VI – CONCLUSÕES
Em decorrência dos princípios constitucionais implícitos e, notadamente, tendo em conta as atribuições de defesa da legalidade e indisponibilidade do interesse público, é imperioso que se assegure ao Procurador do Estado a prerrogativa de atuar livremente, nos termos de sua consciência e da Constituição e das leis, sem subordinação a quem quer que seja.
De tal sorte, no âmbito da organização estrutural das várias Procuradorias Gerais, só há de existir hierarquia administrativa, de modo que o Chefe da Instituição exercerá funções de comando no que concerne à organização dos serviços administrativos, nos termos da lei, sem interferir no trabalho jurídico dos Procuradores do Estado.
Não lhe é lícito avocar funções judiciais atribuídas a Procuradores do Estado, ou formular designações arbitrárias para o exercício de determinadas tarefas. Nem mesmo poderá remover o Procurador do Estado, de maneira injustificada.
Deve-se reconhecer, entretanto, que não existem dispositivos da Lei Maior assecuratórios da independência funcional, que se traduzem, não apenas nas garantias, como a vitaliciedade, a irredutibilidade de vencimentos, o direito de eleger o Procurador –Geral, etc., como pelas vedações.
De qualquer forma, os interesses indisponíveis perseguidos justificam a necessidade de assegurar plena independência funcional aos Procuradores do Estado.
E a independência funcional dos Procuradores do Estado é, seguramente, maior garantia para o próprio cidadão, que terá a certeza de que não haverá ingerências indevidas de autoridades públicas na atuação funcional dos Procuradores do Estado, que poderão atuar, livres de pressões e influências, garantindo o respeito à indisponibilidade do interesse público e do princípio da legalidade e moralidade administrativas.
E, para assegurar tal independência funcional, assecuratória do regular exercício das funções institucionais dos Advogados Públicos, é mister, de início, que as funções atribuídas aos Procuradores do Estado sejam previamente definidas em lei, no caso, as respectivas Leis Complementares que organizam as Procuradorias Estaduais, sendo, por outro lado, expressamente vedado o exercício das funções do Procurador do Estado por advogados que não integrem o quadro da carreira, para cujo ingresso a Constituição impõe prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.
Ademais, é necessário que haja a fixação do Procurador em um órgão de atuação específico, criado por lei, de modo que, uma vez investido no cargo, em tal órgão, o Procurador passe a ser legalmente legitimado a exercer as atribuições afetas a tal órgão, e a sua inamovibilidade, salvo interesse público justificado.
De tal maneira, as designações formuladas pelo Procurador-Geral só poderão ocorrer se: houver impedimento legal de ordem administrativa para que o Procurador titular oficie, no caso, v.g., de férias, afastamentos, licenças, etc.; houver impedimento ou suspeição ditados pelas leis processuais civis e, finalmente, por ato excepcional e fundamentado, aprovado previamente pelo Conselho da PGE.
Do mesmo modo, a criação de grupos especiais de Procuradores somente pode ocorrer para o desempenho de serviços auxiliares do Gabinete do Procurador Geral do Estado, não sendo admissível o exercício de atribuições afetas a órgãos de execução específicos, sob pena de violação ao princípio da independência funcional, pois tais grupos especiais não são órgãos de execução criados por lei.
Outrossim, eventuais delegações de funções só serão admissíveis no que concerne à atribuições administrativas; ainda, a avocação, i.e., o fato de uma autoridade chamar a si determinadas atribuições que competiriam originariamente, a um subordinado, são inadmissíveis no que respeita à função institucional típica do Procurador do Estado.
Em suma, no âmbito da Advocacia Pública afigura-se inadmissível falar-se em hierarquia funcional, ou seja, poder hierárquico do Chefe da Instituição no que concerne à atuação processual dos Procuradores do Estado. Só existe a hierarquia para assuntos de ordem administrativa.
Todavia, como, ao menos por ora, não há previsão constitucional expressa de instrumentos assecuratórios das precitadas independência e autonomia, como a inamovibilidade, a previsão legal das funções atribuídas aos vários órgãos de execução da PGE, a escolha do Procurador-Geral por sufrágio entre os Membros da Carreira, a autonomia financeira e administrativa, é mister que as várias Constituições Estaduais e Leis Orgânicas das Procuradorias prevejam as garantias referidas, como decorrência dos princípios constitucionais implícitos que impõem a edição de normas jurídicas concretizadoras da independência funcional do Advogado do Estado.
NOTAS
1. Deixamos de consultar, apenas, as Constituições Estaduais do Amapá, Amazonas, Piauí, Rondônia e Tocantins.
2. Ética e Direito, Chaim Perelman, p.12.
3. Sérgio Andréa Ferreira, in Comentários à Constituição. p. 12.
4. Ética na Advocacia Pública – Tese apovada no XXV Congresso Nacional dos Procuradores do Estado.
5. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 101.
6. Mônica de Melo, Ética na Advocacia Publica, op. cit.
7. Exceto o texto constitucional da Bahia, do Ceará, de Mato Grosso, do Pará, do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que atribuem à PGE a representação judicial e o aconselhamento jurídico do Estado, com destaque para a Constituição de Goiás, que prevê, não a prestação de consultoria jurídica, mas, inversamente, o controle da legalidade dos atos do Executivo pela PGE.
8. O Procurador Geral do Estado é escolhido entre integrantes da carreira somente nos Estados do Pará, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Mato Grosso.
9. O papel do Procurador (Advogado do Estado) diante dos princípios e regras constitucionais atinentes a sua carreira.
10. Estados do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Ceará.
11. Distrito Federal e Estados de São Paulo, Paraíba, Alagoas e Ceará.
12. Estado de São Paulo e Ceará e, exclusivamente em relação ao princípio da legalidade, Estados do Acre, Goiás, Rio de Janeiro, Paraíba, Alagoas e Mato Grosso.
13. Estado do Rio de Janeiro, Paraná e Paraíba. As Constituições Estaduais do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul empregam o termo "exclusiva".
14. ADINS ns. 159, 241, 484, 824, 881, 1557 e 1679, no bojo das quais foram concedidas medidas liminares para sustar a eficácia de atos normativos editados por unidades federadas com o escopo de atribuir o exercício de funções típicas da Advocacia Pública a órgãos estranhos à Procuradoria Geral do Estado, em afronta ao artigo 132 da Constituição Federal.
15. Constituições Estaduais do Acre, Goiás, Maranhão e Lei Orgânica do Distrito Federal.
16. São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraíba, Maranhão e Ceará.
17. Acre, Rio de Janeiro, Paraíba e Ceará.
18. Mato Grosso.
19. Aprovada em primeiro turno na Câmara do Deputados.
20. Goiás, Paraná, Paraíba, Ceará e Mato Grosso.
21. Rio Grande do Sul, Paraná, Maranhão, Ceará, Alagoas.
22. Ceará.
23. Alagoas e Mato Grosso.
24. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 25.
25. Exemplo do Prof. Roque Antonio Carrazza, op. cit., p. 31.
26. República e Constituição, p. 5-6, apud Renato Lopes Becho, op. cit., p. 20.
27. Op. cit., p. 31.
28. Roque Antonio Carrazza, op. cit., p. 31.
29. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, p. 90.
30. Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 131.
31. Paulo de Barros Carvalho, op. cit., p. 90.
32. Curso de Direito Administrativo, p. 545.
33. Renato Lopes Becho, op. cit., p. 21.
34. Ibidem, p. 21-2.
35. Curso de Direito Administrativo, p. 19.
36. Renato Alessi, Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, p. 197-8, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 22.
37. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, p. 60.
38. Op. cit., p. 22.
39. Ibidem, mesma página.
40. Ibidem, mesma página.
41. Ibidem, p. 23.
42. Ibidem, p. 24.
43. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J. J. Gomes Canotilho, p. 249/50.
44. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a "atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais", Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, p. 19, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 49.
45. Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: para o particular "o que não está por lei proibido, está juridicamente permitido", op. cit., p. 172.
46. Op. cit., p. 165 – nota de rodapé nº 5.
47. Ibidem, mesma página.
48. Neste sentido: Michel Stassinopoulos, Traité des Actes Administratifs, p. 69, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 48, que esclarece que Renato Alessi concorda com tal afirmativa.
49. Mário B. Sesta, Advocacia de Estado: Posição Institucional. Rev. de Inf. Legislativa, nº 117/197.
50. A Unicidade Orgânica da Representação Judicial e da Consultoria Jurídica do Estado de Minas Gerais, p. 20.
51. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ensina: "os Procuradores do Estado, como o próprio nome está a referir, não são – e não devem ser – procuradores de governos", acrescentando, "Procuradores de Estado, não do rei", O Procurador de Estado e o Pensamento Jusfilosófico (percebendo o neoliberalismo), Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 44/100-4.
52. Hugo Nigro Mazzilli, Independência do Ministério Público, in Ministério Público, p. 107.
53. Ibidem, p. 107.
54. Diogo de F. de Moreira Neto, op. cit., p. 27.
55. Neste sentido: Paulo de Barros Carvalho, op. cit., p. 90; e Roque Antonio Carrazza, op. cit., p. 31, que cita Souto Maior Borges.
56. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho assevera: "não há que se perder de vista o ‘interesse público’, o qual, ainda que com um conceito vago, não é o suficiente para ser confundido com os interesses privados dos temporários comandantes do Estado", O Procurador de Estado e o Pensamento Jusfilosófico (percebendo o neoliberalismo), Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo 44/102.
57. Op. cit., p. 197.
58. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a "atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais", Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, p. 19, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 49.
59. Celso Ribeiro Bastos leciona: "O princípio da máxima eficiência (Canotilho) significa que, sempre que possível, deverá ser o dispositivo constitucional interpretado num sentido que lhe atribua maior eficácia", Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 104.
60. Somente se agir com dolo ou culpa, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal; além das penas cominadas pela prática de ato de improbidade administrativa, previstas pela Lei n.º 8.429, de 02 de junho de 1992, pela prática da infração prevista pelo artigo 11 que: " Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade", podendo ser tipificada a conduta por outro artigo, conforme o caso.
61. Op. cit., p. 92.
62. Cf. artigo 7º, inciso I, da Lei nº 8.906/94.
63. Artigo 31, parágrafo 1º, da Lei nº 8.906/94 e artigo 2º, parágrafo único, inciso II, do Código de Ética do Advogado.
64. Artigo 31, parágrafo 2º, da Lei nº 8.906/94.
65. Advocacia Pública, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 21/15.
66. O Papel do Advogado Público na Administração Democrática e o Controle de Legalidade, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 47-48/122.
67. Comentários à Reforma Administrativa, p. 162 (grifo nosso).
68. Sérgio A. Ferreira, Comentários à Constituição, v. 3. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. P. 112-113.
69. Op. cit., p. 12.
70. O Controle da Legalidade diante da remoção e inamovibilidade dos Advogados Públicos, Tese Aprovada no XXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, 11/97.
71. A Unicidade Orgânica da Representação Judicial e da Consultoria Jurídica do Estado de Minas Gerais, p. 21.
72. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 881 (medida liminar), 02.08.1993, grifo nosso.
73. Procuradores do Estado: Função Essencial à Justiça, in Formação Jurídica, p. 159.
74. O ADVOGADO PÚBLICO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE, página do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública na internet.
75. Lei n.º 8.429, de 02 de junho de 1992, Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.; e Art. 17, A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar.; e seu parágrafo 2º: "A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.
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