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A possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre cooperativas e cooperados ou entre cooperados e terceiros

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09/09/2013 às 12:34
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5 AS COOPERATIVAS DE TRABALHO E O VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Adentra-se, a partir deste momento, ao ponto crucial deste trabalho, em que será analisada, sem a pretensão de esgotar o tema proposto, a possibilidade de caracterização do vínculo empregatício entre os cooperados e a cooperativa, ou entre aqueles e a empresa tomadora de serviços que obtém mão-de-obra a partir da terceirização celebrada com as associações cooperadas.

5.1 As Diferenças entre as Cooperativas e o Contrato de Trabalho

O contrato de trabalho, que formaliza a relação de emprego, conforme analisado no tópico anterior, tem por requisitos a pessoalidade, com prestação de serviços exclusivamente por pessoas físicas, a continuidade ou não eventualidade, a subordinação e a onerosidade.

A primeira distinção entre o vínculo do cooperado com a sua entidade e a relação criada a partir do contrato de trabalho é que o verdadeiro cooperado subscreve cotas do capital social e, embora seu labor não seja gratuito, assim como a relação de emprego, o pagamento por ele recebido não representa salário. Além disso, os valores auferidos pelo associado dependem do desempenho da sua produção, sendo variável, diversamente da remuneração do empregado, que tende a ser fixa.

A característica da subordinação não existe no âmbito das cooperativas. Entre os associados há uma relação de cooperação, societária, de iniciativa comum e união de esforços visando uma mesma finalidade. Todos os sócios têm a mesma condição de igualdade, diante do regime democrático que impera.

É possível gerenciar ou supervisionar o trabalho desenvolvido na cooperativa, mas não a pessoa do trabalhador. Esta “não pode ser controlada, sob pena de caracterizar a subordinação. A fiscalização do serviço pode ser feita por intermédio da cooperativa e não em relação ao próprio trabalhador” (MARTINS, 2008, p. 90-91).

Ainda quando o trabalho é realizado sob a forma de terceirização, não existe a subordinação, pois o cooperado labora por conta própria, com autonomia, assumindo os riscos de sua atividade. Neste sentido, o cooperado não pode ser fiscalizado ou punido por chegar atrasado ou por inassiduidade, bem como não pode ser utilizado cartão de ponto, que indica controle de horários, um dos aspectos da subordinação.

Além disso, o trabalhador cooperado é um trabalhador eventual, prestando seus serviços a terceiros de forma ocasional, esporádica, para a realização e conclusão de uma atividade específica. Desse modo, o cooperado não deve possuir como única fonte de renda o tomador dos serviços, mas seu labor deve ser fornecido a vários outros.

5.2 A Terceirização

A terceirização é a forma que diversas empresas utilizam para transferir parte de sua produção, ou serviço, a outras pessoas, físicas ou jurídicas. Com isso, podem se concentrar de forma exclusiva na elaboração de seu produto final, que é a sua verdadeira vocação. Essa modalidade serve, ainda, para a redução de gastos na produção, devido à diminuição de encargos sociais, trabalhistas e fiscais, bem como a facilitação da administração da empresa, já que parte da responsabilidade fica a cargo do prestador dos serviços.

O fenômeno da terceirização ou intermediação de mão-de-obra é cada vez mais presente na sociedade brasileira atual. Apesar disso, não existe uma legislação específica acerca da matéria e suas implicações sociais, econômicas e jurídicas.

Visando suprir esta lacuna, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, anteriormente transcrita, afirmando que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, salvo no caso de trabalho temporário, sob pena de formalizar-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Na exceção está inserida, ainda, a contratação terceirizada de serviços de vigilância, conservação, e limpeza, além dos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

A partir destas considerações, Mauad (2001, p. 231) diferencia atividade-meio e atividade-fim:

Atividades meio seriam todas aquelas atividades ou serviços que não visassem aos objetivos finalísticos da empresa. As atividades-fim seriam todas aquelas que convergem diretamente para a elaboração do produto final ou dos verdadeiros misteres da empresa tomadora.

Portanto, de acordo com a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, constata-se a ampliação das formas de terceirização aceitas pelo ordenamento, destinada inclusive para as atividades-meio da empresa.

5.3 A Discussão sobre a Possibilidade de Existência de Vínculo Empregatício no Âmbito das Cooperativas de Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 442, parágrafo único, dispõe que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo de emprego entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

No âmbito das cooperativas, o trabalhador cooperado age como sócio, participando da administração da entidade, que visa proporcionar trabalho aos seus associados. Há uma relação de cooperação entre os integrantes, buscando um fim comum, não se caracterizando o vínculo empregatício. Ainda, a prestação de serviços pelo cooperado a terceiros, entendida como terceirização, também é vista como atividade autônoma, inexistindo relação de emprego entre os associados e os tomadores do labor.

O acréscimo do parágrafo único ao artigo 442 consolidado tranqüilizou o tomador de serviço ao contratar uma cooperativa, pois, antes da inovação, vários cooperados ajuizavam reclamações trabalhistas diretamente contra os contratantes do serviço, visando o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa.

Em razão disso, Delgado (2006, p. 435) explica:

Isso significa que a ordem jurídica apenas favoreceu a prática cooperativista, envolvendo produtores e profissionais efetivamente autônomos (como cabe às cooperativas); neste favorecimento, criou, em favor dessas entidades, a presunção de ausência de vínculo empregatício. Porém não conferiu ao cooperativismo instrumental para fraudes trabalhistas.

Portanto, a aplicação correta deste regramento legal insculpido na Consolidação das Leis do Trabalho não desvirtua o instituto do vínculo empregatício, desde que obedecidas as normas e os princípios regentes das cooperativas e de seus sócios e a forma adequada de terceirização admitida pelo Tribunal Superior do Trabalho.

O problema ocorre quando as cooperativas concedem tratamento de empregados aos seus associados, escondendo essa condição sob o manto das regras do cooperativismo. Ainda, acontece esse desvirtuamento quando terceiros contratam os serviços dos obreiros cooperados e estes acabam atuando como verdadeiros empregados da empresa tomadora. Nestes casos, portanto, é imperiosa a caracterização do vínculo empregatício entre trabalhadores e cooperativas, ou entre aqueles e terceiros, visando resguardar os seus direitos laborais.

Neste sentido, leciona Campelo (2005, p. 53):

Assim, verificada a subordinação jurídica do associado com a empresa contratante dos serviços, estará configurado o vínculo empregatício e será constatada fraude entre esta e a sociedade cooperativa, que, então, terá participado como mera intermediária de mão-de-obra. Dessa forma, fica caracterizada a relação empregatícia com a empresa tomadora dos serviços, valendo lembrar, entretanto, que tais situações são especialíssimas e que não se constituem pelo simples fato da prestação do serviço referir-se à atividade fim, mas sim, à presença das características de relação de emprego.

Destarte, configurados os requisitos essenciais do vínculo de emprego (pessoalidade, subordinação, onerosidade e continuidade ou não eventualidade) nas relações entre associados e cooperativas, ou entre aqueles e terceiros, devem ser reconhecidos como empregado e empregador os cooperados e a cooperativa ou os terceiros, respectivamente. Interpreta-se, assim, o parágrafo único do artigo 442 consolidado como uma presunção relativa, e não absoluta, admitindo-se que o obreiro prove a existência do vínculo empregatício, sendo dele o ônus probatório.

Para que ocorra esse reconhecimento, é necessário comprovar o conluio entre a empresa tomadora dos serviços e a cooperativa fornecedora de mão-de-obra, em detrimento de seus cooperados, visando fraudar os seus direitos trabalhistas assegurados pela legislação. Assim, deve ficar evidenciada a intenção de desvirtuar ou impedir a aplicação do diploma consolidado nos atos praticados por essas entidades.

Segundo Martins (2008, p. 94-95), havendo fraude na contratação e presentes os requisitos, “fica configurado o vínculo de emprego. A realidade deve ficar acima da forma empregada pelas partes. A norma legal deve ser interpretada no sentido de proteger o trabalhador”.

A cooperativa presta serviços para o cooperado e não o contrário. “Somente em sociedades cooperativas fraudulentas é que se poderia falar que o cooperado presta serviços para a cooperativa” (MARTINS, 2008, p. 95).

Quando não houver interesse comum de sociedade entre as partes, mas, ao contrário, existir subordinação e os demais requisitos, haverá vínculo empregatício. Se há continuidade na prestação de serviços pela mesma pessoa e o serviço é prestado por tempo indeterminado e permanente, pode-se configurar a relação de emprego, uma vez que o adequado é existir rodízio dos cooperados na prestação dos serviços e estes sejam de curta duração, de conhecimentos específicos.

Exemplo de caracterização de relação empregatícia se dá na contratação de cooperativa de professores para o exercício letivo. Se esta atividade for exercida com horário de trabalho fixo e específico para as aulas e obrigatoriedade de dias de labor, indicada está a subordinação. Além disso, o fato de o obreiro trabalhar durante todo o ano letivo evidencia a continuidade da prestação dos serviços, uma vez que não se pode considerar um ano letivo inteiro como um evento, pois o professor labora em dias certos e tem aulas agendadas em horários fixos.

Furquim (2001, p. 84) ensina maneiras de verificação da veracidade de uma terceirização trabalhista:

1. A empresa contratante, quando contrata uma cooperativa de trabalho (seja ela de produção ou serviço ou de mão-de-obra), está contratando, sem sombra de dúvidas, o resultado de uma prestação de serviço, não importando a pessoa por quem o serviço será prestado. A prestação do serviço prescinde do requisito intuitu personae, pois temos a ausência do pressuposto pessoalidade, que, em conjunto com outros fatores, leva à configuração da relação empregatícia.

2. A sociedade cooperativa, quando contratada, além da equipe de trabalhadores que, efetivamente, prestam o serviço especializado, se faz presente também no local de trabalho um coordenador ou gestor, também cooperado, eleito em assembléia, para orientar e dirimir qualquer dúvida por parte dos associados que estão prestando o serviço. A presença de um representante da cooperativa, escolhidos pelos próprios cooperados, descaracteriza o poder de direção; enfim, a subordinação do trabalhador para com aquele que está aproveitando a sua força de trabalho.

3. Analisando, ainda, a onerosidade, que também não está presente na relação cooperado/tomadora de serviço, pois a empresa contratante contrata uma sociedade cooperativa, o preço é tratado com relação ao resultado, sendo que os cooperados ou associados têm remuneração percebida de acordo com a produção do trabalho de cada um, e essa tratativa é efetuada pela própria cooperativa. Embora em nome dos cooperados, é com ela que é firmado o contrato de prestação de serviços.

4. No que se refere à não-eventualidade, a presença desse requisito, por si só, não caracteriza a existência de vínculo empregatício. Na verdade, esse requisito, de certa maneira, tem ligação com a pessoalidade. Conforme já afirmado, a tomadora contrata o resultado, não tendo qualquer importância para ela que a prestação de serviços seja efetuada por trabalhadores distintos. Esse fato leva, em geral, a uma situação de prestação de serviços onde a continuidade, considerando-se um único trabalhador, não tem preponderância.

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Não é permitida a cooperativa a realização das atividades-fim da empresa tomadora dos serviços, pois a mão-de-obra seria apenas parte de uma falsa cooperativa, que, na verdade, é a própria tomadora, sem nenhuma função social para os associados. A única vantagem seria para a empresa contratante, que vislumbraria um acréscimo em seus lucros a partir da sonegação de encargos trabalhistas.

Nesse sentido, o objetivo da jurisprudência em limitar a terceirização às atividades especializadas diz respeito à prestação de trabalho das fornecedoras d serviço, “as quais podem desempenhar serviços particularizados, com especificações próprias, e não simplesmente a realização de todo e qualquer tipo de tarefa que interesse à tomadora” (MAUAD, 2001, p. 230). Isso porque o serviço especializado é a atividade-fim da fornecedora e a atividade-meio da contratante.

Indícios de fraude podem ser apontados nas situações em que a cooperativa funciona dentro do tomador, uma vez que ambos podem ser confundidos. Se possível, afirma Martins (2008, p. 101), “o cooperado deve prestar serviços fora da empresa, pois não estará sujeito a ordens de serviço determinadas na empresa”.

Sob outra ótica, o trabalho do cooperado, embora não seja gratuito, é remunerado de forma dependente do seu desempenho, de modo variável, diferentemente da relação de emprego, na qual a remuneração tende a ocorrer por intermédio de um salário fixo. Segundo Martins (2008, p. 90), “deve-se evitar remunerar o trabalhador por hora, pois pode-se confundir com o contrato de trabalho. O mais correto é remunerar o trabalhador por serviço concluído”.

Outro sintoma do conluio entre empresas tomadoras e cooperativas de trabalho ocorre quando aquelas realizam o pagamento diretamente ao cooperado, ao invés de ser feito à cooperativa, podendo indicar a onerosidade.

Pode configurar, ainda, o requisito da subordinação quando a empresa tomadora dos serviços gerencia ou supervisiona o cooperado, e não o seu trabalho. Aquele não pode ser controlado, sendo que a fiscalização do serviço pode ser feita por intermédio da cooperativa, e não em relação ao próprio trabalhador.

O obreiro associado pode ser orientado a como fazer o seu trabalho, mas não pode ser fiscalizado ou punido por atrasos ou faltas. Conforme Martins (2008, p. 91), “advertência formal por fumar na recepção do local onde trabalha pode indicar subordinação”.

Ainda, indício de subordinação é a utilização de cartão de ponto pelo cooperado, pois indica controle de horário. Isso porque o cooperado é livre, podendo prestar seus serviços com autonomia e de livre e espontânea vontade, sem controle de horários. Ademais, o controle de horários não deve servir de pretexto para aferição de produtividade, pois esta deve ser analisada sob a ótica daquilo que é efetivamente produzido. Pode existir, no entanto, controle de freqüência, desde que seja apenas para verificar os dias trabalhados para efeito de pagamento do cooperado.

Neste sentido, leciona Martins (2008, p. 92):

A Assembléia Geral da cooperativa pode determinar que os cooperados usem cartão de ponto. Isso mostra um regime democrático, a prevalência da autonomia privada coletiva, da vontade da maioria, do interesse da sociedade. Contudo, a utilização do cartão de ponto pode e não vai indicar subordinação, pois envolve controle do trabalhador e não do trabalho. O elemento controle de ponto deve ser conjugado com outros elementos constantes da relação mantida entre as partes. Não há subordinação com a Assembléia Geral, que é órgão da sociedade.

Dessa forma, o verdadeiro cooperado não tem horário de trabalho, podendo prestar seus serviços por quanto tempo quiser e quando lhe aprouver, não sendo subordinado a ninguém, cumprindo apenas as determinações do estatuto e da Assembléia Geral.

Um importantíssimo avanço no combate utilização das cooperativas de trabalho como fraude da legislação trabalhista foi a edição da Lei 12.690 de 19 de julho de 2012.

Este diploma proíbe, expressamente, em seu artigo 5º, a utilização da cooperativa como intermediadora de mão-de-obra subordinada. Dispõe o parágrafo 6º do artigo 7º desta lei que, quando as atividades da cooperativa forem prestadas fora do estabelecimento da entidade, elas deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a um ano ou ao prazo estipulado para a conclusão dos serviços, eleita em reunião específica pelos sócios que irão exercer o trabalho, em que serão expostos a forma de trabalho, o valor contratado e a retribuição de cada cooperado. Não sendo obedecidas estas condições, o parágrafo 2º do artigo 17 presume a atividade realizada como intermediação de mão-de-obra subordinada.

A proteção continua com o parágrafo 1º da mencionada lei, que fixa multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por cada cooperado que exerça seus serviços através de intermediação de mão-de-obra subordinada, a ser paga pela cooperativa e revestida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Ainda, em seu artigo 18, o mesmo diploma determina que a constituição ou utilização da cooperativa de trabalho para fraudar deliberadamente a legislação trabalhista e previdenciária, acarretará aos responsáveis sanções penais, civis e administrativas, além da ação judicial cabível para a dissolução da entidade. Por fim, fica inelegível a qualquer cargo na cooperativa de trabalho, por cinco anos contados do trânsito em julgado da sentença, o sócio, dirigente ou administrador condenado por fraude aos direitos laborais.

A partir destas considerações, é possível afirmar que é lícita a contratação de cooperativas de trabalho para fins de terceirização, desde que observados todos os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico, como o fornecimento de serviços de limpeza, vigilância e atividades-meio da empresa tomadora, além da prestação de serviços especializados, conforme permissão do artigo 3º da Lei 12.690 de 2012. Caso contrário, em nome do princípio da primazia da realidade sobre as formas, será configurado o vínculo empregatício com a tomadora de serviços se comprovada a fraude à legislação trabalhista, protegendo, assim, o obreiro.

5.4 O Entendimento Jurisprudencial Brasileiro

O Tribunal Superior do Trabalho vem reiterando, em suas decisões, a idéia de que, uma vez verificada a intenção de burlar a legislação trabalhista na criação de uma cooperativa de trabalho que presta serviços a uma empresa, deve ser reconhecido o vínculo empregatício em favor dos trabalhadores, se presentes os seus requisitos.

Neste sentido é a ementa do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 66300-81.2009.5.04.010, julgado em 30 de abril de 2012 e publicado em 04 de maio de 2012:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. COOPERATIVA. FRAUDE. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. Não viola a literalidade do parágrafo único do art. 442 da CLT a decisão regional que, com esteio na prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso associado e tomador de serviço da cooperativa, assim criada com intuito de burlar a legislação trabalhista, quando efetivamente preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT). Agravo de instrumento conhecido e desprovido (663008120095040101 66300-81.2009.5.04.0101, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Data de Julgamento: 30/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2012).

Entendeu-se, através deste julgamento, que deve ser aplicado o princípio da primazia da realidade sobre as formas, de acordo com o voto do Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira:

À luz do princípio da primazia da realidade, que dá suporte à aplicação do Direito do Trabalho, na exegese do art. 9º consolidado, o julgador deverá buscar no art. 3º da CLT os elementos essenciais à configuração do real liame jurídico entre as Partes.

Segundo Américo Plá Rodrigues, “a existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque [...] a aplicação do Direito do trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor” (Apud DE LA CUEVA, Mario; Princípios de Direito do Trabalho; São Paulo; LTr, 2002, pág. 340).

Não viola a literalidade do art. 442 da CLT a decisão regional que, com esteio na prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso associado e tomador de serviço da cooperativa - assim criada com intuito de burlar a legislação trabalhista -, quando preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT).

Nessa esteira, conforme consignado no acórdão regional, que “não fosse pela interveniência do Ministério Público do Trabalho, que, por meio da ação civil pública (fls. 254-358), já julgada em todos os graus de jurisdição, tenta estancar a fraude perpetrada contra os trabalhadores que desenvolveram, como é o caso dos autos, por vários anos, atividade essencial à consecução dos objetivos, na condição de ‘cooperativados’, sem que nenhum dos requisitos mínimos de verdadeiro sócio cooperativado tenham sido demonstrados” (fl. 656-v.).

Assim, perfeitamente aplicável, para o caso dos autos, o disposto no item I da Súmula 331 do TST, no sentido de que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário” (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

Em outro Agravo de Instrumento de Recurso de Revista, nº 131840-41.2006.5.01.0012, julgado em 21 de setembro de 2011 e publicado em 30 de setembro de 2011, assentou-se que a fraude na legislação trabalhista e a existência de vínculo empregatício, evidenciadas a partir da contratação de pseudo-cooperativas, devem ser reconhecidas até mesmo contra a Administração Pública, de acordo com o trecho do voto do Ministro Relator Horácio Raymundo de Senna Pires:

A questão em debate se refere à contratação pela 2ª reclamada de pseudocooperativa, ocorrendo terceirização ilícita, por isso a responsabilização subsidiária da 2ª reclamada, que contratou Cooperativa que não atuava como cooperativa, mascarando a relação de emprego, fraudando a legislação trabalhista.

Com efeito, registrou o e. Tribunal Regional do Trabalho, referindo-se à fraude perpetrada por meio de pseudocooperativa, que, “Não bastassem esses, acrescente-se que a formatação da sociedade de pessoas em que se constitui a verdadeira cooperativa de serviços tem como norte a colaboração em prol do interesse comum, sendo o seu móvel a affectio societatis. Como corolário, tem-se na autogestão o signo emblemático do cooperativismo. No entanto, in casu nenhum ato jurídico que pudesse chancelá-lo foi constatado (...). Nada disso se verificou nos autos, não se escusando ainda que a reclamante permaneceu por período de 10 anos nos quadros da primeira reclamada. Por força do art. 9º da CLT, impõe-se o reconhecimento da nulidade da relação associativa. A vedação disciplinada no parágrafo único do art. 442 da CLT é dirigida à verdadeira cooperativa, hipótese em que não se forma vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. Não é o caso dos autos, vez que a pessoa jurídica contratada, de fato, é uma fornecedora de mão-de-obra. Com efeito, tratou-se de efetiva terceirização de serviços contratada pelas pessoas jurídicas, com a clara intermediação de mão-de-obra subordinada revestida sob a forma de cooperativismo” (fl. 258).

Ressaltou, ainda, que restou configurada a responsabilidade subsidiária da Fundação-Reclamada, com base na Súmula 331, IV, do TST, aduzindo que, “ainda que o tomador de serviços seja pessoa jurídica de direito público, integrante da administração indireta – uma fundação governamental – e não se cogite da formação de vínculo jurídico entre o trabalhador e ele tomador dos serviços, este não se desonera da responsabilidade subsidiária na hipótese de inadimplemento da obrigação principal” (fl. 258).

Nesse contexto, comprovada a prática de ato fraudulento pela Administração Pública, desrespeitando os princípios insculpidos no caput do artigo 37 da CF e, por conseguinte, a Lei 8.666/93, inviável a pretensão de exclusão de sua responsabilidade com base naquele dispositivo constitucional e no artigo 71, § 1º da Lei de Licitações. A Fundação-Reclamada não pode se beneficiar de sua própria torpeza.

Além do reconhecimento da fraude e do vínculo empregatício, infere-se, a partir do aresto, a responsabilidade da empresa contratante pelos encargos trabalhistas dos obreiros, ainda que de modo subsidiário.

O julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 238800-93.2009.5.02.0042, publicado em 31 de agosto de 2012, deixou claro que o conluio celebrado entre a empresa tomadora de serviço e a cooperativa de trabalho para fraudar a legislação obreira gera o reconhecimento da relação de emprego a favor dos trabalhadores, o que não viola o artigo 3º e o artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. COOPERATIVA. FRAUDE. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. A decisão regional que reconhece, com base na prova dos autos, relação de emprego entre o pretenso associado e o tomador dos serviços da cooperativa (criada com intuito de fraudar a legislação trabalhista) não viola os arts. 3º e 442 da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento (2388009320095020042 238800-93.2009.5.02.0042, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Data de Julgamento: 29/08/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/08/2012).

Neste julgado, o Ministro Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte entendeu que as funções desempenhadas pelo obreiro correspondiam às atividades-fim da contratante, evidenciando a fraude:

Outrossim, a decisão regional que reconhece, com base na prova dos autos que indicam a existência de fraude, relação de emprego entre o pretenso associado e o tomador dos serviços da cooperativa (criada com intuito de burlar a legislação trabalhista) não viola os arts. 3º e 442 da CLT. Ora, uma vez registrado pelo TRT que "as funções desempenhadas pela autora eram típicas e inerentes à atividade fim da 1ª reclamada, colocando-se as cooperativas como meras intermediárias de mão de obra barata", verifica-se ser aplicável, in casu, o item I da Súmula 331 do TST, no sentido de que "a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário” (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

Vários outros arestos do Tribunal Superior do Trabalho são exemplos da caracterização da relação de emprego entre cooperados e tomadores de serviço quando há fraude entre estes e as cooperativas de trabalho, desde que presentes os seus requisitos essenciais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. COOPERATIVA. VÍNCULO DE EMPREGO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 442, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. NÃO PROVIMENTO. Conforme assentado no v. acórdão regional, as provas dos autos denunciaram o desvirtuamento da cooperativa, que atuava como mera intermediária de mão-de-obra, e a existência dos requisitos caracterizadores do vínculo de emprego (Súmula nº 126). Assim, uma vez comprovada a fraude, não há falar em violação do parágrafo único do artigo 442 da CLT, que estabelece a inexistência de vínculo de emprego entre os associados e a cooperativa ou seus tomadores de serviços. Agravo de instrumento a que se nega provimento (2772400720055020073 277240-07.2005.5.02.0073, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos. Data de Julgamento: 11/05/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2011).

RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO - RECONHECIMENTO. O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, de inviável reexame nesta esfera recursal, nos termos da Súmula nº 126 desta Corte, constatou emergir dos autos a ocorrência de verdadeiro trabalho subordinado, sob a máscara de cooperativismo. A autora recebia ordens da tomadora de serviços, cumpria horário de trabalho, recebia salário, não se vislumbrando, assim, qualquer autonomia. Presentes a pessoalidade, habitualidade, onerosidade e a subordinação jurídica, há de se reconhecer o vínculo de emprego entre as partes. Assim, concluiu que a contratação por intermédio da cooperativa era fraudatória, já que a reclamante possuía, na realidade, vínculo empregatício direto com a reclamada, dando a exata subsunção dos fatos ao conceito contido nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Convém ressaltar, ainda, que a disposição do artigo 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho não resiste à constatação da fraude na contratação por cooperativas e do preenchimento do vínculo empregatício com a tomadora de serviços, ante a aplicação do princípio da primazia da realidade. Recurso de revista não conhecido (1233 1233/2001-094-15-00.8, Relator: Renato de Lacerda Paiva. Data de Julgamento: 04/11/2009, 2ª Turma. Data de Publicação: 11/12/2009).

RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. TERCEIRIZAÇÃO. O TRT reconheceu a ilicitude da terceirização de serviços no caso dos autos, não apenas pelo fato de a reclamante trabalhar na atividade- fim do banco, mas também por ter sido provado que houve fraude na formação da cooperativa, e que ficaram configurados, na relação entre banco e reclamante, os elementos caracterizadores da relação empregatícia. Assim, fica afastada a aplicação do art. 442 da CLT, o qual se refere à cooperativa regular, em que o cooperado efetivamente seja sócio, e não empregado. O contexto fático apresentado pela Corte de origem corrobora sua conclusão acerca do reconhecimento do vínculo empregatício com o ora recorrente. Assim, decisão contrária demandaria novo exame das provas dos autos, o que é vedado pela Súmula n.º 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece (1499005720065060001 149900-57.2006.5.06.0001, Relator: Kátia Magalhães Arruda. Data de Julgamento: 21/09/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011).

Em que pese a atualidade dessas decisões, desde as décadas de 80 e 90 a jurisprudência brasileira vem entendendo pelo reconhecimento do vínculo empregatício na existência de fraude, visando à proteção do trabalhador. Martins (2008, p. 95-96) enumera vários arestos neste sentido:

Sócio de Cooperativa de Trabalho, que mantém relação de trabalho subordinado para com ela, é empregado. Hipótese em que ocorrem as duas situações jurídicas. Embargos não conhecidos (TST, Pleno, E-RR 1.769/78, Ac. 1.234/80, Rel. Min. Hildebrando Bisaglia, DJ 4-7-80).

Imprópria a denominação da cooperativa na contratação de trabalho entre associados e beneficiários dos serviços, configurando evidente fraude aos direitos das reclamantes, por afastá-las da proteção do ordenamento jurídico trabalhista. Reconhecimento de vínculo empregatício entre cooperativados e tomador dos serviços (TRT 4ª R, RO 7.789/83, Ac. 4ª T., j. 8-5-84, Rel. Juiz Petrônio Rocha Violino, in LTr 49-7/839).

Cooperativa. Relação de Emprego. Quando o fim almejado pela cooperativa é a locação de mão-de-obra de seu associado, a relação jurídica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho (TRT 2ª R, 1ª T, RO 02930463800, Ac. 02950210648, Rel. Juiz Floriano Correa Vaz da Silva, DOESP 7-6-95, p. 41).

Inteligência do parágrafo único do art. 442 da CLT. As cooperativas caracterizam-se pela associação de pessoas que se comprometem a contribuir com bens ou serviços em prol de uma atividade econômica, sem objetivo de lucro e para prestar serviços aos próprios associados. A não-observância dessas características enseja fraude à lei, e a cooperativa deve ser considerada mera intermediadora de mão-de-obra (TRT 2ª R, 3ª T, RO 02950288701, Ac. 029600565279, Rel. juiz Décio Daidone, DOESP 12-11-96).

As chamadas cooperativas de trabalho se constituem com a finalidade precípua de melhorar as condições de trabalho e nível salarial de determinados trabalhadores, dispensando a intervenção do empregador. Todavia, arregimentar mão-de-obra barata, sob o manto de falso cooperativismo, fazendo o trabalhador renunciar a direitos sabidamente irrenunciáveis, e que assim sempre irá fazê-lo em virtude do próprio emprego, é um retrocesso histórico a todos os avanços conseguidos pelo Direito do Trabalho no decorrer dos tempos. Trabalhador que é fiscalizado, subordinado e que recebe importâncias com características de salário, é padronizado pela norma consolidada (art. 3º), não como cooperado, mas sim empregado, e como tal se acha amparado por todas as leis trabalhistas e previdenciárias (TRT 24ª R, RO 0150/99, Ac. 1.428/98, j. 7-7-99, Rel. Juiz Nicanor de Araújo Lima, LTr 64-03/405).

Diante de todos estes semelhantes julgados, percebe-se que a jurisprudência brasileira, representada pelo Tribunal Superior do Trabalho e demais Tribunais pátrios, aplica os ensinamentos doutrinários aos casos concretos, dando legitimidade ao espírito da legislação e das lições jurídicas e demonstrando a sua aplicabilidade prática. Assim, é louvável a subsunção realizada, revelando o efetivo interesse em proteger o trabalhador e garantir a eficácia do ordenamento trabalhista.

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Sobre o autor
Thiago Meneses Rios

Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Experiência anterior como Assessor de Juiz em Vara Criminal. Experiência como estagiário da Defensoria Pública Estadual do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Thiago Meneses. A possibilidade de configuração de vínculo empregatício entre cooperativas e cooperados ou entre cooperados e terceiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3722, 9 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25252. Acesso em: 5 nov. 2024.

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