Mestre José Armando da Costa[5]:

“Inferindo-se que o servidor imputado deva ser indiciado, promoverá a comissão, nos termos do art. 161 da Lei nº 8.112/90, a lavratura do correspectivo despacho de instrução e indiciação, o qual (...) deverá conter o dispositivo disciplinar que teria possivelmente sido infringido pelo servidor indiciado e mais um relato sucinto dos fatos irregulares atribuídos ao servidor.”

Então como deverá proceder a autoridade julgadora?

Se a autoridade não se sentir convencida a acatar a proposta de absolvição antecipada e ao mesmo tempo perceber que a ausência de indiciação e, por conseguinte, de defesa escrita, lhe impeça de emitir o seu julgamento, em tais casos nos parece plausível que a autoridade julgadora declare incompleta a instrução processual e em seguida proceda à anulação do relatório final apresentado pela CPAD, promovendo-se a ultimação dos trabalhos, com o fim de completar a instrução, redesignando outro colegiado – nas pessoas dos mesmos integrantes ou não – para que sejam coletados novos atos de prova, se necessários, ou para que diretamente seja redigida a indiciação, coleta de defesa e formulado novo relatório, propiciando totais condições de se emitir o julgamento.

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Sobre o assunto já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Mandado de Segurança nº 2.047[6]:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISDIPLINAR. JUNTADA DE DOCUMETO. FATO NOVO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. REEXAME.

1. Antes da decisão final a ser proferida em processo administrativo disciplinar, (...) cabe a juntada de documentos que noticiam fatos novos que poderiam influenciar no julgamento, em observância ao princípio da ampla defesa.”

Esse também é o entendimento do Mestre Leo da Silva Alves, in verbis[7]:

“Quando a autoridade não se sentir à vontade para julgar com o que lhe foi apresentado, tem o direito – e o dever – de promover medidas complementares (...) em nome do princípio da precaução, há que se determinar o esclarecimento das obscuridades ou o refazimento da prova.”

A título de conclusão,ressaltamos que o Processo Administrativo Disciplinarconstitui-se em uma conjugação ordenada de atos na busca da correta e justa aplicação do regime disciplinar. O seu objetivo não se consubstancia apenas em restabelecer a ordem interna afetada pela infração, mas também se traduz no efeito didático-intimidador sobre o corpo funcional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. Editora: Brasília Jurídica, 5ª Edição, 2005.

ALVES, Leo da Silva. Processo Disciplinar em 50 Questões. Editora Brasília Jurídica. 1ª Edição, 2002.

LESSA, Sebastião José. Direito Administrativo Disciplinar Interpretado pelos Tribunais. Editora: Fórum. 1ª Edição, 2008.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. Editora: Atlas. 11ª Edição, 1999.

Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria Geral da União (CGU), disponívelemhttp://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual_de_PAD.pdf.


Notas

[1]§ 4º  Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos.

[2]   Art. 168.  O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

[3]Mandado de Segurança nº 12.927/DF, STJ, Rel. Min. Felix Fisher, Terceira Seção, DJ de 12.02.2008, p. 01.

[4]Mandado de Segurança nº 21.321/DF, STF, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ de 18.09.1992.

[5] COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. Editora: Brasília Jurídica, 5ª Edição, 2005, p. 232.

[6] Mandado de Segurança nº 2.047/DF, STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Terceira Seção, DJ de 25.08.1997, p. 39291.

[7] Alves, Leo da Silva. Processo Disciplinar em 50 Questões, pags. 50 e 135, Editora Brasília Jurídica. 1ª Edição, 2002.

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Sobre o autor
João Baptista Bessa da Silva

Advogado da União em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Baptista Bessa. Ausência de indiciamento e absolvição antecipada no curso do processo administrativo disciplinar no rito processual da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24923. Acesso em: 17 nov. 2024.

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