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A extinção da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro e as questões transitórias

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18/07/2013 às 19:04
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Atualmente, para a dissolução do vínculo conjugal, seja administrativa (via escrivania extrajudicial) ou judicialmente, somente é possível através do divórcio. Tornaram-se ineficazes todas as leis que tratam de separação judicial.

Resumo: Recentemente, mais precisamente em 13 de julho de 2010, houve a promulgação da PEC nº 28/2009, aprovada em 07 de julho de 2010, ensejando a publicação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o artigo 226, § 6º da Constituição Federal. A citada Emenda Constitucional alterou as disposições existentes no ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito a dissolução do vínculo conjugal, extinguindo-se a prévia separação judicial, a qual era um dos requisitos para a concessão do divórcio, além do lapso temporal de separação de fato entre as partes. Nesse sentido, considerando a existência de diversas normas legais no tocante a separação judicial dispostas em nossa legislação civil pátria, vislumbra-se a ineficácia de tais, diante da extinção da separação judicial. Destarte, atualmente, para a dissolução do vínculo conjugal, seja administrativa (via escrivania extrajudicial) ou judicialmente, somente é possível através do divórcio. Sobre este atual mecanismo para o rompimento do casamento é que será desenvolvimento a presente pesquisa, destacando-se tão somente a esfera judicial.

Palavras-chave: Separação. Divórcio. Processos em andamento.


1  INTRODUÇÃO

A idéia do novo assusta e causa tumultos. Foi assim com a Emenda Constitucional nº 66, publicada em 14 de julho de 2010, ao dar nova redação ao artigo 226 da Constituição Federal,[1] eliminando do nosso ordenamento jurídico pátrio o instituto da separação judicial.

Trata-se de grande avanço legislativo,[2] na tentativa de amoldar as normas jurídicas existentes à realidade fática vivenciada pelas pessoas na atualidade

Considerando os novos/velhos conceito de família,[3] bem como a facilidade quanto a sua formação física e, ainda, os desencontros e os desencantos após a união em um mesmo habitat, não mais se justificam os limites impostos pelo Estado, existentes na antiga legislação, na tentativa de preservação da entidade familiar que iniciou fadada ao insucesso.

Somente a lei ainda não havia sido modificada, vez que na vida fatídica pessoas trocam constantemente de relacionamento, bastando o fim do amor e do desejo para tal evento.

Por vezes, a inexistência de normas a atender os anseios sociais, causaram dificuldades àqueles que pretendiam regularizar a vida civil, seja com a dissolução da antiga união, na espera dos prazos fixados por lei para ocorrência do término do vínculo conjugal, seja pela demora do Poder Judiciário face os inúmeros feitos que tramitam nos cartórios das Varas das Famílias e Registros Públicos das Comarcas dos Estados brasileiros.

O direito à liberdade e autonomia das decisões quanto à vida amorosa do indivíduo estavam fadadas à vontade do Estado, laico como vivemos, sem qualquer atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo coagido a respeitar os limites e as imposições, somente no mundo das leis, vez que no mundo físico a realidade era diversa.[4]

Nesse contexto, com a extinção do instituto separação do ordenamento jurídico brasileiro, consequentemente, foram extintos os prazos para a dissolução da sociedade marital, a identificação dos culpados pelo término do relacionamento. “Enfim passou a ser respeitado o direito de todos de buscar a felicidade, que não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, com o seu fim” (DIAS, 2010).

Utilizando as palavras de Rodrigo da Cunha Pereira (2010, p. 07):

A moral condutora da manutenção deste arcaico sistema, assim como a da não facilitação do divórcio, é a preservação da família. Pensa-se que se o Estado dificultar ou colocar empecilhos, os cônjuges poderão repensar e não se divorciarem; ou, se apenas se separarem, poderão se arrepender e restabelecerem o vínculo conjugal. Em 1977, o argumento usado para se manter na lei o instituto da separação judicial como alternativa ao divórcio era puramente religioso. Tinha-se a esperança de que os católicos não se divorciariam, apenas se separariam judicialmente. A realidade, diferente do que se temia, foi outra: católicos se divorciam, não houve uma ‘avalanche’ de divórcios, e as famílias não se desestruturaram por isso. Ao contrário, as pessoas passaram a ter mais liberdade e conquistaram o direito de não ficarem casadas. Ora, o verdadeiro sustento do laço conjugal não são as fórmulas jurídicas o que garante a existência dos vínculos conjugais é o desejo.

Portanto, a partir de 14 de julho de 2010, foram extirpados prazos, causas ou motivos para a decretação do divórcio no Brasil,[5] causando grandes reflexos na sociedade, operadores do direito e religiosos,[6] facilitando a explicação quanto a extinção da sociedade conjugal a qual, anteriormente, era finda com a separação judicial, mas não extinta.

Resta, no mais, a solução para os feitos ainda em andamento.

Quanto aos processos de divórcio não há dúvidas a serem sanadas. Já quanto aos feitos afetos à separação judicial, várias são as questões pendentes,[7] as quais ainda estão sendo analisadas pelos operadores do Direito, sendo diversos e distintos os entendimentos e decisões nos diferentes Estados brasileiros que ora serão investigadas.


2  BREVE RELATO DA TRAJETÓRIA DO DIVÓRCIO NO BRASIL E O DIREITO COMPARADO

A história da legislação brasileira advém da necessidade de adequação as realidades, condutas e acontecimentos da sociedade, a fim de sanar os anseios e problemas sociais existentes.

Várias foram as transformações sociais e legais que passou a sociedade em que atualmente vivemos, seja no cotidiano físico ou no mundo das leis, sendo que tais modificações somente aconteceram em razão das situações fatídicas sociais em cada momento histórico.

No tocante ao direito das famílias,[8] em especial, quanto ao casamento e, especificamente, a possibilidade de sua dissolução, foi possível a ocorrência e aceitação, gradativamente no direito brasileiro.

Merece destaque que as mudanças foram, em tese, radicais no direito de família,[9] se considerarmos o estabelecimento legal do casamento civil no Brasil,[10] trazendo a distinção entre Estado e Igreja; a criação do Estatuto da Mulher Casada,[11] concedendo direitos às citadas na relação conjugal, retirando-as da lista dos relativamente incapazes no Código Civil; a lei do Divórcio,[12] permitindo a dissolução do casamento; a igualdade entre os cônjuges quanto aos direitos e deveres, a igualdade entre os filhos biológicos e afetivos, a proteção à união estável,[13] até a legislação atualmente em vigor (SIMÃO, 2010).

Antes da Emenda Constitucional nº 66/2010, que permitiu a dissolução do vínculo conjugal e a dissolução do casamento através de apenas um procedimento legal, consoante a antiga legislação em vigor até 1977, era impossível a efetivação do divórcio. Existia no Brasil o chamado “desquite”, através do qual se permitia a dissolução da sociedade conjugal e não do vínculo, impedindo a efetivação de novo casamento.

Referida nomenclatura utilizada para a dissolução da sociedade marital, porém não do vínculo conjugal, deu origem a conhecida separação judicial, após a introdução do divórcio no Brasil, em 1977, passando a ser uma etapa a ser preenchida para o fim do casamento, vez que, anteriormente, era indissolúvel.[14]

Portanto, restou caracterizada a separação judicial como um requisito necessário para a decretação do divórcio, preenchido através de um lapso temporal de 03 (três) anos, reduzidos, após, para 01 (um) ano,[15] para os casais que estivessem separados judicialmente.

Destarte, não havia possibilidade da extinção do casamento por simples vontade das partes, antes de preenchido o prazo fixado em lei, necessário para a reflexão dos cônjuges,[16] “presos um ao outro pelo vínculo do casamento, que não se rompia com a sentença que decretasse a separação judicial”.[17]

Rodrigo da Cunha Pereira (2010), citando os professores Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, menciona que os citados doutrinadores, mesmo antes da PEC do Divórcio, “já faziam ferrenha crítica ao sistema binário de dissolução do casamento. Exemplificando com os ordenamentos jurídicos da Áustria, Grã-Bretanha e Alemanha, que adotam apenas o divórcio”,”[18] realçando ser ilógica a manutenção do instituto separação.

Consoante destacado na exposição de motivos da referida emenda constitucional:

(...) De fato, deve-se ter em mente que o antigo desquite, hoje separação judicial, foi mantido no Direito brasileiro, possível a adoção do divórcio entre nós. Tratou-se de uma fórmula que agradasse àqueles frontalmente contrários à dissolução do vínculo matrimonial, e que, portanto, contentavam-se com a possibilidade de pôr termo, apenas e tão somente, à sociedade conjugal. Hoje, contudo, resta claro que a necessidade da separação dos cônjuges, seja judicial ou de fato, como pressuposto para o divórcio apenas protai a solução definitiva de um casamento mal sucedido.

É acrescentado ainda:

Deve-se sublinhar a necessidade de dois processos judiciais distintos apenas redunda em gastos maiores e também em maiores dissabores para os envolvidos, obrigados que se vêem a conviver por mais tempo com o assunto penoso da separação – penoso, inclusive, para toda a família, principalmente para os filhos. Não menos importante é a constatação prática de que apenas uma parcela realmente ínfima das separações reverte para reconciliação do casal.[19]

De outro norte, importante ressaltar que com a Constituição de 1988 o indivíduo passou a ser o centro das atenções, ocasião em que foi abolido o caráter “patrimonialista da separação, importando-se muito mais com a dignidade da pessoa dos cônjuges, ao possibilitar, inclusive, o divórcio direto, respeitando o princípio da autodeterminação e da deterioração factual” (LARA, 2010).

Consoante ressalta Maria Berenice Dias (2010, p. 24):

A dissolução do casamento sem a necessidade de implemento de prazos ou identificação de culpados tem também um efeito simbólico. Deixa o Estado de imiscuir-se na vida das pessoas, tentando impor a mantença de vínculos jurídicos quando não mais existem vínculos afetivos. Como bem refere Paulo lobo, a sobrevivência da separação judicial era de palmar inocuidade, além de aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal.

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De fato, atualmente, o sistema jurídico brasileiro conta apenas com uma única forma de dissolução do casamento, que é o divórcio, sem a necessidade de provas de culpa ou outros requisitos (prazos)[20] para o término no enlace marital, como ocorre na Suécia,[21] Finlândia e Espanha,[22] diferente da legislação italiana[23] e União Européia.[24]

Na Argentina, por exemplo, é possível a decretação do divórcio quando há comprovação da separação do casal por mais de 03 (três) anos, incluída no ordenamento jurídico do citado país em 1987, com o advento da Lei nº 23.515/87 (NETO, 2007, p. 48).

No citado país a separação pode ser litigiosa ou consensual, podendo ser culposa ou não, como assim o é para decretação do divórcio. Também é admitido o divórcio por conversão.[25]

No Uruguai há possibilidade e previsão legal quanto a dissolução do vínculo conjugal fundamentado na culpa,[26] na livre vontade das conviventes[27] e por vontade exclusiva da mulher.[28]

No Direito português, o divórcio foi introduzido pelo Decreto 1, de 03 de dezembro de 1910, podendo ser litigioso ou consensual. A dissolução do vínculo conjugal, quanto a separação trata-se de uma efetiva partilha de bens, enquanto o divórcio pode ser dissolvido após o casamento pelo lapso temporal de 03 (três) anos ou quando houver separação de fato por 06 (seis) anos (NETO 2007, p. 52/53).

Ainda, poderá ocorrer a reconciliação a qualquer tempo, por termo nos próprios autos, como também através de escritura pública, sujeita a homologação judicial ou do notarial.[29]

Quanto ao divórcio, pode ocorrer por conversão, transcorrido dois anos da separação, podendo, ainda, ser tal lapso temporal dispensado se o requerimento for consensual ou se um dos cônjuges cometer adultério depois da separação (NETO, 2007, p. 53).

No Direito alemão não se faz menção à separação, mas tão somente ao divórcio, que pode ser consensual ou litigioso,[30] requerido após 01 (um) ano de separação de fato se for consensual. Caso contrário, serão necessários 03 (três) anos de separação de fato (NETO, 2007, p. 53).

Curiosidade interessante a ser citada é a cláusula de dureza prevista no parágrafo 1568 do citado Código Civil alemão, proibindo o divórcio se a manutenção do casamento for necessária para os filhos ou para o cônjuge, como também a forma como pode se dar a separação de fato efetivada no mesmo lar conjugal (NETO, 2007, p. 53).

No Direito francês, através de recente lei promulgada (2004-439), é possível a efetivação do divórcio através da aceitação do princípio da ruptura do casamento e a alteração definitiva do laço conjugal, aceitando as partes “culpas recíprocas”, decorrido o prazo de 02 (dois) anos (NETO, 2007, p. 53).

Quanto à conversão da separação em divórcio, é admitida após 03 (três) anos, porém, se a separação houver sido consensual, a conversão também assim deverá ser (NETO, 2007, p. 69).

Observa-se que são várias as espécies de estruturas familiares existentes mundialmente, como também vasto o ordenamento jurídico que viabiliza, de diferentes formas, a dissolução, ou não, do vínculo matrimonial.

Para findar, importante o destaque efetivado por Ricardo C. Perez Manrique (2009),[31] no tocante a existência de leis que propiciem a dissolução do vínculo conjugal, quando reconhecida a inexistência do afeto mútuo.


3  revogação das leis referente à separação judicial

Vários e distintos são os comentários sobre a revogação ou não das leis infraconstitucionais, face a Emenda Constitucional nº 66/2010.[32]

A discussão em voga refere-se tão somente a expressão “pode”, contida no texto constitucional em vigor, ensejando alguns doutrinadores a afirmar, absurdamente, que em razão da citada palavra acima grafada, o instituto separação não desapareceu do ordenamento jurídico brasileiro (DIAS, 2010, p. 30).

Questões relevantes são enunciadas por Rodrigo da Cunha Pereira (2010):

O Direito Civil Constitucional, tão bem sustentado pelos juristas Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Paulo Lobo, Maria Celina Bodin de Moraes, dentre outros, vem exatamente na direção que aqui se argumenta, ou seja, a legislação infraconstitucional não pode ter uma força normativa maior que a própria Constituição. Em outras palavras, se o novo texto do § 6º do art. 226 retirou de seu corpo a expressão ‘separação judicial’, como mantê-la na legislação infraconstitucional? É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a hermenêutica constitucional tem que ser colocada em prática, e isso compreende suas contextualizações política e histórica.

Ainda, destaca:

A interpretação das normas secundárias, ou seja, da legislação infraconstitucional, deve ser compatível com o comando maior da Carta Política. O conflito com o texto constitucional atua no campo da não recepção. Essa é a posição de nossa Corte Constitucional, em julgamento de 2007, que traduz exatamente essa assertiva: ‘O conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no campo da não recepção’. Vê-se, portanto, mais uma razão da desnecessidade de se manter o instituto da separação judicial, pois ainda que se admitisse a sua sobrevivência, a norma constitucional permite que os cônjuges atinjam seu objetivo com muito mais simplicidade e vantagem. Ademais, em uma interpretação sistemática, não se pode estender o que o comando constitucional restringiu. Toda legislação infraconstitucional deve apresentar compatibilidade e nunca conflito com o texto constitucional (PEREIRA, 2010).

Valéria Maria Sant’Anna (2010, p. 46), na obra, DIVÓRCIO, Após a Emenda Constitucional 66/2010: Teoria e Prática, entende que:

Sendo a Constituição federal a Lei maior, aquela que contém os elementos estruturais da nação e a definição fundamental dos direitos do homem como indivíduo e cidadão, sua alteração se deu em decorrência de manifestação da vontade nacional, tem sua vigência imediata, e como lei imperativa que é, impõe-se, obrigatoriamente, a todos os brasileiros. Pode-se tentar argumentar que a lei infraconstitucional não tenha sido revogada e a separação judicial permaneça já que o texto constitucional não a excluiu expressamente. Todavia esse pensamento não subsistirá: uma vez que a Constituição Federal suprimiu a terminologia ‘separação judicial’ quando reconhece que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, significa que ela não prevê mais esse requisito (a separação judicial) intermediando o casamento e o divórcio. Ou seja, qualquer norma que trate da separação judicial está revogada por absoluta incompatibilidade com a Constituição Federal.

No mesmo sentido os ensinamentos de Paulo Lobo (2009), quando menciona não sobreviver “qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do divórcio”.

Arnoldo Camanho de Assis (2010) acrescenta tratar-se de norma “constitucional de eficácia plena, que (...) torna desnecessária a edição de qualquer ato normativo de categoria infraconstitucional para que possa produzir efeitos imediatos”.

Consoante se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária (STF –ADI 02-DF).[33]

Em sentido contrário,[34] recente jurisprudência sobre o assunto:

SEPARAÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE DO PEDIDO. NÃO OBRIGATORIEDADE DO DIVÓRCIO PARA EXTINGUIR A SOCIEDADE CONJUGAL. 1. A Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática. 2. Essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial. 3. Somente com a modificação da legislação infraconstitucional é que a exigência relativa aos prazos legais poderá ser afastada. Recurso provido (Agravo de Instrumento Nº 70039285457, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/10/2010).

Nesse contexto, destacam-se as explanações de Euclides de Oliveira (2010):

No mais, o Conselho rejeitou o pedido de supressão dos artigos da Resolução n. 35 que cuidam da separação consensual por escritura pública, por entender que ‘nem todas as questões encontram-se pacificadas na doutrina e sequer foram versadas na jurisprudência pátria, afirmando: Tem-se que, mesmo com o advento da Emenda nº 66, persistem diferenças entre o divórcio e a separação." Prossegue: No divórcio há maior amplitude de efeitos e conseqüências jurídicas, figurando como forma de extinção definitiva do casamento válido. Por seu turno a separação admite a reconciliação e a manutenção da situação jurídica de casado, como prevê o Código de Processo Civil vigente.’ Embora ressalvando as divergências nas interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto da separação judicial no Brasil, o CNJ ponderou ser razoável que ainda exista a busca por separações, ‘o que incide na vontade do jurisdicionado em respeito às disposições cuja vigência ainda é questionada e objeto de intensos debates pelos construtores do direito pátrio’, concluindo que, por tais razões, não acolhia na integralidade a proposição, assim mantendo os dispositivos da Resolução 35 que cuidam dos atos notariais relacionados especificamente à separação consensual. Enquanto não se alterem as disposições do Código Civil relacionadas à separação judicial, assim como a previsão do art. 1.124-A do Código Civil sobre a separação extrajudicial, e na expectativa de que se desanuvie o panorama tisnado de controvérsias doutrinárias, com a jurisprudência a firmar-se, a conclusão é pela subsistência, si et in quantum, dessa forma de dissolução da sociedade conjugal pela tradicional separação judicial ou extrajudicial, muito embora facultativa e certamente fadada a pouco uso, em face das manifestas vantagens de utilização do divórcio direto para finalizar de vez o casamento em frangalhos.

No time do meio, os esclarecimentos e a posição de Sérgio Gischkow Pereira:

A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o Código Civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que o casamento é dissolvido pelo divórcio; ora, a separação não dissolve casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio.

Vejamos com mera leitura da análise efetivada pelo Relator Demóstenes Torres, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre a proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 28, de 2009 (nº 413, de 2005, na origem), que deu nova redação ao artigo 226 da Constituição Federal, demonstra o desencontro com os entendimentos diversos quanto à inconstitucionalidade na emenda, ou a não revogação das leis infraconstitucionais.

Primeiramente, cabe ressaltar alguns pontos relevantes enfatizados na citada análise, quanto ao Estado e a sociedade:

(...) o Estado atual é bem menos tutelar que o de trinta anos atrás e, quanto à sociedade hodierna, as dúvidas e temores que acometeram diversos segmentos dos anos 70 do século passado estão, hoje, todos dissipados, inclusive o de que, ‘no dia seguinte à aprovação do divórcio, não restaria, no País, um só casamento’. O que se observa é que a sociedade brasileira é madura para decidir a própria vida, e as pessoas não se separam ou divorciam apenas porque existem esses institutos. Portanto, não é a existência do instituto divórcio que desfaz casamento, nem a imposição de prazos ou separações intermediárias que o impedirá. Acrescente-se que a exigência de prazo e a imposição de condição para a realização do divórcio desatendem ao princípio da proporcionalidade, que recomenda não cause a lei ao jurisdicionado ônus impróprio ou desnecessário. Ora, o prazo para a concessão do divórcio não é peremptório, tanto que pode retroagir à data da separação cautelar de corpos, e a condição não é essencial, porquanto a sociedade conjugal pode ser desfeita pelo casal, indiferente ao estado. Logo, as duas variáveis, sem nenhum prejuízo para o disciplinamento do tema, podem ser retiradas da norma, conforme preconiza a proposta de emenda.

Pois bem, não é a existência ou não de institutos jurídicos que farão a conduta social ser modificada, vez que, na atualidade, a realidade é o constante encontro e desencontro de pessoas, com interesses ou não afins, formando e dissolvendo relacionamentos, consoante a vontade dos pares. “O fim do casamento não é fruto da irreflexão, mas epílogo do desgaste continuado ou do erro de escolha do cônjuge, nada servindo prolongar esse sofrimento por imposição do Estado” LOBO, 2010).

Nesse contexto, importante, em cada caso in decisum, o julgador lembrar da teoria da intervenção mínima.[35] Afinal, o objetivo da Emenda em comento é “a de retirar a tutela do Estado sobre a decisão tomada pelo casal” (LOBO, 2010).

Paulo Lobo (2010), como conclusão, ainda assevera que não “se pode esquecer da antiga lição de, na dúvida, prevalecer a interpretação que melhor assegure os efeitos da norma, e não a que os suprima”.

A finalidade da norma é atingir os anseios sociais, bem como, utilizando-se de uma interpretação zetética, cabendo ao aplicador do Direito não restringir direito às partes, ainda mais levando em conta a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Embora seja opinião contrária de alguns[36] a aplicabilidade imediata da Emenda nº 66/2010, as questões pendentes estão paulatinamente sendo resolvidas, sem maiores dissabores.

Deveras, continuar com a aplicação das normas infraconstitucionais em detrimento da Lei Maior seria desrespeitar a atual legislação, retornando ao passado, com a finalidade de persistência do sistema dual existente para a dissolução do vínculo marital.

Consoante afirma Maria Berenice Dias (2010), “talvez seja uma vã tentativa de garantir um nicho de mercado”, considerando a essencialidade de fazer-se representar em Juízo através de causídico, sendo evidente a contratação do profissional da advocacia, a propositura de dois procedimentos judiciais e, consequentemente, a lavratura de duas escrituras.

Nesse sentido, as partes ganharam, vez que com os dois procedimentos pagavam por duas vezes as custas processuais, cartorárias e os honorários advocatícios (VILELA, 2010).

É fato que a permanência, a união do casal, desde à época de Justiniano,[37] depende do afeto, isto é, da vontade dos nubentes em permanecerem juntos e formarem uma família.

Pensando na efetiva aplicabilidade e interpretação da norma mais benéfica, antecipando um pouco as questões pendentes, por lógica, pensando-se no caso das pessoas que possuem o atual estado civil “separado”, resta interessante esclarecer, considerando o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal,[38] a possibilidade da conversão da separação judicial litigiosa em divórcio, não sendo necessário, as partes, ingressarem com ação de divórcio, propriamente dita, permanecendo vigente, portanto, o artigo 25, da Lei nº 6.515/1977.

De igual forma os casos dos casais que pretendem restabelecer a sociedade conjugal. Vigente, portanto, o artigo 1.577 do Código Civil, por exemplo.

Portanto, vislumbra-se que a Emenda Constitucional em comento não excluiu, consoante afirmam os doutrinadores anteriormente mencionados, a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, tampouco incluiu um novo instituto. Somente disciplinou diversamente o já existente – o divórcio.

Prescreve a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 2º, § 1º que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule a matéria de que tratava a lei anterior.

Pois bem, não houve revogação expressa do instituto da separação. No entanto, cabe ressaltar que tornou-se inapropriada a utilização das leis referentes à antiga forma de extinção do vínculo marital, o qual passava por dupla fase, advindo, o novo procedimento em vigor.

Nesse ponto específico destaca-se a necessidade da integração das formas de interpretação das leis existentes,[39]buscando não somente a intenção do legislador ao dar nova redação ao artigo 266, § 6º da Constituição Federal, mas, consoante já comentado, a necessidade da adequação das normas aos anseios sociais.

Embora exista a defesa pela não ocorrência da revogação das leis infraconstitucionais com o advento da Emenda Constitucional em comento, restaria infrutífero o ajuizamento de ação com a nomenclatura separação judicial, por impossibilidade jurídica do pedido, vez que o casamento se dissolve, atualmente, com o divórcio.

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Sobre a autora
Carla Matiello

Assessora de Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná - PR. Especialista em Direito Civil e Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATIELLO, Carla. A extinção da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro e as questões transitórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3669, 18 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24958. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Orientador: Alexandre da Silva Barbosa (Mestre em Direito Processual Contemporâneo e Cidadania. Professor do Curso Direito Civil e Direito Processual Civil da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel).

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