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O lado anacrônico na reforma do art. 28 do CPP

01/01/2002 às 01:00
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O Ministério Público, titular da ação penal, tem legítimo e manifesto interesse nas inovações da legislação processual penal.

A propósito, no anteprojeto sobre a investigação policial, chama a atenção a redação proposta ao artigo 28 do CPP, na parte em que determina a remessa obrigatória de todo e qualquer arquivamento de inquérito policial ou peça de informação à apreciação do órgão Superior do Ministério Público.

Tal dispositivo nada mais é do que uma versão piorada do arcaico reexame necessário das decisões judiciais desfavoráveis ao Estado, cuja supressão integra a pauta de reforma do Judiciário.

Paradoxalmente, a excrescência que se pretende banir da área processual civil querem introduzir no âmbito do processo penal, mais especificamente no tocante à investigação policial.

O legislador precisará distanciar-se milhas e milhas da realidade para admitir em nosso ordenamento jurídico processual penal tamanho disparate, e nesse seu distanciamento inconseqüente e insensato, fruto de idéias saídas provavelmente do próprio Ministério Público, transformará o órgão superior do Parquet num agigantado cartório de delegacia de polícia, que para sobreviver exigirá a contratação de número incalculável de servidores, tudo para fazer com que a conhecida e eficiente burocracia possa ir adiante, no seu interminável bater de carimbos, elevando os gastos da instituição num tempo em que se busca enxugar a máquina estatal.

Uma vez concretizada, a pretensa inovação do artigo 28, certamente, produzirá uma expansão funcional sem precedentes nos quadros do Ministério Público, exigindo investimentos para o aparelhamento do órgão superior desenvolver as novas e perfeitamente dispensáveis atividades.

Dispensáveis, sim, porquanto outras formas de controle de arquivamento de inquérito e peças de informações poderão ser imaginadas sem que a sociedade pague custo tão elevado para isso.

Chega à beira do risível dizer que, com a mudança prevista no anteprojeto, a lei processual estará em harmonia com o modelo acusatório adotado pelo nosso ordenamento jurídico. Essa afirmativa não passa de um jogo de palavras, enfim de sedutora retórica.

Ora, a sociedade brasileira precisa de um modelo de investigação policial ágil, seguro, eficiente e que não gere ao erário despesas inimagináveis. A remessa obrigatória ao órgão superior de todas as peças de informações e inquéritos arquivados que tramitam em primeira instância nas delegacias desse Brasil, como se pretende, exigirá incontáveis modificações estruturais em todo o Ministério Público para recepcionar a mudança assinalada. E a sociedade brasileira, pode, em tempo de tamanha desolação, dar-se a esse luxo?

Não me iludo, imaginando que a feraz expansão funcional e material decorrente da modificação pretendida do artigo 28 do CPP surja como fator de fortalecimento do Ministério Público. Ao contrário. A instituição estará dando passos irremediáveis para seu ingresso no mundo das instituições obesas, podendo, num curto espaço de tempo, experimentar as conseqüências nefastas da concreção desse desejo maléfico retratado no anteprojeto.

O artigo 28 do CPP, na forma - e não na reforma - prevista, é instrumento procedimental que não abala a autonomia do Promotor de Justiça. Muito pelo contrário, afigurando-se autêntico recurso do magistrado diante do órgão ministerial, que no exercício exclusivo da ação penal optou pelo arquivamento do inquérito.

Se o propósito da aludida remessa obrigatória é fiscalizar a ação do Promotor de Justiça de primeiro grau, que se faça por mecanismos já existentes ( ex.: fiscalização freqüente de integrantes dos órgãos superiores às promotorias), ou que sejam criadas formas de controle menos onerosa e que não venham proporcionar o inchaço do Ministério Público; se, no entanto, o propósito da modificação do famigerado artigo 28 é afastar de vez a figura da autoridade judiciária de qualquer interferência no inquérito policial, como se ao Judiciário não interessassem as mentiras e verdades que pulsam no inquérito, a questão, nesse caso, toma forma de odioso corporativismo, que benefício algum trará ao ordenamento jurídico ou ao Ministério Público. A sociedade e o MP, certamente, não sairão engrandecidos pela pretensa inovação legislativa, porquanto estará a nova redação do artigo 28 impregnada de tola, vazia e dispendiosa vaidade.

Será que os idealizadores da aludida remessa obrigatória, verdadeira contra-revolução processual, imaginaram o tamanho do rombo que tal medida geraria às burras do Estado?

O fato é que a redação proposta ao artigo 28, no tocante à remessa obrigatória do inquérito policial ao órgão superior do Ministério Público, representa evidente retrocesso - de custo social nenhum pouco desprezível - à persecução penal em sua fase inquisitiva, e, por isso, espera-se do legislador um não mastodôntico a esse luxo perdulário, que na essência de novo nada traz para aprimorar ou atender as necessidades prementes da moderna investigação policial.

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Sobre o autor
José Ademir Campos Borges

promotor de Justiça em Barretos (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, José Ademir Campos. O lado anacrônico na reforma do art. 28 do CPP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2533. Acesso em: 26 abr. 2024.

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