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Direito e educação: a importância da prática argumentativa na formação do estudante brasileiro

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Considerações finais

As discussões sobre a política educativa nos cursos de direito no Brasil devem passar, sem dúvidas, por uma significativa mudança do modelo científico-cultural. Ao longo de todo o texto foram apresentadas três concepções distintas de direito (positivista-formalista, crítico-realista e argumentativa democrática) que não somente determinam uma forma específica de ensiná-lo, como também os prováveis perfis dos estudantes que poderão surgir a partir de cada uma delas.

Em que pese às diversas dificuldades que envolvem a implementação de transformações naquele setor a curto e médio prazo, e tendo em vista uma sociedade caracterizada pelo pluralismo[14] na que atualmente vivemos, a concepção argumentativa democrática se mostra como a mais adequada e eficiente frente às outras. Nessa linha de pensamento, a proposta de um ensino diferenciado e com qualidade deve encontrar nas Faculdades um ambiente propício para a promoção de um diálogo aberto entre professores e alunos através de novas temáticas, desafios, dinâmicas de aula que fortaleçam a relação entre aqueles dois atores.

No exame dessa questão, é de grande valor o incentivo à prática argumentativa no sentido de que os estudantes interajam com as demandas sociais fazendo uso das leis em função das suas percepções individuais. A construção de argumentos consistentes e persuasivos e o intercâmbio deles com os professores em sala de aula, quando da busca de soluções para os casos concretos, rompe com as barreiras impostas por um modelo tradicional e rígido de ensino, além de viabilizar a interdisciplinaridade. Na realidade, não é preciso ir tão longe para concluir que a melhor maneira de enfrentar a intolerância e todo tipo de dogmatismos é o pluralismo crítico e, igualmente, o permanente debate de ideias.

Portanto, o ensino do direito deve estar voltado para uma metodologia que contribua intensamente para que os estudantes desenvolvam aptidões para utilizar, de modo hábil e competente, a legislação vigente com a capacidade de argumentar um conjunto de soluções possíveis para aqueles casos controvertidos que se apresentarem. A técnica argumentativa joga, então, um papel fundamental na formação profissional dos estudantes e, cada vez mais, se faz do todo importante a inclusão nos programas das Faculdades de Direito do Brasil de uma disciplina de Teoria da Argumentação Jurídica. Esta mudança na estrutura curricular proveria os meios necessários para que os alunos pensem como juristas, ao considerar que a prática do direito reside, essencialmente, em saber argumentar na defesa de teses.


Referências bibliográficas

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Notas

[1] Segundo os dados divulgados na página web da Ordem dos Advogados do Brasil, do total de 114.763 candidatos inscritos no IX Exame de Ordem Unificado, apenas 11.827 deles obtiveram êxito em todas as etapas. Esse é o índice mais baixo desde que o exame foi unificado no ano de 2010. Fonte: www.oab.org.br

[2] O termo positivismo foi empregado, pela primeira vez, por Claude-Henri de Rouvroy (Conde de Saint Simon), na sua obra Introduction aux Travaux Scientifiques du XIXème, de 1807. O vocábulo designava o método exato das ciências e sua extensão para a filosofia, sendo adaptado, posteriormente, por Isidore Marie Auguste François Xavier Comte (Augusto Comte) quando se converteu em uma corrente filosófica cuja manifestação se pode observar em muitos países ocidentais. Para outros detalhes, sugiro ABBAGANO (2000).

[3]  Para um interessantíssimo estudo acerca do positivismo jurídico, é importante ver RAMOS (2010).

[4] Entre essas escolas, que foram comumente chamadas de anti-formalistas, estão a Sociological Jurisprudence e a Legal Realism na América Latina; a Interessenjurisprudenz e a Freirechtsbewegung na Alemanha; e o método da Libre Recherche Scientifique de François Gény, na França. Todas elas permitiram, em maior ou menor medida, a entrada das ciências sociais e políticas no estudo do direito, que antes estava reservado tradicionalmente e de modo exclusivo aos juristas. Assim, tanto as investigações como os estudos jurídicos em intersecção com a ciência política, acabaram por experimentar um acelerado desenvolvimento.

[5] A título de curiosidade, a expressão “revolta contra o formalismo” foi popularizada por WHITE (1949).

[6] Aqui, me refiro ao fascinante debate que parece interminável, e que tenta dar conta do embate entre positivismo e pós-positivismo, o qual foi travado por grandes autores como STRECK (2012) e DUARTE (2010).

[7]  Para uma interessantíssima literatura acerca do método positivista, veja também DIMOULIS (2006).

[8] Exatamente neste ponto, vale a pena revisar a obra de PALMER (1969), cujo autor realiza um minucioso estudo sobre o legado deixado por Martin Heidegger com referência a interpretação a partir de um prisma filosófico, constituindo um grande desafio as ideias dominantes durante período do positivismo jurídico.  

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[9] A doutrina da divisão ou separação de poderes, presente na famosa obra “O Espírito das Leis” de Charles Louis de Secondat (conhecido sob o nome de Barão de Montesquieu), tem sido interpretada desde perspectivas míticas ou simbólicas como um vestigium trinitatis, como uma secularização do mistério da Trindade. A fórmula dos três poderes simboliza simultaneamente a diferenciação e a unidade, a totalidade racional que se estrutura e descansa sobre si mesma e que, expressada politicamente, oferece ao homem simultaneamente a esperança de ordem e liberdade. Sobre este aspecto, examinar GARCÍA PELAYO (1985).

[10]  A escola do realismo jurídico norte-americano, que surgiu na década de vinte e trinta do século XX, tem entre seus principais partidários Karl Llewellyn, Jerome Frank, Underhill Moore, Walter Wheeler Cook e Herman Oliphant. Para uma leitura sobre o tema, veja o artigo recentemente publicado por FERREIRA (2012).

[11] Essa é a visão de um direito como instrumento de dominação de classes ou como materialização da relação de força entre classes sociais distintas, com o objetivo de tornar possível a transformação da história.

[12] A este respeito, veja KENNEDY (1992).

[13] Para um estudo sobre a sua teoria, veja ALEXY (2008).

[14] Como explica o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca Sebastián Linares (2008, pp. 28-29), o pluralismo se refere à circunstância de que nossas sociedades estão habitadas por pessoas que concedem fidelidade a distintos planos de vida, pessoas que discrepam sobre quais planos de vida são melhores que outros; pessoas que, apesar de se reconhecerem como interdependentes e necessitar dos demais, discutem sobre como acomodar melhor os seus interesses comuns, pessoas que discutem acerca de quais decisões coletivas são mais justas e acerca de como estabelecer quais decisões são mais justas. Finalmente, são sociedades habitadas por pessoas que, inclusive no caso de tomarem uma decisão política que se consubstancia em uma peça do direito, discutem também acerca de como interpretar o direito.


Abstract: Abstract: The article's purpose is the pedagogy on law course and the challenge of implementing a methodology focused on the development of argumentative capacity of students. In this sense, teachers should seek not only ways to make that audience know and learn the legislation, as well as awaken in him the ability to use through arguments the contents of the rules. The intention is to go beyond a traditional education based on the transmission of knowledge and passive reception based on memorization, which would be possible from a method that qualify the students intellectually for dialogue of ideas about law enforcement, with the purpose of improving the quality of their professional formation.

Keywords: Legal education; law professor; argumentation.

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Sobre o autor
João Marcelo Negreiros Fernandes

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestre em Direito Público pela Universidade de Salamanca (Espanha) e doutorando pela mesma Universidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, João Marcelo Negreiros. Direito e educação: a importância da prática argumentativa na formação do estudante brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3690, 8 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25107. Acesso em: 26 abr. 2024.

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