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A responsabilidade tributária do sócio-administrador da pessoa jurídica

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07/09/2013 às 14:11
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4. Atos geradores da responsabilidade pessoal

As hipóteses de responsabilidade pessoal do sócio representam exceção, somente devendo ser aplicada quando da prática de atos contrários aos seus deveres funcionais ou que violem disposição da lei ou contrato social, não tendo sido autorizados ou ratificados pelos demais sócios.

Diante desse contexto, não há que se falar na responsabilidade pessoal e direta, situação na qual o Estado poderia, simultaneamente, optar entre dois indivíduos, de qual deles exigir o adimplemento da obrigação tributária. Dessa forma, havendo solidariedade ou subsidiariedade jurídico-tributária, não há que se falar em responsabilidade exclusiva do sócio.

A responsabilidade pessoal perante o Fisco dá-se apenas como uma responsabilidade individual, total e exclusiva do mesmo, em virtude da relação processual existente entre eles. Insta ressaltar que o responsável tributário é tão somente o garantidor da satisfação do crédito tributário, não integrando a relação jurídica relativa a sujeição, a qual ocorre somente após a realização da regra-matriz prevista.

Contudo, para se perquirir acerca da responsabilidade pessoal, faz-se necessária a devida apuração dos atos regulares de gestão, uma vez que, enquanto órgão, o sócio pratica suas ações em nome e no interesse da sociedade.

No que tange à responsabilidade do sócio-gerente, verifica-se que, de acordo com a jurisprudência, que é nula a pretensão do Fisco de imiscuir-se no patrimônio particular dos sócios, sem que haja demonstração de que estes causaram violação à lei ou ao contrato social. Neste sentido, é a jurisprudência do STJ:

Execução fiscal. Sócio Gerente (Informativo STJ nº 353 - 21/04 a 25/04). A divergência, na espécie, é no tocante à natureza da responsabilidade do sócio-gerente na hipótese de não-recolhimento de tributos. Esclareceu o Min. Relator que é pacífico, neste Superior Tribunal, o entendimento acerca da responsabilidade subjetiva daquele em relação aos débitos da sociedade. A responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade (art. 135, CTN). O sócio deve responder pelos débitos fiscais do período em que exerceu a administração da sociedade apenas se ficar provado que agiu com dolo ou fraude e que a sociedade, em razão de dificuldade econômica decorrente desse ato, não pôde cumprir o débito fiscal. O mero inadimplemento tributário não enseja o redirecionamento da execução fiscal. Isso posto, a Seção deu provimento aos embargos. Precedentes citados: REsp 908.995-PR, DJ 25/3/2008, e AgRg no REsp 961.846-RS, DJ 16/10/2007. EAG 494.887-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgados em 23/4/2008.

Ademais, o STJ possui súmula acerca do tema, com o seguinte entendimento, in verbis: “Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

A exceção a esta regra, encontra-se também sumulada pelo STJ, com a seguinte redação, in verbis: “Súmula 435: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

O prazo prescricional de execução contra os administradores por dívida tributária é de 05 anos, contados da citação da pessoa jurídica devedora, conforme posição da jurisprudência majoritária, destacando-se o Recurso Especial nº 205.887-RS, cujo relator é o ministro João Otávio de Noronha, julgado em 19/4/2005.

Porém, determinados atos representam exceções à regra geral. Abordaremos a seguir as principais hipóteses descritas por tal dispositivo.

4.1. Violação do contrato ou da lei e o não recolhimento do tributo

Determina o artigo 135, inciso III do CTN, que são responsáveis tributários os diretores, gerentes e representantes da pessoa jurídica que tenham praticado ato ilícito, consistente em violação à lei ou estatuto social. Nesse caso, a responsabilidade tributária transfere-se automaticamente para o substituto, passando este a ser destes terceiros de modo pessoal, plena e exclusiva. Tal situação sempre acontecerá quando os substitutos tributários agirem com malícia face às pessoas jurídicas que representam, o que justifica a dispensa de um tratamento mais rigoroso, diante da presença de manifesta má-fé dos responsáveis.

Situação tormentosa para a doutrina e jurisprudência diz respeito a se o mero não recolhimento do tributo é capaz de gerar ato ilícito, ensejando responsabilidade pessoal dos diretores da pessoa jurídica. Prevalece o entendimento pelo qual o não recolhimento de tributo pela pessoa jurídica na data fixada não é capaz de ensejar a responsabilidade pessoal dos gestores e dirigentes da pessoa jurídica, conforme se depreende de julgado do TJMG (RE nº 114337-1, Des. Régulo Peixoto. Julg:  29/09/87, RT, v. 305/376) .

Na doutrina, precisas são as lições Humberto Theodoro Júnior (Processo de Execução, Ed. Forense, 51ª ed. Rio de janeiro: 2011, p. 125):

Se não houve procedimento administrativo contra o sócio, nem sequer se extraiu certidão de dívida ativa contra ele, não é possível desviar-se o rumo da execução da sociedade para a pessoa física do sócio não-solidário. Não fica, como é evidente, a Fazenda com o alvedrio de executar qualquer co-responsável, porquanto seu título executivo (Certidão) terá força contra os devedores perante os quais foi constituído.

Tal posição é amplamente aceita e adotada pela doutrina e jurisprudência pátria, uma vez que somente a comprovação da prática de atos dolosos pelos administradores gerentes e representantes da sociedade dá azo a que sejam pessoalmente responsabilizados. Dessa forma, o simples inadimplemento do tributo não caracteriza infração legal. Ademais, a ausência de provas de que o substituto tributário tenha agido com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatutos, não permitirá sua responsabilização.

4.2. Dissolução irregular da sociedade

Outro assunto cercado por controvérsias e debates na doutrina e jurisprudência pátrias está ligado ao fato de se definir se a dissolução irregular da sociedade representaria violação da lei, gerando assim, a responsabilidade do sócio nas iras do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

Haroldo Funke (2010, p. 25), em trabalho monográfico acerca da responsabilidade tributária dos sócios-administradores de sociedades, assim se manifesta sobre a violação da lei para a responsabilização pessoal do sócio:

 (...)  a  expressão  infração  à  lei,  contida  no texto, não se refere à infração da lei fiscal, mas à infração de lei de outra natureza. (...) É sabido que os administradores de sociedades, além dos deveres previstos no contrato social ou nos estatutos, têm também deveres legais expressos e implícitos, previstos na legislação que rege os diversos tipos de sociedades .

Assim, é a infração de tais deveres a que se refere a expressão “infração de lei”, contida na norma supracitada, na qual de um mesmo ato, resulta-se, em concomitância, relações jurídicas diversificadas: a primeira, entre o administrador e a sociedade e/ou terceiros (relação jurídica comercial); a segunda, entre o administrador e o fisco (relação jurídica tributária), excluindo-se a sociedade, diante da responsabilidade pessoal do administrador.

Nos dias atuais, tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a tese de que a dissolução irregular da sociedade representa afronta à legislação, ensejando assim, a responsabilidade tributária do sócio-gerente. Corroborando tal entendimento, é a posição da jurisprudência do STJ, conforme se infere do Recurso Especial nº 84404/SP, cujo relator é o Ministro Garcia Vieira, em julgamento proferido em 07/11/1997.

Assim, o entendimento prevalecente é de que a dissolução irregular representa uma violação de lei, impondo a responsabilidade do sócio-gerente e do administrador pelas dívidas tributárias não pagas.


5. Conclusão

Ao longo do trabalho, procurou-se analisar as diversas nuances acerca da temática da responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes pelas obrigações tributárias da pessoa jurídica, discutindo-se reflexivamente as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, por deveras, bastante controvertido.

Assim, para ser responsabilizado pelas obrigações tributárias da pessoa jurídica, nos termos do art.135, III do CTN, o terceiro deve ser administrador, dispor de poderes de gestão.

Dessa forma, percebeu-se que a responsabilidade tributária origina-se no inadimplemento da obrigação tributária pelo sujeito passivo (contribuinte), munindo a Fazenda Pública de poderes para executar a prestação devida de terceira pessoa (responsável).  Para fins de aplicação do art. 135, III, o ato tido como caracterizador de excesso de poderes é aquele praticado pelo administrador, em razão da sociedade, mas que extrapola os limites dos poderes a ele incumbidos para o bom desempenho de suas funções.  Assim, qualquer ato que extrapole os poderes conferidos pela sociedade através do ato constitutivo a seu representante, representa afronta e inobservância ao estatuto ou contrato social.

Em contrapartida, a infração de lei corresponde apenas ao ato praticado pelo administrador com o objetivo de causar prejuízo ao Fisco, sendo que o mero inadimplemento, apesar de ensejador da violação de dever jurídico, não se enquadra nesta definição, o mesmo em relação a má administração que cause a insolvência.

Assim, o sócio somente será responsabilizado por crédito tributário constituído durante o período em que tenha exercido a gerência ou administração da empresa contribuinte uma vez provado que em virtude da prática de conduta ilícita (excesso de mandato, infração à lei, etc.), a sociedade tenha tornado-se insolvente frente ao Fisco. No âmbito do STJ, prevalece o entendimento de que, para os fins do art. 135, inc. III, do CTN, a dissolução irregular da sociedade, que simplesmente deixa de operar, sem a quitação dos tributos oneraram suas atividades, gera a responsabilidade do gerente ou diretor pelas dívidas tributárias da empresa (REsp nº 7745, Rel. Ilmar Galvão; Resp nº 101.597, Rel. Humberto Gomes de Barros).

O administrador que venha a se retirar da sociedade antes de sua dissolução irregular somente poderá vir a ser responsabilizado por débitos tributários da mesma caso se comprove sua contribuição, com má gestão, para o fato.

Dessa forma, sempre que ficar comprovado que o administrador agiu sabendo (ou devendo saber) que sua conduta estava contrária com a vontade da maioria dos sócios, poderá ele ser pessoalmente responsabilizado, no âmbito tributário, em razão do excesso de poderes ou infração às disposições dos atos constitutivos da empresa. No que diz respeito ao cônjuge do administrador, a meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal. (STJ, Sum. Nº 251). É pacífico na jurisprudência que os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime da comunhão no casamento, podem ser penhorados e leiloados, reservando-se ao cônjuge meeiro, estranho à execução, a metade do preço alcançado (REsp nº 511.663, Min. Barros Monteiro). A lei nº 11382/06 dispôs no mesmo sentido, ao introduzir o art. 655-B ao CPC.

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Em que pese alguns setores da doutrina entenderem a responsabilidade do administrador como hipótese de substituição tributária, divergimos de tal posição e defendemos, em sede de conclusão, ser tal responsabilidade solidária, diante do fato de o legislador admitir que os atos aptos a ensejar a responsabilidade tanto podem ser anteriores quanto posteriores ao fato, tese esta hoje encampada pelo STJ.

Apreende-se assim que o STJ acertou ao abandonar a teoria da responsabilidade objetiva e adotar a teoria da responsabilidade subjetiva do tipo solidária, uma vez que essa posição é a que apresenta a melhor exegese em consonância com a atual interpretação do artigo 135 do CTN.


6.REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

COÊLHO, Sacha Calmon  Navarro.  Curso  de Direito Tributário  Brasileiro.  8.  ed.

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OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo. Código Tributário Nacional: comentários, doutrina, jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008.

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SILVA, Sérgio André Rocha Gomes da. Responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas fiscais da pessoa jurídica. Revista Dialética de Direito Tributário.


Notas

[1] BOADNAR, 2008, p. 87.

[2] Nesse sentido entendia o STF antes de 1988 e o STJ em seus primeiros anos.

[3]  Adotam essa teoria Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 2005 , p. 755), Ives Gandra da Silva Martins (Comentários ao Código Tributário Nacional, 2002, p. 270-172), Sasha Calmon Navarro Coelho  Curso de Direito tributário Brasileiro, 2003, p. 627), Kiyoshi Harada (Direito Financeiro e Tributário, 004, p. 474-475), Luiz Emygdio F. da Rosa Jr (Manual de Direito Financeiro e Tributário, 2005, p. 563-569), dentre outros.

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Sobre o autor
Domingos de Araújo Lima Neto

Graduando em Direito na Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, Domingos Araújo. A responsabilidade tributária do sócio-administrador da pessoa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3720, 7 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25243. Acesso em: 19 abr. 2024.

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